Rubenio Marcelo

Aracati, CE
(reside em Campo Grande, Mato Grosso do Sul)


SONETO SONÂMBULO
Rubenio Marcelo
                                     
À noite - enquanto eu durmo - o meu soneto
sorri de mim e sai em grã jornada...
Contempla a vastidão da madrugada
e vai errando os erros que eu cometo...

Ao som transcendental de um minueto,
segue altaneiro na fragosa escada...
Alcança o topo azul da caminhada
e vê pulsar ao longe um amuleto...

Ele - em fascínio - do mirante pula,
levita, e sonha, e sangra, e perambula,
mas sempre volta... Sim, ele não tarda!

Assim, sem nem tocar a campainha,
ele retorna e, bem de manhãzinha,
já está comigo... Ah meu anjo da guarda!



SONETO
Rubenio Marcelo

O Soneto é visão mais-que-perfeita
Que o legítimo bardo sempre zela;
É divina estesia e é a mais bela
Harmonia em canção mais escorreita.

Foi Deus quem concebeu esta aquarela
Com cetro afortunado, sem receita;
Em seguida, encerrando a sua empreita,
Bendisse o seu afã com grã cautela.

Depois os mensageiros divinais
Legaram estes dons transcendentais,
Contemplando somente alguns aedos...

 – O bom mestre é o que tece seu mister,
Qual eterno aprendiz, qual alvaner
Sempre a desbastar ásperos rochedos!



SOLITUDE
Rubenio Marcelo

Hoje eu quero soltar meus cães-pastores
Pelas ruas desertas do meu ser...
Deixar minha cerviz espairecer,
Vivendo a solidão dos desertores.

Eu preciso sondar os corredores
Que me levam – às vezes, sem querer –
Às sombrias visões de um quefazer
Recostado na fronte dos andores...

Hoje eu quero somente a calmaria
Do florete que adorna a penedia
Que comprime o vão do meu pelourinho.

Nesta noite eu só quero os braços meus
Procurando o meu vulto. E peço a Deus
Pra que me deixe assim: um ser sozinho!


  
PARCERIA
Rubenio Marcelo

O chão pode ser céu no canto alado 
que tece o infinito em parceria... 
A ave voa e pousa... e, neste estado, 
um par sem outro par o que seria? 

Asas e pernas traçam sempre um fado 
moldando a cor da noite e o sol do dia... 
Assim, talvez em tom predestinado, 
o passaredo brinca em sintonia... 

E cai a tarde... e novamente a noite 
vem pra velar do vento o seu açoite: 
da paz deixando eventos à mercê... 

O mágico pulsar de um cata-vento 
o que seria se faltasse o vento? 
E a brisa sem o mar seria o quê!?



CORPO A CORPO
Rubenio Marcelo

Com meu corpo fechado, o coração
não me faz corpo mole, está presente
com seu corpo de guarda diligente
sempre de corpo e alma em prontidão...

Através da corporificação
de anticorpos altivos, sou prudente:
corpo a corpo, eu enfrento o renitente
corpo estranho e carente da paixão.

Assim sigo feliz, com o corpo isento
do corporativismo turbulento
da emoção do meu ser coloquial...

Quando o amor quer ganhar um corpo acromo,
tiro o corpo, pois sou tão leve como
corpo de baile do Municipal.


                                   
GLOBO DA MORTE
Rubenio Marcelo

No ziguezaguear estrepitante 
de suas colossais motocicletas, 
em alta adrenalina, os cinco estetas 
vão imortalizando aquele instante... 

Num habitáculo esférico, eletrizante, 
marchetado de luzes insurretas, 
roncam máquinas, em loucas roletas, 
aos olhos da plateia vigilante. 

Alfim, de súbito, cessam os fragores: 
os alazões de ferro e seus senhores 
voltam às posições iniciais. 

Do globo, abre-se uma portinhola... 
Os acrobatas saem da gaiola
e novamente são meros mortais... 



FOGO DA POESIA
Rubenio Marcelo
               
Não é fogo de palha é fogo imenso
O fogo que azuleja a poesia;
É qual fogo sagrado que anuncia
O donaire em seu lume mais intenso...

É fogo perenal sempre propenso
A labaredas de supremacia...
É o clarão mais perfeito da magia
Que com a flama da essência faz consenso.

É o fogo impetuoso das lareiras
Aquecendo as visões alvissareiras
Que nos tocam com jeito e sutileza...

É o mistério das messes ancestrais
Que revela o semblante dos graais
Das gemas borbulhantes da beleza!



MINHA ODE A CAMPO GRANDE
Rubenio Marcelo

Ser estame da flor deste cerrado
Em perfeito e justíssimo prazer...
Partilhar deste encanto abençoado
Que sublima a cerviz do nosso ser.

Seduzir-se perante este eldorado
No fluir natural de um benquerer...
Chamar-se chamamé, mate gelado,
Ou guavira em eterno florescer...

Ter a morena cor deste lugar;
Ser qual trigo fecundo e respirar
Toda beleza inata que se expande...

Verdejar horizontes e sementes
Em segredos e prosas transcendentes...
E ser feliz assim em Campo Grande!



SORRIR...
Rubenio Marcelo

Quero sorrir, contigo, dos momentos 
que flertam nossos olhos inda acesos; 
sorrir da dor que vem em passos lentos 
e nos faz ser assim tão indefesos... 

Quero, na floração dos meus intentos, 
sorrir, contigo, cânticos coesos... 
Quero sorrir da tez dos desalentos 
e contigo mirar sonhos ilesos... 

Quero, contigo, ser um só sorriso, 
pra sentir da leveza o tom preciso 
e, sorrindo, entender sinais quaisquer. 

Na tenda dos misteres que eu persigo 
e nos sóis do amanhã, quero contigo 
sorrir também do pranto que vier...



TÚNEL DA SAUDADE
Rubenio Marcelo
                    
Pensando... revi minha adolescência
na Fortaleza dos anos setenta:
a prima namorada em confidência,
o ângelus guiando a tarde lenta...

A ponte, a preamar, a renitência
das ondas na jangada vagarenta...
O futebol de praia, a sã vivência
dos tempos de Liceu... a turma atenta.

Sem pressa, percorri a velha rua,
solando um violão pra mesma lua
que outrora me inspirou com majestade...

 No meu antigo lar reingressei,
pensei ficar por lá, mas despertei
nos braços calejados da saudade.




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