Hispano-americanos: Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai, Guatemala, Cuba, São Domingos, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá e México


As literaturas hispano-americanas dividem-se, por assim dizer, em duas longas épocas — a colonial e a nacional. Isto é absolutamente lógico, pois nos estamos referindo a países novos. E estes, nada poderiam fazer sem mirar-se nas civilizações que, pelo sangue, os precederam.

O mesmo aconteceu, obviamente, com as literaturas norte-americana e brasileira. Conquistada pelos europeus, a América não tinha como fugir a esses domínios lingüísticos.

Na América do Sul (excetuado o Brasil), na América Central e nas Antilhas, os poetas da época colonial eram, portanto, de formação espanhola.

Coincidindo com a revolução ditada pelo Romantismo, o movimento de emancipação desses países foi criando uma cultura literária ungida de sentimento patriótico, não só na poesia, como na prosa. O nativismo era uma tônica de suas características regionais. E esse ideal acabou por ganhar maturidade, com o advento do parnasianismo e do simbolismo. Aliás, todas as fases que predominaram na França vieram refletir-se na América.

Não se pode ignorar, também, uma particularidade interessante, que é a preponderância do meio. Nestas regiões, os poetas tendem para o paisagismo, rodeados que se acham de belezas naturais exuberantes e pictóricas.

Enquanto a poesia européia se vê tolhida por uma natureza pálida e nevosa, os poetas do Novo Mundo se embebedam de luz e calor, contemplando um ambiente ensolarado e alegre.

Componentes de povos jovens, não são tomados pelo pessimismo e pelos sentimentos mórbidos, próprios de civilizações saturadas. Embora herdeiros do velho pensamento francês, adaptam, por temperamento, as emoções alheias às próprias emoções.

Lopes Rodrigues, autor de uma obra maravilhosa, intitulada "Castro Alves", escreveu um capítulo, "Poeta da América", designação que dá ao seu biografado. Ele desfia, com riqueza de detalhes, possivelmente inédita, e com uma agudeza digna do notável escritor que foi, todo um cortejo de poetas americanos, demorando-se em considerações justas em torno daqueles que denomina poetas sociais.

E dá uma ênfase muito especial e carinhosa aos da América Latina, afirmando que "as nações latino-americanas foram aureoladas, em todos os seus movimentos revolucionários, por um influxo de ritmos".
Continua Lopes Rodrigues:
— "São os grandes vates patrióticos; os épicos das causas sociais; os colecionadores de harmonias; os paladinos da liberdade; os poetas indianistas; os rouxinóis que morreram cantando pela pátria; os sonhadores de unificações territoriais; os cantores das tradições populares de regiões lendárias; os autores de poemas que se transformaram em hinos nacionais; os príncipes do romantismo tropical; os soldados que empunharam a lira para iluminar as angústias e as inquietações dos povos; os ardorosos condutores da mocidade; os líricos do amor e da morte; as musas condoreiras e épicas das revoluções sagradas; os arautos do nacionalismo na América; as cigarras de luz que escreveram cantos de esperança".



*

Quanto ao soneto, é ele, das formas literárias, a mais cultivada pela maioria dos poetas latino-americanos. A verdade é que conhecíamos e apreciávamos alguns poetas americanos de língua espanhola. Os mais populares. Graças, porém, ao esforço talentoso e meritório demonstrado, em suas antologias, pelo grande poeta J. G. de Araujo Jorge e Rosália Sandoval, principalmente o primeiro, podemos, agora, arrolar uns tantos outros nomes de excelentes sonetistas menos divulgados ou traduzidos para o português. Das citadas antologias constam traduções feitas, não apenas por esses dois poetas, mas, ainda, por terceiros.

Se os longos poemas (obviamente não apresentados aqui) são mais fortes, épicos, patrióticos, reveladores das grandes inquietações e angústias dos povos latino-americanos, os seus sonetos são mais simples, bons, tão bons quanto os de outras quaisquer línguas.

Os leitores terão, a seguir, oportunidade de verificar que lhes oferecemos sonetos expressivos, através de traduções e versões não menos expressivas: sonetos que formam, sem exagero, um florilégio digno desse nome:


ARGENTINA

G. P. Monti*
"Evocação"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Pulsa na noite azul que a luz suaviza
uma lua clorótica e recente,
e na lembrança surges, lentamente,
vaporosa, inconsutil, imprecisa.

Do que há tempos . surgiu, e se eterniza,
ainda és, por certo, uma impressão ardente,
e embora assim presente, estás ausente,
teu sorriso, ao sorrir, desfaz-se em brisa...

Teus olhos olham com olhar de sonho,
o teu suave perfume em vão aspiro
e a uma emoção real todo me exponho;

e nesse encanto astral flutuas no ar:
és uma flor de amor- feita suspiro,
um suspiro tornado em luz de luar!
 ________
(*) - Prosador, ensaísta literário e poeta.



Diego Fernández Espiro
"Oferenda"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Despojo eu sou de duras tempestades
que açoitam como o vento o mar profundo,
e errante sigo, atravessando o mundo
ao fulgor de sinistras claridades.

Trago o espírito, em mim, de outras idades
gérmen de glória e de pesar fecundo,
sou um poeta feliz, o vagabundo
rimador de aventuras e saudades.

Apóstolo do belo, visionário,
subo, a escalar feliz minha loucura
essa escarpada encosta do Calvário,

à Dor, pedindo a derradeira luz,
da Beleza, adorando a face pura,
e arrojando a seus pés meus versos nus!



Antonio Monti
Soneto
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Me dizes que dos pássaros eu tenho
todas as notas para assim cantar-te.
Quero que saibas: foi só por amar-te
que de tão longe eu ensaiando venho.

Noutros tempos, meu verso foi roufenho:
andava pelo mundo magro de arte.
Analisa-o agora, parte a parte,
e convirás quanta razão eu tenho.

Estudei para pássaro primeiro.
Tomei lições depois com Mestre Vento
e ouvi-o com atenção de um marinheiro.

O mar, também, me deu o seu talento,
e conhecendo o amor, o mais puro e alto,
aprendi a cantar e assim te exalto!



Enrique Larreta*
(1873-1961)
"A queixa de Dom Juan"
(Trad. de Jacy Pacheco)

Por que, em vez de chorar, não me magoaste?
Por que foste to doce e tão honrada?
Por que sempre, a meus pés, desconsolada,
findar o nosso idílio tu deixaste?

Por que pressentiste o cruel desgaste
do nosso amor? Por que, ó minha amada,
não foste um pouco infiel e desalmada,
para atiçar o fogo que inflamaste?

Perdi-te, sem saber o que perdia.
Eu culpo a tua cândida nobreza,
que não mediu o que me oferecia.

Hoje, sombrio e só, nessa tristeza,
pensando em ti, maldigo, todo o dia,
minha inconstância e tua fortaleza.

 ________
(*) - Poeta, novelista, ensaísta e dramaturgo. 



Carlos Alberto Leumann*
(1886-1952)
 "Tragédia simples"
(Trad. de Jacy Pacheco)

Tinham ambos quinze anos. Com delírio
queriam-se; porém, ela escondia
sua enorme ternura, e ele temia
dizer-lhe o seu segredo, o seu martírio.

O tempo ia correndo, enquanto Sírio
com reflexos de prata o céu feria.
E passaram-se os dias... Certo dia
ela ficou tão branca como um lírio.

Morreu sonhando... E ele, com passo tardo 
buscando-a pela fúnebre pradeira,
achou a tumba entre o crescido cardo.

E ali, junto da amada companheira,
alma ferida de pungente dardo,
falou de seu amor a vez primeira.

_______________
(*) - Poeta, jornalista, novelista, dramaturgo e crítico literário.



Héctor Pedro Blomberg*
(1899-1955)
"Velhas cartas de amor"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Ah, queimá-las não pude... É que elas — quem diria? —
guardam murchas assim, tua morta paixão,
— a febre de uma noite, as lágrimas de um dia —
como o eco já sem voz de urna última canção.

Tuas cartas! — num tempo a que eu retornaria —
fizeram palpitar de amor meu coração...
Depois, veio o silêncio, a distância, a agonia,
e o bálsamo do tempo — a cruel consolação!

Vivem nelas ainda um romance apagado,
a luz da mocidade, o fogo de um passado, 
a glória de uma vida aos vinte anos em flor...

Ontem, contava-as, sim — com um gesto indiferente...
Mas, sobre elas caiu uma lágrima ardente...
E não pude queimar tuas cartas de amor...

_____________
(*) - É, talvez, o mais popular dos poetas argentinos. Artista original, 
seus motivos nada têm de comum com os dos outros poetas.



Arturo Capdevilla*
(1889-1967)
"Em vão"
(Trad. de Mello Nóbrega)

Quanto verso de amor, cantado em vão!
Como minha alma está ficando velha
ao recordar a história em que se espelha
a insensatez dos tempos que se vão!

Quanto verso de amor, gemido em vão!
A princípio, o nectário e eu, a abelha...
Depois... Meu coração todo se engelha
na neve amarga em que se fez ancião.

Quanto verso de amor, perdido em vão!
 — Minha janela em luzes se recorta...
Ainda vivo... que flores!... é verão...

Dá-me pena, entretanto, à minha porta,
como uma triste borboleta morta,
tanto verso de amor, chorado em vão!

____________
(*) - Como jornalista, dirigiu a seção literária de "La Prensa", de Buenos Aires. Poeta de grande sensibilidade, tido como um dos mais destacados elementos da renovação poética de seu país. Ronald de Carvalho definiu-o como o
 "poeta da melancolia".




Alfonsina Storni*
(1892-1938)
"A súplica"
(Trad. de Oswaldo Orico)

Senhor, Senhor, há muito tempo, um dia,
sonhei o amor, como ninguém houvera
ainda sonhado, amor que fosse e que era
a vida toda todo uma poesia.

Passa o inverno e esse amor não chegaria,
passaria também a primavera;
o verão persistente volveria...
E o outono ainda me encontra à sua espera.

Ó Senhor, sobre minha espádua nua,
faze estalar, por mão que seja crua,
o látego que mandas aos perversos,

que já anoitece sobre minha vida
e esta paixão ardente e desmentida
eu a gastei, Senhor, fazendo versos!

___________
(*) - Embora tenha nascido na Suíça, é considerada argentina, porque na Argentina viveu toda a sua vida. Forma, com Gabriela Mistral e Juana de Ibarbourou, o trio feminino de maior inspiração poética no Continente, em língua espanhola. Suicidou-se em Mar del Plata, apressando o fim de seu mal incurável.



Alfonsina Storni
(1892-1938)
"Moderna"
(Trad. de Luís Antônio Pimentel)

Dançarei numa alfombra de verdura.
O vinho será posto em taça de ouro,
própria para servir um licor louro,
brindando a noite plena de frescura.

Dançarei como a terra, a terra pura,
como a terra serei algum tesouro,
e o dar-me pura não será desdouro,
pois dar-se é uma alta forma de ternura.

Dançarei para que de tudo esqueças
 e hei de embriagar-te, amor, sem que adormeças,
 até que Vênus passe pelos céus.

Algo, porém, de ti será escondido,
porque pagã, de um século falido,
não deixarei cair todos os véus.




Luís Cané*
(1897-1957)
"Metamorfose"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Sufocar este amor, enriqueceu
meu coração de canto e de harmonia,
e em claro manancial de poesia
sua secreta dor se converteu.

Tornou-se canto tudo o que sofreu;
a pena sem consolo, em alegria,
minha noite por dentro, fez-se dia,
e se pôs a lembrar do que esqueceu...

A sofrer por amor, fez disto um gozo,
na face, a flor de um riso, invés de pranto,
e oculta na raiz, a alma ferida...

E a fingir um destino venturoso
e a parecer que o canto era só canto,
acabou alegrando a própria vida!

________
(*) - Poeta lírico de renome em seu país e, também, fora da pátria. Às vezes emotivo, às vezes irônico, e sempre um poeta original.




*

CHILE


Guillermo Blest Gana*
(1829-1904)
"Olhar retrospectivo"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Chegando à última página da vida
— tragicomédia que me desespera —,
volvo o olhar para o ponto de partida
 sentindo a dor de quem já nada espera.

Quanta nobre ambição que foi quimera!
Quanta bela ilusão desvanecida!
Sombreada vejo a estrada percorrida
só com flores de morta primavera.

Porém, nesta hora lúgubre, sombria,
de severa verdade e desencanto,
de supremo amargor e de agonia,

eis meu maior pesar, meu triste canto:
não ter amado mais! Eu que queria,
eu que pensava ter amado tanto!

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(*) - Poeta clássico, cuja inspiração é, em geral, melancólica.




Juan Guzmán Cruchaga*
(1895-1979)
"Presença"
(Trad. de Fernando Torquato Oliveira)

Estás presente em tudo quanto admiro,
em tudo quanto digo ou que lamento,
nas fontes virgens do meu pensamento
e na amarga razão do meu suspiro;

na atmosfera do Outono que respiro,
na lua argêntea e no rolar do vento,
na fuga das correntes, e no alento
da pequenina estrela em seu retiro.

Foi há mil anos que nos encontramos,
obedecendo sempre aos mesmos amos.
A mesma luz traçou a nossa sorte.

O amor nos deu igual penalidade,
igual prisão e a mesma liberdade,
e deu-nos finalmente a mesma morte.

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(*) - Poeta simples, emotivo, um dos mais populares do país andino. 
Ternura e desencanto são os principais traços de sua poesia.



Gabriela Mistral* (Lucilia Godoy y Alcayaga)
(1889-1957)
"O menino só"
(Trad. de Agmar Murgel Dutra)

Parei, ouvindo um choro, em meio da subida,
e então me aproximei da choça do caminho.
Com doçura, do leito, olhou-me um garotinho;
e a ternura me deu a ebriez da bebida.

Lá na lavoura a mãe se retardou na lida;
e o infante, ao acordar, procurou logo o ninho
do róseo seio... e pôs-se a chorar... Com carinho
ao peito o aconcheguei, ninando-o enternecida.

Pela janela aberta a lua nos fitava.
A criança dormia, e a canção me banhava
como um outro luar, o peito enriquecido.

E, assim, quando a mulher a porta abriu, aflita,
em minha face viu tanta ventura escrita,
que em meus braços deixou o filho adormecido.

_________
(*) - Tanto na prosa, como na poesia, é inigualável em riqueza e harmonia. Romântica e mística . Escreveu, entre outros livros, "Sonetos da Morte". Prêmio Nobel de Literatura, em 1945. O suicídio do noivo ensombrou sua poesia
 para sempre.



Gabriela Mistral (Lucilia Godoy y Alcayaga)
(1889-1957)
"O pensador de Rodin"
(Trad. de Agmar Murgel Dutra)

Queixo pendido sobre a rude mão,
pensa na carne, feita de fraqueza.
Carne que odeia a morte e ama a beleza
e que há de um dia apodrecer no chão...

Vibrou, na Primavera, de paixão,
mas agora, no Outono, com tristeza,
de que a carne é mortal, sente a certeza
no agudo bronze, ao vir da solidão...

A angústia põe-lhe os músculos retesos,
rompem-se os sulcos pelas dores presos
 como folhas de Outono, a um Senhor forte

que o chama... E não existe criatura
cujos nervos se crispem na tortura
como os deste homem a pensar na morte...



Gabriela Mistral (Lucilia Godoy y Alcayaga)
(1889-1957)
"Soneto da Morte"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Destinos a escolher eu tive. E, todavia,
elegi um tristonho — ofício de ternura —
temerário, talvez, sem luz, sem alegria,
de fazer-me cipreste em tua sepultura.

Uma linda canção toda feita harmonia
os homens vão cantando alegres, com doçura,
canção que hoje é lascívia e que será loucura
amanhã... e, depois, misticismo. E eu, um dia,

compus a que acalenta alguém que foi alheio
a todo o meu afeto, a todo o sonho meu,
que gostou de outro lábio e dormiu noutro seio.

Hoje é morto. E nesta hora, austeramente larga,
só de um lábio é escravo e de um cipreste — eu —
que lhe adoço o dormir dentro da terra amarga.



Aída Moreno Lagos*
(1896-1943)
"Como olvidá-lo?"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Como olvidá-lo? se na minha vida
deixou o encanto do primeiro amor?
E me deixou a estrada enflorescida
e seus beijos minguaram minha dor?

Como olvidá-lo, se a alma dolorida
lembra seus olhos cheios de negror?
Se o eco dessa voz enternecida
vem recordar-me seu sorrir de amor?

Olvidá-lo? Impossível. Seu ameno,
seu meigo olhar será a eterna história...
Amar, sofrer!... Que a vida seu veneno

verta em minha existência transitória,
e minhas mãos, se o meu olhar for mudo,
hão de estender-se a perdoar-lhe tudo.

 _________
(*) - A tradutora diz que, "como Auta de Souza, a dolorida poetisa brasileira de "Horto", Aída Moreno conta suas ilusões despedaçadas pelo vento cruel de um desengano traidor".



*

COLÔMBIA


 Jorge Isaacs*
(1837-1895)
"Sonhei"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Sonhei feliz que à tua casa um dia
alta noite, levou-me amor veemente,
e eu aspirei o delicioso ambiente
velado, numa luz suave e macia.

Sobre moles coxins, de fantasia,
dormir fingias voluptuosamente:
a cabeleira de ébano, luzente
sobre as brancas roupagens se perdia.

Trêmulo de emoção e de ansiedade
beijei-te, com os meus lábios abrasados...
Surpresa e carinhosa me sorriste...

Não, não baixes teus olhos por piedade!
Que brilhem de prazer, iluminados,
 fazendo alegre a minha vida triste!

________
(*) - Poeta, novelista, dramaturgo. É autor de uma novela, "Maria",
 que foi traduzida para inúmeros idiomas.



Guillermo Valencia*
(1873-1943)
"Enigma"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Cintilam no zenite da memória
uns olhos... De quem são? Morto, de certo
ainda os verei... Se insone, estão por perto,
não sei que olhos serão, qual sua história...

De Helena, de Cleópatra, de Anactória,
ou de Palas? Sondaram o deserto
com Agar? Ou o mundo descoberto
acenaram aos nautas, como glória?

Não pode ser! Porque a vivacidade
desses olhos me envolve como um cerco
e me acende lembranças sem adeus...

Vão-se os dias... Febril é a ansiedade...
Em conjeturas vãs, me afundo e perco...
Eis que passas... E eu grito: são os teus!

_________
(*) - É o príncipe das letras colombianas. Poeta, professor,
 tradutor, homem de grande cultura clássica.



José Assunción Silva*
(1865-1896)
"A um pessimista"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Escureces demais tuas visões
algo de belo e bom ainda há na vida;
nem tudo na existência é uma ferida
a sangrar exaurindo as ilusões.

Certo a vida tem sombras: e as paixões
já mortas, a ternura ressequida,
tudo o que foi amado e que se olvida
é fonte de angustiosas decepções.

Mas, por que duvidar, se ainda nos falam
num remoto porvir, embora obscuro,
a esperança que existe e que não vês,

a ternura profunda, o beijo puro,
as carinhosas mãos de mães que embalam
os berços cor-de-rosa dos bebês?

_________
(*) - Uma das mais puras vozes- da poesia hispano-americana. Precursor, em seu país, do modernismo, não obstante o seu gosto pelas formas clássicas. Morreu num naufrágio, perdendo-se, com ele, grande parte de sua obra. Um volume de poesias esparsas foi publicado pouco mais tarde, com prefácio de Miguel Unamuno.



Marco Antonio Cajiao*
"Este amor"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Este amor que levamos escondido
e, por nós dois somente, partilhado;
tão fundo em nós gravado, e assim gravado
tão longe de poder ser esquecido;

este amor só por nós dois dividido,
e, por tão dividido, eternizado;
este tão doce amor, crucificado,
e, por crucificado, tão ferido;

este amor como vento de verão,
tão manso, tão sutil, leve e fragrante
que às vezes foge, sem querer, da mão,

este amor tão em nós e tão distante
será sempre um mistério oculto em vão,
mas, embora mistério... tão constante!

__________
(*) - Diplomata e nome de grande valor na literatura de sua pátria, traduziu para o espanhol escritores gregos e latinos. Inspirado poeta lírico.




Rafael Maya*
(1897-1980)
"A ausente"
(Trad. de Pedro Paulo Gavazzoni Silva)

Somente tu, somente tu, dizia
depois que tu te foste. Sim, somente
tu, com teus olhos nessa fronte ausente,
com teu riso só meu — minha alegria!

Tornei a ver a casa já vazia
a luz que abandonaste, indiferente,
e uma como orfandade no ambiente
que a todas as lembranças transcendia.

Mal o vôo das horas desprendeu
a sombra sobre as coisas inconcretas
e o pálido horizonte escureceu,

voltaste a aparecer muito mais viva,
no odor em dispersão das violetas
e na luz de uma tarde pensativa.

_________
(*) - Poeta, prosador e professor.



Alfonso Villegas Arango
"Intimidades"
(Trad. de Jonathas Serrano)

A tarde, de cansaço adormecida,
suavemente as pálpebras cerrara.
De estambre de cristal a luz vencida
os cimos do Ocidente aureolara.

A penumbra, que aos ósculos convida,
já por sobre as campinas se espraiara.
E dos canaviais o hino da vida
da brisa ao leve perpassar brotara.

De um raio luminoso os resplendores,
banhando a tua negra cabeleira,
eram chuva de pedras multicores.

E só pôde saber naquele dia
o que dissemos pela vez primeira
a luz que carinhosa te envolvia.



Miguel Rasch Isla*
(1887-1953)
"Dualidade fatal"
(Trad. de Jonathas Serrano)

Quando toda se dava ao meu desejo,
muitas vezes saí dentre os seus braços
com a minha ilusão feita pedaços
e o coração cheio de tédio e pejo.

E hoje, que longe e transviada a vejo,
de outro amor entregando-se aos regaços,
como eu quisera reatar os laços
que, farto, eu evitava, num bocejo!

Ó da paixão incoerência louca!
Padeci taciturno desalento
sempre que os lábios tive em sua boca;

e, quando a sinto longe, ó que tormento!
Dar vida e alma fora coisa pouca
para beija-la ao menos um momento.

________
(*) - Diplomata e lírico de grande inspiração. Participou do movimento modernista da Colômbia, ao lado de José Assunción Silva e Guillermo Valencia.



Jorge Rojas*
"O sonho"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Dormindo assim... (Se nua ela estivesse
sob os lençóis, mais pura não seria...)
Protege-a esse abandono que a oferece
na rede de seu sangue, que a vigia;

e o ritmo dos quadris — pura harmonia —
e essa curva do seio que intumesce
à agitação do sonho, e que parece
cheia de morno mel ou de ambrosia;

e essa polpa dos lábios que podia
dar nome a um fruto, sem falar, calada,
pois a própria doçura já o diria;

e essa sombra de uma asa, aprisionada,
que das coxas tão brancas voaria
se por acaso fosse despertada...

________
(*) - Poeta e teatrólogo. Grande sonetista, lírico e simples. 
Seguidor do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez.


*

PARAGUAI


Eloy Fariña Nuñes
"Cena grega"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Cheios de doce lassidão ditosa
por ardentes desejos sacudida —
íamos pela estrada — percorrida
sob a verde folhagem, rumorosa.

Nunca houve uma outra tarde tão formosa!
— tarde outonal de Abril, estremecida
por invisíveis pulsações de vida
numa quietude de extensão radiosa.

Eu seguia em silêncio... Ia a teu lado...
De repente... Eis-me tonto, perturbado,
te descubro e colho... ó meu tesouro!

E trêmula, desnuda, palpitante,
sobre teu corpo branco de bacante
a tarde estende um régio manto de ouro.

________
(*) - Poeta, prosador e jornalista. Boa cultura clássica. Viveu muitos anos na Argentina, mas é considerado um dos maiores, senão o maior, 
poeta do Paraguai.




*

PERU


Manuel Gonzáles Prada*
(1844-1918)
"O Amor"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Se és um bem, para mim, do céu caído,
por que a dúvida, a dor, a angústia, o pranto?
A desconfiança, o coração ferido,
as noites de vigília e desencanto?

Mas se és um mal terreno, em mim nascido,
por que alegrias, o sorriso, o canto,
as esperanças, o glorioso encanto
das visões com que tenho me iludido?

Se és neve, por que em ti tão vivas chamas?
Se és chama, por que o gelo em tua sorte?
Se és sombra, por que a luz com que te inflamas?

Por que sombra afinal, se és luz querida?
Se és vida, por que então me dás a morte?
Se és morte, por que então me dás a Vida?

_________
(*) - Poeta, crítico, pensador e sociólogo. Grande voz lírica, é um verdadeiro ídolo do povo peruano. Discípulo de Goethe, Schiller e Heine. Foi um apóstolo 
da unidade nacional. Este soneto, tão bem traduzido por J. G., "é um dos mais belos escritos em língua latina", na opinião do tradutor, e, também, 
na de Lopes Rodrigues.



José Santos Chocano*
(1875-1934)
"Os lagos"
(Trad. de Faustino Nascimento)

O lago, em seus espelhos palpitantes,
reflete o que há no seu contorno vago,
como se fosse o voluptuoso afago
de uma galanteria de gigantes.

Um rio, como sarta de diamantes,
vem sob a ação de milagroso mago
e, no fundo do bosque, deixa um lago,
como um colar de chispas cintilantes.

Dir-se-ia, ao ver-se o lago então surgido,
que a serpente, que ele antes tinha sido,
se anelou na floresta em que se embosca.

Tal, nos Andes, assim se delineia:
O rio — uma serpente que coleia
e o lago — uma serpente que se enrosca...

_______
(*) - Poeta lírico, intimista, condoreiro, épico, é uma das vozes mais expressivas e queridas da poesia sul-americana. Muito conhecido e estimado no Brasil. Inicialmente, foi poeta parnasiano, embora com grande tendência para o romantismo. Mais tarde, aderiu ao modernismo, que cultivou de maneira retórica. Em 1922, em Lima, foi coroado como "poeta das Américas". Santos Chocano proclamava: "Walt Whitman tiene el Norte, pero yo tengo el Sur". Excelente sonetista. Foi assassinado por um desconhecido.


José Santos Chocano
"As orquídeas"
(Trad. de Modesto de Abreu)

Caprichos de cristal, airosas galas
de enigmáticas formas surpreendentes,
diademas e áureas frontes imanentes,
adornos dignos de faustosas salas.

De um tronco, pelos nós, fazem escalas
e enrodilham seus talos de serpentes,
até das frondes flutuar, pendentes,
quais pássaros sem asas, a enfeitá-las.

Tristes como cabeças pensativas,
brotam elas, sem torpes ligaduras
de tirana raiz, livres e altivas;

porque também com a vileza em guerra
querem viver, como as consciências puras,
sem um simples contato com a terra...



Felipe Sassone*
(1884-1959)
"À noite no jardim"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

À noite, no jardim.... O céu tão belo...
Com seu disco de luz prateado, a lua
se refletia na lagoa nua
e sobre o negro mar do teu cabelo.

Uma nuvem desmancha o seu novelo...
A sombra logo cresce, se insinua,
e ao fogo da paixão que tumultua
unem-se nossas bocas num apelo!

Quanto tempo durou? O sol nascia...
Tinhas pálido o rosto, e eu percebia
a fadiga a arroxear-te o olhar pisado

ainda a queimar-te em íntimos ardores...
E eis que te ergues feliz por entre as flores
bela e sábia de amor e de pecado!

_______
(*) - Poeta de fina sensibilidade, romântico e sensual. 
Novelista, jornalista e teatrólogo.




*

URUGUAI


Juana de Ibarbourou*
(1892-1979)
"Vida simples"
(Trad. de Murilo Araújo)

Iremos pelos campos, mão na mão,
por entre os bosques e os pradais de trigos,
junto aos rebanhos de candura antigos
por sobre a verde maciez do chão.

Comeremos o doce fruto são
das rústicas videiras, os bons figos
que coroam as moitas. Como amigos
partiremos a ceia, o leite, o pão.

E nas mágicas noites estreladas
sob a calma do azul, entrelaçadas as mãos,
lábios em frêmito, ardorosos,

renovaremos nosso morto idílio
que será como um verso de Virgílio,
vivido em frente aos astros luminosos.

________
(*) - Pela sua projeção literária, é chamada "Joana da América". Poesia de notável expressão lírica, muitas vezes mística. Poesia luminosa e emotiva.



Juana de Ibarbourou
"Rebelde"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Caronte, quando eu for em teu barco sombrio,
que escândalo eu farei nessa triste romagem! 
Temerosas, talvez, do teu olhar tão frio,
outras sombras irão a rezar, como a aragem...

Mas eu irei cantando, alegre pelo rio
e em teu barco porei meu perfume selvagem.
A brilhar me verás nesse arroio sombrio,
como lanterna azul que ilumina a viagem.

Por mais que faças tu, por mais gestos de horror
desses dois olhos teus tão destros no terror, 
Caronte, em tua barca, eu serei um escândalo.

E, já farta de sombra e cansada de frio,
quando fores deixar-me à outra margem do rio,
tu me farás descer, qual conquista de vândalo.



Juana de lbarbourou
"A promessa"
(Trad. de I. G. de Araujo Jorge)

... E todo o ouro do mundo parecia
diluído na tarde luminosa.
Apenas um crepúsculo de rosa
a alta copa das árvores tingia.

Súbito amor, a minha mão unia
à tua mão morena, carinhosa...
Éramos Booz e Ruth ante a formosa
terra que aos nossos olhos se estendia.

— "Me amarás?" perguntaste. Lenta e grave
veio-me aos lábios a promessa suave
da amante moabita, tão querida;

e foi como um "Amém!" que neste instante
se ouviu, num toque de oração, vibrante
bater o sino da pequena ermida!



Juana de Ibarbourou
"Amemo-nos"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Sob a alameda rósea — o loureiro florido—
amemo-nos. O velho e eterno lampadário
da lua já acendeu seu clarão milenário
e estas ervas no chão são um ninho aquecido.

Amemo-nos. Acaso há algum fauno escondido
junto ao tronco, a espreitar, sob o vulto lendário, 
que chore, ao se encontrar sem amor, solitário,
olhando o nosso idílio e o campo adormecido?

Amemo-nos. A luz da noite é suave e mística
e em si tem não sei que doçura cabalística.
Somos grandes e sós sobre a face dos campos,

e se amam, a faiscar, entre os nossos cabelos,
com vibrações de amor é breves brilhos belos
de esmeraldas em luz os tontos pirilampos.



Felisa Lasola*
"Debaixo do teu céu"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Na branca folha do meu livro amado,
deixo a ternura do meu pensamento,
a ti que sabes que um ser alado
são todos eles, ao sabor do vento.

E o meu que teme o gelo do tormento,
ansioso busca o palmeiral dourado,
para fazer um ninho, sem cuidado,
longe de mágoas e de sofrimento.

E porque vi passar as primaveras
sem achar flores e a sonhar quimeras
de asas cansadas e de olhar de círios...

peço a frescura desses teus vergéis,
onde os frutos são doces como méis
e o céu é todo pétalas de lírios.

_________
(*) - Sua poesia é melodiosa, simples, terna e amorosa.



Pedro L. Bersetche*
(1894-1945)
"Poetas"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Vem de longe... Essa antiga caravana
de luz vai invadindo a trajetória.
E, formando uma estirpe soberana,
vão sempre em busca dos lauréis da glória.

Cruzam-se ungidos nessa fé profana...
Seus cantos, quanta vez! ficam na história!
Se vibração produzem na alma humana, 
pressentindo os tambores da vitória...

Ajoelha majestosa a natureza,
perante seus mistérios de harmonia,
porque passa com eles a beleza.

Ungindo a fronte, iluminando os rastros,
baladas vão cantando ou litania,
por sob o luminoso olhar dos astros.

________
(*) - A sua arte é como a sua alma: Suave e simples.



Marcelino Pérez*
(1881-1912)
"Primavera"
(Trad. de Rosália Sandoval)

As andorinhas voltam novamente,
confiando seus ninhos ao telhado.
Alvas glicínias no gradil dourado
dependuram as toucas, lindamente.

Reveste-se de verde alegremente,
o altivo monte. O lavrador ousado
canta forte. E o juncal, beto, enflorado,
namora, alegre, as águas da corrente.

Tudo recobra forças, amavio...
O nume do moital, a trepadeira,
o camalote que margina o rio...

A cigarra que silva... E quem dissera
que somente meu peito está vazio
porque em minha alma não há primavera!

________
(*) - Autor de poesia singela e musical. Seus versos, como diz a tradutora, "têm a maciez das pétalas cetinosas das flores delicadas, a suavidade dos campos em que ele vive, bucolicamente, numa cabana graciosa".




Alicia P. Freire*
"Mariposa noturna"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Como o ruído de um motor distante,
a mariposa exótica, bonita,
no seu trajo relembra a favorita
de algum harém longínquo e deslumbrante.

A luz a atrai. A clara luz bendita
ela busca tocar, estonteante.
O vidro a impede... Assim um anelo amante
às vezes bate em vão na alma em que habita.

Seu corpo leve e airoso de Sultana,
todo vestido de ouro diluído,
suas asas sutis de filigrana...

Vem desmaiar, vencida, no meu colo.
E eu digo, ao vê-la, como um sonho ido:
morta, amanhã, te encontrarei no solo.

__________
(*) - Canta como ave liberta, seguindo desassombradamente os surtos de sua imaginação fértil. Alicia diz que "ama toda poesia nascida de um momento que se há gozado ou que se há sofrido; todo poema que tenha alma 
e tenha nervos".



Julio Raul Mendilaharsu
(1887-1923)
"Sonhar"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Sonhar assim, à tarde, indefinidamente...
A luz suave e boa a inspirar nostalgias...
O olhar se prolongando além das travessias
cujo término fosse uma terra clemente...

Ó peito, estás cansado! e também tu, ó mente!
Já viveste demais, concentrando energias.
Agora, é caminhar, em bonançosos dias,
buscando o mór silêncio, indefinidamente.

A cabana, uma praia, o pinhal que se alteia...
A água a salpicar gotazinhas na areia...
Uns livros, um amor, os carinhos do lar...

O passado esquecer nestas lutas vulgares,
a tristeza olvidar, esquecer os pesares
que impediram outrora o prazer de sonhar.



E. Pedro Bergara*
(1896-1946)
"Lâmpada"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Nas mudas catedrais da minha vida,
brilhava solitária e temerosa,
como se fosse mancha luminosa
banhada em sangue de cruel ferida!...

Para ela, a minha ode mais sentida,
a mais funebremente silenciosa,
esse canto de dor onde uma rosa
desmaia sobre uma alma dolorida.

Depois, um cruel vento em desatino,
de mui longe, da sombra do destino,
veio apagá-la. E, na penumbra incerta,

ficou minha alma se desalentando,
como um pássaro histérico, revoando
sobre o bocejo de uma cova aberta.

_______
(*) - Poeta emotivo e modesto, quase que é insociável, mas sabe conversar com as Musas, ofertando-nos versos de bom valor artístico.




Sarah Bollo*
(1904-1987)
"Separação"
(Trad. de Rosália Sandoval)

Se a mão que apaga os sóis na faina indefinida, 
impiedosa, ceifasse a tua vida em flor,
eu que fiz da tua alma a luz da minha vida,
choraria na sombra a minha eterna dor.

E livre, como a brisa em campina florida,
tua alma iria além pelo espaço incolor.
E a minha, ficaria em teu rosto, adormida,
qual lágrima eternal de indefinido amor.

Esperando encontrar-te, eu tudo afrontaria.
A estrada é perigosa? Assim mesmo eu iria,
rastros interrogando até ver tua luz.

E nas horas hiemais de solitário inverno,
eu, os braços abrindo, implorando ao Eterno,
seria em tua campa a redentora cruz.

__________
(*) - Poetisa lírica admirável, de forma elegante, rima bizarra e surto elevado.




Rafael Fragueiro
(1864-1914)
"A Tarde"
(Trad. de Carlos Maranhão)

A luz se esvai; a sombra vespertina
por sobre o verde prado faz seu ninho,
e o campônio levanta no caminho
uma canção suavíssima e divina!

O gado muge, triste. Purpurina,
a flor do cardo é um cálice de vinho.
Agitando os remígios cor de arminho,
a coruja detém-se na colina.

Flutuam sobre as serras os rumores,
onde misturam ventos fatigados,
profundos rios, árvores e flores;

e passam, pelas sombras, embuçados,
os fantasmas ferais dos meus amores
pelas minhas angústias escoltados...



Ovidio Fernández Rios
(1883-1963)
"Antítese"
(Trad. de Carlos Maranhão)

Perdeu-se uma princesa, certo dia,
e já mostrava um desconsolo estranho,
quando passou por ela, com o rebanho,
belo pastor, que lhe serviu de guia.

Levou-a pela estrada erma e sombria.
Com ela dividiu ração e ganho.
E, humilde, um beijo, em sua mão esguia,
deu, ao deixá-la, pálido e tacanho.

Quando a jovem princesa, branca e pura,
pela noite, contava essa aventura,
entre o riso de amáveis cavaleiros,

dela, entanto, o pastor se recordava,
chorando, sem saber porque chorava,
por sobre a branca lã dos seus cordeiros!



Ernesto Herrera
(1889-1917)
"E o condor disse...”
 (Trad. de Carlos Maranhão)

—"É justo, garça, é justo esse teu grito,
e é razoável, também, tua coragem.
Impossível é voares no infinito,
impossível que eu baixe a essa paragem!

Teu sonho é essa montanha de granito,
e o meu, a tua esplêndida plumagem.
Pensamos isso em íntimo conflito,
esquecendo-nos ambos da linhagem!

Valer-nos não pudemos! Eu, na altura,
bêbedo de infinito, em luz me encharco!
Tu, refletes no lago a rica alvura!

Dessa ambição soframos o labéu!
Eu não posso descer para o teu charco,
nem tu podes voar para o meu céu!"




Angel Falco
"Súplica"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Sê franca uma só vez! Desfaze o engano
se teus olhos me dizem que tu mentes,
se nunca amor sentiste, e se o não sentes
por que juntar a farsa ao desengano?

Tratas-me como estranho... É desumano!
Por piedade, confessa! Não aumentes
com promessas que querem ser ardentes
este sonho que a mim só causa dano.

Se pudesses saber quanto te quero!
Fugir, mil vezes tento e não consigo,
meu querer faz-se pranto, e eu desespero...

Maldigo a sorte então, e um tal encanto,
pois me tens a teus pés... E te maldigo
e até te odeio... mesmo a amar-te tanto!




Delmira Agustini*
(1886-1914)
"Explosão"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Se a vida é amor, bendita seja então!
Quero mais vida, se esse amor aumento;
que não valem mil anos de razão
um só minuto azul de sentimento.

Meu coração morria triste e lento
e hoje é uma flor de luz em combustão!
A vida canta como um mar violento
quando a mão de um amor a agita em vão!

Esfuma-se na noite triste, fria,
de asas rotas — minha melancolia;
como a indelével mancha de uma dor

que na sombra distante já perdi...
A vida toda canta, beija, ri,
numa explosão como uma boca em flor!

_________
(*) - Precursora lírica de Juana de Ibarbourou. 
Sua poesia é cantante, emotiva e sensível.




Gastón Figueira*
"Dança hebraica"
(Trad. de Jacy Pacheco)

Inquieta, como a chama de um pavio,
te contorces num fundo de negrura,
ostentando por único atavio
o majestoso véu de tua alvura.

E das tuas pupilas o sombrio
fulgor causa dulcíssima tortura,
uma febre de noite e de vazio
e sede voluptuosa de loucura.

Sobre o fresco tapete eis que, de pé,
súbito permaneces quieta, estática,
entre nuvens de sândalo e ametista.

Para ser uma nova Salomé
só te falta a bandeja em que, hierática,
sangra a cabeça de São João Batista.

_________
(*) - Poeta lírico e descritivo. Jornalista e tradutor.



*

GUATEMALA


Miguel Angel Asturias*
(1899-1974)
"Soneto a Maria"
(Trad. de Luís Antônio Pimentel)

Não mudes teu candor de asa e perfume
a doce confusão do meu pulsar,
porque és, Maria, ninho, pomba implume,
razão do meu viver, do meu penar.

Tua presença é o pão do meu ciúme,
ouvir teu nome é um santo comungar,
quando o céu diz teu nome num queixume,
porque só diz Maria em seu cantar.

Apresentam-se os prados suas flores
os frutos morrem sempre em minha boca,
amo com o melhor dos meus amores...

Mas, sem embargo, para mim, Maria,
és a constelação que ninguém toca,
a minha maré-cheia de agonia.

__________
(*) - Considerado o mais conhecido poeta de seu país, 
nos últimos tempos. Novelista, jornalista e parlamentar.


*

CUBA


Mercedes Matamoros*
(1851-1906)
"Anseios"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Quero os teus risos — de infinitos gozos —
são perfumadas e embriagantes teias,
quero enlaçar teu corpo com as cadeias
ardentes de meus braços amorosos!

Quero incendiar de beijos voluptuosos
o sangue que circula em tuas veias,
e este fogo de amor que em mim ateias
acender em teus olhos luminosos!

Porque têm sido sempre, em meus amores, 
venenosas as mais fragrantes flores,
e meus dias e noites, temporais,

jamais hei de esquecer as horas belas...
Ah, sempre arrastam folhas amarelas
as paixões loucas como vendavais!

________
(*) - Voz altissonante da poesia feminina, em língua espanhola". 
Poetisa de ardente sensualismo.



*

SÃO DOMINGOS


Manuel del Cabral*
(1907-1999)
"Minha canção"
(Trad. de Luís Antônio Pimentel)

Minha canção, canção que não pudera
sequer anunciar-se ao meu sentido,
semente, que num chão umedecido
a golpes de emoção, crescer espera.

O que apenas meu "eu" não compreendera
mas, foi, graças ao branco, pressentido,
para mim, será azul recém-nascido
de vento novo e funda primavera.

Meu verbo assoma na manhã tão bela
como um rosto curioso na janela
respingada de pássaros, ao léu.

Meu íntimo terá algo espelhado
à maneira do lago, que, assombrado,
não podendo voar, roubou o céu.

________
(*) - Sua poesia é pessoal, por vezes universal; mas explora, também, os temas negros, como é comum na poesia antilhana.



*

HAITI


Justin Lhérisson*
(1873-1907)

"Amor de Bucaneiro"
(Trad. de Fernando Torquato Oliveira)


Eu não quero saber o que foi seu passado:
— virgem de corpo e de alma, ou tonta mariposa,
a mim, que importaria? Aceito-a por esposa.
E o que digo não vem de um momento impensado.

É freqüente a ventura emergir do ignorado:
na vaga da ilusão tudo esplende e repousa.
Nada quero saber, pois almejo uma cousa...
a esperança a cantar sob um sonho velado.

Mulher! quem quer que seja, aceito-a no meu lar! 
Por um beijo de amor unamo-nos num par,
que a natureza supre a ausência do Senhor!

Entre!... Mas tenha em mente o acordo deste instante!
O leal Bucaneiro, agora seu amante,
matá-la-á sem dó, se trair seu amor.
   
_________
(*) - Poeta romântico e autor do Hino Nacional haitiano.



*

HONDURAS


Daniel Laitzez
"Um fundo sentimento de ternura"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Um fundo sentimento de ternura
por ti, mulher, meu coração abriga;
— que outra, tal como tu, querida amiga,
soube aliviar a minha desventura?

Como num leito, de infinita alvura,
com a água fresca que o calor mitiga,
— em teus braços deixei minha fadiga
e adocei, com teus beijos, a amargura.

Já tenho a boa e terna companheira
a quem posso confiar minha alma, inteira,
nas horas de tristeza e desencanto;

e nos jardins do nosso amor ardente
esvoaçam, coloridas, febrilmente,
as tontas borboletas do meu canto!

___________
(*) - Considerado o mais genuíno, o mais nativista dos poetas 
hondurenhos. Lírico admirável.




Carlos Manuel Arita
"Teus olhos negros, tua tez morena"
(Trad. de J. G. de Araújo Jorge)

Fascina-me a brancura da açucena,
— as flores alvas são as mais bonitas —
mas me atraem com forças infinitas
teus olhos negros, tua tez morena.

Como as flores, também, casta e serena,
aos desejos de amar, por certo, incitas,
porém, só vejo, em ânsias vãs, aflitas,
teus olhos negros, tua tez morena

Arrostaria tudo, humildemente,
(a alma, livre da angústia que a condena)
para ter-te afinal sempre presente,

e se adorar-te fosse a minha pena
amaria em silêncio, eternamente,
teus olhos negros...  tua tez morena.


*

NICARÁGUA


Rubén Dario*
(pseudônimo de Félix Rubén Garcia Sarmiento)
(1867-1916)
"Margarida"
(Trad. de Murilo Araújo)

Lembras? Querias ser uma outra Margarida
Gauthier... Teu rosto estranho em minha mente 
está como naquela ceia em que te achei, querida, 
naquela noite alegre e que não voltará.

Com os lábios carmesins de púrpura suicida
sorvias o champanhe em frio bacará;
com os dedos desfolhaste a branca margarida:
— "Sim", "não". Sim-não por que, se eu te adorava já?

Depois, flor de histerismo, ó, choravas e rias;
meus — teus risos, teus ais, o pranto que vertias —
tudo na minha boca em febre se abrasou.

E ao triste entardecer de um desses doces dias,
a Morte, com ciúme, a ver se me querias,
como outra margarida, Amor, te desfolhou!

_________
(*) - Poeta errante, genial lírico e grande prosador, muito conhecido no Brasil, onde esteve. Espírito inquieto, esbanjou talento transbordante. Clássico, admirador de Hugo, Verlaine, Mallármé e Cervantes, não deixou, nem por isso, de mostrar-se,  também, um admirador do modernismo na poesia, sendo na América um dos precursores dessa escola. Dele disse Lopes Rodrigues: "Boêmio cosmopolita, qual uma cigarra de luz, passou pela vida menos esquecido do mundo do que da pátria". Chegou a representar seu país como Ministro em Madri.



Rubén Darío
(1867-1916)
"A minha alma"
(Trad. de Delson Tarlé)

Minha alma, insiste, aquece a idéia no teu ninho
Tudo está sob um signo: o destino supremo.
Segue em teu rumo, segue até o ocaso extremo,
e atingirás a esfinge, ao fim do teu caminho.

Colhe a flor, ao passar, e deixa o duro espinho.
No rio de ouro eleva e mergulha o teu remo.
Saúda o arado às mãos do rude Triptolemo,
e segue como um deus no sonho o teu carinho.

E segue como um deus que traz felicidade,
e, enquanto a voz de uma ave o coração te invade
e os astros vêm brilhar dentro dos olhos teus

e há ramos de esperança em que, feliz, 
resvales, passa, desassombrada, a floresta de males,
sem temer a serpente, e segue, como um deus...  




Rubén Dario
(1867-1916)
"Caupolicã"
(Trad. de Delson Tarlé)

Algo espantoso viu aquela velha raça;
tronco robusto erguer ao ombro um campeão
aguerrido e feroz, cuja potente maça
só Hércules brandia ou brandia Sansão.

Seu cabelo era o elmo e seu peito a couraça.
Podia um bravo assim, na araucana região,
lanceiro batedor, Nenrode em pós da caça, 
desjarretar um touro, esganar um leão.

Andou, andou, andou, à luz clara do dia,
à luz flébil da tarde, ao véu da noite fria,
o enorme tronco sempre às costas do titã.

"O Tóqui, o Tóqui!” — exclama a comovida casta.
Andou, andou, andou. A Aurora disse "Basta!"
e ergueu a fronte altiva o herói Caupolicã.



*

PANAMÁ


Ricardo Miró*
"Amor?"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Uma vaga inquietude, um misterioso
temor, como um feliz pressentimento;
um íntimo e recôndito tormento;
dor que faz bem, e definir não ouso.

Um nó, como um soluço poderoso
que nos toma a garganta; o sentimento
de uma dor que se acerca; o pensamento
cheio de luz, de júbilo, de gozo.

Uma contradição funda e obscura
que me enche a vida e a alma de amargura
e apaga toda luz, qualquer que seja;

que turva toda paz, toda alegria,
mas, Senhor! Tu que vês minha agonia,
se isto tudo é amor, bendito seja!

________
(*) - Como poeta, freqüentou os arraiais de várias escolas literárias. 
Foi um mestre do soneto.




*

MÉXICO


Manuel Acufia*
"A uma flor"
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Por que, quando a corola se entreabria
tonta de luz, e num deslumbramento,
já pendias cansada e sem alento
nesse ar precoce de melancolia?

Não vês, acaso, que esta sombra fria
que escureceu o azul do firmamento
é uma nuvem somente, e ao vir do vento
surgirá novamente a luz do dia?

Ergue-te pois, feliz e alegre no ar!
Tua viva corola não se entrega
à tristeza que a tenta desfolhar...

Não afrontes o sol ó flor tão linda!
Que esta sombra que passa e que te cega
é sombra apenas... não é noite ainda!

________
(*) - Morreu tragicamente, apenas com 24 anos de idade . Alguns de seus poemas obtiveram popularidade, não só no próprio país, 
como em toda a América.



Amado Nervo*
* * * *
(Trad. de Altair de Almeida Carneiro)

No meu ocaso eu te bendigo, Vida,
pois nunca vi falhada uma ilusão.
Tu jamais me causaste uma ferida,
nem dor, ou pena, ou sofrimento vão.

E vejo agora, ao fim da minha lida,
que o meu destino eu fiz com a própria mão.
E só de espinhos tive a alma dorida,
quando neguei sementes para o chão.

Bem sei que em breve há de chegar o inverno,
e hão de vir noites tristes e enluaradas.
Mas não me prometeste estio eterno.

Em troca tu me deste quente abrigo,
e, ao sol do Amor, radiantes alvoradas...
Nada me deves, Vida, e eu te bendigo!

___________
(*) - É, sem dúvida, o maior poeta mexicano. Cultor ardente da poesia lírica. Além disso, prosador e diplomata. Morreu em Montevidéu, quando ocupava, ali, o posto de Ministro Plenipotenciário. Sua obra poética foi editada na Espanha, onde exercera, também, o cargo de Ministro Plenipotenciário de seu país.



Amado Nervo*
"Covardia"
 (Trad. de Virgílio Brígido Filho)

Passou... Que maravilha de beleza!
Que sobrenaturais olhos azuis!
Que trigal, seus cabelos! Que esbelteza
na brancura lirial dos braços nus!

Passou... Deu-me por óbulo, a pureza
de um longo olhar, que vir dos céus supus.
 —"Acompanha-a!" Disseram-me, em surpresa,
o corpo e o coração ébrios de luz!

Mas tive medo... Medo da loucura
de abrir feridas que já são renúncias
de velhas dores prontas a sangrar...

E esquecendo esta sede de ternura,
na mais triste renúncia das renúncias,
fechando os olhos a deixei passar...

___________
 (*) - O poemeto "Cobardia", de Amado Nervo, no original, é formado por uma quadra e uma oitava. Curiosamente, foi traduzido cm forma de soneto, pelo menos por três poetas brasileiros: Virgílio Brígido Filho, Holácio Cartier e Valfredo Martins. A tradução que transcrevemos, de Virgílio Brígido Filho, e que, na opinião de J. G. de Araujo Jorge, é a melhor das três, foi estampada,  provavelmente pela primeira vez, na revista "Fon-Fon" de 25 de dezembro de
1920. Amado Nervo morreu em 1919.



Manuel José Othon*
"Idílio selvagem" ("Soneto 1")
(Trad. de J. G. de Araujo Jorge)

Nesta gelada solidão surgiste
recoberta com a última celagem
de um crespúsculo cinza... Olha a paisagem
árida e triste, imensamente triste.

Se vens da dor, se nela é que nutriste
teu coração — bem-vinda a esse selvagem
deserto! — onde somente uma miragem
do que já fui na mocidade, existe.

Se não vens de tão longe assim, me ver,
e em tua alma ainda há restos de prazer
podes voltar ao teu revolto mundo:

Se não — vem tu, também, lavar teu manto
nesse mar amarguíssimo e profundo
de um triste amor ou de um imenso pranto.

______
(*) - Viveu sempre no interior, e, por isso, sua poesia é áspera e simples como a própria vida do campo. Mais que bucólica, é, entretanto, romântica, pela sua vibração e pelos seus tons suaves.




Enrique González Martínez*
"Dor"
(Trad. de Manuel Bandeira)

O seu olhar varou-me a alma abismada,
fundiu-se em mim, tão minha parecia,
que não sei se este alento de agonia
é vida ainda ou morte alucinada.

Chegou o Arcanjo, desferiu a espada
sobre o duplo laurel que florescia
no horto concluso... E desde aquele dia
voltei, dentro das trevas, ao meu nada.

Julguei que o mundo, para o humano assombro,
ia rolar de súbito no escombro
da ruína total do firmamento...

Mas vi a terra em paz, em paz a altura,
o campo tão sereno, a linfa pura,
o monte azul e sossegado o vento!

____________
(*) - Professor e diplomata. Como poeta, situou-se entre o modernismo e o pré-modernismo. Sonetista exímio, morreu venerado como patriarca da poesia de seu país.








(Das páginas 463 a 500 de “O Mundo Maravilhoso
do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)

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