As literaturas hispano-americanas
dividem-se, por assim dizer, em duas longas épocas — a colonial e a nacional.
Isto é absolutamente lógico, pois nos estamos referindo a países novos. E
estes, nada poderiam fazer sem mirar-se nas civilizações que, pelo sangue, os
precederam.
O mesmo aconteceu, obviamente, com as
literaturas norte-americana e brasileira. Conquistada pelos europeus, a América
não tinha como fugir a esses domínios lingüísticos.
Na América do Sul (excetuado o Brasil), na
América Central e nas Antilhas, os poetas da época colonial eram, portanto, de
formação espanhola.
Coincidindo com a revolução ditada pelo
Romantismo, o movimento de emancipação desses países foi criando uma cultura
literária ungida de sentimento patriótico, não só na poesia, como na prosa. O
nativismo era uma tônica de suas características regionais. E esse ideal acabou
por ganhar maturidade, com o advento do parnasianismo e do simbolismo. Aliás,
todas as fases que predominaram na França vieram refletir-se na América.
Não se pode ignorar, também, uma
particularidade interessante, que é a preponderância do meio. Nestas regiões,
os poetas tendem para o paisagismo, rodeados que se acham de belezas naturais
exuberantes e pictóricas.
Enquanto a poesia européia se vê tolhida
por uma natureza pálida e nevosa, os poetas do Novo Mundo se embebedam de luz e
calor, contemplando um ambiente ensolarado e alegre.
Componentes de povos jovens, não são
tomados pelo pessimismo e pelos sentimentos mórbidos, próprios de civilizações
saturadas. Embora herdeiros do velho pensamento francês, adaptam, por
temperamento, as emoções alheias às próprias emoções.
Lopes Rodrigues, autor de uma obra
maravilhosa, intitulada "Castro Alves", escreveu um capítulo,
"Poeta da América", designação que dá ao seu biografado. Ele desfia,
com riqueza de detalhes, possivelmente inédita, e com uma agudeza digna do
notável escritor que foi, todo um cortejo de poetas americanos, demorando-se em
considerações justas em torno daqueles que denomina poetas sociais.
E dá uma ênfase muito especial e carinhosa
aos da América Latina, afirmando que "as nações latino-americanas foram
aureoladas, em todos os seus movimentos revolucionários, por um influxo de
ritmos".
Continua Lopes Rodrigues:
— "São os grandes vates patrióticos;
os épicos das causas sociais; os colecionadores de harmonias; os paladinos da
liberdade; os poetas indianistas; os rouxinóis que morreram cantando pela
pátria; os sonhadores de unificações territoriais; os cantores das tradições populares
de regiões lendárias; os autores de poemas que se transformaram em hinos
nacionais; os príncipes do romantismo tropical; os soldados que empunharam a
lira para iluminar as angústias e as inquietações dos povos; os ardorosos
condutores da mocidade; os líricos do amor e da morte; as musas condoreiras e
épicas das revoluções sagradas; os arautos do nacionalismo na América; as
cigarras de luz que escreveram cantos de esperança".
*
Quanto ao soneto, é ele, das formas
literárias, a mais cultivada pela maioria dos poetas latino-americanos. A
verdade é que conhecíamos e apreciávamos alguns poetas americanos de língua
espanhola. Os mais populares. Graças, porém, ao esforço talentoso e meritório
demonstrado, em suas antologias, pelo grande poeta J. G. de Araujo Jorge e
Rosália Sandoval, principalmente o primeiro, podemos, agora, arrolar uns tantos
outros nomes de excelentes sonetistas menos divulgados ou traduzidos para o
português. Das citadas antologias constam traduções feitas, não apenas por
esses dois poetas, mas, ainda, por terceiros.
Se os longos poemas (obviamente não
apresentados aqui) são mais fortes, épicos, patrióticos, reveladores das
grandes inquietações e angústias dos povos latino-americanos, os seus sonetos
são mais simples, bons, tão bons quanto os de outras quaisquer línguas.
Os leitores terão, a seguir, oportunidade
de verificar que lhes oferecemos sonetos expressivos, através de traduções e
versões não menos expressivas: sonetos que formam, sem exagero, um florilégio
digno desse nome:
ARGENTINA
G.
P. Monti*
"Evocação"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Pulsa
na noite azul que a luz suaviza
uma
lua clorótica e recente,
e
na lembrança surges, lentamente,
vaporosa,
inconsutil, imprecisa.
Do
que há tempos . surgiu, e se eterniza,
ainda
és, por certo, uma impressão ardente,
e
embora assim presente, estás ausente,
teu
sorriso, ao sorrir, desfaz-se em brisa...
Teus
olhos olham com olhar de sonho,
o
teu suave perfume em vão aspiro
e
a uma emoção real todo me exponho;
e
nesse encanto astral flutuas no ar:
és
uma flor de amor- feita suspiro,
um
suspiro tornado em luz de luar!
________
(*) - Prosador,
ensaísta literário e poeta.
Diego
Fernández Espiro
"Oferenda"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Despojo
eu sou de duras tempestades
que
açoitam como o vento o mar profundo,
e
errante sigo, atravessando o mundo
ao
fulgor de sinistras claridades.
Trago
o espírito, em mim, de outras idades
gérmen
de glória e de pesar fecundo,
sou
um poeta feliz, o vagabundo
rimador
de aventuras e saudades.
Apóstolo
do belo, visionário,
subo,
a escalar feliz minha loucura
essa
escarpada encosta do Calvário,
à
Dor, pedindo a derradeira luz,
da
Beleza, adorando a face pura,
e
arrojando a seus pés meus versos nus!
Antonio
Monti
Soneto
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Me
dizes que dos pássaros eu tenho
todas
as notas para assim cantar-te.
Quero
que saibas: foi só por amar-te
que
de tão longe eu ensaiando venho.
Noutros
tempos, meu verso foi roufenho:
andava
pelo mundo magro de arte.
Analisa-o
agora, parte a parte,
e
convirás quanta razão eu tenho.
Estudei
para pássaro primeiro.
Tomei
lições depois com Mestre Vento
e
ouvi-o com atenção de um marinheiro.
O
mar, também, me deu o seu talento,
e
conhecendo o amor, o mais puro e alto,
aprendi
a cantar e assim te exalto!
Enrique
Larreta*
(1873-1961)
"A
queixa de Dom Juan"
(Trad.
de Jacy Pacheco)
Por
que, em vez de chorar, não me magoaste?
Por
que foste to doce e tão honrada?
Por
que sempre, a meus pés, desconsolada,
findar
o nosso idílio tu deixaste?
Por
que pressentiste o cruel desgaste
do
nosso amor? Por que, ó minha amada,
não
foste um pouco infiel e desalmada,
para
atiçar o fogo que inflamaste?
Perdi-te,
sem saber o que perdia.
Eu
culpo a tua cândida nobreza,
que
não mediu o que me oferecia.
Hoje,
sombrio e só, nessa tristeza,
pensando
em ti, maldigo, todo o dia,
minha
inconstância e tua fortaleza.
________
(*) - Poeta,
novelista, ensaísta e dramaturgo.
Carlos
Alberto Leumann*
(1886-1952)
"Tragédia simples"
(Trad.
de Jacy Pacheco)
Tinham
ambos quinze anos. Com delírio
queriam-se;
porém, ela escondia
sua
enorme ternura, e ele temia
dizer-lhe
o seu segredo, o seu martírio.
O
tempo ia correndo, enquanto Sírio
com
reflexos de prata o céu feria.
E
passaram-se os dias... Certo dia
ela
ficou tão branca como um lírio.
Morreu
sonhando... E ele, com passo tardo
buscando-a pela fúnebre pradeira,
achou
a tumba entre o crescido cardo.
E
ali, junto da amada companheira,
alma
ferida de pungente dardo,
falou
de seu amor a vez primeira.
_______________
(*) - Poeta,
jornalista, novelista, dramaturgo e crítico literário.
Héctor
Pedro Blomberg*
(1899-1955)
"Velhas
cartas de amor"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Ah,
queimá-las não pude... É que elas — quem diria? —
guardam
murchas assim, tua morta paixão,
—
a febre de uma noite, as lágrimas de um dia —
como o eco já sem voz de urna
última canção.
Tuas
cartas! — num tempo a que eu retornaria —
fizeram palpitar de amor meu coração...
Depois,
veio o silêncio, a distância, a agonia,
e
o bálsamo do tempo — a cruel consolação!
Vivem
nelas ainda um romance apagado,
a
luz da mocidade, o fogo de um passado,
a glória de uma vida aos vinte anos em
flor...
Ontem,
contava-as, sim — com um gesto indiferente...
Mas,
sobre elas caiu uma lágrima ardente...
E
não pude queimar tuas cartas de amor...
_____________
(*) - É, talvez, o mais
popular dos poetas argentinos. Artista original,
seus motivos nada têm de comum
com os dos outros poetas.
Arturo
Capdevilla*
(1889-1967)
"Em
vão"
(Trad.
de Mello Nóbrega)
Quanto
verso de amor, cantado em vão!
Como
minha alma está ficando velha
ao
recordar a história em que se espelha
a
insensatez dos tempos que se vão!
Quanto
verso de amor, gemido em vão!
A
princípio, o nectário e eu, a abelha...
Depois...
Meu coração todo se engelha
na
neve amarga em que se fez ancião.
Quanto
verso de amor, perdido em vão!
— Minha janela em luzes se recorta...
Ainda
vivo... que flores!... é verão...
Dá-me
pena, entretanto, à minha porta,
como
uma triste borboleta morta,
tanto
verso de amor, chorado em vão!
____________
(*) - Como jornalista,
dirigiu a seção literária de "La Prensa", de Buenos Aires. Poeta de
grande sensibilidade, tido como um dos mais destacados elementos da renovação
poética de seu país. Ronald de Carvalho definiu-o como o
"poeta da
melancolia".
Alfonsina
Storni*
(1892-1938)
"A
súplica"
(Trad.
de Oswaldo Orico)
Senhor,
Senhor, há muito tempo, um dia,
sonhei
o amor, como ninguém houvera
ainda
sonhado, amor que fosse e que era
a
vida toda todo uma poesia.
Passa
o inverno e esse amor não chegaria,
passaria
também a primavera;
o
verão persistente volveria...
E
o outono ainda me encontra à sua espera.
Ó
Senhor, sobre minha espádua nua,
faze
estalar, por mão que seja crua,
o
látego que mandas aos perversos,
que
já anoitece sobre minha vida
e
esta paixão ardente e desmentida
eu
a gastei, Senhor, fazendo versos!
___________
(*) - Embora tenha
nascido na Suíça, é considerada argentina, porque na Argentina viveu toda a sua
vida. Forma, com Gabriela Mistral e Juana de Ibarbourou, o trio feminino de
maior inspiração poética no Continente, em língua espanhola. Suicidou-se em Mar
del Plata, apressando o fim de seu mal incurável.
Alfonsina
Storni
(1892-1938)
"Moderna"
(Trad.
de Luís Antônio Pimentel)
Dançarei
numa alfombra de verdura.
O
vinho será posto em taça de ouro,
própria
para servir um licor louro,
brindando
a noite plena de frescura.
Dançarei
como a terra, a terra pura,
como
a terra serei algum tesouro,
e
o dar-me pura não será desdouro,
pois
dar-se é uma alta forma de ternura.
Dançarei
para que de tudo esqueças
e hei de embriagar-te, amor, sem que
adormeças,
até que Vênus passe pelos céus.
Algo,
porém, de ti será escondido,
porque
pagã, de um século falido,
não
deixarei cair todos os véus.
Luís
Cané*
(1897-1957)
"Metamorfose"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Sufocar
este amor, enriqueceu
meu
coração de canto e de harmonia,
e
em claro manancial de poesia
sua
secreta dor se converteu.
Tornou-se
canto tudo o que sofreu;
a
pena sem consolo, em alegria,
minha
noite por dentro, fez-se dia,
e
se pôs a lembrar do que esqueceu...
A
sofrer por amor, fez disto um gozo,
na
face, a flor de um riso, invés de pranto,
e
oculta na raiz, a alma ferida...
E
a fingir um destino venturoso
e
a parecer que o canto era só canto,
acabou
alegrando a própria vida!
________
(*) - Poeta lírico de
renome em seu país e, também, fora da pátria. Às vezes emotivo, às vezes
irônico, e sempre um poeta original.
*
CHILE
Guillermo
Blest Gana*
(1829-1904)
"Olhar
retrospectivo"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Chegando
à última página da vida
—
tragicomédia que me desespera —,
volvo
o olhar para o ponto de partida
sentindo a dor de quem já nada espera.
Quanta
nobre ambição que foi quimera!
Quanta
bela ilusão desvanecida!
Sombreada
vejo a estrada percorrida
só
com flores de morta primavera.
Porém,
nesta hora lúgubre, sombria,
de
severa verdade e desencanto,
de
supremo amargor e de agonia,
eis
meu maior pesar, meu triste canto:
não
ter amado mais! Eu que queria,
eu
que pensava ter amado tanto!
__________
(*) - Poeta clássico,
cuja inspiração é, em geral, melancólica.
Juan
Guzmán Cruchaga*
(1895-1979)
"Presença"
(Trad.
de Fernando Torquato Oliveira)
Estás
presente em tudo quanto admiro,
em
tudo quanto digo ou que lamento,
nas
fontes virgens do meu pensamento
e
na amarga razão do meu suspiro;
na
atmosfera do Outono que respiro,
na
lua argêntea e no rolar do vento,
na
fuga das correntes, e no alento
da
pequenina estrela em seu retiro.
Foi
há mil anos que nos encontramos,
obedecendo
sempre aos mesmos amos.
A
mesma luz traçou a nossa sorte.
O
amor nos deu igual penalidade,
igual
prisão e a mesma liberdade,
e
deu-nos finalmente a mesma morte.
___________
(*) - Poeta simples,
emotivo, um dos mais populares do país andino.
Ternura e desencanto são os
principais traços de sua poesia.
Gabriela
Mistral* (Lucilia Godoy y Alcayaga)
(1889-1957)
"O
menino só"
(Trad.
de Agmar Murgel Dutra)
Parei,
ouvindo um choro, em meio da subida,
e
então me aproximei da choça do caminho.
Com
doçura, do leito, olhou-me um garotinho;
e
a ternura me deu a ebriez da bebida.
Lá
na lavoura a mãe se retardou na lida;
e
o infante, ao acordar, procurou logo o ninho
do
róseo seio... e pôs-se a chorar... Com carinho
ao
peito o aconcheguei, ninando-o enternecida.
Pela
janela aberta a lua nos fitava.
A
criança dormia, e a canção me banhava
como
um outro luar, o peito enriquecido.
E,
assim, quando a mulher a porta abriu, aflita,
em
minha face viu tanta ventura escrita,
que
em meus braços deixou o filho adormecido.
_________
(*) - Tanto na prosa,
como na poesia, é inigualável em riqueza e harmonia. Romântica e mística .
Escreveu, entre outros livros, "Sonetos da Morte". Prêmio Nobel de
Literatura, em 1945. O suicídio do noivo ensombrou sua poesia
para sempre.
Gabriela
Mistral (Lucilia Godoy y Alcayaga)
(1889-1957)
"O
pensador de Rodin"
(Trad.
de Agmar Murgel Dutra)
Queixo
pendido sobre a rude mão,
pensa
na carne, feita de fraqueza.
Carne
que odeia a morte e ama a beleza
e
que há de um dia apodrecer no chão...
Vibrou,
na Primavera, de paixão,
mas
agora, no Outono, com tristeza,
de
que a carne é mortal, sente a certeza
no
agudo bronze, ao vir da solidão...
A
angústia põe-lhe os músculos retesos,
rompem-se
os sulcos pelas dores presos
como folhas de Outono, a um Senhor forte
que
o chama... E não existe criatura
cujos
nervos se crispem na tortura
como
os deste homem a pensar na morte...
Gabriela
Mistral (Lucilia Godoy y Alcayaga)
(1889-1957)
"Soneto
da Morte"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Destinos
a escolher eu tive. E, todavia,
elegi
um tristonho — ofício de ternura —
temerário,
talvez, sem luz, sem alegria,
de
fazer-me cipreste em tua sepultura.
Uma
linda canção toda feita harmonia
os
homens vão cantando alegres, com doçura,
canção que hoje é lascívia e que será
loucura
amanhã... e, depois, misticismo. E eu, um dia,
compus
a que acalenta alguém que foi alheio
a
todo o meu afeto, a todo o sonho meu,
que
gostou de outro lábio e dormiu noutro seio.
Hoje
é morto. E nesta hora, austeramente larga,
só
de um lábio é escravo e de um cipreste — eu —
que lhe adoço o dormir dentro da
terra amarga.
Aída
Moreno Lagos*
(1896-1943)
"Como
olvidá-lo?"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Como
olvidá-lo? se na minha vida
deixou
o encanto do primeiro amor?
E
me deixou a estrada enflorescida
e
seus beijos minguaram minha dor?
Como
olvidá-lo, se a alma dolorida
lembra
seus olhos cheios de negror?
Se
o eco dessa voz enternecida
vem
recordar-me seu sorrir de amor?
Olvidá-lo?
Impossível. Seu ameno,
seu
meigo olhar será a eterna história...
Amar,
sofrer!... Que a vida seu veneno
verta
em minha existência transitória,
e
minhas mãos, se o meu olhar for mudo,
hão
de estender-se a perdoar-lhe tudo.
_________
(*) - A tradutora diz
que, "como Auta de Souza, a dolorida poetisa brasileira de
"Horto", Aída Moreno conta suas ilusões despedaçadas pelo vento cruel
de um desengano traidor".
*
COLÔMBIA
Jorge Isaacs*
(1837-1895)
"Sonhei"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Sonhei
feliz que à tua casa um dia
alta
noite, levou-me amor veemente,
e
eu aspirei o delicioso ambiente
velado,
numa luz suave e macia.
Sobre
moles coxins, de fantasia,
dormir
fingias voluptuosamente:
a
cabeleira de ébano, luzente
sobre
as brancas roupagens se perdia.
Trêmulo
de emoção e de ansiedade
beijei-te,
com os meus lábios abrasados...
Surpresa
e carinhosa me sorriste...
Não,
não baixes teus olhos por piedade!
Que
brilhem de prazer, iluminados,
fazendo alegre a minha vida triste!
________
(*) - Poeta, novelista,
dramaturgo. É autor de uma novela, "Maria",
que foi traduzida para
inúmeros idiomas.
Guillermo
Valencia*
(1873-1943)
"Enigma"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Cintilam
no zenite da memória
uns
olhos... De quem são? Morto, de certo
ainda
os verei... Se insone, estão por perto,
não
sei que olhos serão, qual sua história...
De
Helena, de Cleópatra, de Anactória,
ou
de Palas? Sondaram o deserto
com
Agar? Ou o mundo descoberto
acenaram
aos nautas, como glória?
Não
pode ser! Porque a vivacidade
desses
olhos me envolve como um cerco
e
me acende lembranças sem adeus...
Vão-se
os dias... Febril é a ansiedade...
Em
conjeturas vãs, me afundo e perco...
Eis
que passas... E eu grito: são os teus!
_________
(*) - É o príncipe das
letras colombianas. Poeta, professor,
tradutor, homem de grande cultura
clássica.
José
Assunción Silva*
(1865-1896)
"A
um pessimista"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Escureces
demais tuas visões
algo
de belo e bom ainda há na vida;
nem
tudo na existência é uma ferida
a
sangrar exaurindo as ilusões.
Certo
a vida tem sombras: e as paixões
já
mortas, a ternura ressequida,
tudo
o que foi amado e que se olvida
é
fonte de angustiosas decepções.
Mas,
por que duvidar, se ainda nos falam
num
remoto porvir, embora obscuro,
a
esperança que existe e que não vês,
a
ternura profunda, o beijo puro,
as
carinhosas mãos de mães que embalam
os
berços cor-de-rosa dos bebês?
_________
(*) - Uma das mais
puras vozes- da poesia hispano-americana. Precursor, em seu país, do
modernismo, não obstante o seu gosto pelas formas clássicas. Morreu num
naufrágio, perdendo-se, com ele, grande parte de sua obra. Um volume de poesias
esparsas foi publicado pouco mais tarde, com prefácio de Miguel Unamuno.
Marco
Antonio Cajiao*
"Este
amor"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Este
amor que levamos escondido
e,
por nós dois somente, partilhado;
tão
fundo em nós gravado, e assim gravado
tão
longe de poder ser esquecido;
este
amor só por nós dois dividido,
e,
por tão dividido, eternizado;
este
tão doce amor, crucificado,
e,
por crucificado, tão ferido;
este
amor como vento de verão,
tão
manso, tão sutil, leve e fragrante
que
às vezes foge, sem querer, da mão,
este
amor tão em nós e tão distante
será
sempre um mistério oculto em vão,
mas,
embora mistério... tão constante!
__________
(*) - Diplomata e nome
de grande valor na literatura de sua pátria, traduziu para o espanhol escritores
gregos e latinos. Inspirado poeta lírico.
Rafael
Maya*
(1897-1980)
"A
ausente"
(Trad.
de Pedro Paulo Gavazzoni Silva)
Somente
tu, somente tu, dizia
depois
que tu te foste. Sim, somente
tu,
com teus olhos nessa fronte ausente,
com
teu riso só meu — minha alegria!
Tornei
a ver a casa já vazia
a
luz que abandonaste, indiferente,
e
uma como orfandade no ambiente
que
a todas as lembranças transcendia.
Mal
o vôo das horas desprendeu
a
sombra sobre as coisas inconcretas
e
o pálido horizonte escureceu,
voltaste
a aparecer muito mais viva,
no
odor em dispersão das violetas
e
na luz de uma tarde pensativa.
_________
(*) - Poeta, prosador
e professor.
Alfonso
Villegas Arango
"Intimidades"
(Trad.
de Jonathas Serrano)
A
tarde, de cansaço adormecida,
suavemente
as pálpebras cerrara.
De
estambre de cristal a luz vencida
os
cimos do Ocidente aureolara.
A
penumbra, que aos ósculos convida,
já
por sobre as campinas se espraiara.
E
dos canaviais o hino da vida
da
brisa ao leve perpassar brotara.
De
um raio luminoso os resplendores,
banhando
a tua negra cabeleira,
eram
chuva de pedras multicores.
E
só pôde saber naquele dia
o
que dissemos pela vez primeira
a
luz que carinhosa te envolvia.
Miguel
Rasch Isla*
(1887-1953)
"Dualidade
fatal"
(Trad.
de Jonathas Serrano)
Quando
toda se dava ao meu desejo,
muitas
vezes saí dentre os seus braços
com
a minha ilusão feita pedaços
e
o coração cheio de tédio e pejo.
E
hoje, que longe e transviada a vejo,
de
outro amor entregando-se aos regaços,
como
eu quisera reatar os laços
que,
farto, eu evitava, num bocejo!
Ó
da paixão incoerência louca!
Padeci
taciturno desalento
sempre
que os lábios tive em sua boca;
e,
quando a sinto longe, ó que tormento!
Dar
vida e alma fora coisa pouca
para
beija-la ao menos um momento.
________
(*) - Diplomata e
lírico de grande inspiração. Participou do movimento modernista da Colômbia, ao
lado de José Assunción Silva e Guillermo Valencia.
Jorge
Rojas*
"O
sonho"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Dormindo
assim... (Se nua ela estivesse
sob
os lençóis, mais pura não seria...)
Protege-a
esse abandono que a oferece
na
rede de seu sangue, que a vigia;
e
o ritmo dos quadris — pura harmonia —
e
essa curva do seio que intumesce
à
agitação do sonho, e que parece
cheia
de morno mel ou de ambrosia;
e
essa polpa dos lábios que podia
dar
nome a um fruto, sem falar, calada,
pois
a própria doçura já o diria;
e
essa sombra de uma asa, aprisionada,
que
das coxas tão brancas voaria
se
por acaso fosse despertada...
________
(*) - Poeta e
teatrólogo. Grande sonetista, lírico e simples.
Seguidor do poeta espanhol Juan
Ramón Jiménez.
*
PARAGUAI
Eloy
Fariña Nuñes
"Cena
grega"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Cheios
de doce lassidão ditosa
por
ardentes desejos sacudida —
íamos
pela estrada — percorrida
sob
a verde folhagem, rumorosa.
Nunca
houve uma outra tarde tão formosa!
—
tarde outonal de Abril, estremecida
por
invisíveis pulsações de vida
numa
quietude de extensão radiosa.
Eu
seguia em silêncio... Ia a teu lado...
De
repente... Eis-me tonto, perturbado,
te
descubro e colho... ó meu tesouro!
E
trêmula, desnuda, palpitante,
sobre
teu corpo branco de bacante
a
tarde estende um régio manto de ouro.
________
(*) - Poeta, prosador
e jornalista. Boa cultura clássica. Viveu muitos anos na Argentina, mas é
considerado um dos maiores, senão o maior,
poeta do Paraguai.
*
PERU
Manuel
Gonzáles Prada*
(1844-1918)
"O
Amor"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Se
és um bem, para mim, do céu caído,
por
que a dúvida, a dor, a angústia, o pranto?
A
desconfiança, o coração ferido,
as
noites de vigília e desencanto?
Mas
se és um mal terreno, em mim nascido,
por
que alegrias, o sorriso, o canto,
as
esperanças, o glorioso encanto
das
visões com que tenho me iludido?
Se
és neve, por que em ti tão vivas chamas?
Se
és chama, por que o gelo em tua sorte?
Se
és sombra, por que a luz com que te inflamas?
Por
que sombra afinal, se és luz querida?
Se
és vida, por que então me dás a morte?
Se
és morte, por que então me dás a Vida?
_________
(*) - Poeta, crítico,
pensador e sociólogo. Grande voz lírica, é um verdadeiro ídolo do povo peruano.
Discípulo de Goethe, Schiller e Heine. Foi um apóstolo
da unidade nacional.
Este soneto, tão bem traduzido por J. G., "é um dos mais belos escritos em
língua latina", na opinião do tradutor, e, também,
na de Lopes Rodrigues.
José
Santos Chocano*
(1875-1934)
"Os
lagos"
(Trad.
de Faustino Nascimento)
O
lago, em seus espelhos palpitantes,
reflete
o que há no seu contorno vago,
como
se fosse o voluptuoso afago
de
uma galanteria de gigantes.
Um
rio, como sarta de diamantes,
vem
sob a ação de milagroso mago
e,
no fundo do bosque, deixa um lago,
como
um colar de chispas cintilantes.
Dir-se-ia,
ao ver-se o lago então surgido,
que
a serpente, que ele antes tinha sido,
se
anelou na floresta em que se embosca.
Tal,
nos Andes, assim se delineia:
O
rio — uma serpente que coleia
e
o lago — uma serpente que se enrosca...
_______
(*) - Poeta lírico,
intimista, condoreiro, épico, é uma das vozes mais expressivas e queridas da
poesia sul-americana. Muito conhecido e estimado no Brasil. Inicialmente, foi
poeta parnasiano, embora com grande tendência para o romantismo. Mais tarde,
aderiu ao modernismo, que cultivou de maneira retórica. Em 1922, em Lima, foi
coroado como "poeta das Américas". Santos Chocano proclamava:
"Walt Whitman tiene el Norte, pero yo tengo el Sur". Excelente
sonetista. Foi assassinado por um desconhecido.
José
Santos Chocano
"As
orquídeas"
(Trad.
de Modesto de Abreu)
Caprichos
de cristal, airosas galas
de
enigmáticas formas surpreendentes,
diademas
e áureas frontes imanentes,
adornos
dignos de faustosas salas.
De
um tronco, pelos nós, fazem escalas
e
enrodilham seus talos de serpentes,
até
das frondes flutuar, pendentes,
quais
pássaros sem asas, a enfeitá-las.
Tristes
como cabeças pensativas,
brotam
elas, sem torpes ligaduras
de
tirana raiz, livres e altivas;
porque
também com a vileza em guerra
querem
viver, como as consciências puras,
sem
um simples contato com a terra...
Felipe
Sassone*
(1884-1959)
"À
noite no jardim"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
À
noite, no jardim.... O céu tão belo...
Com
seu disco de luz prateado, a lua
se
refletia na lagoa nua
e
sobre o negro mar do teu cabelo.
Uma
nuvem desmancha o seu novelo...
A
sombra logo cresce, se insinua,
e
ao fogo da paixão que tumultua
unem-se
nossas bocas num apelo!
Quanto
tempo durou? O sol nascia...
Tinhas
pálido o rosto, e eu percebia
a
fadiga a arroxear-te o olhar pisado
ainda
a queimar-te em íntimos ardores...
E
eis que te ergues feliz por entre as flores
bela
e sábia de amor e de pecado!
_______
(*) - Poeta de fina
sensibilidade, romântico e sensual.
Novelista, jornalista e teatrólogo.
*
URUGUAI
Juana
de Ibarbourou*
(1892-1979)
"Vida
simples"
(Trad.
de Murilo Araújo)
Iremos
pelos campos, mão na mão,
por
entre os bosques e os pradais de trigos,
junto
aos rebanhos de candura antigos
por
sobre a verde maciez do chão.
Comeremos
o doce fruto são
das
rústicas videiras, os bons figos
que
coroam as moitas. Como amigos
partiremos
a ceia, o leite, o pão.
E
nas mágicas noites estreladas
sob
a calma do azul, entrelaçadas as mãos,
lábios
em frêmito, ardorosos,
renovaremos
nosso morto idílio
que
será como um verso de Virgílio,
vivido
em frente aos astros luminosos.
________
(*) - Pela sua
projeção literária, é chamada "Joana da América". Poesia de notável
expressão lírica, muitas vezes mística. Poesia luminosa e emotiva.
Juana
de Ibarbourou
"Rebelde"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Caronte,
quando eu for em teu barco sombrio,
que
escândalo eu farei nessa triste romagem!
Temerosas, talvez, do teu olhar tão
frio,
outras
sombras irão a rezar, como a aragem...
Mas
eu irei cantando, alegre pelo rio
e
em teu barco porei meu perfume selvagem.
A
brilhar me verás nesse arroio sombrio,
como
lanterna azul que ilumina a viagem.
Por
mais que faças tu, por mais gestos de horror
desses dois olhos teus tão destros
no terror,
Caronte, em tua barca, eu serei um escândalo.
E,
já farta de sombra e cansada de frio,
quando
fores deixar-me à outra margem do rio,
tu
me farás descer, qual conquista de vândalo.
Juana
de lbarbourou
"A
promessa"
(Trad.
de I. G. de Araujo Jorge)
...
E todo o ouro do mundo parecia
diluído
na tarde luminosa.
Apenas
um crepúsculo de rosa
a
alta copa das árvores tingia.
Súbito
amor, a minha mão unia
à
tua mão morena, carinhosa...
Éramos
Booz e Ruth ante a formosa
terra
que aos nossos olhos se estendia.
—
"Me amarás?" perguntaste. Lenta e grave
veio-me
aos lábios a promessa suave
da
amante moabita, tão querida;
e
foi como um "Amém!" que neste instante
se
ouviu, num toque de oração, vibrante
bater
o sino da pequena ermida!
Juana
de Ibarbourou
"Amemo-nos"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Sob
a alameda rósea — o loureiro florido—
amemo-nos.
O velho e eterno lampadário
da
lua já acendeu seu clarão milenário
e
estas ervas no chão são um ninho aquecido.
Amemo-nos.
Acaso há algum fauno escondido
junto
ao tronco, a espreitar, sob o vulto lendário,
que chore, ao se encontrar sem
amor, solitário,
olhando o nosso idílio e o campo adormecido?
Amemo-nos.
A luz da noite é suave e mística
e
em si tem não sei que doçura cabalística.
Somos
grandes e sós sobre a face dos campos,
e
se amam, a faiscar, entre os nossos cabelos,
com
vibrações de amor é breves brilhos belos
de
esmeraldas em luz os tontos pirilampos.
Felisa
Lasola*
"Debaixo
do teu céu"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Na
branca folha do meu livro amado,
deixo
a ternura do meu pensamento,
a
ti que sabes que um ser alado
são
todos eles, ao sabor do vento.
E
o meu que teme o gelo do tormento,
ansioso
busca o palmeiral dourado,
para
fazer um ninho, sem cuidado,
longe
de mágoas e de sofrimento.
E
porque vi passar as primaveras
sem
achar flores e a sonhar quimeras
de
asas cansadas e de olhar de círios...
peço
a frescura desses teus vergéis,
onde
os frutos são doces como méis
e
o céu é todo pétalas de lírios.
_________
(*) - Sua poesia é
melodiosa, simples, terna e amorosa.
Pedro
L. Bersetche*
(1894-1945)
"Poetas"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Vem
de longe... Essa antiga caravana
de
luz vai invadindo a trajetória.
E,
formando uma estirpe soberana,
vão
sempre em busca dos lauréis da glória.
Cruzam-se
ungidos nessa fé profana...
Seus
cantos, quanta vez! ficam na história!
Se
vibração produzem na alma humana,
pressentindo os tambores da vitória...
Ajoelha
majestosa a natureza,
perante
seus mistérios de harmonia,
porque
passa com eles a beleza.
Ungindo
a fronte, iluminando os rastros,
baladas
vão cantando ou litania,
por
sob o luminoso olhar dos astros.
________
(*) - A sua arte é como
a sua alma: Suave e simples.
Marcelino
Pérez*
(1881-1912)
"Primavera"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
As
andorinhas voltam novamente,
confiando
seus ninhos ao telhado.
Alvas
glicínias no gradil dourado
dependuram
as toucas, lindamente.
Reveste-se
de verde alegremente,
o
altivo monte. O lavrador ousado
canta
forte. E o juncal, beto, enflorado,
namora,
alegre, as águas da corrente.
Tudo
recobra forças, amavio...
O
nume do moital, a trepadeira,
o
camalote que margina o rio...
A
cigarra que silva... E quem dissera
que
somente meu peito está vazio
porque
em minha alma não há primavera!
________
(*) - Autor de poesia
singela e musical. Seus versos, como diz a tradutora, "têm a maciez das
pétalas cetinosas das flores delicadas, a suavidade dos campos em que ele vive,
bucolicamente, numa cabana graciosa".
Alicia
P. Freire*
"Mariposa
noturna"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Como
o ruído de um motor distante,
a
mariposa exótica, bonita,
no
seu trajo relembra a favorita
de
algum harém longínquo e deslumbrante.
A
luz a atrai. A clara luz bendita
ela
busca tocar, estonteante.
O
vidro a impede... Assim um anelo amante
às
vezes bate em vão na alma em que habita.
Seu
corpo leve e airoso de Sultana,
todo
vestido de ouro diluído,
suas
asas sutis de filigrana...
Vem
desmaiar, vencida, no meu colo.
E
eu digo, ao vê-la, como um sonho ido:
morta,
amanhã, te encontrarei no solo.
__________
(*) - Canta como ave
liberta, seguindo desassombradamente os surtos de sua imaginação fértil. Alicia
diz que "ama toda poesia nascida de um momento que se há gozado ou que se
há sofrido; todo poema que tenha alma
e tenha nervos".
Julio
Raul Mendilaharsu
(1887-1923)
"Sonhar"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Sonhar
assim, à tarde, indefinidamente...
A
luz suave e boa a inspirar nostalgias...
O
olhar se prolongando além das travessias
cujo
término fosse uma terra clemente...
Ó
peito, estás cansado! e também tu, ó mente!
Já
viveste demais, concentrando energias.
Agora,
é caminhar, em bonançosos dias,
buscando
o mór silêncio, indefinidamente.
A
cabana, uma praia, o pinhal que se alteia...
A
água a salpicar gotazinhas na areia...
Uns
livros, um amor, os carinhos do lar...
O
passado esquecer nestas lutas vulgares,
a
tristeza olvidar, esquecer os pesares
que
impediram outrora o prazer de sonhar.
E.
Pedro Bergara*
(1896-1946)
"Lâmpada"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Nas
mudas catedrais da minha vida,
brilhava
solitária e temerosa,
como
se fosse mancha luminosa
banhada
em sangue de cruel ferida!...
Para
ela, a minha ode mais sentida,
a
mais funebremente silenciosa,
esse
canto de dor onde uma rosa
desmaia
sobre uma alma dolorida.
Depois,
um cruel vento em desatino,
de
mui longe, da sombra do destino,
veio
apagá-la. E, na penumbra incerta,
ficou
minha alma se desalentando,
como
um pássaro histérico, revoando
sobre
o bocejo de uma cova aberta.
_______
(*) - Poeta emotivo e
modesto, quase que é insociável, mas sabe conversar com as Musas, ofertando-nos
versos de bom valor artístico.
Sarah
Bollo*
(1904-1987)
"Separação"
(Trad.
de Rosália Sandoval)
Se
a mão que apaga os sóis na faina indefinida,
impiedosa, ceifasse a tua vida em
flor,
eu
que fiz da tua alma a luz da minha vida,
choraria
na sombra a minha eterna dor.
E
livre, como a brisa em campina florida,
tua
alma iria além pelo espaço incolor.
E
a minha, ficaria em teu rosto, adormida,
qual
lágrima eternal de indefinido amor.
Esperando
encontrar-te, eu tudo afrontaria.
A
estrada é perigosa? Assim mesmo eu iria,
rastros
interrogando até ver tua luz.
E
nas horas hiemais de solitário inverno,
eu,
os braços abrindo, implorando ao Eterno,
seria
em tua campa a redentora cruz.
__________
(*) - Poetisa lírica
admirável, de forma elegante, rima bizarra e surto elevado.
Rafael
Fragueiro
(1864-1914)
"A
Tarde"
(Trad.
de Carlos Maranhão)
A
luz se esvai; a sombra vespertina
por
sobre o verde prado faz seu ninho,
e
o campônio levanta no caminho
uma
canção suavíssima e divina!
O
gado muge, triste. Purpurina,
a
flor do cardo é um cálice de vinho.
Agitando
os remígios cor de arminho,
a
coruja detém-se na colina.
Flutuam
sobre as serras os rumores,
onde
misturam ventos fatigados,
profundos
rios, árvores e flores;
e
passam, pelas sombras, embuçados,
os
fantasmas ferais dos meus amores
pelas
minhas angústias escoltados...
Ovidio
Fernández Rios
(1883-1963)
"Antítese"
(Trad.
de Carlos Maranhão)
Perdeu-se
uma princesa, certo dia,
e
já mostrava um desconsolo estranho,
quando
passou por ela, com o rebanho,
belo
pastor, que lhe serviu de guia.
Levou-a
pela estrada erma e sombria.
Com
ela dividiu ração e ganho.
E,
humilde, um beijo, em sua mão esguia,
deu,
ao deixá-la, pálido e tacanho.
Quando
a jovem princesa, branca e pura,
pela
noite, contava essa aventura,
entre
o riso de amáveis cavaleiros,
dela,
entanto, o pastor se recordava,
chorando,
sem saber porque chorava,
por
sobre a branca lã dos seus cordeiros!
Ernesto
Herrera
(1889-1917)
"E
o condor disse...”
(Trad. de Carlos Maranhão)
—"É
justo, garça, é justo esse teu grito,
e
é razoável, também, tua coragem.
Impossível
é voares no infinito,
impossível
que eu baixe a essa paragem!
Teu
sonho é essa montanha de granito,
e
o meu, a tua esplêndida plumagem.
Pensamos
isso em íntimo conflito,
esquecendo-nos
ambos da linhagem!
Valer-nos
não pudemos! Eu, na altura,
bêbedo
de infinito, em luz me encharco!
Tu,
refletes no lago a rica alvura!
Dessa
ambição soframos o labéu!
Eu
não posso descer para o teu charco,
nem
tu podes voar para o meu céu!"
Angel
Falco
"Súplica"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Sê
franca uma só vez! Desfaze o engano
se
teus olhos me dizem que tu mentes,
se
nunca amor sentiste, e se o não sentes
por
que juntar a farsa ao desengano?
Tratas-me
como estranho... É desumano!
Por
piedade, confessa! Não aumentes
com
promessas que querem ser ardentes
este
sonho que a mim só causa dano.
Se
pudesses saber quanto te quero!
Fugir,
mil vezes tento e não consigo,
meu
querer faz-se pranto, e eu desespero...
Maldigo
a sorte então, e um tal encanto,
pois
me tens a teus pés... E te maldigo
e
até te odeio... mesmo a amar-te tanto!
Delmira
Agustini*
(1886-1914)
"Explosão"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Se
a vida é amor, bendita seja então!
Quero
mais vida, se esse amor aumento;
que
não valem mil anos de razão
um
só minuto azul de sentimento.
Meu
coração morria triste e lento
e
hoje é uma flor de luz em combustão!
A
vida canta como um mar violento
quando
a mão de um amor a agita em vão!
Esfuma-se
na noite triste, fria,
de
asas rotas — minha melancolia;
como
a indelével mancha de uma dor
que
na sombra distante já perdi...
A
vida toda canta, beija, ri,
numa
explosão como uma boca em flor!
_________
(*) - Precursora
lírica de Juana de Ibarbourou.
Sua poesia é cantante, emotiva e sensível.
Gastón
Figueira*
"Dança
hebraica"
(Trad.
de Jacy Pacheco)
Inquieta,
como a chama de um pavio,
te
contorces num fundo de negrura,
ostentando
por único atavio
o
majestoso véu de tua alvura.
E
das tuas pupilas o sombrio
fulgor
causa dulcíssima tortura,
uma
febre de noite e de vazio
e
sede voluptuosa de loucura.
Sobre
o fresco tapete eis que, de pé,
súbito
permaneces quieta, estática,
entre
nuvens de sândalo e ametista.
Para
ser uma nova Salomé
só
te falta a bandeja em que, hierática,
sangra
a cabeça de São João Batista.
_________
(*) - Poeta lírico e
descritivo. Jornalista e tradutor.
*
GUATEMALA
Miguel
Angel Asturias*
(1899-1974)
"Soneto
a Maria"
(Trad.
de Luís Antônio Pimentel)
Não
mudes teu candor de asa e perfume
a
doce confusão do meu pulsar,
porque
és, Maria, ninho, pomba implume,
razão
do meu viver, do meu penar.
Tua
presença é o pão do meu ciúme,
ouvir
teu nome é um santo comungar,
quando
o céu diz teu nome num queixume,
porque
só diz Maria em seu cantar.
Apresentam-se
os prados suas flores
os
frutos morrem sempre em minha boca,
amo
com o melhor dos meus amores...
Mas,
sem embargo, para mim, Maria,
és
a constelação que ninguém toca,
a
minha maré-cheia de agonia.
__________
(*) - Considerado o
mais conhecido poeta de seu país,
nos últimos tempos. Novelista, jornalista e
parlamentar.
*
CUBA
Mercedes
Matamoros*
(1851-1906)
"Anseios"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Quero
os teus risos — de infinitos gozos —
são
perfumadas e embriagantes teias,
quero
enlaçar teu corpo com as cadeias
ardentes
de meus braços amorosos!
Quero
incendiar de beijos voluptuosos
o
sangue que circula em tuas veias,
e
este fogo de amor que em mim ateias
acender
em teus olhos luminosos!
Porque
têm sido sempre, em meus amores,
venenosas as mais fragrantes flores,
e
meus dias e noites, temporais,
jamais
hei de esquecer as horas belas...
Ah,
sempre arrastam folhas amarelas
as
paixões loucas como vendavais!
________
(*) - Voz altissonante
da poesia feminina, em língua espanhola".
Poetisa de ardente sensualismo.
*
SÃO DOMINGOS
Manuel
del Cabral*
(1907-1999)
"Minha
canção"
(Trad.
de Luís Antônio Pimentel)
Minha
canção, canção que não pudera
sequer
anunciar-se ao meu sentido,
semente,
que num chão umedecido
a
golpes de emoção, crescer espera.
O
que apenas meu "eu" não compreendera
mas,
foi, graças ao branco, pressentido,
para
mim, será azul recém-nascido
de
vento novo e funda primavera.
Meu
verbo assoma na manhã tão bela
como
um rosto curioso na janela
respingada
de pássaros, ao léu.
Meu
íntimo terá algo espelhado
à
maneira do lago, que, assombrado,
não
podendo voar, roubou o céu.
________
(*) - Sua poesia é
pessoal, por vezes universal; mas explora, também, os temas negros, como é comum
na poesia antilhana.
*
HAITI
Justin Lhérisson*
(1873-1907)
"Amor de Bucaneiro"
(Trad. de Fernando Torquato Oliveira)
Eu não
quero saber o que foi seu passado:
— virgem
de corpo e de alma, ou tonta mariposa,
a mim,
que importaria? Aceito-a por esposa.
E o que
digo não vem de um momento impensado.
É
freqüente a ventura emergir do ignorado:
na vaga
da ilusão tudo esplende e repousa.
Nada
quero saber, pois almejo uma cousa...
a
esperança a cantar sob um sonho velado.
Mulher!
quem quer que seja, aceito-a no meu lar!
Por um beijo de amor unamo-nos num par,
que a natureza supre a ausência do Senhor!
Entre!... Mas tenha em mente o acordo deste instante!
O leal Bucaneiro, agora seu amante,
matá-la-á sem dó, se trair seu amor.
_________
(*) - Poeta romântico
e autor do Hino Nacional haitiano.
*
HONDURAS
Daniel
Laitzez
"Um
fundo sentimento de ternura"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Um
fundo sentimento de ternura
por
ti, mulher, meu coração abriga;
—
que outra, tal como tu, querida amiga,
soube
aliviar a minha desventura?
Como
num leito, de infinita alvura,
com
a água fresca que o calor mitiga,
—
em teus braços deixei minha fadiga
e
adocei, com teus beijos, a amargura.
Já
tenho a boa e terna companheira
a
quem posso confiar minha alma, inteira,
nas
horas de tristeza e desencanto;
e
nos jardins do nosso amor ardente
esvoaçam,
coloridas, febrilmente,
as
tontas borboletas do meu canto!
___________
(*) - Considerado o
mais genuíno, o mais nativista dos poetas
hondurenhos. Lírico admirável.
Carlos
Manuel Arita
"Teus
olhos negros, tua tez morena"
(Trad.
de J. G. de Araújo Jorge)
Fascina-me
a brancura da açucena,
—
as flores alvas são as mais bonitas —
mas
me atraem com forças infinitas
teus
olhos negros, tua tez morena.
Como
as flores, também, casta e serena,
aos
desejos de amar, por certo, incitas,
porém,
só vejo, em ânsias vãs, aflitas,
teus
olhos negros, tua tez morena
Arrostaria
tudo, humildemente,
(a
alma, livre da angústia que a condena)
para
ter-te afinal sempre presente,
e
se adorar-te fosse a minha pena
amaria
em silêncio, eternamente,
teus
olhos negros... tua tez morena.
*
NICARÁGUA
Rubén
Dario*
(pseudônimo
de Félix Rubén Garcia Sarmiento)
(1867-1916)
"Margarida"
(Trad.
de Murilo Araújo)
Lembras?
Querias ser uma outra Margarida
Gauthier...
Teu rosto estranho em minha mente
está como
naquela ceia em que te achei, querida,
naquela noite alegre e que não voltará.
Com
os lábios carmesins de púrpura suicida
sorvias
o champanhe em frio bacará;
com
os dedos desfolhaste a branca margarida:
—
"Sim", "não". Sim-não por que, se eu te adorava já?
Depois,
flor de histerismo, ó, choravas e rias;
meus
— teus risos, teus ais, o pranto que vertias —
tudo na minha boca em febre se
abrasou.
E
ao triste entardecer de um desses doces dias,
a
Morte, com ciúme, a ver se me querias,
como
outra margarida, Amor, te desfolhou!
_________
(*) - Poeta errante,
genial lírico e grande prosador, muito conhecido no Brasil, onde esteve.
Espírito inquieto, esbanjou talento transbordante. Clássico, admirador de Hugo,
Verlaine, Mallármé e Cervantes, não deixou, nem por isso, de mostrar-se, também, um admirador do modernismo na poesia,
sendo na América um dos precursores dessa escola. Dele disse Lopes Rodrigues:
"Boêmio cosmopolita, qual uma cigarra de luz, passou pela vida menos
esquecido do mundo do que da pátria". Chegou a representar seu país como
Ministro em Madri.
Rubén
Darío
(1867-1916)
"A
minha alma"
(Trad.
de Delson Tarlé)
Minha
alma, insiste, aquece a idéia no teu ninho
Tudo está sob um signo: o destino
supremo.
Segue
em teu rumo, segue até o ocaso extremo,
e
atingirás a esfinge, ao fim do teu caminho.
Colhe
a flor, ao passar, e deixa o duro espinho.
No
rio de ouro eleva e mergulha o teu remo.
Saúda
o arado às mãos do rude Triptolemo,
e
segue como um deus no sonho o teu carinho.
E
segue como um deus que traz felicidade,
e,
enquanto a voz de uma ave o coração te invade
e
os astros vêm brilhar dentro dos olhos teus
e
há ramos de esperança em que, feliz,
resvales, passa, desassombrada, a floresta
de males,
sem
temer a serpente, e segue, como um deus...
Rubén
Dario
(1867-1916)
"Caupolicã"
(Trad.
de Delson Tarlé)
Algo
espantoso viu aquela velha raça;
tronco
robusto erguer ao ombro um campeão
aguerrido e feroz, cuja potente maça
só
Hércules brandia ou brandia Sansão.
Seu
cabelo era o elmo e seu peito a couraça.
Podia
um bravo assim, na araucana região,
lanceiro
batedor, Nenrode em pós da caça,
desjarretar um touro, esganar um leão.
Andou,
andou, andou, à luz clara do dia,
à
luz flébil da tarde, ao véu da noite fria,
o
enorme tronco sempre às costas do titã.
"O
Tóqui, o Tóqui!” — exclama a comovida casta.
Andou, andou, andou. A Aurora
disse "Basta!"
e
ergueu a fronte altiva o herói Caupolicã.
*
PANAMÁ
Ricardo
Miró*
"Amor?"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Uma
vaga inquietude, um misterioso
temor,
como um feliz pressentimento;
um
íntimo e recôndito tormento;
dor
que faz bem, e definir não ouso.
Um
nó, como um soluço poderoso
que
nos toma a garganta; o sentimento
de
uma dor que se acerca; o pensamento
cheio
de luz, de júbilo, de gozo.
Uma
contradição funda e obscura
que
me enche a vida e a alma de amargura
e
apaga toda luz, qualquer que seja;
que
turva toda paz, toda alegria,
mas,
Senhor! Tu que vês minha agonia,
se
isto tudo é amor, bendito seja!
________
(*) - Como poeta,
freqüentou os arraiais de várias escolas literárias.
Foi um mestre do soneto.
*
MÉXICO
Manuel
Acufia*
"A
uma flor"
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Por
que, quando a corola se entreabria
tonta
de luz, e num deslumbramento,
já
pendias cansada e sem alento
nesse
ar precoce de melancolia?
Não
vês, acaso, que esta sombra fria
que
escureceu o azul do firmamento
é
uma nuvem somente, e ao vir do vento
surgirá
novamente a luz do dia?
Ergue-te
pois, feliz e alegre no ar!
Tua
viva corola não se entrega
à
tristeza que a tenta desfolhar...
Não
afrontes o sol ó flor tão linda!
Que
esta sombra que passa e que te cega
é
sombra apenas... não é noite ainda!
________
(*) - Morreu
tragicamente, apenas com 24 anos de idade . Alguns de seus poemas obtiveram
popularidade, não só no próprio país,
como em toda a América.
Amado
Nervo*
*
* * *
(Trad.
de Altair de Almeida Carneiro)
No
meu ocaso eu te bendigo, Vida,
pois
nunca vi falhada uma ilusão.
Tu
jamais me causaste uma ferida,
nem
dor, ou pena, ou sofrimento vão.
E
vejo agora, ao fim da minha lida,
que
o meu destino eu fiz com a própria mão.
E
só de espinhos tive a alma dorida,
quando
neguei sementes para o chão.
Bem
sei que em breve há de chegar o inverno,
e
hão de vir noites tristes e enluaradas.
Mas
não me prometeste estio eterno.
Em
troca tu me deste quente abrigo,
e,
ao sol do Amor, radiantes alvoradas...
Nada
me deves, Vida, e eu te bendigo!
___________
(*) - É, sem dúvida, o
maior poeta mexicano. Cultor ardente da poesia lírica. Além disso, prosador e
diplomata. Morreu em Montevidéu, quando ocupava, ali, o posto de Ministro
Plenipotenciário. Sua obra poética foi editada na Espanha, onde exercera,
também, o cargo de Ministro Plenipotenciário de seu país.
Amado
Nervo*
"Covardia"
(Trad. de Virgílio Brígido Filho)
Passou...
Que maravilha de beleza!
Que
sobrenaturais olhos azuis!
Que
trigal, seus cabelos! Que esbelteza
na
brancura lirial dos braços nus!
Passou...
Deu-me por óbulo, a pureza
de
um longo olhar, que vir dos céus supus.
—"Acompanha-a!" Disseram-me, em surpresa,
o
corpo e o coração ébrios de luz!
Mas
tive medo... Medo da loucura
de
abrir feridas que já são renúncias
de
velhas dores prontas a sangrar...
E
esquecendo esta sede de ternura,
na
mais triste renúncia das renúncias,
fechando
os olhos a deixei passar...
___________
(*) - O poemeto
"Cobardia", de Amado Nervo, no original, é formado por uma quadra e uma
oitava. Curiosamente, foi traduzido cm forma de soneto, pelo menos por três
poetas brasileiros: Virgílio Brígido Filho, Holácio Cartier e Valfredo Martins.
A tradução que transcrevemos, de Virgílio Brígido Filho, e que, na opinião de
J. G. de Araujo Jorge, é a melhor das três, foi estampada, provavelmente pela primeira vez, na revista
"Fon-Fon" de 25 de dezembro de
1920. Amado Nervo morreu em 1919.
Manuel
José Othon*
"Idílio
selvagem" ("Soneto 1")
(Trad.
de J. G. de Araujo Jorge)
Nesta
gelada solidão surgiste
recoberta
com a última celagem
de
um crespúsculo cinza... Olha a paisagem
árida
e triste, imensamente triste.
Se
vens da dor, se nela é que nutriste
teu
coração — bem-vinda a esse selvagem
deserto!
— onde somente uma miragem
do
que já fui na mocidade, existe.
Se
não vens de tão longe assim, me ver,
e
em tua alma ainda há restos de prazer
podes
voltar ao teu revolto mundo:
Se
não — vem tu, também, lavar teu manto
nesse
mar amarguíssimo e profundo
de
um triste amor ou de um imenso pranto.
______
(*) - Viveu sempre no
interior, e, por isso, sua poesia é áspera e simples como a própria vida do
campo. Mais que bucólica, é, entretanto, romântica, pela sua vibração e pelos
seus tons suaves.
Enrique
González Martínez*
"Dor"
(Trad.
de Manuel Bandeira)
O
seu olhar varou-me a alma abismada,
fundiu-se
em mim, tão minha parecia,
que
não sei se este alento de agonia
é
vida ainda ou morte alucinada.
Chegou
o Arcanjo, desferiu a espada
sobre
o duplo laurel que florescia
no
horto concluso... E desde aquele dia
voltei,
dentro das trevas, ao meu nada.
Julguei
que o mundo, para o humano assombro,
ia
rolar de súbito no escombro
da
ruína total do firmamento...
Mas
vi a terra em paz, em paz a altura,
o
campo tão sereno, a linfa pura,
o
monte azul e sossegado o vento!
____________
(*) - Professor e
diplomata. Como poeta, situou-se entre o modernismo e o pré-modernismo. Sonetista
exímio, morreu venerado como patriarca da poesia de seu país.
(Das
páginas 463 a 500 de “O Mundo Maravilhoso
do
Soneto”, de Vasco de Castro Lima)
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