José Antonio Jacob

Juiz de Fora, MG (1950 - 2022)




BOLHAS DE SABÃO
José Antonio Jacob

Diverte-se na rua a meninada...
A nossa vida é um raio de ilusão!
O nada existe e tudo vem do nada,
Sem peso ou forma e sem composição.

Mas, um miúdo guri de pé no chão,
Sentado na pontinha da calçada,
Esparge o céu que encobre a criançada
Com nuvens de bolinhas de sabão.

O menino acredita em outras vidas
Expostas nas pupilas coloridas
Dos seus olhinhos puros de esperança.

Minha alma estremecida de emoção,
Também avista o que vê esta criança
Nas pequeninas bolhas de sabão!


VELHICE FELIZ
José Antonio Jacob

Muitas vezes eu mesmo me pegava
Debruçado em meus próprios desenganos
Na sacada da casa onde eu ficava
Feito inquieto garoto a fazer planos.

Nessas horas sozinhas que eu passava,
No agasalho macio dos meus panos,
Pelo chão eu contava e recontava
Os pisados ladrilhos dos meus anos.

E mesmo tendo a vista desbotada
E à distância dos risos da ciranda,
A solidão não me deixou descrente...

Permaneço sorrindo para o Nada,
Contando os azulejos da varanda,
Enquanto a vida vai passando em frente.


DE VOLTA AOS QUINTAIS
José Antonio Jacob

Mesmo corrido o tempo guardo apreço
Aos meus passos cansados, desiguais,
Que sempre me levaram sem tropeço
Ao refúgio da infância nos quintais.

Nada mudou! De longe reconheço
A confraria alegre dos pardais,
E as mesmas roupas claras nos varais:
Nunca tirei dali meu endereço!

Apenas me ausentei de casa cedo,
Qual criança que se afasta do folguedo
Para mais tarde o aconchegar a si.

Eu sou esse menino arrependido
E quero o meu brinquedo envelhecido
Para brincar no tempo que perdi!


  O VENDEDOR DE BONEQUINHOS
José Antonio Jacob

Todo dia na beira da calçada
Uma corda encantada eu estendia
E nela pendurava uma braçada
De bonequinhos feios que eu vendia.

Eram polichinelos que eu fazia
De trança de algodão à mão desfiada,
No pano das feições não conseguia
Puxar-lhes traços de melhor fachada.

Ao desbotar o azul no fim do dia,
Quando eu os desatava dos alinhos
Desse varal de cordeação brilhante,

Esses desengonçados bonequinhos
Desciam-me nas mãos com alegria
E me davam abraços de barbante!


O VIRA-LATA
José Antonio Jacob

Ele aparece sempre de repente,
Na estreita ruazinha ensolarada,
Examinando o chão à sua frente,
De repente se volve e fita o nada.

Mas logo vai adiante novamente,
Em gesticulação mais animada,
Quando numa caçamba ele pressente
Ter encontrado um mimo na calçada.

Então vira o latão enferrujado
Ali remexe um sujo guardanapo
Que alguém deixou com resto de comida.

Depois, vai removendo, com cuidado,
Pedaço por pedaço, cada fiapo,
De uma migalha que sobrou da vida.

  
CASINHA DE BONECA
José Antonio Jacob

Um dia ela guardou os seus segredos,
Pois que sentiu que o amor ao longe vinha,
Trancou no quarto todos seus brinquedos
E o sonho da boneca e da casinha.

E foi buscar aquilo que não tinha
No alegre faz de conta dos seus dedos,
Contou tristezas e chorou sozinha,
Depois sorriu das mágoas e dos medos.

Passou o tempo e ela seguiu a sina,
Assim, com a decência que ilumina,
Também andou por aonde o mal caminha...

Quanta ternura tem essa velhinha,
Que fica no seu quarto de menina,
Brincando de boneca e de casinha!

  
ROSEIRAS DOLOROSAS
José Antonio Jacob

Estou sozinho em meu jardim sem cores
Mesmo que eu tenha mágoas bem guardadas,
Cuido dessas roseiras desmaiadas
Que em meu canteiro nunca abriram flores.

Feito tímidas almas delicadas,
Que se emudecem sobre seus temores,
Abortam seus rebentos nas ramadas,
Enquanto vão morrendo em suas dores.

Quantas almas, que por serem assim,
Como essas tristes plantas no jardim,
Calam-se a olhar o nada, tão descrentes...

Feito as minhas roseiras dolorosas,
Que só olham para a vida, indiferentes,
E não me dão espinhos e nem rosas.


O BEIJO DE JESUS
José Antonio Jacob

Eu era criança, mas já percebia,
O pouco pão que havia em nossa mesa
E a aparência acanhada da pobreza,
Que tinha a nossa casa tão vazia.

De noite, antes do sono, uma certeza:
A minha mãe rezava a Ave-Maria!
E ao terminar a prece eu sempre via
No seu olhar uma esperança acesa.

Após a reza desligava a luz,
Beijava o crucifixo, e a fé era tanta,
Que adormecia perto de Jesus.

Depois que ela dormia (isso que encanta)
Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...
  

QUANTO TEMPO NOS RESTA?
José Antonio Jacob

Nossa vida é uma história mal contada,
Uma vaga novela incompreendida...
Para alguns é um feliz conto de fada,
Para outros uma lenda indefinida...

Vivemos, de alvorada em alvorada,
(Que tempo ainda nos resta nessa vida?)
A dar sorrisos largos na chegada
E a lamentar a perda na partida.

Que bom matar o tempo numa rede,
Se ele nos desse a viva eternidade
De um quadro pendurado na parede...

Enquanto a vida passa e o tempo avança,
Quanta tristeza vai numa saudade,
Quanta alegria vem numa esperança!


DESENCONTRO
José Antonio Jacob

Vivíamos em plena sintonia
Dos sentimentos leves e saudáveis.
Éramos jovens almas agradáveis
De afeto, de carinho e de alegria.

A paz intimamente nos sorria
Em saudações contínuas e amigáveis;
Os dias alongavam-se amoráveis,
Corria o tempo e a vida decorria.

Na ingenuidade dos adolescentes
Jamais soubemos da desesperança
Das trilhas, de um desvio repentino.

Depois seguimos rumos diferentes:
Eu regressei na estrada da lembrança
E ela seguiu nos braços do destino.

(Rio de Janeiro, junho de 1981)


IDEIAS
José Antonio Jacob

Espírito de tantas aventuras
Cintilas entre as coisas distraídas
Para iludir humanamente as vidas
Que por acaso estão noutras alturas.

De onde procedes e o que então procuras,
Dentre as inesperadas investidas,
Que aparecem em horas retraídas
E que razão por fim nos asseguras?

Deste-me, em parte, a herança das quimeras,
A lucidez das almas sensitivas
E a solidão das gerações ateias.

Pelo longínquo azul de outras esferas
Sigo, vagando em tardes pensativas,
No voo inatingível das ideias...

(Juiz de Fora, maio de 1982)


PAISAGEM
José Antonio Jacob

Resiste ao tempo, embora amarelada,
Uma paisagem de moldura rosa.
Decerto uma pintura afetuosa
Que alguma alma, suave e descuidada,

Deixou de lado. A mágoa pendurada
Na estampa, é a imagem muda e dolorosa
De uma vida que foi desventurosa
Impressa numa tela desbotada.

Um dia, nesse quadro descorado,
Entrei inteiro em busca do passado
Para entender a sua realidade.

E, no silêncio antigo das aldeias,
Nessas paragens que me são alheias
Rocei a face triste da Saudade.

(Conceição do Castelo -ES, abril de 1983)


ALMAS RARAS
José Antonio Jacob

As almas simples são as almas raras,
De luz intensa e projeção pequena,
Que nos circundam de maneira amena:
Como são nobres essas almas caras!

São os espíritos das outras searas,
Que pela vida passam, numa plena
E esplêndida energização serena
De um vento pastoreando as nuvens claras.

O tempo passa, o tempo que não dorme!
A vida andando, tarde sobre tarde,
Sem demover essa humildade enorme.

Gosto demais dessas criaturas boas
Que passam pela vida sem alarde:
Como nos fazem bem essas pessoas!

(Juiz de Fora, junho de 1983)


DESENGANOS
José Antonio Jacob

Vai longe, na memória da distância,
Mesmo assim achegou-me uma vontade
De reaver meus petrechos de saudade
Nos verdes arraiais da minha infância.

Devagar fui perdendo com a idade
O tom das cores e o éter da fragrância
Das flores que ficaram nessa estância
Que é o meu canteiro bom da mocidade.

É que eu saí da roça e andei descrente,
E lá deixei a última semente
Dos sonhos... ao verdejo dos quintais...

Depois, no decorrer dos desenganos,
Retrocedi no tempo muitos anos,
Mas não achei meus sonhos nunca mais.

(Alegre -ES, janeiro de 1986)


ALEGORIA
José Antonio Jacob

A esplêndida aquarela que te anima
E a luminosidade que ora emanas
Refletem a beleza cristalina
Das mais sutis fascinações humanas.

Essa energia intensa que ilumina
As tuas formas, santas e profanas,
É a mesma luz, helênica e divina,
Das divindades gregas e romanas.

Nessa tranqüila e eterna alegoria
Reluz em ti toda a mitologia
Das gerações longínquas e imortais.

Ainda assim é maior o teu encanto,
Pois, sendo deusa eu te venero tanto,
Fosses humana eu te amaria mais!

(Juiz de Fora, setembro de 1988)


DOMINGO EM CASA
José Antonio Jacob

Todo domingo é assim: hora comprida...
Contraio os músculos (que horrível tique)
Para arrumar a casa sacudida,
Antes que a confusão se multiplique.

Como se fosse criança extrovertida
Empurro móveis pela sala a pique,
Depois desfaço e faço outra investida
E acabo na cozinha em piquenique.

Todo domingo é assim:  O Nada é lento...
(O Nada é a preguiça que nos dá)
Nessa hora boa pulo no sofá.

Como é saudável adormecer, sonhar...
Quando mais tarde acordo sonolento
Recoloco a mobília no lugar.

  
SONETO PARA O POETA TRISTE
José Antonio Jacob

Nessas horas de folga e de doçura,
Que passo o tempo a ler meu poeta triste,
Eu sinto o quanto a sua ideia apura
Tal a chama de luz que nela existe.

O meu poeta que é doloroso insiste,
Compor num poema de elegância pura
Tanta dor que a minha alma não resiste
E sinto pena dele com ternura...

Fecho o livro e me ponho a caminhar
Pelo parque sem cor e as horas morrem
E outros soluços sobem-me no olhar.

Pois que se passo sobre o açude, as águas,
Que dos meus olhos lentamente escorrem,
Entornam lá no lago as minhas mágoas.



O VERSO ÚNICO
José Antonio Jacob

Escrevo porque sinto muita pena
Da frase ingênua que me sobe à fala
E que articulo com a voz pequena
Para ninguém ouvi-la e nem julgá-la.

Um dia ouvi de um poeta a voz serena,
Um cântico de amor  que não se iguala 
Num sarau divino em mansão terrena.
Depois de ouvi-lo, abandonei a sala.

Ah, como eu queria estes versos bons,
De delicados e sonoros tons...
(Por que se umedeceu o meu olhar?)

Se existe o verso único e feliz,
O carinho é a poesia que se diz
A quem ficou em casa a me esperar.


CARRETÉIS
José Antonio Jacob

Nem bem o sol abria os seus bordados
De luminosas cores, entre as bigas
De carretéis e fósforos usados,
Eu já premeditava as minhas brigas.

Para vencer armadas inimigas
Enfileirava de olhos encantados,
Um exército imenso de soldados
Numa carreira longa de formigas.

O que passou da vida eu não senti
O tempo inteiro fui ficando ali
Nos digitais alegres do passado.

Essa alma calma, que ainda vive em mim,
É aquele menininho sossegado
Que brinca de guerreiro no jardim. 


CREPÚSCULO DE UMA ÁRVORE
José Antonio Jacob

Sempre terei por toda minha vida
Piedade dessa árvore alquebrada,
Que se reclinou dócil e entristecida
Deitando a galharia sobre a estrada.

Parece que ela abriga uma ferida
Dentro da frágil alma desfolhada,
Pois que nem mesmo a alegre passarada
Pousa-lhe mais na rama enfraquecida.

Este pomar em volta bem plantado,
Cuja folhagem refloresce ao lado,
É fruto dessa árvore tristonha.

Que mesmo fraca e envelhecida sonha,
Pois que decerto está sonhando agora
Com as viçosas florações de outrora.


DESENHO
José Antonio Jacob

A nuvenzinha que no céu passou,
Lépida e alegre, sem nenhum rumor,
Num pé de vento foi e não voltou:
Era uma folha num jardim sem flor...

Virando a folha um sol no céu brilhou
E fez surgir um dia de esplendor;
Veio uma sombra e o dia se apagou:
Era um desenho num papel sem cor...

Por que será que meu rabisco leve,
Que traço em suavidade colorida,
Esvoaça fácil feito um sonho breve?

Então tudo que amei foi despedida...
E por que o meu destino não escreve
Uma história feliz na minha vida?

  
FLORZINHA
José Antonio Jacob

Eu andava contente até então,
Nem de longe pensava em desamor,
Eis que de um ramo despencou-se ao chão
A pálida corola de uma flor.

E quem tocou de dor sem compaixão
Essa frágil florinha já sem cor:
A leve brisa em crise de tufão
Ou a inquieta avezinha sem amor?

Então, pequena flor é bem assim?
Enquanto o tempo mais afasta o Outrora
O dia nos declina para o fim.

Cada encontro é uma nova despedida...
O pesar é a moldura que decora
A paisagem feliz da nossa vida.



O ESPELHO
José Antonio Jacob

Lá fora o vento alegre zomba e passa,
Descalço minhas meias de algodão
E vejo o céu azul de pés no chão,
Enquanto a vida escorre na vidraça.

Mas um fantasma amigo da desgraça,
Que em minha casa faz assombração,
Rabisca nas paredes de argamassa
Grotescas letras de desilusão.

Alma Sem Paz, que vive de favor,
Vive a insultar o cômodo onde mora.
Que terrível visão do Desamor!

Eu vou fugir de casa qualquer hora,
Minha presença só me causa dor...
Esse vulto no espelho me apavora!



SONHO DE PAPEL
José Antonio Jacob

Ainda escuto o som de água no rochedo,
Retumba o oceano a nódoa da ambição,
Por isso, meu amor, que sinto medo
De ouvir no mar o som da solidão.

Velhos pesqueiros vão à lentidão,
Lá no horizonte o empós cria um segredo...
Estes barquinhos são de papelão
E o mar é um grande espelho de brinquedo...

Eu amo a vida e quão pequeno sou,
Mas lanço um sonho nesta imensidão
E nele, de alma pendurada, vou...

Suspenso em minha pipa de papel,
Que vai transpondo nuvens de algodão,
Para meu sonho aterrissar no céu!



VELHO ÓRFÃO
José Antonio Jacob

Desde cedo esperei o que não vinha,
Mas minha vida foi perdendo o prazo:
Fui vendo a minha sombra mais sozinha
E o meu destino cada vez mais raso.

Enquanto andei do quarto até a cozinha,
Pesou-me o passo e me causou atraso,
Desfolharam-se os dias na folhinha...
O outrora foi murchando em meu ocaso.

Súbitos longos anos tão estreitos,
Sinto vê-los perdidos sem proveitos,
Pois sem bem-feitos não me presto mais...

Eu sou aquele velho desolado,
Que vive a andar atrás do seu passado,
Como a criança órfã que procura os pais.




Fonte: http://joseantoniojacob.blogspot.com.br/






3 comentários:

  1. Vasco de Castro Lima nos deixou impresso um acervo com cerca de mil páginas, prefaciado pelo notável escritor e poeta João Rangel, intitulado "O Mundo Maravilhoso do Soneto", fruto de incansável e profunda pesquisa, digno de enriquecer as melhores e mais bem dotadas bibliotecas da língua portuguesa em qualquer parte do mundo. É um legado de riqueza sem igual para os amantes da literatura poética.

    Hoje, com o mesmo entusiasmo e profícuo espírito apurativo, estamos a ver desabrochar na internete este imensurável pomar de sonetos, um verdadeiro Jardim Botânico da Poesia, onde estão sendo replantadas as mais raras e sublimes raízes do soneto e suas ramificações. Este espaço é o Éden onde podemos desfrutar as delícias da leitura poética.
    Este trabalho se deve à incansável e refinada faina de investigação intitulada "O Secular Soneto" realizado pela competente e estudiosa escritora e poetisa, Regina Coeli Rebelo da Rocha, do Rio de Janeiro, cidade onde certamente foram dessoterrados raríssimos tesouros arqueológicos do soneto, desde todos os tempos.

    Não ouso (tampouco conseguiria) com este modesto comentário apresentar nem o preâmbulo dessa gigantesca e magnífica obra.
    José Antonio Jacob

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  2. Ruth Olinda Gentil Sivieri31 de março de 2017 às 12:11

    Poeta amigo, seus sonetos nos remetem a lugares nunca antes visitados.
    É nostalgia, é vivência e tudo que há de belo.
    Parabéns!
    Ruth Gentil Sivieri

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  3. Ilustre e querida poetisa e professora Ruth Olinda, suas palavras já me recompensaram, sobremaneira, todo tempo passado ou futuro. Por isto eu as deixarei expostas no indestrutível e perene estojo das eternas palavras que exprimem sentimento de sinceridade e de ternura. Muito obrigado, estimada mestra!
    José Antonio Jacob

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