Veio, afinal, a escola
"Modernista", uma vassourada no parnasianismo importado, em favor do
modernismo... também importado!...
A rigor, nasceu dos exageros de certos
poetas simbolistas da França. Murilo Araújo, pertencente ao grupo de "Festa",
a que aludiremos adiante, respondeu em uma entrevista: "A derivação do
Simbolismo é comum a todas as modalidades de arte moderna, mesmo as mais
avançadas. Marinetti foi simbolista como Apollinaire".
No Brasil, o movimento modernista, a
princípio, se fez sentir muito mais na poesia (1922-1930). O predomínio da
prosa veio depois.
Na verdade, o Brasil não sofreu tão
marcantemente as consequências da I Grande Guerra, mas recebeu a mensagem de
renovação, e procurou adaptá-la à realidade brasileira.
Havia outras razões para se tentar algo de
novo. Mesmo antes de 1922, os herdeiros do Simbolismo, em nossa Pátria, vinham introduzindo
inovações poéticas. E, nesse trabalho pioneiro, podemos destacar o exemplo do próprio Murilo Araújo,
então simbolista, no seu livro "Carrilhões" (1917). Aliás, os
Modernistas atacavam fortemente o Parnasianismo, mas sempre respeitaram o Simbolismo.
Tendo à frente Oswald de Andrade e Mário de
Andrade, teóricos do movimento, um grupo de renovadores surgiu com grande
disposição para a luta. Entre outros, Paulo Prado, Graça Aranha, Menotti del
Picchia, Sérgio Milliet, Di Cavalcanti (Emiliano), Cândido Mota Filho,
Guilherme de Almeida.
*
O parnasianismo declinava, salvando-se
alguns nomes, dentre quais Olavo Bilac, que João do Rio classificou de
"Musa Perfeita".
A própria literatura nacional sofria esse
declínio. Aluísio de Azevedo, em 1893, desolado diante do abalo sofrido, pelo
país, com a abolição da escravatura, a queda da Monarquia e o conseqüente
estado de depressão da economia e das finanças, escreveu um artigo dramático,
em que quase decretava a morte da literatura. Dizia ele: ... "E ninguém lê
livros".
Capistrano de Abreu, no mesmo ano,
exclamou, desiludido:”Pobre literatura nacional! Essa nem ao menos encontra
quem lhe chore o triste fado".
Raimundo Correia depunha assim: "A
época atual é, com efeito, dura e penosa para a vida do espírito". E, em 1894, era
mais amargo: "Tudo, enfim, caído de tal sorte que não sei quando se
erguerá de novo".
Oswald de Andrade, em 1912, compôs um poema
de versos livres, intitulado: "Último passeio de um tuberculoso pela
cidade, de bonde", que serviu de pretexto para zombarias da parte de seus
amigos. Os contemporâneos de Oswald eram parnasianos, na sua maior parte,
embora houvesse alguns simbolistas. Querendo fazer literatura, aproximava-se de
Bilac, Coelho Neto, Inglês de Souza, João do Rio, Emílio de Menezes, Alberto de
Oliveira. Chegou a cabalar votos para Amadeu Amaral, em sua candidatura à
Academia Brasileira de Letras, na vaga de Olavo Bilac.
Em 1913, Menotti del Picchia estreou
publicando "Poemas do Vício e da Virtude", com um curto prefácio do
Professor Sousa Bandeira, tio de Manuel Bandeira. Palavras cautelosas sem
grandes elogios, mas dizendo que "nessas rimas de adolescência tentava
fazer a poesia paulista evadir-se ao cárcere das irredutíveis fórmulas em
uso".
Alberto de Oliveira, uma das então futuras
vítimas dos ataques do modernismo, profetizou as novidades literárias, no
discurso já citado por nós, que proferiu, em 1916, ao receber Goulart de
Andrade na Academia: "Assim, como por vossas mãos vieram até nós antigas
formas literárias, virão amanhã as novas idéias de um novo período social, de
uma nova e talvez melhor humanidade que a dura lição da guerra prepara".
Em 1917, Menotti del Picchia publicou
"Moisés", seu segundo livro, peça de inspiração bíblica que agradou a
Oswald de Andrade, "pelos seus sinais de renovação, se bem que vagos e
imprecisos". A obra não obteve o elogio da crítica, que "não lhe
perdoou a ousadia".
Ainda em 1917, do mesmo autor, surgiu, com
uma tiragem de apenas 500 exemplares, o "Juca Mulato", este sim,
recebido entusiasticamente pelo público e pela crítica. É, realmente, uma
obra-prima, nada tendo, porém (muito ao contrário!), do modernismo que mais tarde
veio a abraçar. Afrânio Peixoto, Oliveira Lima, Clóvis Bevilacqua, Rodrigo
Otávio, Vicente de Carvalho, Nestor Victor, Jackson de Figueiredo, Luiz
Guimarães Filho, Tristão de Ataíde, Pedro Lessa, fizeram coro aos elogios que
partiam de todos os lados. Afinal, quem o consagrou foi Júlio Dantas, em artigo
publicado no "Primeiro de Janeiro", do Porto, exaltando,
principalmente, sua arte excepcional e seus prodigiosos "dotes de
comunicação emotiva".
Entretanto, apesar de seu espírito
nacionalista, estava longe dos desejos daqueles que queriam "romper de vez
com os cânones aceitos".
Igualmente em 1917, houve outras estréias.
De Guilherme de Almeida apareceu o livro "Nós", que lhe propiciou,
com seus sonetos impecáveis, a láurea popular de maior poeta lírico da época; e
também de Da Costa e Silva, Gilberto Amado, Pereira da Silva e Murilo Araújo
("Carrilhões").
Murilo Araújo é o único que tenta
"evoluir", lançando "uma espécie de manifesto sobre os meios
poéticos de que se vale, e todos eles são formas de oposição ao parnasianismo,
que era ainda a escola mais poderosa do tempo". E Murilo, ao dar sua
explicação, na página de ante-rosto do livro, fala em "vitória da idéia esboçada
sobre a idéia desenhada".
Cassiano Ricardo, com "Dentro da
Noite" e "O Evangelho de Pã” — “desertando de um misticismo sombrio,
feito de cinzas, tristeza e pessimismo,
vem para o parnasianismo", confirmando uma previsão feita por Aristêo
Seixas.
Mas, a grande vitória do parnasianismo,
naquele ano de 1917, foi “Verão”, de Martins Fontes.
Nesse ambiente de brios exaltados, no furor
da Grande Guerra, Mário de Andrade, sob o pseudônimo de Mário Sobral, publicou seu
primeiro livro de versos, inspirado na guerra: "Há uma gota de sangue em
cada Poema". Poemas todos compostos em abril de 1917, mas só publicados
meses depois. Livro, aliás, acerbamente criticado por Nuto Santana, no
"Correio Paulistano". No poema, ele “chorava pela França que o
educara e pela Bélgica que se impusera à admiração do universo".
Então, continuava apegado ao parnasianismo.
Ele mesmo o confessaria, mais tarde, em
"O Empalhador de Passarinho”:
—“Por esse tempo, eu sofria de um complexo
de inferioridade orgulhosíssimo. Não vê que pouco menos de um ano antes, eu
escolhera, no amontoado milionário de meus versos, o que considerava melhor,
uns quinze sonetos, e mandara a Vicente de Carvalho, com uma carta assombrada
de idolatria e servidão. E lhe pedia humildemente que me dissesse qualquer
coisa, um "não" que fosse, para esclarecer as minhas dúvidas sobre
mim. É quase absolutamente certo que Vicente de Carvalho recebeu a minha carta,
entregue quase que às mãos dele, num dia em que ele se achava em casa. Jamais
resposta veio, nem "sim" nem "não", nada. O que sofri de
angústia, de despeito, de humilhação, de revolta, não se conta! E comecei a
cultivar um complexo de inferioridade prodigiosamente feliz, que me deixava solto,
livre, irresponsável, desligado
dos meus ídolos parnasianos, curioso de todas as inovações, sequaz incondicional de todas as revoltas".
*
"Cinza das Horas", com tiragem
somente de 200 exemplares, de Manuel Bandeira, foi o livro de mais um
"novo". Recebido discretamente, mereceu, em 1918, estas palavras de
Monteiro Lobato: — "No Brasil, hoje, há, em matéria de poetas, um grupo.
meia dúzia, de supremos; em segunda plana, há uma aristocracia de cem; embaixo
formiga a plebe do milheiro. Bandeira reside entre os cem".
*
Era, evidentemente, uma hora de transição,
quando se aguardava qualquer coisa de novo, indefinido.
O parnasianismo e o simbolismo se
desmanchavam, mas as indecisões persistiam, como acentuava o ensaísta Andrade
Muricy, em "Alguns Poetas Novos", publicado em 1918. Dizia ele que,
entregues a si mesmos, hesitantes, sem perspectivas, os nossos jovens poetas
escrevem "livros frios e ocos em que a correção da linguagem e a elegância
do versejar procuram substituir a criação artística". E, mais adiante:
"Nenhum esforço fazem para compreender o seu verdadeiro papel social e
artístico; para se pôr em dia com a evolução da arte nos grandes centros; para
tomar conhecimento das modernas tendências do pensamento".... "disso
resultando uma poesia anêmica e palavrosa, vacilante sobre suas indigentes
bases idealísticas e emocionais".
Muricy, porém, nota que já vão aparecendo
algumas "individualidades de mérito efetivo", como Gilka Machado,
Laura da Fonseca e Silva, Humberto de Campos, Hermes Fontes, Murilo Araújo,
Heitor Lima, Amadeu Amaral, Da Costa e Silva, Martins Fontes, Goulart de
Andrade, ou seja, alguns "novos' da época, época que constituiu, na frase
de Tristão de Ataíde, "esse período poético sem nome, que se estende do
fim do simbolismo ao início do modernismo".
*
Em 9 de janeiro de 1921, foi oferecido, no
Trianon, um banquete a Menotti del Picchia, para comemorar a publicação de “As
Máscaras". Estavam presentes, como era natural, a "velha guarda"
de escritores e a alta sociedade, "enxertadas" por "meia dúzia
de artistas moços de São Paulo".
Oswald de Andrade, "ao entregar ao
poeta homenageado a sua máscara esculpida por Brecheret", falou em nome
dos dissidentes, tendo o seu discurso tomado ares de manifesto, divergindo dos
que homenageavam Menotti del Picchia. Despertou os brios do homenageado, que
tinha "suas responsabilidades para com a nova geração”.
Dizia Oswald: "Tu és nosso, em meio
das aclamações que não temos, tu és nosso, junto às bandeiras que ignoramos, tu
és nosso sobre sobre os troféus que não erguemos". E mais: "Toma,
pois, um sentido de investidura a nossa participação na tua festa, ó irmão
cumulado de abençoadas farturas".
A resposta de Menotti del Picchia
confirmava o discurso de Oswald de Andrade, mas o fez meio desajeitadamente,
"apesar de obedecer, como convinha ao homenageado, às regras do bom tom-tom”,
segundo confessa Mário da Silva Brito.
Aliás, todos o sabem sobejamente, nem
"As Máscaras", como, de resto, nem “Juca Mulato", nem
"Angústia de D. João", nem “O Amor de Dulcinéia”, todos reunidos, posteriormente, várias vezes
em um só volume, nenhum desses poemas nada tem de “modernista”, em nada obedece
aos postulados da nova técnica que amaciavam com tanto estardalhaço.
*
Opondo-se ao parnasianismo, surgiu, entre
nós, o que primeiramente se chamou o "novismo", que não era senão o
"Simbolismo” francês. Este, como vimos no capítulo anterior, constituiu uma
escola de repercussão internacional, recheada de altos valores, acima de
quaisquer julgamentos desairosos.
Mesmo no Brasil, teve uma vida
indubitavelmente brilhante, embora efêmera e muito dispersa. Faltou-lhe
organização, mas lhe sobraram escritores e, principalmente poetas, que
nobilitaram a cultura literária de nossa Pátria.
*
Na opinião de Oswald de Andrade, o poeta
Alphonsus de Guimaraens era “um lutador da arte nova", afirmando, mesmo, que
“a sua lira era mais adiantada que a de Bilac, mais solene que a de Alberto de
Oliveira e Emílio de Menezes, mais sonora que a de todos os “bambúrrios líricos
dos senhores Vicente de Carvalho e
Amadeu Amaral”... “e que poetas como ele (Alphonsus) honram não só uma
geração como uma pátria".
Mário de Andrade, entretanto, examinando o
passadismo poético brasileiro, não incluía nele, inexplicavelmente, nenhum representante
dos adeptos de Cruz e Sousa. Para Mário, os “mestres do passado eram Francisca
Júlia, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho".
*
Mário da Silva Brito, principalmente em
face das opiniões dos "dois Andrades", chegou à seguinte verificação:
"Parnasianismo e Simbolismo, cumprida a sua missão histórica, estavam
gastos, fatigados". E mais: "a Musa Perfeita (Bilac) e a Musa Mística
(Alphonsus) estavam empalidecendo, para darem lugar a "outros tempos que
chegavam e, com eles, outros desejos estéticos, políticos e sociais".
*
Mário da Silva Brito descreve fatos,
detalhes, da "arte nova": O grupo modernista ainda não estava
congregado. Somente se uniu com a primeira exposição de pintura de Anita
Malfatti, num salão cedido pelo Conde de Lara, à Rua Líbero Badaró n° 111, no
dia 12 de dezembro de 1917. Eram 53 telas, que receberam, naturalmente, os
elogios daqueles que viriam a compor, mais tarde, o grupo dos modernistas.
Tarsila do Amaral, também, compareceu à
exposição e ficou "espantada e chocada diante dos quadros atrevidos e
rústicos", segundo confissão da própria Tarsila.
E Monteiro Lobato, no "Estado de São
Paulo", edição noturna, de 20 de dezembro de 1917, escreveu um artigo
violento que muito magoou a expositora, traumatizando-a, inclusive, para o
resto de sua vida. O artigo é grande, mas vamos transcrever apenas dois de seus
trechos:
— "Certos críticos teorizam aquilo com
grande dispêndio de palavrório técnico, descobrem nas telas intenções e
subintenções inacessíveis ao vulgo, justificam-nas com a independência de
interpretação do artista e concluem que o público é uma cavalgadura e eles, os
entendidos, um pugilo genial de iniciados da Estética Oculta. No fundo, riem-se
uns dos outros, o artista do crítico, o crítico do pintor e o público de
ambos".
Ainda Monteiro Lobato:
— "Já em Paris se fez uma curiosa
experiência: ataram uma brocha na cauda de um burro e puseram-no de traseiro
voltado para uma tela. Com os movimentos da cauda do animal, a brocha ia borrando a tela. A coisa
fantasmagórica resultante foi exposta como um supremo arrojo da escola cubista,
e proclamada pelos mistificadores como verdadeira obra-prima que só um ou outro
raríssimo espírito de eleição poderia compreender. Resultado: o público afluiu,
embasbacou, os iniciados rejubilaram e já havia pretendentes à tela, quando o
truque foi desmascarado".
*
No mesmo ano de 1917, Mário de Andrade publicou, como vimos, seu livro “Há uma gota
de sangue em cada Poema".
João Ribeiro, em artigo divulgado na
"Revista do Brasil", em maio daquele ano, recebe, com simpatia, a
"poesia novíssima que entre nós parece definitiva sob os nomes dúbios ou
incertos de “misticismo”, “simbolismo", ou coisas que o valham, poesia, de
fato, nova e diferente do parnasianismo".
Tristão de Ataíde, no artigo "O
Pré-Modernismo", via "o fim do naturalismo no romance, com Aluísio de
Azevedo ou Adolpho Caminha; o fim do ornamentalismo na prosa, com Coelho Neto; o
fim do parnasianismo na poesia, com a tríade gloriosa de Raimundo Correia, Olavo
Bilac e Alberto de Oliveira; o fim do simbolismo, com Cruz e Sousa, com
Alphonsus de Guimaraens, com Nestor Victor, com os poetas do Paraná; o fim da
crítica nacionalista com a segunda trípode famosa — Sílvio Romero, José
Veríssimo, Araripe Junior; o fim do positivismo ou do evolucionismo filosófico,
com Benjamin Constant, Miguel Lemos, Teixeira Mendes, ou então, Sílvio Romero,
Artur Orlando, Martins Júnior ou Souza Bandeira".
O “velho” e o “novo” estão em conflito, encarregando-se a própria morte de emudecer os
grandes nomes das letras. Raimundo Correia morreu em 1911; Bilac, em 1918;
Emílio de Menezes, também em 1918; Francisca Júlia, em 1920; Alphonsus de Guimarães
em 1921: Rui Barbosa, em 1923. Esses nomes "nada mais significavam para os
jovens".(....) "A morte desfalcava as fileiras conservadoras. A morte
como que era também futurista", escreveu Mário da Silva Brito. Mas esse
mesmo historiador confessava, melancolicamente: “Os modernistas não têm mestres
no Brasil".
*
Mário da Silva Brito diz que "em 1920
já é grande, em São Paulo” o consumo da palavra futurismo". (....)
"Os modernos não se declaram dentro da escola de Marinetti, e há, mesmo,
os que a combatem, mas são todos considerados futuristas pelos inimigos das
novas tendências...” A designação de futurista "significava, no mínimo, “falta
de equilíbrio"; e estava "ligada à idéia de loucura, de patológico...”
Dentro desse qualificativo estão incluídos
Brecheret, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, Anita Malfatti e o pintor
suíço John Graz, naquela época chegado do Rio de Janeiro; e todos estarão, mais
tarde, ao lado de muitos outros, no Teatro Municipal, onde veio a se realizar a
"Semana de Arte Moderna".
Depois de dizer que "a palavra
futurista não implicava, necessariamente, a idéia de que fossem seguidores da
estética italiana", acrescenta Mário da Silva Brito que Mário de Andrade e
Menotti del Picchia refutavam o qualificativo de "futuristas". A
ligação de ambos era, apenas, com o grupo renovador que se estava criando em
São Paulo e que tentava fazer obra de catequese contra o parnasianismo.
Mário de Andrade afirmou que não era
futurista.
Menotti, também, o afirmou, em artigo escrito
por essa época:
— "Futuristas foram no seu tempo
Bistolfi e Rodin; futuristas foram todos os grandes gênios
incompreendidos". (....) "Eu, que fui um encruado perseguidor desses
revoltados, só ao ouvir o nome de Marinetti sentia ânsias de estrangulamento e
minhas mãos crispavam-se como tenazes. O leitor, como eu, certamente, prejulgou
a nova escola pela sandice dos seus programas iniciais e pelas saraivadas de
batatas e assobios que os apóstolos do novo credo recebiam a cada demonstração
de força, aparatosamente feitas, nos centros cultos da Europa". (....)
"Hoje, amansei minhas cóleras. Sem admitir-lhe as loucuras, sem
aplaudir-lhe as aberrações, admirei-lhe as belezas".
*
A propósito, devemos registrar que, nos
seus primeiros tempos, já o Futurismo, embora muito debilmente, fez com que
Portugal e Brasil tentassem uma união literária. Foi através da revista
"Orfeu", editada em Lisboa, em 1915. Essa publicação teve apenas dois
números (março e junho daquele ano), dirigidos por Ronald de Carvalho e Luís de
Montavor (pseudônimo do poeta e diplomata Luís da Silva Ramos). Também
participaram da fundação Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro. As duas
edições, que marcaram a introdução do movimento modernista em Portugal,
contaram com inúmeros colaboradores, além dos quatro acima referidos: Alfredo
Guisado, Álvaro de Campos, Almada Negreiros, Ângelo de Lima, Eduardo Guimarães,
Violante de Cisneyros (pseudônimo de Armando Côrtes Rodrigues) e Raul Lial. Os
poemas, contos e outros artigos, principalmente os contos, tinham ilustrações
do pintor Santa Rita. A imprensa conservadora atacou rudemente e ridicularizou
a inovação, apontando como loucos, os "futuristas".
*
Surgiram as primeiras polêmicas entre os
próprios "renovadores". Havia, entretanto, um ponto comum entre todos
eles, apesar das divergências de outra ordem: "a plena comunhão dos
intelectuais paulistas de vanguarda, na
repulsa à arte e à literatura praticadas no país e sob o aplauso dos escritores
que dominavam o ambiente literário e artístico".
Preparam-se “para a tomada de
posição". Só não tinham organização e procuravam para apoiar e dirigir o
movimento um nome ilustre, disposto à aventura. Oswald de Andrade pensava em
João do Rio.
Menotti Del Picchia, no "Correio
Paulistano" de 6 de setembro de 1920, escreveu no artigo “A nossa genialidade": — "De “medalhões”
estamos fartos. Os Pachecos trovejam impunes bajulados pelo servilismo lesmoso
de um crítica invertebrada".
Dizia ele, no mesmo jornal, em 24 de
janeiro de 1921, no artigo “Na Maré das Reformas”: “Os mamutes literários, os
megatérios da poesia, as renas da crítica, fauna primitiva e anacrônica, entram
para o museu arqueológico das resenhas e da história da nossa literatura. São
curiosos e têm o valor insigne de assinalarem uma época”.
E mais: “A Vida, multiforme e absorvente,
maravilhosa na sua complexidade, violenta na sua tragédia e na sua vertigem, a
vida século XX, com fábricas e
bolchevismo, com o sangue ainda quente derramado no holocausto da grande
guerra, pede outra técnica para a sua representação, outra expressão verbal para
a sua extrinsecação artística”.
E ainda: “Nosso sentimentalismo arcaico nos
relega às vezes às baladas, às pastorelas, na repetição perene de uma mesma
tonalidade cromática e sonora, como se o passado fosse o grande sino tangido
pelos gênios de outrora e vivêssemos eternamente da sua ressonância, dos seus
ecos e da saudade dos seus ecos".
E finalmente: "É preciso reagir. É
preciso esfacelarem-se os velhos e râncidos moldes literários, reformar-se a
técnica, arejar-se o pensamento surrado no eterno uso das mesmas imagens. A vida
não pára e a arte é a vida. Mostremos, afinal, que no Brasil não somos uns misoneístas faquirizados, nem um montão inerte
e inútil de cadáveres...”
Isto, quem escreveu foi Menotti del
Picchia, o grande poeta de formação tradicionalista que talvez tenha
apresentado, pouco antes, as imagens mais bonitas da poesia romântica de seu
tempo, tão condenada pelos modernistas e por ele próprio, tardiamente.
Mas, chegava o momento da "contribuição"
dos escritores. Começaram, em 1921, as escaramuças que iriam culminar na
"batalha de sangue" da "Semana de Arte Moderna". E as
figuras mais importantes do movimento foram, resolutamente, para os jornais, discutindo,
polemizando em defesa da "nova escola".
Mário da Silva Brito escreveu: "1920
seria o ano de planejamento e de opções. 1921, de combate, de rompimento de
hostilidades, de afirmações, de conquista do terreno e preparo para a vitória
de 1922. 1922 é data escolhida com antecipação e até cálculo, possivelmente.
Neste ano faz um século que o Brasil se tornou independente. A ocasião é
propícia para que o artista e o escritor se manifestem e assinalem a efeméride
com a sua ação, com a sua poderosa presença". E adicionava a isto Oswald
de Andrade, como que reforçando as palavras de Silva Brito: "Mas
independência não é somente independência política, é, acima de tudo,
independência mental e independência moral" ("Jornal do
Comércio", edição de S. Paulo, de 16 de maio de 1920).
Aproxima-se o 1922. Os nossos modernistas
sentem que o Brasil ainda obedece à ascendência dos portugueses nas letras. E
um dos seus propósitos é separar das letras a influência de Portugal. (Em 1924,
Graça Aranha viria clamar, na Academia Brasileira de Letras, "que o Brasil
não é a câmara mortuária de Portugal".)
*
Seja-nos permitido abrir, aqui, pequeno
parêntesis, para um esclarecimento. No capítulo inicial desta obra, lembramos
que o Modernismo não foi o primeiro movimento a falar em nacionalismo brasileiro.
Ao contrário, o sentimento nacionalista, ou jacobino, desde muito tempo, sempre
esteve presente em qualquer setor das nossas atividades humanas, principalmente
na literatura.
Menotti del Picchia afirmou reconhecer que
o movimento não era uma "escola", mas veio imbuído de uma consciência
para "integrar a nova arte no nosso espírito de autêntica
brasilidade".
Pois bem, respeitamos essa consciência, mas
continuamos a asseverar que a idéia central do nacionalismo não foi,
absolutamente, uma prerrogativa do modernismo indígena.
Para citarmos um exemplo da própria época
da implantação do Modernismo entre nós, recordemos que, ainda no furor da
grande guerra, Miguel Calmon, Olavo Bilac e Coelho Neto fundaram a Liga da
Defesa Nacional, que incendiou o país de empolgado nacionalismo. Rui Barbosa
atiçou a guerra e Wilson, pouco depois, levou ao conflito os Estados Unidos.
Relembremos estas palavras de Povina
Cavalcanti: —"A nacionalização da nossa poesia, naquilo que ela tem de
verdadeiramente brasileiro, data de velhos tempos, desde a Escola Mineira,
onde, a par do pensamento de independência política, se desenvolveu o
sentimento de uma legítima brasilidade". (....) "Nem era preciso ir
às fontes cultas de um Gonçalves Dias ou de um Machado de Assis, para
identificar, em dois dos mais puros espíritos universais da nossa terra, a
flama nacionalista".
E houve alguém mais nativista do que
Gonçalves Dias, ou que o Porto Alegre das “Brasilianas"?
Segundo Basílio de Magalhães, o que mais se
nota na obra de Gonçalves de Magalhães e Porto Alegre é a reação do espírito brasileirista
ao lusitano e a não menor reação do elemento indígena ao reinol.
“A Confederação dos Tamoios" — diz
Haroldo Ramos — "foi escrita por Magalhães em obediência a dois instintos patrióticos
e nacionalistas: criar, no Brasil, uma literatura nova, inteiramente nacional, e reintegrar nas letras o elemento indígena,
considerado como o mais lídimo representante étnico da nova raça”.
E o que dizer de José de Alencar, o incomparável
professor de nacionalismo?
Mas — por Deus! — basta conhecer o nosso
folclore, com o seu patrimônio precioso e imenso. Na metade do século XIX, lá estão
os inúmeros versos das modinhas, onde é nacionalista a nota predominante.
Debret, o fabuloso artista francês, nos
legou uma arte de conteúdo profundamente brasileiro, cujos costumes permanecem
imortalizados em centenas de desenhos e retratos daquele Brasil de tempos
saborosos, simples, ingênuos, tão poética e enternecidamente reproduzidos pelo seu
talento, como se fosse, ele próprio, um apaixonado filho deste país.
*
Uma literatura regionalista apareceu com
Menotti del Picchia (“Juca Mulato”, 1917); com Monteiro Lobato (“Idéias de
Jeca Tatu”, 1919); com Waldomiro Silveira (“Os Caboclos”, 1920); com Cornélio
Pires (contador de anedotas e também poeta, 1910 e 1921); com Paulo Setubal,
poeta, além de romancista (1925).
*
Nesse ínterim, aliás, registrou-se
importante ressurgimento, que alcançava não só o progresso financeiro, como ainda o progresso cultural,
que, por sua vez, despertou o florescimento da indústria editorial, com
Monteiro Lobato à frente.
*
Antes de abordarmos o importante evento que
foi a "Semana de Arte Moderna”, assinalamos que os intelectuais da "nova arte" asseguravam, seguramente, na
predestinação de São Paulo, e não de outro Estado qualquer, de vir a ser o cenário ideal da
implantação do modernismo no Brasil.
Mário da Silva Brito escreveu que "o
modernismo começa por ser um movimento de São Paulo não contra o Brasil, mas
acima do Brasil", acrescentando que "São Paulo, através de seus escritores,
pretende alcançar a liderança cultural, reivindica para si a direção da
inteligência brasileira".
Sobre o assunto, houve muitos
pronunciamentos, mas, para não sermos fastidiosos, vamos transcrever apenas um
que, mais tarde, viria a ser feito por Guilherme de Almeida (Conferência "
São Paulo e o Espírito Moderno ", publicada em "O Jornal " de 2.11.1926).
—"São Paulo, que um Deus amável
destinara a fomentar no país todas as liberdades — a libertação das terras
pelas bandeiras e a libertação política pelo gesto de 1822, ditado pelo
Patriarca — São Paulo devia, "par droit de conquête et naissance",
ser também, no Brasil, o berço da libertação intelectual".
*
A "Semana de Arte Moderna" foi
proposta pelo pintor Di Cavalcanti (Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque
Melo, 1897-1976), em reuniões que, na livraria e editora "O Livro",
de Jacinto Silva, localizada na Rua 15 de Novembro, São Paulo, levavam a efeito
poetas, escritores, pintores, musicistas, escultores. (Di Cavalcanti veio a
falecer em sua terra natal, Rio de Janeiro, em 1976, aos 79 anos de idade. Na
ocasião, Menotti del Picchia recordou suas façanhas, lutando naquela “revolução sem sangue".)
A "Semana" constou de três
"festivais", realizados no Teatro Municipal da capital paulista, nos
dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922.
Gilberto Mendonça Teles resume assim os
acontecimentos:
—"A Semana foi aberta (dia 13), com a
conferência de Graça Aranha ("A emoção estética na arte moderna"), a
que se seguiram números de música e declamações; na segunda parte, houve a
conferência de Ronald de Carvalho ("A pintura e a escultura moderna no
Brasil"). Na segunda noite (dia 15), o ponto mais alto da Semana, Menotti
del Picchia pronunciou a sua conferência ("Arte moderna"), que foi,
no momento das declamações, perturbada pela vaia do público. No último dia (17)
houve a apresentação da música de Villa-Lobos".
Também datam de 1922, publicados em São
Paulo, a revista "Klaxon" e o livro "Paulicéia Desvairada",
de Mário de Andrade, que os Modernistas consideram marcos históricos. Aliás, o
"Prefácio Interessantíssimo”, do livro "Paulicéia Desvairada",
contém a própria doutrina do Modernismo.
Em 1924, Graça Aranha pronunciou, na
Academia Brasileira de Letras, um histórico discurso, que provocou um debate de
proporções avassaladoras. Disse ele, a certa altura: "Ou a Academia se
renova, ou morra a Academia". E, no mesmo instante, renunciou à cadeira
que ocupava naquele sodalício.
Coelho Neto, o apolíneo clássico, respondeu
a Graça Aranha. No final da sessão, ambos foram carregados nos ombros dos adeptos que
compunham suas respectivas claques.
A revista "Klaxon", desde logo
atraiu escritores do Rio de Janeiro, entre os quais Manuel Bandeira, Álvaro
Moreyra e Ribeiro Couto. Houve, também, na Paulicéia, a "Revista de
Antropofagia", que deixou nome na história do Modernismo.
*
Dentro do próprio movimento, surgiram
outros grupos, outras correntes.
Oferecemos, a seguir, as suas principais
faces, num apanhado do Professor Leodegário A. de Azevedo Filho:
“a) Primitivismo pau-brasil: Oswald de
Andrade, Mário de Andrade, Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado, entre
outros (1924).
b) Antropofagismo: Oswald de Andrade,
Raul Bopp e An-tônio de Aléântara Machado, entre outros (1928). Gritava Oswald:
"Tupi or not tupi, that is the question".
c) Dinamismo: Graça Aranha, Ronald de
Carvalho, Guilherme de Almeida, Álvaro Moreyra e Villa-Lobos, entre outros. O
livro "Velocidade", de Renato Almeida, sintetiza as principais
teorias dessa corrente.
d) Nacionalismo: Plínio Salgado,
Cassiano Ricardo, Menotti dcl Picchia e Cândido Mota Filho, entre outros. Movimentos
do grupo: "Verde-amarelo" (1926), "Anta" (1927), e
"Bandeira" (1936). Afastando-se da literatura, parte desse grupo
criou um movimento de ordem política, o chamado Integralismo.
e) Totalismo: Tasso da Silveira,
Andrade Muricy, Adelino Magalhães, Cecília Meireles, Henrique Abílio, Francisco
Karam e Murilo Araújo, entre outros. Herdeiros do Simbolismo, defendiam uma
renovação literária em termos de evolução, e não em termos de revolução. A
revista "Festa" (1927) era o órgão literário do grupo.
f) Desvairismo: Mário de Andrade e seus
adeptos. O grupo pretendia pôr abaixo os tabus do purismo.
g) Grupo independente: Manuel Bandeira,
Tristão de Ataíde. Sérgio Buarque de Holanda e Rodrigo Melo Franco de Andrade.
O grupo aceitou o espírito de renovação modernista, mas sem qualquer
dependência em relação aos demais grupos.
h) Outros grupos: Em Minas Gerais, surgiram
o grupo "Verde", de Cataguases (1927), e o grupo de "A
Revista" (Belo Horizonte — 1925); na Bahia, o grupo da revista
"Arco-e-Flecha"; no Ceará, o grupo da revista "Maracajá":
no Rio Grande do Sul, o grupo da revista "Madrugada".
*
Dentro do próprio movimento, surgiram
outros grupos, outras correntes.
Oferecemos, a seguir, as suas principais
faces, num apanhado do Professor Leodegário A. de Azevedo Filho:
“a) Primitivismo pau-brasil: Oswald de
Andrade, Mário de Andrade, Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado, entre
outros (1924).
b) Antropofagismo: Oswald de Andrade,
Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado, entre outros (1928). Gritava Oswald:
"Tupi or not tupi, that is the question".
c) Dinamismo: Graça Aranha, Ronald de
Carvalho, Guilherme de Almeida, Álvaro Moreyra e Villa-Lobos, entre outros. O
livro "Velocidade", de Renato Almeida, sintetiza as principais
teorias dessa corrente.
d) Nacionalismo: Plínio Salgado,
Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Cândido Mota Filho, entre outros. Movimentos
do grupo: "Verde-amarelo" (1926), "Anta" (1927), e
"Bandeira" (1936). Afastando-se da literatura, parte desse grupo
criou um movimento de ordem política, o chamado Integralismo.
e) Totalismo: Tasso da Silveira,
Andrade Muricy, Adelino Magalhães, Cecília Meireles, Henrique Abílio, Francisco
Karam e Murilo Araújo, entre outros. Herdeiros do Simbolismo, defendiam uma
renovação literária em termos de evolução, e não em termos de revolução. A
revista "Festa" (1927) era o órgão literário do grupo.
f) Desvairismo: Mário de Andrade e seus
adeptos. O grupo pretendia pôr abaixo os tabus do purismo.
g) Grupo independente: Manuel Bandeira,
Tristão de Ataíde. Sérgio Buarque de Holanda e Rodrigo Melo Franco de Andrade.
O grupo aceitou o espírito de renovação modernista, mas sem qualquer
dependência em relação aos demais grupos.
h) Outros grupos: Em Minas Gerais, surgiram
o grupo "Verde", de Cataguases (1927), e o grupo de "A
Revista" (Belo Horizonte — 1925); na Bahia, o grupo da revista
"Arco-e-Flecha"; no Ceará, o grupo da revista "Maracajá":
no Rio Grande do Sul, o grupo da revista "Madrugada" — entre vários outros".
Estes foram os que maiores atividades
desenvolveram. Não podemos deixar de ressaltar que uma das características do
Modernismo foi a publicação de manifestos literários. Houve, como é natural,
dezenas deles.
Voltemos à poesia:
*
A "Revista de Antropofagia"
(1928), editada em São Paulo, no início tinha a direção de Antônio de Alcântara
Machado e gerência de Raul Bopp.
Carlos Drummond de Andrade colaborou no
segundo número dessa revista com um texto em prosa. Mas, no terceiro número
(julho de 1928) apareceu com um poema na primeira página: "No meio do
caminho", aliás, o mais polêmico de todos os poemas modernistas. O poema
data de 1924 e o propósito do autor era fazer uma poesia revolucionária, que
agradou plenamente a Oswald de Andrade. Este, meio abandonado, então, pelos
seus companheiros, mas "pretendendo partir para nova arrancada", resolveu,
em princípio de 1929, pedir o apoio de Drummond. Mário de Andrade e Oswald de
Andrade haviam se desentendido violentamente. Também se desentenderam Oswald e Alcântara
Machado.
Oswald não estava satisfeito com a
orientação humorística emprestada à revista por Alcântara; e, assim, suspendeu
sua publicação no número 10, em fevereiro de 1929, substituindo-a por uma
página do "Diário de São Paulo", cedida por Rubens do Amaral, a
partir do mês seguinte.
No mesmo ano de 1929, Drummond se recusou a
tomar conhecimento da "antropofagia em si". Mais tarde, porém, Oswald
e Drummond se reconciliaram. Disse, então, Drummond, que "Oswald sempre
foi um menino grande, mais necessitado de carinho do que ele próprio
supunha".
Vamos rememorar que a chamada era
modernista surgiu, efetivamente no Brasil, em 1922. Daí para cá, nestes
sessenta e poucos anos, os seus inúmeros grupos, ou "gerações" (como
queiram) têm criado e recriado, sem chefes e sem rumos certos, correntes artísticas
de espécies as mais diversas, ora exageradas e absurdas, ora contradiitórias e
ininteligíveis, e das quais o mínimo que se pode dizer é que foram e são falsamente
refinadas.
Seus movimentos principais podem ser assim
mencionados: 1922, 1930. 1945, 1956, 1962 e anos 70 até o presente; todos, ou
quase todos acompanhando, é óbvio, as reformas verificadas em todo o mundo, nas
mesmas épocas. Há muita coisa, mas não é possível registrarmos tudo. O assunto
é sumamente complexo, e nos vamos ater, apenas, ao mínimo que achamos interessante consignar,
com a nossa costumeira isenção de ânimo.
*
Não estamos tratando de literatura em
prosa, pois esta seria para outro tipo de trabalho. Tratamos, tão-somente, de poesia,
uma vez que não chegaríamos ao soneto sem falar em poesia.
O Modernismo foi introduzido no Brasil por
escritores, mas, principalmente, por poetas. Estes, todavia, sempre andaram, de
certa forma, perdidos, até hoje. A rigor, desse movimento ambicioso, salvaram-se, e bem, os escritores, romancistas,
historiadores, pensadores, ensaístas, ficcionistas, cronistas, jornalistas. Das
duas linhas paralelas da prosa e da poesia modernas, a mais acentuada é, sem
dúvida, a da prosa.
Seria temeroso afirmar que nosso sistema
cultural, de 1922 aos dias atuais, notadamente depois de 30, se tenha afastado,
de maneira categórica, do primitivo
Modernismo.
Não podemos, entretanto, fugir ao fato
notório de que o Modernismo, na sua fase inicial, tinha aproximações, em maior
parte, com a poesia. Mas, enquanto esta
se arrastava, indecisa, sem rumo certo, e sabidamente prejudicada pelas
divergências constantes verificadas entre os seus próprios adeptos, a
literatura em prosa não perdeu tempo. Como que se desvencilhou da ordem geral e
partiu, a passos largos, para conquistas de grande fôlego, colhendo frutos bem
mais auspiciosos. O romance, por exemplo, lançou-o o Nordeste. O fato foi confirmado por José Américo de Almeida, em 19.10.77,
ao receber, na capital paulista, aos 90 anos, o “Prêmio Juca Pato”, da União Brasileira
de Escritores. Disse ele que deve a São Paulo a proposta de sua verdadeira linha de escritor.
E recordou que foi, em 1928, com o romance "A bagaceira", o iniciador
do Romance do Nordeste, graças a suas afinidades com a Semana de Arte Moderna.
Na prosa, em seus mais diversos ramos, a
idade moderna se impôs e se impõe com valores incontestáveis, que nos brindaram
e nos brindam com uma literatura de alto quilate. Bastar-nos-ia apontar, como
tais, de relance, os nomes consagrados do próprio Mário de Andrade, Antônio de
Alcântara Machado, José Américo de Almeida, Raquel de Queiroz, Peregrino
Júnior, Raimundo de Morais, Amando Fontes, Herberto Sales, Pedro Dantas,
Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jackson de Figueiredo, Tristão de Ataíde,
Nelson Werneck Sodré, Rosário Fusco, Brito Broca, Agripino Grieco, Cyro dos
Anjos, João Alphonsus, Jorge Amado, Octávio de Faria, Érico Veríssimo, Viana
Moog, Guilhermino Cesar, Ênio Silveira, Marques Rebelo, Gilberto Freyre, José
Condé, José Geraldo Vieira, Eduardo Friero, Lúcio Cardoso, Jorge de Lima,
Cornélio Pena, Mário Palmério, Sérgio Milliet, Nelson Rodrigues, Antônio Cândido,
Dalcídio Jurandyr, Anibal Machado, Darci Azambuja, Aires da Mata Machado Filho,
Rubem Braga, Henrique Ponggetti, Afrânio Coutinho, Aurélio Buarque de Holanda,
Permínio Ásfora, José Cândido de Carvalho, Álvaro Lins, Barreto Filho, Olívio
Montenegro, Ascendino Leite, Orígines Lessa, Otto Maria Carpeaux, Joaquim Inojosa,
Josué Montello, Dalton Trevisan, Lúcia Benedetti, Antônio Callado, Carlos
Heitor Cony, Autran Dourado, Prudente de Morais, neto, Adonias Filho, Gilberto
Mendonça Teles, Mário Casassanta, Otto Lara Resende, Murilo Rubião, Fernando
Sabino, Vicente Guimarães (Vovô Felício), Clarice Lispector, João Guimarães
Rosa, Osman Lins, Antônio Houaiss, Gustavo Corção, Maria Alice Barroso,
Péricles Eugênio da Silva Ramos, Paulo Mendes Campos, Mário da Silva Brito,
Lígia Fagundes Telles, Dinah Silveira de Queiroz, Pedro Nava, Artur da Távola,
Carlos Castelo Branco, Luís Antônio de Assis Brasil, Ariano Suassuna, além de
outros. Entre estes que citamos, sem preocupação de cronologia e especialidades
literárias e, por certo, com falhas, há alguns que, tranqüilamente, podem ser
denominados clássicos da literatura contemporânea.
Viram a casa desarrumada, mas festiva e
acolhedora, do Modernismo, e nela adentraram, sem cerimônia. Saudaram os habitantes
e convivas, aplaudiram os seus entusiasmos, e saíram para direções diversas,
empreendendo uma longa marcha de vitórias.
É verdade que muitos deles se projetaram à
sombra de sugestões e modelos estrangeiros da melhor qualidade, como Spengler,
Bergson, Freud, Papini, Sorel, Maurras, Hermingway, Caldwell, Faulkner,
Steinbeck, Malraux, Moravia, Bernanos, Julien Green, Saint-Exupery, Mauriac,
Graham Green, Lucien Goldmann, Proust, Virginia Woolf, James Joyce, Huxley,
Katherine Mansfield, Tolstoi, Dostoievski, Pirandello... Mas, é verdade,
também, que, talvez a maioria, se tenha inspirado e se inspire nas coisas e nos
assuntos nacionalistas , de que é tão fértil a nossa Pátria. Registramos o
fato, apenas, como fenômeno curioso de que, pelo menos no Brasil, a literatura moderna
em prosa avançou muito além da literatura poética.
*
Voltemos à poesia:
Geração de 1922
O modernismo de 1920-1922 era uma afirmação
do presente contra o passado, uma geração demolidora de novos, combatendo ferozmente
uma geração por eles chamada de velha e anacrônica.
Afrânio Coutinho nos lembra: "A poesia
moderna, a princípio, confundiu e desprezou os gêneros: valorizou a livre
associação de idéias, os temas do cotidiano, do terra-a-terra, as expressões
coloquiais e familiares, a vulgaridade, a desordem lógica. Era o pleno império
da aventura e do intuitivismo, da poesia-experiência".
Era a luta da poesia contra o verso.
Segundo o próprio Mário de Andrade
confirmaria anos depois, em 1942, mais tranqüilo, seriam estas as normas
iniciais do Modernismo:
“1 — Ruptura das
subordinações acadêmicas
2 — Destruição do
espírito conservador e conformista.
3 — Demolição de tabus e preconceitos.
4 — Perseguição permanente
de três princípios fundamentais:
a)
direito de pesquisa estética;
b)
atualização da inteligência artística brasileira;
c) estabilização de uma consciência criadora nacional”.
A Semana de Arte Moderna foi
patrocinada pela chamada “aristocracia do café”, composta por grandes
financistas e elementos da alta sociedade de São Paulo, entre os quais podem
ser destacados Paulo Prado, Oscar Rodrigues Alves, Alfredo Pujol, Numa de Oliveira, René Thiolliet, Alberto Penteado,
José Carlos de Macedo Soares, Antônio Prado Júnior, Edgard Conceição.
Recentemente, o poeta Paulo Bomfim declarou
que “A Semana é um murro que a burguesia dá em seu espelho".
As hostes vanguardistas atuantes, a
princípio em São Paulo, logo após no Rio de Janeiro e, mais tarde, em vários
Estados, contavam, entre outros, com: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti
del Picchia, Di Cavalcanti (pintor), Guilherme de Almeida, Raul Bopp, Alcântara
Machado. Cassiano Ricardo, Cândido Mota Filho, Plínio Salgado, Sérgio Milliet,
Rodrigues de Abreu, Cleómenes Campos, Manuel Bandeira, Abgar Renault, Ronald de
Carvalho, Ribeiro Couto, Augusto Meyer, Onestaldo de Pennafort, Felipe
d'Oliveira, Murilo Araújo, Álvaro Moreyra, Renato de Almeida, Vargas Neto,
Agenor Barbosa, Rubens Barbosa de Morais, Villa-Lobos (compositor musical),
Tasso da Silveira, Sérgio Buarque de Holanda, Ascenso Ferreira.
Em 1921, viaja, com destino ao Rio de
Janeiro, a "bandeira futurista", ou seja, o "grupo de escritores
de São Paulo, que vai conquistar adeptos para as novas idéias na Capital
Federal".
Na ocasião, é escrita uma crônica em que
Menotti del Picchia "narra a partida de Mário de Andrade, Oswald de
Andrade e Armando Pamplona para esse trabalho de catequese".
A crônica, sob o título "A bandeira
futurista", foi publicada no "Correio Paulistano" de 22 de
outubro de 1921, e dela transcrevemos os primeiros trechos:
"Os paulistas, renovando as façanhas dos
seus maiores, reeditam, no século da gasolina, a epopéia das "bandeiras".
Desta feita não partem elas para o sertão ínvio e incerto, amarelo de lezírias,
erriçado de setas. Os "bandeirantes" de hoje compram um leito no
noturno de luxo e seguem, refestelados numa poltrona de "poolman",
ardorosos e minazes, rumo da Capital Federal. Anteontem partiu para o Rio a
primeira "bandeira futurista". Mário Morais de Andrade — o papa do
nosso Credo —, Oswald de Andrade, o bispo, e Armando Pamplona, o apóstolo,
foram arrostar o perigo de todas as lanças, morriões, guantes, lorigas, inclusive
murzelos e rocinantes, do parnasianismo ainda vitorioso na terra do defunto Sr.
Estácio de Sá. Bela coragem! Eu, que sou também bandeirante desse grupo
galhardo, sigo-os com olhos cheios de amor, inveja e susto... A façanha é
ousada! Em lugar das onças, das tribos selvagens, das serpentes, que se
atravessavam no caminho das "entradas" como o grito de revolta da
terra virgem contra a audácia dos conquistadores, a "bandeira"
futurista terá que afrontar os megatérios, os bizontes, as renas da literatura
pátria, toda a fauna antediluviana, que ainda vive, por um milagroso anacronismo...
Belo exemplo de S. Paulo! Gloriosa terra esta, fonte inexaurível de
iniciativas, de liberdades, de belos gestos! Mário Morais de Andrade levou
consigo, certamente, aquele chuço de ouro que é a "Paulicéia
Desvairada", chuço com que cutuca a paquidermal cultura literária da nossa
gente misoneísta, ainda atenta em declamar os versos do Barão de
Paranapapiananuncacaba!"
Após a geração de 22, "outra etapa da
história cultural brasileira iria ser inaugurada", declarou Mário da Silva
Brito.
Com o surgimento da geração seguinte, de
1930, estaria, pois, concluída a missão do atribulado movimento de 22, como
reconhece o próprio "Jornal de Letras" (Rio de Janeiro), de tradições
gloriosas e insuspeito, sob todos os
pontos de vista, inclusive por seus ideais literários.
Há pouco esse mensário, na edição de
outubro de 1982, fez o registro: “Menotti del Picchia, o último corifeu da
Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em fevereiro no Teatro Municipal de
São Paulo, está fazendo 90 anos de idade. A Semana, 60, depois de passar por
tantos atropelos e peripécias. Inicialmente caracterizando-se por um espírito
festivo, iconoclasta, aparentemente inconsequente, aos poucos evoluiu em sua
altitude e feição, compenetrando-se do drama que se gerou no curso da história
contemporânea”. (...) “Se a Semana nascera sob o signo da festa, da juventude e
da euforia, produzindo a blague, o poema-piada, as noitadas serra abaixo, em
escapadelas para Santos, para o litoral paulista, a partir de 1928-1930 o
Modernismo já cumprira o seu ciclo histórico”.
Geração de 1930
A denominada geração de 30 deu continuidade
ao movimento de 22, cabendo-lhe consolidá-lo.
Apelidada de construtiva, já apresentou uma
revisão de valores, rejeitando, de certa maneira, os ídolos de 1920. Era o
neo-modernismo, não propriamente um sucessor da geração de 1920, mas um
herdeiro daquele movimento inicial. Não a negava. Apenas lhe era superior.
Enquanto em 1920 havia a "licença", em 1930 era a
"liberdade". Era o equilíbrio entre a poesia e o verso, com certa predominância
da poesia. O modernista de 1930, ao contrário do de 1920, passou a citar
Aristóteles, Platão e Virgílio. Voltaram à moda gregos e latinos. São mais
profundos.
Na verdade, porém, muitos de 1922 continuaram
a escrever pelos métodos iniciais, enquanto viveram, além e até muito além de
1930...
Em seu livro "História Concisa da
Literatura Brasileira", o ensaísta meticuloso, Professor Alfredo Bosi, da
Universidade de São Paulo, agora em 1982, assim se expressa: "Reconhecer o
novo sistema cultural posterior a 30 não resulta em cortar as linhas que
articulam a sua literatura com o Modernismo. Significa apenas ver novas
configurações históricas a exigirem novas configurações artísticas".
(....) "A Semana foi um acontecimento e uma declaração de fé na arte
moderna. Já o ano de 1930 evoca menos significados literários prementes por
causa do relevo social assumido pela Revolução de Outubro. Mas, tendo esse
movimento nascido das contradições da República Velha que ele pretendia
superar, e, em parte, superou; e tendo suscitado em todo o Brasil uma corrente
de esperanças, oposições, programas e desenganos, vincou fundo a nossa
literatura, lançando-a a um estado "adulto" e "moderno"
perto do qual as palavras de ordem de 22 parecem fogachos de adolescente”.
E, em seguida:
"Somos hoje contemporâneos de uma realidade econômica, social, política e cultural que se estruturou depois de 1930. A afirmação não quer absolutamente subestimar o papel relevante da Semana e do período fecundo que se lhe seguiu: há um estilo de pensar e de escrever anterior e um outro posterior a Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira. A poesia, a ficção, a crítica saíram inteiramente renovadas do Modernismo".
"Somos hoje contemporâneos de uma realidade econômica, social, política e cultural que se estruturou depois de 1930. A afirmação não quer absolutamente subestimar o papel relevante da Semana e do período fecundo que se lhe seguiu: há um estilo de pensar e de escrever anterior e um outro posterior a Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira. A poesia, a ficção, a crítica saíram inteiramente renovadas do Modernismo".
Na política, o Tenentismo queria a reforma
das instituições, acabando mesmo por conquistá-la em 1930, tendo à frente Getúlio
Vargas.
Wilson Martins, em artigo publicado na
revista "Colóquio Letras" (Lisboa, Portugal), nº 3, de setembro de
1971, escreveu que "os primeiros modernistas foram os tenentes da
literatura, assim como os tenentes eram os modernistas do pensamento
político".
E é ainda Wilson Martins quem lembra,
misturando, mais uma vez, literatura com política: "Isso explica que o
Modernismo literário e artístico propriamente dito contivesse os germes da Direita
(representada pelo grupo "Verde-amarelo") e da Esquerda (representada
longinqüamente pelos "klaxonistas", logo mais claramente pelo grupo
da "Antropofagia"), em que se vai polarizar o debate ideológico no
Brasil durante a década de 30. Assim, como o Presidente Getúlio Vargas
acentuaria mais tarde, os modernistas foram os precursores, em 1922, da
revolução política de 1930".
Na poesia, a geração de 30, conhecida como
a segunda geração modernista, pontificou com Carlos Drummond de Andrade,
Augusto Frederico Schmidt, Vinícius de Morais, Jorge de Lima, Lúcio Cardoso,
Murilo Mendes, Pádua de Almeida, Cecília Meireles, Adalgisa Nery, Paulo Gomide,
Henriqueta Lisboa, Emílio Moura, Múcio Leão, Dante Milano, Atílio Milano,
Giuseppe Ghiaroni, Joaquim Cardozo, Mário Quintana, Odylo Costa, filho; e
outros, além de alguns que vieram da geração anterior, como Manuel Bandeira,
Ribeiro Couto, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia,
Murilo Araújo, Abgar Renault, Augusto Meyer, Onestaldo de Pennafort, Cleómenes
Campos, Vargas Neto, Tasso da Silveira... uma vez que continuaram a escrever...
e tudo era modernismo.
Alfredo Bosi, por mais de uma vez, compara
as gerações de 22 e de 30, inclinando-se, visivelmente, para a primeira. Diz
ele que "a geração 22 incorporou à nossa lírica as formas livres com
exemplos tão vigorosos e felizes que aos poetas dos anos de 30 não seria mister
inventar "ex nihilo" uma nova linguagem". E acrescenta: "De
um modo geral, porém, pode-se reconhecer, nos poetas que se firmaram depois da
fase heróica do Modernismo, a conquista de dimensões temáticas novas".
Achamos interessante transcrever palavras
escritas por Sílvio Costa em sua “Teoria e Política do Modernismo
Brasileiro":
“No contato entre vanguarda e poder
político, o Modernismo se empenha pela modificação do "gosto" nacional, na grande pesquisa
do homem brasileiro. Naturalmente, diante da complexidade natural da estrutura
física do país, esta batalha pode ser realizada quase tão-somente
em relação aos maiores centros urbanos.
O isolamento do brasileiro no interior da solidão do vasto território nacional
impede, nos primeiros momentos, pela deficiência dos meios de comunicação, o
alargamento
da ação modernista. O primeiro grande choque entre o novo gosto e as formas e
as normas conservadoras, tão fortemente enraizadas na vida brasileira, se dá
nas grandes cidades”.
Geração de 1945
Mas, veio a “geração de 45", que, logo
de início, recusou o chamado Modernismo. Depois, tentou "continuá-lo e
desenvolvê-lo, superando-o”. O que passou a existir, realmente, foi o esforço de poetas
e escritores, com a intenção de dinamizar a liberdade inventada pelos modernistas.
Essa geração se afastou ainda mais da de
22, porque, querendo condenar o “poema-piada", acabou por admitir um
retorno literário. Revalorizou a métrica e os ritmos tradicionais, chegando quase
a um “neoparnasianismo". Foi o primado do verso sobre a poesia.
Fez as pazes com o soneto e chegou a
desenterrar Bilac, o grande esquecido desde 1922. Tentou reconciliar-se com o
povo, aparecendo como a defensora de uma volta ao passado.
Alfredo Bosi escreveu, a respeito da
"geração de 45": ... "Nos poetas acima, como nos vultos centrais
da década de 30, as cadências intimistas se resolviam amiúde em metros e em
formas tradicionais (decassílabo, redondilha maior; soneto, elegia, ode...). A
reelaboração de ritmos antigos e a maior disciplina formal nada continham,
porém, de polêmico em relação ao verso livre modernista, mesmo porque as
conquistas de 22 já estavam incorporadas à práxis literária de um Drummond, de
um Murilo, de um Jorge de Lima. E o nosso melhor leitor de poesia até 1945,
Mário de Andrade, secundava com simpatia e lucidez a renovada atenção ao trato
da linguagem artística, sentindo nela ora o aprofundamento, ora a natural superação
de certas aventuras modernistas".
E, em seguida:
"No entanto, apesar desses elos
evidentes, alguns poetas amadurecidos durante a II Guerra Mundial entenderam
isolar os cuidados métricos e a dicção nobre da sua própria poesia, elevando-os
a critério bastante para se contraporem à literatura de 22: assim nasceu a
geração de 45".
Servimo-nos, ainda, como o faremos adiante,
mais vezes, de Alfredo Bosi:
"O primeiro balanço feito pelo novo
grupo, o “Panorama da Nova Poesia Brasileira", de Fernando Ferreira de
Loanda (livro impresso no ano de 1951, no Rio, pela editora que tomou o nome da
Revista "Orfeu", revista essa publicada de 1948 a 1953), trazia como
nota do antologista a afirmação seguinte: "Somos, na realidade, um novo
estado poético, e muitos são os que buscam um novo caminho fora dos limites do
modernismo".
A Seleção, pela ordem cronológica de
nascimento dos poetas. "incluía textos de Mauro Mota (n. 1912), Dantas
Mota (1913). Manuel Cavalcanti (1913), Bueno de Rivera (1914), Domingos Carvalho
da Silva (1915), Manuel de Barros (1916), José César Borba (1918), Alphonsus de
Guimaraens Filho (1918), Paulo Armando (1918), Péricles Eugênio da Silva Ramos
(1919), João Cabral de Melo Neto (1920), Paulo Mendes Campos (1922), Marcos
Konder Reis (1922), Darcy Damasceno (1922), José Paulo Moreira da Fonseca
(1922), Edson Regis (1923), Hélio Pelegrino (1924), Ledo Ivo (1924), Geir
Campos (1924), Wilson de Figueiredo (1924), Fernando Ferreira de Loanda (1924),
Afonso Félix de Souza (1925), José Paulo Paes (1926) e Fred Pinheiro
(1925)". — Total: 24.
Segundo Alfredo Bosi, aos nomes do
"Panorama" devem-se acrescentar outros (18): Lupe Cotrim Garaude,
Hilda Hilst, Renata Pallotini, Paulo Bomfim, Antônio Rangel Bandeira, Ciro
Pimentel, Homero Homem, Eliézer Demenezes, Lélia Coelho Frota, Celina Ferreira,
Carlos Felipe Moysés, Ruth Sílvia de Miranda Sales, Geraldo Vidigal, Maria da
Saudade Cortesão, Audálio Alves, Nauro Machado, Stela Leonardos e Carlos Pena
Filho.
De nossa parte, achamos que o ensaísta
esqueceu, pelo menos, outros quatro poetas: Thiago de Melo, Antônio Olinto,
Josué Montello e Walmir Ayala.
"Alguns dos poetas citados — diz
Alfredo Bosi — trilharam caminhos diversos depois de 1950 (terminus ad quem da antologia), passando da ênfase dada ao puro
estetismo subjetivo a uma poética participante ou experimentalista. Mas o "Panorama" continua sendo um
conjunto válido para documentar o momento poético dos novos entre 1940 e
1950".
Lamentamos, ainda, que o Professor Alfredo
Bosi se tenha esquivado de mencionar... apenas mencionar, muitos outros poetas
que, vindos, principalmente, de 30, ultrapassaram, longe, a barreira da “filosofia
literária” de 45, fazendo os seus versos pelos tempos afora. São muitos, mas
vamos enunciar apenas alguns, vastamente conhecidos: Carlos Drummond de
Andrade, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecilia Meireles, Ribeiro Couto,
Vinícius de Morais, Múcio Leão, Menotti del Picchia, Álvaro Moreyra, Cleómenes Campos,
Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, Atílio Milano, Dante Milano, Henriqueta
Lisboa, Tasso da Silveira, Onestaldo de Pennafort, Murilo Araújo, Abgar Renault,
Murilo Mendes, Augusto Meyer, Pádua de Almeida, Mário Quintana, Paulo Gomide, Mauro
Mota, Emílio Moura, Joaquim Cardozo,
Giuseppe Ghiaroni, Augusto Frederico Schmidt, que, pelo menos aparentemente, continuaram ou continuam poetas modernistas;
e, portanto, a Geração de 45, que eles não combateram, estaria sem condições de
ignorá-los.
Bosi fala, sim, apenas em Vinícius de
Morais, Cecília Meireles e Jorge de Lima, colocando-os entre os "melhores
poetas líricos anteriores ao grupo de 45", e dizendo que suas imagens,
metáforas e símbolos são “processos tão vetustos como a própria atividade mitopoética
do homem". Não ficamos sabendo se o ensaísta tem a mesma opinião a respeito de
"todos" os poetas anteriores a 45...
Aliás, o movimento modernista de 45, a
rigor, como os demais, também não chegou a um denominador comum. De fato, a definição
não foi o seu forte. Divergências de idéias, juízos contraditórios, pontos de
vista negados e repudiados, entre os próprios sequazes do grupo, criaram uma
situação difícil, que perdura, ainda hoje, passados 40 anos.
Esclareça-se que não foi um movimento
apenas brasileiro, isolado. Apareceu em todo o mundo, provavelmente como
conseqüência do término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Salvatore Quasimodo, italiano, dizia:
"A nova Geração de 45, por motivos históricos, que já considerei antes,
reagindo contra a poética existente, se encontrou subitamente sem mestres para
poder continuar a escrever poesia".
Outrossim, Luise Bogan, norte-americana,
escreveu: "Durante a década de 40, surgiram numerosos poetas jovens".
(....) "Quase todos os membros dessa geração poética funcionaram, num
maior ou menor grau, dentro da influência penetrante do estilo moderno compósito
— um estilo que, firme e paulatinamente, retornava à forma".
Na América Latina, após a Segunda Guerra —
é preciso que se anote —, um fenômeno uníssono, de caráter histórico e político,
se instalou largamente em quase todos os países. Referimo-nos às formas
ditatoriais de governo. Coincidentemente, as literaturas também mudaram.
As mudanças literárias não deveriam ter
datas marcadas, ou prefixadas. Mas, o destino se encarrega de fazer coincidirem
essas datas com a cronologia política. Será isto um mal necessário?
No Brasil, a chamada Geração de 45 não
começou, de fato, nesse ano, mas em 1947. No primeiro número da revista
"Orfeu" (1948), lê-se que os poetas datam liricamente da
"primavera de 1947", e que aqueles jovens participavam de "um
novo movimento cultural, ainda incerto em sua significação e em seus objetivos".
E lá está, a seguir: "Essa incerteza somos nós. O tempo não nos construiu
ainda, ignoramos o que seremos — é a vertigem de vir a ser que nos tenta e nos
congrega".
*
Os poetas da geração de 45, seguindo a
praxe geral, tinham, também, as suas revistas, através das quais faziam a
disseminação das próprias idéias. Além de "Orfeu", editada no Rio de Janeiro
e já citada por nós, havia outras, destacando-se, dentre elas, a "Revista
Brasileira de Poesia" (São Paulo), e "Joaquim" (Curitiba).
*
Em sua edição de 19 de agosto de 1970
(Caderno B, páginas 4 e 5), o "Jornal do Brasil" publicou um extenso
artigo, sob o título "Geração de 45: um mal-entendido faz 25 anos",
assinado pelo poeta Affonso Romano de Santanna, que àquela altura (1970) já
havia passado pela experiência do Concretismo.
Não é, nem podia ser, no caso, um trabalho
de apoio à geração 45, que critica bastante. Mas, tem a honestidade de transcrever
opiniões, não só desfavoráveis, como, também, favoráveis, de adversários e
partidários do movimento. Procura basear seu artigo nas palavras e nos fatos
vividos por figurantes, simpatizantes e contemporâneos da célebre geração.
Cita pareceres favoráveis, de: Lêdo Ivo,
Domingos Carvalho da Silva, Péricles Eugênio da Silva Ramos, como transcreve
opiniões desfavoráveis, de: Fausto Cunha, José Guilherme Merquior, Eduardo
Portela, Haroldo de Campos.
Affonso Romano de Santanna foi feliz em seu
artigo, inclusive quando se referiu a Afonso Félix de Sousa, classificando-o
como "o mais abrangente" de todos os que tentaram resumir o ideário
de 45:
"As elegias de Rilke em traduções.
Metáforas de Lorca. O verbo destilado de Valéry. Devotamento quotidiano a Laforgue
e Apollinaire. A moda de aprender inglês e as lições em prosa e verso de T. S.
Eliot, Yeats, Pound, Spender. Descobrimento de um Portugal inesperado nas mensagens de Fernando
Pessoa e heterônimos. O verbo grave de Neruda. A poesia dos modernistas
brasileiros". (....) "Verificação de que certos tabus recém-impostos
como o verso livre, então quase obrigatório, não passam de aspectos muitas vezes
dispensáveis, de uma expressão nova. Experiência com métrica e rima. A volta do
soneto. Epidemia de revista de novos. Buscas. Pesquisas. Alguns acertos
estimulam. E sobretudo a necessidade de cantar. Resultado. Um poeta de
45".
Geração de 1956
De acordo com o ensaísta Alfredo Bosi,
"a poesia concreta ou Concretismo, impôs-se, a partir de 1956, como
expressão mais viva e atuante da nossa vanguarda estética". Segundo a
mesma fonte, Ferreira Gular, em 1954, "abriu caminho para a afirmação da
poesia concreta no Brasil". E acrescenta: "Inflectindo para a posição
participante, Gular deixou de lado os experimentos em que intervinha no corpo
da palavra e passou a veicular a própria mensagem em códigos modernos, sim, mas
organicamente presos à estrutura do verso que o concretismo iria esconjurar". (....)
"Outro poeta que antecipou e promoveu a experiência concreta foi Mário
Faustino".
Continua Bosi: "O grupo de base já
aparece coeso na antologia pré-concreta "Noigandres 1" (1952), em que
há poemas, ainda em verso, de Haroldo de Campos, Augusto de Campos (seu irmão)
e Décio Pignatari, escritores cujas obras de estréia têm ainda um ou outro
ponto de ligação com o formalismo de 45". (A Delta Larousse registra
"Noigandres", e não "Noigrandes".)
Começaram, porém, a surgir "diferenças
em relação à poética de 45”, diferenças que logo se aprofundaram, na medida em
que o grupo se põe a pesquisar numa linha de sintaxe espacial, abandonando
polemicamente o verso: é o que se vê nas antologias "Noigandres n° 2"
(1955), n° 3 (1956) e n° 4 (1958). Na última, aparece o "Plano-Piloto para
Poesia Concreta". (....) "Aos nomes citados no parágrafo anterior
cumpre acrescentar os de poetas que integram a antologia "Noigandres n° 5", publicada em 1962: Lino Grünewald e
Ronaldo Azeredo. E poetas que, paralelamente a estes, têm realizado experimentos
concretos: Mário da Silva Brito (1961), Edgard Braga (1960), Pedro Xisto (1960),
Wladimir Dias Pino (1962) e José Paulo Paes (1967)".
“Os poetas concretos — segundo Alfredo Bosi
— entendem levar às últimas conseqüências certos processos estruturais que marcaram o
futurismo (italiano e russo), o dadaísmo e, em parte, o surrealismo, ao menos
no que este significa de exaltação do imaginário e do inventivo no
"fazer" poético. São processos
que visam a atingir e a explorar as camadas materiais do significante (o
som, a letra impressa, a linha, a superfície da página; eventualmente, a cor, a
massa) e, por isso, levam a rejeitar toda concepção que esgote nos temas ou na
realidade psíquica do emissor o interesse e a valia da obra. A poesia concreta
quer-se abertamente antiexpressionista".
(....) "Talvez as vanguardas
concretistas tenham mais razão no que afirmam do que no que negam". (....)
"De um lado, é válido e, mais do que válido, necessário inovar, oferecendo
alternativas à tradição multimilenar do ritmo frásico". (....) "Por
outro lado: a abolição sistemática do ritmo frásico (de que o verso é apenas um
exemplo) resulta de uma atitude rija e unilateral".
Terminando sua exposição sobre a Geração de
56, o ensaísta declara: "O grupo de base (Noigandres) conheceu defecções e
apoios vários. Já me referi, páginas atrás, à reação antiobjectualista do poeta
Ferreira Gular a partir de 1958".
Geração de 1962
Ainda Alfredo Bosi com o bastão:
"Dissidência mais próxima do projeto original é a da "Poesia
Práxis", que tem em Mário Chamie (1962) o poeta e o teórico mais atuante,
e em Cassiano Ricardo a simpatia de um modernista de 22, cioso de
renovar-se".
Eis alguns nomes ligados à "Poesia
Práxis": Antônio Carlos Cabral, Arnaldo Saraiva, Camargo Meyer, Armando
Freitas Filho, Carlos Rodrigues Brandão, Mauro Gama, Ivonne Giannetti Fonseca.
A poética do Grupo "Práxis" na
palavra de Mário Chamie: "O autor práxis não escreve sobre temas. Ele
parte de áreas (seja um fato externo ou emoção), procurando conhecer todos os
significados e contradições possíveis e atuantes dessas áreas, através de
elementos sensíveis que conferem a elas realidade e existência. Esses elementos
sensíveis são levantados. Infra-estrutural e primordialmente são eles: o
vocabulário da área (não o ensejado pela subjetividade dominadora do autor); as
sintaxes que a manipulação desse vocabulário engendra; a semântica implícita em
toda sintaxe organizada; a pragmática que daí decorre, de vez que, na mesma
medida em que o autor partiu da área e de seu vocabulário para chegar a um
texto, o leitor pode praticar o mesmo processamento e partir do levantamento
de uma dada área".
Anos 70 a 82
Fala-se em "Poema-Processo", que
seria o mais recente movimento de vanguarda. Espalhados pelo Brasil, pululam
inúmeros poetas modernistas novos ou mais renovados ainda... São eles, principalmente:
Carlos Nejar, no Sul; Cesar Leal, no Nordeste; Affonso Romano de Santanna,
Afonso Ávila e Henri Correia de Araújo, em Belo Horizonte.
A respeito, finaliza Alfredo Bosi: "No
momento em que escrevemos (1982) essas várias tendências continuam definindo a
linha-de-força da poesia brasileira". (....) "Enfim, os anos de 70
exigiram um discurso à parte sobre a poesia mais nova que vem sendo escrita. De
um modo geral, as chamadas vanguardas mais programáticas de 1950-60 vivem
a sua estação outonal de recolha das antigas riquezas; e a cultura erudita
nacional e internacional já lhe deu a consagração a que fizeram jus seu empenho
e engenho. Mas, como ficou dito em nota ao último Drummond, outras parecem ser
as tendências que ora prevalecem e sensibilizam os poetas. Limito-me a
mencionar três delas: 1) Ressurge o discurso
poético e, com ele, o verso,
livre ou metrificado — em oposição à sintaxe ostensivamente gráfica: 2) Dá-se
nova e grande margem à fala autobiográfica
com toda a sua ênfase na livre, se não anárquica, expressão do desejo e da memória — em contraste com o desdém pela função
emotiva da linguagem que o experimentalismo formal programava 3) Repropõe-se
com ardor o caráter público e político
da fala poética — em oposição a toda teoria do autocentramento e
auto-espelhamento da escrita. Subordina-se a construção do objeto à verdade
(real ou imaginária) do sujeito e do grupo". — "Exemplos desse
renovado modo de conceber a poesia colhem-se no último Drummond, em todo
Ferreira Gular, e no menos conhecido, mas não menos vigoroso poeta maranhense
Nauro Machado. Como atitude de desafogo, mais do que como realização formal
convincente, a nova poética exprime-se na lírica dita "marginal",
abertamente anárquica, satírica, paródica, de cadências coloquiais e, só aparentemente,
antiliterárias. Uma antologia representativa é "26 Poetas organizada por
Heloisa Buarque de Holanda (Rio, Lidador, 1976)”.
Assim termina Alfredo Bosi, dizendo o que
pensa ser "poesia ainda”, em pleno 1982 — sessenta anos após a Semana de
Arte Moderna...
E, muito curiosamente, talvez ignore, ou
finja ignorar (o mais lógico, ensaísta que é), a última bravata da conturbada
poesia modernista no Brasil.
Linhas atrás, registramos sua opinião,
segundo a qual a "Poesia Práxis”, iniciada em 1962, tinha em Cassiano
Ricardo "a simpatia de um modernista de 22, cioso de renovar-se".
Cioso de renovar-se, eis aí a expressão
mais adequada ao temperamento irrequieto desse homem de grande inteligência e
reconhecida cultura literária.
Destino inglório de poeta, o destino de
Cassiano Ricardo!
Na segunda década do século, quando estava
envolvido num misticismo sombrio, transferiu-se para o parnasianismo, já nos estertores
da agonia, como escola literária. Depois, com a chegada de 1922, cerrou
fileiras entre os bandeirantes do movimento modernista, sempre agitando o
ambiente em que vivia. Foi um poeta de ideais confusos, embora respeitáveis; e,
afinal, para não desmentir o seu fadário, desferiu, no mesmo ano em que veio a
falecer (1974), um novo golpe terrível no "seu” modernismo, ou melhor, na
própria poesia. Não por bater palmas à "Poesia Práxis", mas por ser o
autor de mais uma "peraltagem". Faz lembrar Fernão Dias Pais que,
sonhando chegar à serra das esmeraldas, garimpou cordilheiras, desceu grotões,
enfrentou feras, cruzou e recruzou horizontes, venceu tribos indomáveis,
palmilhou rios e desertos, amargou lama, chuvas, o sol e as noites frias. O
herói bandeirante que, com seus companheiros, vagou mais de sete anos, nessa
ilusória busca, por fim estacou às margens do Rio das Velhas, e ali, esfalfado
e enfermo, sonhador delirante, morreu, feliz, abraçado a um bornal de falsas
pedras verdes. Cassiano foi, igualmente, um bandeirante incansável que
percorreu longas distâncias à procura das esmeraldas verdadeiras da poesia... Mas,
como o outro sonhador, também baqueou, delirante, abraçado a um punhado de
pedras falsas. As pedras falsas do "Linossigno"!...
Cassiano Ricardo que, em 1946, respondera a
Almeida Fischer haver já o modernismo cumprido sua missão, ficando-nos as suas
conquistas, não deixou de, em pequeno trabalho de teoria literária, vincular,
abrupta e esquisitamente, ao remoto 1922, mais um processo de poesia avançada,
inventando uma coisa a que deu o nome de "linossigno", para
substituir o verso.
O "Jornal do Brasil" de 16 de
janeiro de 1974 estampou, com destaque, um depoimento desse poeta, intitulado
"A Vanguarda", que ele prestou ao jornalista Acir Castro, ainda a
propósito do cinqüentenário da "Semana de Arte Moderna".
Nesse depoimento, depois de
"afirmar" que o verso foi abolido, há 50 anos, por Oswald de Andrade,
em favor do ritmo puro, Cassiano assim expõe o seu invento:
—"Linossigno, a unidade de estrutura
poemática que escolhi, é composto de "line" (do inglês) e de
"signo" (lingüístico e semiótico, sinal e símbolo), que lembra
"linotipo" por parentesco vocabular-gráfico-industrial, variável em
sua colocação ou disposição no branco da página, para maior exploração
semântico-visual-cinética da palavra ou cada linha de palavras. É o substituto
planetário do verso, na definição de Eduardo Portela. Um outro universo. Uma
"linha de palavras" em que não se contam sílabas métricas, nem se
segue uma acentuação tônica ou cesuras preestabelecidas".
Mas, apesar de complicado (ou não?), nem
assim, no seu "linossigno", deixa o poeta de falar em emoção:
— "Conquanto poema
gráfico-visual-estético, dada a sua composição em linossignos, a emoção, para
mim, é elemento vital, já que sem emoção não há estética e sim esteticismo em
desespero; muito menos lirismo criativo e orgânico. Acho que na sociedade e no
mundo cibernético há problemas que somente pelo coração podem ser
resolvidos".
*
Como ficamos?
Se tudo isto fosse possível ou, pelo menos,
longinqüamente admissível, caber-nos-ia balbuciar, tristonhos, pensativos, de
nós para nós mesmos: — Pobre poesia brasileira! O máximo que se pode aceitar,
em termos de poesia moderna, é aquela que tem como ponto de referência a da
Geração de 45. E, mesmo assim, com muitas restrições. Honestamente.
Sinceramente.
*
Apresentamos todas as escolas, estamos
certos, com um bem-intencionado espírito literário, sem prevenção de qualquer
espécie, como, aliás, é de nosso dever.
Há, até, uma particularidade: dedicamos
muito maior número páginas ao modernismo. E existe, para tal, esta
justificativa: não podemos omitir qualquer detalhe importante, e a história
modernista é bastante complexa, abrangendo várias gerações, heterogêneas e desunidas.
Nenhuma das velhas escolas se demorou tanto para oferecer uma definição. Todas
elas deixaram traços fortes e indeléveis de seus potenciais, de suas metas.
Todas disseram a que vinham, mostrando-se ao alcance da compreensão de qualquer
um, vivendo pela razão e pelo sentimento, traduzindo em linguagem as revelações
da alma, refletindo o que de mais belo existiu em cada época, mesmo quando
sujeitas às mudanças sociais e às evoluções do espírito humano. Enquanto isso,
o chamado Modernismo — exceções feitas à literatura em prosa e à arquitetura —
não conseguiu, ainda, alcançar o êxito que tanto persegue.
A não ser que, sem predisposição aparatosa
e sem agressividade intelectual, surjam outras idéias bem arejadas, outras
diretrizes, outras aspirações, o "modernismo", já sexagenário, ficará
muito mais “velho" , ou morrerá, fatalmente, ao invés de se realizar.
É a poesia vangloriosa e desnorteada.
Bastante desagradável é ter-se de reconhecer, de sancionar isto. As
"explicações" que nos prestam os descobridores de renovados
movimentos "dentro" do movimento modernista são poluídas de
sofisticada dialética e de argumentações poeticamente inconcebíveis, não
convencendo os espíritos dotados de sensibilidade.
A poesia — é sempre bom redizer — não
atinge o seu alvo quando se distancia do povo. Acreditamos seja válido este
conceito, apesar da observação de Herbert Spencer: "Os versos se escrevem
para os poetas e não para o público; da mesma forma, a arte é feita para os
artistas". Se Spencer fosse um poeta, ou um artista de qualquer natureza,
e não um filósofo, teria pensamento diferente, a esse respeito.
Nenhuma obra artística poderá ter, para
todos, mais que uma interpretação, a exata, a única interpretação. Quem quiser
ser entendido — e todos o querem — tem de transformar os produtos de sua
inspiração em imagens atraentes, jamais em hieroglifos, sinais excêntricos,
palavras sem nexo, ou sequer em simples componentes do alfabeto jogados ao léu.
E o que se dá com o modernismo,
principalmente o das últimas fases? No que diz respeito à poesia, de modo
especial, muito poucas vezes tem correspondido aos anseios populares, com os
quais não se identifica.
Não somos nós que estamos "fantasiando"
essa "desarmonia” entre a poesia modernista e o gosto popular:
—
"Quando, pouco antes de morrer — escreveu Alceu Amoroso Lima —, Mário de
Andrade fez um balanço melancólico do Modernismo, em sua conferência de
1942, a queixa que lançou, contra si
mesmo e a sua própria geração, foi a de não ter sabido manter contato
suficiente com o povo".
A conferência de Mário de Andrade, a que
Alceu Amoroso Lima se refere, foi escrita, realmente, em 1942 (três anos antes
de morrer e justamente no limiar, que não chegou a ver, da Geração de 1945),
obedecendo ao título-tema "O Movimento Modernista".
O documento se constituiu num balanço
geral, onde Mário fixava a herança do Modernismo, cujos pontos cruciais já
abordamos, resumidamente, quando falamos sobre a Geração de 1922. Foi o seu
famoso e severo "mea culpa", em que definiu o limite histórico e
fatal do grupo, dizendo, ainda: "Se tudo mudávamos, uma coisa nos
esquecemos de mudar: a atitude interessada diante da vida contemporânea".
A nova "escola" esmerou-se mais
em combater, diminuir, ironizar a poesia, logo a poesia, que tem morada efetiva
no coração de todos.
Os seus críticos — profissionais ou
amadores, que, a bem da verdade, não são críticos, mas apenas divulgadores
parciais e defensores apaixonados da arte nova — mostram-se incansáveis no ingrato,
pertinaz e benevolente mister a que se propõem. Não há poeta modernista, mesmo
de médio porte, que não esteja... "consagrado”... Inverteram-se os papéis.
Apontando justamente para o lado oposto, poder-se-ia repetir, hoje, o mesmo
vocabulário que Menotti dei Picchia, em 1920, usava em relação aos
"megatérios da poesia”, aos "mamutes literários", às "renas
da crítica", que bajulavam os “medalhões" daquela época. Poder-se-ia
dizer, hoje, com o Menotti de 1920: ..."muita reputação pachequiana
estrondeja por aí no foguetório da crítica complacente"... "no
servilismo lesmoso de uma crítica invertebrada".
O desajustamento cultural do poeta moderno,
com referência ao jeito de sentir de seu meio ambiente, é um fenômeno incompreensível,
não só brasileiro, mas universal. No Brasil, segundo Menotti — já lembramos
isto — não há uma "escola" moderna. O que há, acrescentamos nós, são,
apenas, artistas de tendências pessoais. São manifestações isoladas, conquanto
ruidosas. É como se estivéssemos a ouvir a bateria de um "jazz-band"
pretendendo calar os acordes de um violino requintado.
O dogma da liberdade exagerada, escreveu
Hênio Tavares, “fez com que, ao lado dos autênticos valores modernistas, surgissem
muitos cabotinos, fatalmente condenados
ao olvido, no sereno e implacável julgamento do tempo".
E se tal acontece, não é por falta de
talento, ou de cultura literária ou de pendor artístico desses julgadores. O
defeito deles é tão-somente no desprezo à
legítima arte, à eterna arte.
A propósito do pensamento que vimos
expressando, transcrevemos palavras do ensaísta Frederico Trota (1966):
“Em todos os tempos, foi a publicidade que
fixou renomes. Na literatura coube aos críticos forçar a entrada na fama de
muitos valores secundários e ignorar talentos de real grandeza. Vemos o fenômeno
se repetir, e com mais intensidade, nos dias que estamos vivendo. Os grupos são
invioláveis e impenetráveis. Há o rodízio e nas citações". (....)
"Livros há que, já em segunda edição, não recebem nenhuma notícia dos
donos das seções especializadas dos jornais e revistas. Só um ou outro, que
conseguiu se infiltrar nas rodas dos corifeus, escapa da onda que afoga no esquecimento,
tantos e tantos valores". (...) "Por outro lado, se um ou um
historiógrafo coloca nas alturas um determinado escritor, os que vêm depois não
se dão ao trabalho de verificar se as assertivas do primeiro eram justas.
Tomam-nas como dogmas num século em que todos repelem o "magister dixit”...
*
Talvez, para muitos, estejamos laborando em
erro. Mas somos levados a crer que o Modernismo, no Brasil, não teve, à sua
frente, chefes natos, dinâmicos, credenciados, na boa acepção da palavra. Os
que surgiram com o lábaro tremulante, não estavam em condições ideais para
liderar um movimento decidido, segundo eles, a enterrar uma literatura "já
morta desde os fins do século XIX". Também não se sentiam motivados para
promover, em sua geração e nos pósteros, uma metamorfose tão marcante.
Basta lembrar que Graça Aranha (1868-1931),
um escritor que não tinha cacoetes flagrantes do tipo modernista, foi quem
presidiu a "Semana de Arte Moderna".
*
Voltamos a transcrever palavras de
Frederico Trotta, agora diretamente endereçadas aos ultramodernistas:
"Parece-nos estranho que, enquanto os
chineses e japoneses procuram libertar-se dos idiogramas, isto é, dos
"Kanjis", buscando no ocidente as simplificações para a sua complexa
e dificílima escrita, os concretistas voltam todos os seus esforços no sentido
de encontrarem o signo ou a palavra figurativa de idéias. Embora busquem as
implicações com os problemas humanos, mais se afastam, ainda mais que os
modernistas, da identificação com o povo para dizer-lhe, transmitir-lhe suas
mensagens. Não há o intercâmbio dar-receber necessário. O concretismo é um
isolado".
*
Ainda há pouco, folheando uma coleção de
recortes de jornais, deparamos com um deles, reproduzindo interessantíssima
entrevista concedida pelo poeta Guilherme de Almeida, meio arredio e meio
desiludido, ao então repórter do "Estado de Minas", Celso Brant, e
publicada na edição de 26 de outubro de 1943 daquele importante periódico de
Belo Horizonte.
O repórter, moço inteligente e culto,
travou, com o grande poeta de "Nós", significativo diálogo, uma troca
de impressões em que a sinceridade foi a tônica de Guilherme de Almeida.
De início, Guilherme foi dizendo: —
"Sou poeta e não me interessa ser senão poeta. Creio que seria sincero em
dizer que me sinto feliz em ser o que sou. Acredito extraordinariamente na
poesia. Cada vez ela se torna mais necessária à nossa vida".
O repórter lhe perguntou se acreditava
existir uma decadência da poesia, no momento. E sua resposta foi esta:
— "Com toda certeza. E como resultado
da outra guerra. É um fenômeno que não deixa de ser curioso: todas as grandes
guerras têm produzido a sua epopéia; a de 14, ao invés de uma epopéia, deu-nos uma
alucinação de "ismos" — dadaísmos, surrealismos... ) Como explicar
isto? Tenham a palavra os sociólogos..."
Celso Brant, então, lhe perguntou: —
"Não crê na sobrevivência dos postulados modernistas?"
E Guilherme de Almeida, talvez até com
surpresa para o repórter, disse:
— "Não, e por um motivo muito simples:
porque falta a essa pseudopoesia modernista uma das condições essenciais a
qualquer arte: a disciplina. Isto não quer dizer que eu não admita a liberdade
na arte. Pelo contrário. Admito uma liberdade superior. Para mim, liberdade em
arte consiste em poder o artista escolher livremente a sua prisão (isto é — sua
fórmula). Nessas condições, há os que escolhem a forma de todo o mundo, incapazes de
criar a sua: esses são os que vão para a cadeia pública. E há outros, que constroem,
eles mesmos, o seu castelo forte, o seu próprio alcácer. E tão bem poderão vestir de beleza essa sua prisão, que
o passante ao vê-lo dirá: que lindo palácio! Que lindo minarete! Que linda torre
de marfim! Não sabem, no entanto, que aquilo é cárcere austero em que sofre o
artista as mais rígidas imposições da disciplina.
E volta a falar Celso Brant: "Nisso
entrava o pintor Di Cavalcanti, a quem Guilherme de Almeida pediu que desse a
sua opinião sobre a influência desta guerra no porvir da arte. E Di Cavalcanti expressou logo a sua convicção na
possibilidade de uma volta ao espiritualismo, às normas clássicas, às formas
eternas".
Guilherme está de acordo com Di Cavalcanti:
— "A nova arte será a velha arte. Há,
por certo, desde há muito, uma acentuada tendência do modernismo para se
transformar num retorno à arte clássica. Na música, isso é de há muito claro e
transparente pela constante sobrevivência de temas e formas musicais
inteiramente de gosto clássico. Stravinski, mestre do movimento redentor da
arte moderna, volta-se contra os seus próprios princípios e reconhece que faz obra no
ar". E acrescenta: “— Retorno a Bach. O que significa — volta ao ideal de
disciplina, retorno às normas clássicas. Voltar a Bach é sempre ir à
frente".
O repórter, finalmente, perguntou:
"Julga, então, estéril o esforço titânico da nossa geração pela conquista
de uma nova arte?"
Guilherme respondeu, meditativo:
—"Não, nenhum esforço é vão quando
nele colocamos um pouco de nossa alma. Eu sei o quanto tem sido trabalhosa essa
campanha. Admiro os seus soldados, respeito os seus ideais. Eu mesmo fui, embora obscuro, sereno e pertinaz
defensor dos seus postulados. E me sinto quase feliz em poder responder aos que
me pedem opinião sobre o assunto, aquelas mesmas palavras que Wagner endereçou
a Liszt: — "Tomei o pulso da nossa arte moderna e sei que morrerá. Porém, longe
de entristecer-me, isso me enche de alegria, porque sei que não é a arte que
morrerá, mas sim a nossa arte".
*
Pablo Picasso é considerado o maior dos
pintores deste século. Morreu, como se sabe, aos 91 anos (1881-1972), em exílio
voluntário, na França, festejado como autor de obras de arte universalmente
admiradas.
Malraux dizia que, para Picasso, "o
estilo é a morte do artista". Na sua opinião, o espanhol, artesão
magnífico, "era capaz de ser magistral em qualquer estilo, não se tendo
apegado a nenhum". E isto é, sem dúvida, uma dura verdade, pois, ao que
tudo nos leva a crer, o pintor do famoso mural “Guernica” não abraçou o
"modernismo" por convicção ou por vocação, e sim por conveniência,
enganando ao mundo inteiro. Adaptou-se à nova escola, como se adaptaria a
qualquer outra, desde que nela encontrasse o mesmo campo propício aos seus
interesses materiais.
Vejamos como isto aconteceu:
Em carta que dirigiu, em 1952, ao escritor
italiano, radicado na Argentina, Giovanni Papini (1881-1956), Picasso confessou
que, praticando, conscientemente, um "charlatanismo intelectual", já
vinha, desde o Cubismo, e muito antes, explorando o calcanhar-de-aquiles dos
refinados, dos ricos, dos ociosos, dos farejadores de quintessências, que
buscam na arte a extravagância, a novidade e o escândalo. E o que fazia o
pintor em suas telas? Fazia todas as troças que lhe ocorriam e que eles, os
falsos entendidos, tanto mais admiravam quanto menos as compreendiam. Confessou
que, graças a esses quebra-cabeças e a esses rabiscos, rapidamente ficou
célebre e rico. Disse mais que, no íntimo, não se podia considerar um artista,
no verdadeiro sentido da palavra. Achava que grandes pintores foram Giotto,
Ticiano, Rembrandt e Goya. Terminou dizendo que era apenas um embromador, que
compreendeu seu tempo e tirou o que pôde da imbecilidade, da vaidade e da
concupiscência de seus contemporâneos.
É um auto-retrato de Picasso.
Achamos até mais interessante a transcrição
que a seguir fazemos, na língua original, de um trecho dessa carta, recolhido
por nós da revista "Permanência" (Rio de Janeiro, nº 61, pág. 62, de
novembro de 1973):
"Desde que el arte no es el alimento
que nutre a los mejores, el artista puede ejercer su talento intentando todas
las fórmulas y todos los caprichos de su fantasia y todos los caminos de su
charlatanismo intelectual. En el arte, el pueblo no encuentra consolación ni
exaltación, pero los refinados, los ricos, los ociosos, los destiladores de
quinta-esencias, buscan en él la novedad, lo extraño, lo original, lo
extravagante y lo escandaloso.
Yo mismo he contentado, desde el cubismo y
mucho antes, a todos esos críticos con todas las bromas que se me ocurrian y
que ellos más admiraban cuanto menos las compreendiam. A fuerza de ejercer
todos eses juegos, esos rompecabezas y esos arabecos, yo me he hecho célebre
rapidamente. Y la celebridad significa, para un pintor, ventas, fortuna,
riqueza. Yo soy ahora, además de célebre, rico. Pero cuando me quedo a solas
conmigo mismo no puedo considerarme un artista, en el grand sentido que esta
palabra tiene. Grandes pintores fueron Giotto, Tiziano, Rembrandt y Goya, yo
soy solamente un bromista que ha compreendido su tiempo y ha sacado lo que ha
podido de la imbecilidad, la vanidad y la concupiscencia de sus
contemporáneos".
(De uma carta a
Papini, em 1952)
*
Entretanto, há esperança de que os ventos
venham a soprar favoravelmente.
Hoje, nem todos os modernistas pensam com o
estranhável simplismo de Mário de Andrade, que escreveu:
— "A impulsão lírica é livre,
independe de nós, independe de nossa inteligência. Pode nascer de uma réstia de
cebolas como de um amor perdido".
E que escreveu também:
— "O poeta lança a palavra solta no
papel. É o leitor que deve se elevar à
sensibilidade do poeta, não é o poeta que se deve elevar à sensibilidade do
leitor".
De tempos para cá, muitos modernistas,
deixando de parte os abusos estonteantes de concretistas e pós-concretistas,
vêm reconhecendo a necessidade de modificar seus métodos. Já procuram, dentro
de sua poesia, nova na forma e no conteúdo, uma interpretação mais real dos
sentimentos humanos.
Já têm mais cuidado com a métrica, com a
música e o ritmo do verso. Há modernistas fazendo sonetos, no seu modelo
clássico.
É o crítico e ensaísta Afrânio Coutinho
quem escreve, em sua obra "A literatura no Brasil", Vol. III:
— "Com a geração de 45, a poesia aprofunda
a depuração formal, regressando a certas disciplinas quebradas pela revolta de
22, restaurando a dignidade e severidade da linguagem e dos temas, policiando a
emoção por um esforço de objetivismo e intelectualismo, e restabelecendo alguns
gêneros fixos, como o soneto e a ode. É interessante mencionar que essa
preocupação maior com a forma e o tratamento rigoroso do verbo não se restringe
aos elementos da geração de 1945, mas se revela também entre figuras da geração
anterior, como Drummond, Jorge de Lima, Cassiano Ricardo, sendo, assim, uma
característica geral da fase, mesmo levando-a a certos exageros formalistas,
que se procuram contrabalançar, ultimamente, com uma tendência
humanística".
Sim, esses estão no caminho certo e
esperemos, para breve talvez, uma volta mais acentuada aos cânones clássicos,
possivelmente uma volta ao antigo e sempre novo lirismo.
A poesia só não morre graças ao milagre
obtido por alguns eleitos. O panorama da poesia contemporânea não é dos mais
prazenteiros, porque, invadindo o seu território ideal, punhados de "inventores"
resolvem impingir o nome de arte nova a uma enxurrada de poemas herméticos, que
não passam de criações puramente artificiais.
Temos de aceitar esta realidade, inclusive
dando razão a Povina Cavalcanti: "O que se verifica na poesia modernista é
a falta da própria substância poética".
Guilherme de Almeida, Onestaldo de
Pennafort, Ribeiro Couto, Jorge de Lima, Abgar Renault, Murilo de Araújo,
Vinícius de Morais, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Mário Quintana, Cleómenes
Campos, Henriqueta Lisboa — cujas adesões ao modernismo não os alienaram da
relação de autênticos poetas clássicos — são, ao lado de muitos outros, autores
de sonetos fulgurantes.
Escrevendo sobre a evolução do modernismo,
Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima) empregou estas palavras:
— "E em torno das velhas quatorze
barras petrarquianas, em que há sete séculos tantos ginastas têm feito as suas
acrobacias, ia travar-se não digo uma batalha, mas uma estranha e original reconciliação".
Javme de Barros, em seu livro "Poetas
do Brasil", publicado em 1944, classificou Menotti del Picchia como
"participante do movimento modernista, que acabou renegando", para
afirmar, agora, que, "na poesia o povo quer mesmo é ler Bilac e Vicente de
Carvalho", no que não deixa de ter razão".
Quanto aos poetas modernistas
(principalmente aqueles que, no após 45, começaram a conjeturar processos
abstrusos), os seus nomes se apagarão talvez antes mesmo que os próprios olhos
se apaguem para a contemplação das belezas que não conseguem louvar. Só os
imortalizaria a poesia clássica, ou uma poesia original que fosse equilibrada e
honesta, que realmente fosse grande e capaz de substituir a poesia de métodos
tradicionais. A antiga e esplendorosa literatura clássica teve uma força tão
soberana que, depois de se olumbrar, por imposições de caráter histórico,
durante os mil anos da Idade Média, foi, como vimos, redescoberta e voltou a
luzir, ressuscitando as maravilhosas belezas greco-latinas. Foi o moderno clássico
renascentista. E voltou, mais uma vez, com força renovada, no século XVIII, o
século do Arcadismo. Era o neoclassicismo, que apareceu nobre e sobriamente,
substituindo o Barroquismo do Século XVII.
Não ficou, apenas, nestas vitórias
cristalinas, pois o classicismo, mesmo furtivamente, figurou, sempre, como
fundo musical, em inúmeras obras de todos os movimentos literários, até o
Simbolismo.
É preciso que. mais uma vez, renasça —
estamos escrevendo a sério — o classicismo! Só a arte eterna pode transformar
os poetas em nomes iluminados no caminho azul da história da literatura. A
poesia não deve ser um tombo no abismo. Deve ser um voo para as estrelas.
Esta volta ao classicismo não é uma idéia
exclusivamente nossa. Vem de longe, remontando ao início do
próprio movimento modernista.
Há mais de cinqüenta anos (Boletim de Ariel
— junho de 1934), Gilberto Amado anunciava que
"por toda a parte os revolucionários estão saltando para dentro dos muros
clássicos". E perguntava: “Não será tempo de retornar aos padrões
antigos?"
Jorge de de Lima assim condenou o
Modernismo da primeira fase: ...”Não criou a consciência do "moderno"
como os movimentos anteriores criaram". (....) "Queriam fazer poesia
com revolução, destruindo todo o regime precedente para se construir tudo de
novo e em sentido contrário. Ninguém se lembrava que revolução pode produzir
ditadores, políticos, oradores, agitadores, economistas, menos grandes poetas,
grande poesia que precisa da ordem e da paz e do amor para frondejar".
Referindo-se ao mesmo período, Édison Lins
escreveu: "Que restam de tantos poemas e de tantos poetas? Há memória de algum verso, uma
frase poética de qualquer figurante desses extintos nomes?”
O “Jornal do Brasil” de 21 de julho de 1971
publicava, de Murilo Araújo: “O mundo está ameaçado de desaparecer por falta de
poesia. O que há por aí são amontoados de palavras sem sentido, que não
enternecem, não comovem. Depois de duas guerras mundiais, a humanidade perdeu a
alma".
Poesia "modernista"... adjetivo
que nada significa! O "modernismo" sempre existiu. A "corrente
dos moços" nunca deixou de ser o "modernismo". Mas, nos dias de
ontem e de hoje, a partir de 1922, acha-se quase esquecida esta verdade
indestrutível: em todos os tempos, a arte tem sido a união de três importantes
elementos — a Idéia, a Emoção e a Forma. Fora disto, não existe arte.
Principalmente, não existe Poesia!
Ao finalizarmos este capítulo, voltamos a
afirmar: achamos justo, e até aplaudimos, o anseio dos modernistas visando à
realização de uma poesia confiável e digna de movimento literário tão antigo. O
que não podemos é olhar, de braços cruzados, a sua teimosia em querer
"modernizar" o soneto que, para eles, já o dissemos, morreu com o
Simbolismo...
Mas, por que renová-lo? Por que modificar a
sua estrutura?
Ninguém tem esse direito. Muito menos os
teoristas frios e esfingéticos, com grandes saldos negativos em suas lutas
inglórias. O Soneto foi criado para obedecer a exigências específicas e inalteráveis.
É um poema de forma fixa e, como tal, nada há a fazer senão respeitá-lo, ou,
simplesmente, ignorá-lo.
Alguém pensou em modificar a estrutura da
balada, do rondó, da sextina? São, eles e muitos outros, já citados por nós,
poemas ou canções de forma fixa, como o Soneto. Todos ficaram em desuso, exceção
feita ao soneto... mas ninguém se lembrou de "atualizá-los". Não
morreram, saíram de moda. Quem, entretanto, preferir revivê-los, terá de
obedecer às suas normas tradicionais. Do contrário, estará escrevendo outra
coisa.
O Soneto, realmente, é o único poema de
forma fixa que permanece e permanecerá — voltamos a advertir.
Soneto é o Soneto. Deixem em paz aqueles
poetas que o consideram, que o veneram no alto de seu pedestal.
Fazemos nossas as palavras do Padre Jorge
Q'Grady de Paiva, palavras repassadas de beleza e fé no destino desse imortal
poema de 14 versos:
"Napoleão, no Egito, assim bradou aos
que comandava:
"Soldados! Quarenta séculos vos
contemplam, do alto destas pirâmides!".
— Quantos séculos contemplarão, ainda, no
futuro, o soneto, essa forma poética geometricamente irmã das pirâmides e,
nelas inspirada?
Quando o cataclisma universal, previsto
pela termodinâmica, puser fim a todas as coisas, alguém estará presente ao
espetáculo dantesco. Será um poeta. E, com um facho — o Soneto— iluminará as ruínas".
*
Como fizemos com as outras escolas, vamos,
também, transcrever sonetos de excelentes poetas que, por motivos respeitáveis,
mesmo sem perderem sua formação clássica, aderiram às hostes do Modernismo, ou
nelas ingressaram quando o movimento já havia dado a sua partida para caminhos
diversos. No caso destes últimos, são poetas que nasceram ou foram criados
depois de 1922.
Mário de Andrade —
Comecemos pelo próprio Mário de Andrade (Mário Raul de Morais Andrade), nascido
e falecido em São Paulo (1893-1945); poeta, professor, ensaísta, ficcionista,
jornalista, crítico, musicólogo, teórico de arte, folclorista. Ele foi o
“papa" do Modernismo brasileiro, mas, antes, andou freqüentando as regiões
do Parnasianismo. Aliás, estreou aos 24 anos, em 1917, com o "Há uma gota
de sangue em cada Poema", de versos que podemos classificar de parnasianos
e simbolistas, tendo-o publicado sob o pseudônimo de Mário Sobral.
Mário da Silva Brito afirma que "a
poesia moderna brasileira data de "Paulicéia Desvairada" (1922), livro de
Mário de Andrade". Nesse livro, confessou o próprio poeta que, perto de
dez anos, metrificou, rimou. E afirmou que não era futurista, embora tivesse pontos
de contato com o futurismo.
Mário de Andrade foi o primeiro Diretor do
Departamento de Cultura, da Prefeitura de São Paulo (1934-1937). Também Diretor
do Instituto de Artes no Rio de Janeiro.
Vamos ler o seu soneto "Artista":
O
meu desejo é ser pintor — Leonardo,
cujo ideal em piedades se acrisola;
fazendo
abrir-se ao mundo a ampla corola
do
sonho ilustre que em meu peito guardo.
Meu
anseio é, trazendo ao fundo pardo
da
vida, a cor da veneziana escola,
dar
tons de rosa e de ouro, por esmola,
a
quanto houver de penedia ou cardo.
Quando
encontrar o manancial das tintas
e
os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese!
teus quadros e teus frisos,
irei
morar onde as Desgraças moram;
e
viverei de colorir sorrisos
nos
lábios dos que imprecam ou que choram!
Um outro soneto de Mário de Andrade. Intitula-se "Quarenta anos”:
A
vida é para mim, está se vendo,
uma
felicidade sem repouso;
eu
nem sei mais se gozo, pois que o gozo
só
pode ser medido em se sofrendo.
Bem
sei que tudo é engano, mas, sabendo
disso,
persisto em me enganar... Eu ouso
dizer
que a vida foi o bem precioso
que
eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo
seria,
agora que a velhice avança,
que
me sinto completo e além da sorte,
me
agarrar a esta vida fementida.
Vou
fazer do meu fim minha esperança,
ó
sono, vem!... Que eu quero amar a morte
com
o mesmo engano com que amei a vida.
Raul Bopp, poeta, jornalista
e diplomata, nasceu no Rio Grande do Sul, em 1898, e faleceu em 1984. Formado
em Direito. Um dos mais intransigentes poetas do modernismo, autor do livro
"Cobra Norato", considerado por Carlos Drummond de Andrade como
"possivelmente o mais brasileiro de todos os poemas brasileiros". Não
obstante sua filiação literária, escreveu sonetos interessantes, como este
"Gota d'água":
À
luz rompente, matinal, cintila
a
gota d'água que outra gota preme.
Célula-mater,
pérola ou pupila, treme
e
cintila, ora cintila e treme.
Presa
na ponta de um pecíolo, extreme,
de
irradiação de uma ágata intranqüila.
Toda
beijada pelo sol, vacila...
delicadeza
líquida que freme!
Pranto
da terra e às vezes pranto humano!
Plasma fecundo e humilde que germina
aquela
eterna solidão do oceano.
Dorme
no orvalho e brinca entre os abrolhos,
sobe,
rumo do céu, quando é neblina,
desce,
desfeita em lágrimas, dos olhos.
Raul Bopp é o autor deste
soneto, "Portuguesa", de grande
sentimento:
Triste...
Por quê? Não sei. Alguma Essência
que
às vezes fica na alma humana presa;
passou
pelos seus olhos, com certeza,
como
sonâmbula fosforescência.
E
a saudade, no cárcere da ausência,
sombrivelando-os de íntima tristeza,
prendeu
requintes de delicadeza
porque
a saudade é uma revivescência.
Triste...
Não sei por que. Mas se ela canta
em
líricos soluços da garganta
—
timbre lembrando estilhaçar de jarras,
penso
ver nesse olhar águas tranqüilas,
o
Mondego no fundo das pupilas
e
a saudade chorando nas guitarras.
Ronald de Carvalho (1893-1935) nasceu
no Rio de Janeiro, onde também morreu, em conseqüência de um desastre automobilístico,
quando exercia a função de Chefe da Casa Civil da Presidência da República.
Bacharel em Direito, jornalista, escritor, poeta, crítico e diplomata, foi um
talento de escol. Como escritor, chegou a ser eleito "Príncipe dos
Prosadores Brasileiros", em substituição a Coelho Neto. É autor da
admirável "Pequena História da Literatura Brasileira". Como poeta,
brilhou intensamente nas hostes modernistas. Entretanto, já havia participado
do "modernismo" português, no grupo da revista "Orfeu".
Antes, publicara os livros “Luz Gloriosa" (1913) e "Poemas e
Sonetos" (1919), com tintas parnasianas e simbolistas.
Dentre os seus sonetos, destacamos "Avatar":
Antes,
a alma que tenho andou perdida.
Por
que mundos rolou, que mão sutil
pôs
tão nobre fulgor, e estranha vida,
nesse
bocado de ouro e barro vil?
Decerto,
árvore foi: verde jazida
de
ninhos, sob o céu de espuma e anil,
e
foi grito de horror, na ave ferida,
e,
na canção de amor, sonho febril!
Foi
desespero, sofrimento mudo,
ódio,
esperança que tortura e inferna;
e,
depois de exsurgir, triste, de tudo,
veio
para chorar dentro em meu ser,
a
amarga maldição de ser eterna,
e
a dor de renascer, quando eu morrer!
Agora, outro soneto de Ronald de Carvalho,
"O filho pródigo":
Volta!
ainda é tempo! Branca, no horizonte,
tua
aldeia sorri sobre a colina.
Cumpra-se
nesses vales tua sina,
seja
teu mundo esse tranqüilo monte.
Seja
teu mundo essa encurvada ponte
que
sobre o rio, trêmula, se inclina,
e
esse trecho do céu que te ilumina
a
larga, franca e pensativa fronte.
A
vida aí fora, em ondas tumultua.
Ouve
teu rude coração. Recua!
Volta
aos humildes, mas felizes tetos!
Que
as estrelas terão mais calmos brilhos
para
velar o sono de teus filhos,
e
a terra sorrirá para teus netos!
Manuel Bandeira (Manuel de Souza
Carneiro Bandeira Filho) nasceu na antiga Província de Pernambuco e faleceu no
Rio de Janeiro (1886-1968). Foi o poeta de maior relevância do movimento, que
praticamente liderou durante muitos anos, depois de ser um de seus pioneiros.
Mário de Andrade dizia que Bandeira foi "o São João Batista do Modernismo
Brasileiro". Seu livro de estréia, "Cinza das Horas" (1917), era
de inspiracão simbolista e intimista. "Intimistas" (inspirados no
belga Rodenbach e no francês Samain) também foram Ronald de Carvalho, Ribeiro
Couto. Filipe d'Oliveira e Álvaro Moreyra. "Carnaval" (1919), segundo
livro de Bandeira, era já modernista.
A princípio, seu espírito era triste. Mais
tarde, descobriu a ironia. Depois, a libertação. Após, o humorismo, o sarcasmo.
Mas, irônico, liberto, humorista e sarcástico, nem mesmo assim deixou, jamais,
de respigar nos versos aquele tom de melancolia, uma constante em sua vida.
Tradutor de grandes méritos.
Foi catedrático interino de Literatura
Universal no Colégio Pedro II. Sob a égide de João Ribeiro, tomou gosto pelos
clássicos, principalmente Camões e Petrarca. Pertenceu à Academia Brasileira de
Letras. Morreu tuberculoso, enfermo durante muitos anos, tendo sido, em certa
época, internado no Sanatório de Clavadel, na Suíça.
Do seu livro "Meus Poemas
Preferidos", onde, escreveu ele, “creio que encontrarão o essencial e o
vário de minha produção poética", extraímos este soneto, "Renúncia":
Chora
de manso e no íntimo... Procura
curtir
sem queixa o mal que te crucia:
o
mundo é sem piedade e até riria
da
tua inconsolável amargura.
Só
a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende
a amá-la que a amarás um dia.
Então
ela será tua alegria,
e
será, ela só, tua ventura...
A
vida é vã como a sombra que passa...
Sofre
sereno e de alma sobranceira,
sem
um grito sequer, tua desgraça.
Encerra
em ti tua tristeza inteira.
E
pede humildemente a Deus que a faça
tua
doce e constante companheira...
_______
Verso
9 — Optou por empregar a tônica principal na 7.a silaba.
É de Manuel Bandeira, ainda, este belo
soneto alexandrino “Luar de Maio":
Minha
janela dorme aberta. Hoje o luar
viu
a janela aberta e entrou discretamente.
O
luar é o mistério e o sonho: quem não sente,
ao
vê-lo, uma saudade antiga despertar?
Dentro
da noite, triste e só, fico a lembrar
velhas
recordações; como hoje, antigamente
ele
vinha buscar-me e eu saía contente,
sentindo
uma ternura imensa me inundar!
Tempo
passado! E como é Maio agora, e, em flor
desabrocham
rosais, e toda a várzea é linda,
e em
todo coração nasce cantando o amor,
ele
veio chamar-me, o velho, o bom luar!
E
eu não posso segui-lo... e que o pudesse ainda,
hoje não tenho mais amor com que sonhar.
Mais este, que Bandeira dedicou "A Camões":
Quando
na alma pesar de tua raça
a
névoa da apagada e vil tristeza,
busque
ela sempre a glória que não passa,
em
teu poema de heroísmo e de beleza.
Gênio
purificado na desgraça,
tu
resumiste em ti toda a grandeza:
poeta
e soldado... Em ti brilhou sem jaça
o
amor da grande pátria portuguesa.
E
enquanto o fero canto ecoar na mente
da
estirpe que em perigos sublimados
plantou
a cruz em cada continente:
não
morrerá sem poetas nem soldados
a
língua em que cantaste rudemente
"as
armas e os barões assinalados".
E, finalmente, o seu soneto "A Antônio Nobre":
Tu,
que penaste tanto e em cujo canto
há
a ingenuidade santa do menino;
que
amaste os choupos, o dobrar do sino,
e
cujo pranto faz correr o pranto:
Com
que magoado olhar, magoado espanto
revejo
em teu destino o meu destino!
Essa
dor de tossir bebendo o ar fino,
a
esmorecer e desejando tanto...
Mas
tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu
a Glória às tuas esperanças
e
beijou-te na boca... O lindo som!
Quem
me dará o beijo que cobiço?
Foste
conde aos vinte anos... Eu, nem isso...
...
Eu, não terei a Glória... nem fui bom.
Carlos Drummond de Andrade, "simples por
fora e complexo por dentro", segundo o "Jornal de Letras", nascido
em Minas Gerais em 1902, é um poeta modernista que se revelou pouco antes de 1930.
Poeta, hoje, de maior ressonância no movimento. Um admirável prosador e
excelente cronista militante da imprensa. Pertenceu ao chamado "grupo
mineiro", tendo fundado " A Revista", com João Alphonsus e
outros, em Belo Horizonte (1925). Residiu no Rio de Janeiro. Formou-se em
Farmácia (1925), mas nunca exerceu a profissão. Sua celebridade se deve, em
grande parte, à poesia revolucionária:
“Tinha uma pedra no meio do caminho,
no meio do caminho tinha uma pedra...”
Este, que é o mais famoso e o mais polêmico
de todos os poemas modernistas, datado de 1924, curiosamente não está incluído
entre os "50 poemas escolhidos pelo autor" (1956). Temos, em mãos, um "fac-símile" da 1ª página do nº 3
da "Revista de Antropofagia", de São Paulo, edição de julho de 1928,
e lá está o poema. Esse órgão do movimento "antropofágico" se achava,
então, sob a direção de Antônio de Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp.
Em compensação, a coletânea inclui dez
sonetos.
Um deles, "Legado", confirma, na chave de ouro, o refrão do poema:
Que
lembrança darei ao país que me deu
tudo
que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na
noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se
ri.
E
mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu
não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os
cativa Orfeu,
a
vagar, taciturno, entre o talvez e o si.
Não
deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma
voz matinal palpitando na bruma
e
que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De
tudo quanto foi meu passo caprichoso
na
vida restará, pois o resto se esfuma,
uma
pedra que havia em meio do caminho.
Heli Menegali lembra que Carlos Drummond de
Andrade "não é o primeiro ateu convertido ao soneto"... e que
"os grandes poetas sempre viveram em liberdade dentro do soneto".
E é o excelente poeta de "Azul"
que nos aponta o livro "Claro enigma", em que Drummond traz, "como
novidade, essa incursão feliz pelo reino do soneto", destacando "Encontro" entre as oito
composições desse gênero encerradas na referida obra:
Meu
pai perdi no tempo e ganho em sonho.
Se
a noite me atribui poder de fuga,
sinto
logo meu pai e nele ponho
o
olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.
Está
morto, que importa? Inda madruga
e
seu rosto, nem triste nem risonho,
é
o rosto antigo, o mesmo. E não enxuga
suor
algum, na calma de meu sonho.
Ó
meu pai arquiteto e fazendeiro!
Faz
casas de silêncio, e suas roças
de
cinza estão maduras, orvalhadas
por
um rio que corre o tempo inteiro,
e
corre além do tempo, enquanto as nossas
murcham num sopro fontes represadas.
_______________________________________
Péricles Eugênio da Silva Ramos faleceu em São Paulo em 1992.
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Carlos Drummond de Andrade faleceu no Rio de Janeiro em 1987.
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Ribeiro Couto (Rui Ribeiro
Couto) nasceu no Estado de São Paulo e faleceu em Paris (1898-1963). Formado em
Direito. Promotor Público em São Paulo e Minas Gerais. Poeta, contista,
jornalista, cronista parlamentar e diplomata. Da Academia Brasileira de Letras.
Estreou em 1921, com "O Jardim das
Confidências", de poemas metrificados, de sonetos clássicos (simbolistas),
"onde — diz Luís Carlos — parece que são os perfumes que falam". —
Poemas que revelam sentimentos de solidão, silêncio, intimidade. Poeta dos
interiores calmos, dos lugares que convidam à meditação.
Mais tarde, aderiu ao Modernismo, do qual
foi uma das principais figuras, porém não mudou o seu estilo simples e sutil.
Foi membro da Academia Brasileira de
Letras.
Apresentamos o seu soneto "O símbolo na tarde":
No
azul das tardes louras e serenas
cruzam-se
os passarinhos, em revoada,
espalhando
no rumo da morada
reticências
de pios e de penas.
No
azul, sobre a paróquia sossegada,
os
sinos despetalam cantilenas,
chamando
para o enlevo das novenas
as
virgens, as avós e a meninada.
No
azul, antes que a noite envolva a terra,
ânsias
de corações. expectativas
parece
errarem no perfume que erra.
No
azul evocador das tardes calmas
passam
nuvens longínquas, fugitivas,
como
a felicidade pelas almas.
E "Adeus à Rua Castilho", bem mais recente, de quando o poeta já
integrava, com entusiasmo, as hostes do modernismo:
Não
verás mais o Tejo, nem as cores
que
remoçam ao sol, no casario.
Em
breve, pelas terras aonde fores,
terás
saudades do entre mar e rio.
Mesmo
num chão em que haja as mesmas flores,
ou sob um céu do mesmo azul macio,
até
mesmo encontrando outros amores,
teu
coração já baterá mais frio.
Porque
na pedra antiga de Lisboa
fica
a razão de ser da tua raça,
a
voz que ralha, mas não atraiçoa,
fica
este não-sei-quê de firme e obscuro,
que
vem de longe e no teu peito passa,
passado
que é presente e que é futuro.
Múcio Leão (Múcio Carneiro
Leão) nasceu em Pernambuco e morreu no Rio de Janeiro (1898-1969). Membro da
Academia Brasileira de Letras, da qual foi Presidente. Bacharel em Direito, jornalista,
crítico literário.
Com Cassiano Ricardo e Ribeiro Couto,
fundou, no Rio de Janeiro, o jornal "A Manhã", órgão importante da
imprensa carioca. Nesse jornal, criou e dirigiu (1941-1950) o suplemento
literário "Autores e Livros", que teve imensa e imorredoura
repercussão no mundo de nossas letras.
Como poeta, desponta entre os modernistas,
mas é o autor deste soneto, " Reincarnação", além de outros poemas
tradicionalistas:
Quando,
no eterno, fúnebre quadrante,
meu
momento final soar, cair;
quando
tu vieres, lacrimosa amante,
toda
de roxos lírios me cobrir;
nesse
supremo, nesse infindo instante,
a
que constelações irei subir?
Em
que estrela fantástica e radiante,
irei,
de novo, ser e amar e rir?
Que
formas outras, nessas outras vidas,
florindo
sob estranhos firmamentos,
irá
o meu espírito sofrer?
Cansado
das angústias doloridas
da
existência de agora — que tormentos
irei,
de novo, em outros mundos ter?
Por igual, é de Múcio Leão este soneto
"Fugitiva":
Ela
chegou sorrindo... eu a buscava...
Buscava-a,
fria de receio e pejo...
Trêmula
e fria, ela se aproximava
para
a louca embriaguez do meu desejo.
Chegou
lenta, suavíssima, brilhava
seu
vulto sob as árvores... seu beijo
cantou
na minha boca, que a beijava...
Foi
um brando suspiro... um brando arquejo...
Depois
fugiu-me... ainda avistei seu vulto,
que
entre as noturnas sombras se escondia,
e,
depois... aflição... febre... tumulto...
O
céu, que esplende... o mar, que se encapela...
A
noite, que arde... a brisa, que cicia...
Tudo
a sofrer comigo... a ansiar por ela...
Jorge de Lima (Jorge Mateus de
Lima) nasceu em Alagoas e morreu no Rio de Janeiro (1895-1953). Médico,
político, professor, pintor, escultor. Foi poeta clássico (parnasiano), sendo
autor de sonetos como "O acendedor de lampiões", escrito com apenas
14 anos e divulgado três anos depois, tornando-se famoso. Este soneto, aliás,
está incluído no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais
populares". Passou, depois, a escrever poesia regionalista, produzindo,
entre outros, o belo poema "Essa nega fulô".
Mais tarde, fez poesia mística e, em 1926,
aderiu ao "modernismo", ou seja, ao verso livre com as liberdades que a escola concede. Em 1949,
publicou "Livro de Sonetos", voltando, assim, a escrever
disciplinadamente, sujeitando-se ao "cilício" da forma fixa, como
recurso viável para expressar melhor os seus pensamentos e suas imagens
sugestivas.
Neste soneto, em que ele aborda o sono,
esforça-se por apresentar algo de simbolista, embora ostentando, em alguns
versos, a terminologia da técnica "modernista":
O rochedo do sono é tão fechado,
tão pedra de Esaú, tão existido,
que ele cumpre na vida um grande fado,
o de acolher um Édipo impunido.
Sempre em seu bojo há um anjo adormecido
e um menino num poço debruçado;
o cão noturno late, e o seu latido
é o grito do menino já afogado.
À noite, barba-azul dormindo joga
sete princesas pálidas no poço,
e o poço voracíssimo as engole.
E engole indiferente quem se afoga,
— sete pedras atadas ao pescoço
que pedra e mar é o mesmo no seu gole.
Cassiano Ricardo (Cassiano Ricardo
Leite) nasceu no Estado de São Paulo e morreu no Rio de Janeiro (1895-1974).
Bacharel em Direito, jornalista, crítico, ensaísta, historiador. Membro da
Academia Brasileira de Letras.
Embora de origem parnasiana, empunhou, com
pulso firme a bandeira do nacionalismo modernista. Mas, Edison Lins não lhe
atribui grande valor, dizendo que, se todos os poetas brasileiros o seguissem,
"a poesia brasileira estaria no mesmo pé de Rocha Pitta".
Cassiano escreveu este
soneto "Céu e Mar":
Quando a vela, ao sabor de algum sonho
bendito,
deixando o litoral do horizonte no fundo,
baila e treme hesitando, ao longe, sem um
grito,
na emoção de fugir em busca de outro mundo:
é tão crebro o rumor do mar, tão crebro e
aflito,
à saudade do poente ou do sol moribundo,
que, se a vela se afunda, através do
infinito,
cuido que a alma deserta em lágrimas afundo...
Tudo porque nesta hora entre sirtes e
fragas,
o gemido do vento e o noturno das vagas,
trazem ao meu silêncio os augúrios que infundem.
E aos longes, no horizonte, à luz
crepuscular;
o azul do céu e o azul do oceano se
confundem
como um naufrágio azul do céu dentro do mar.
Por último, de Cassiano Ricardo, "Oásis verde":
Há
um longínquo país que às vezes visitamos;
extasia-se o olhar que os recantos
lhe sonde,
entre
o suave frescor dos seus verdes recamos
e
a luxúria pagã, que envolve cada fronde...
Essa
é a pátria encantada e longe que sonhamos,
entre a poeira fugaz da lenda azul
que a esconde;
oásis que nos estende a sombra dos seus ramos
e
ao grito do viandante estremece e responde...
Vós,
que andais a sonhar, pela existência em fora,
esquecei, no passado, as ilusões
sepultas,
ide
à verde vivenda em que a Esperança mora.
Ide;
mas não proveis dos frutos que colherdes
nesse reino feliz de esmeraldas
ocultas,
nesse
bosque outonal, cheio de frutos verdes.
Álvaro Moreyra (Álvaro Maria da
Soledade Pinto da Fonseca Velhinho Rodrigues Moreira da Silva) nasceu na antiga
Província do Rio Grande do Sul e faleceu no Rio de janeiro (1888-1964). Como
poeta, filiou-se ao grupo dos neo-simbolistas e, finalmente, aos modernistas.
Dedicou-se, de fato, ao Movimento Modernista, mas suas melhores produções
líricas datam da época do Simbolismo. Aos poucos, foi trocando a poesia pela prosa,
tornando-se um cronista leve, singelo, delicioso. Foi um mestre da pequena
crônica. Jornalista, diretor de revistas literárias, como "Para Todos",
"Dom Casmurro" e "Ilustração Brasileira".
Fundou o Teatro de Brinquedo, contribuindo,
assim, para a renovação do teatro brasileiro. Pertenceu à Academia Brasileira
de Letras.
Com prazer, o seu soneto "Regina Martyrum":
Nossa
Senhora da Saudade! um dia,
juntei
as mãos, nostálgico, invocando
tua
alada presença... Nos céus, ia
o
enterro do Crepúsculo passando...
E
entre os verdes do Longe aparecia,
tisicamente,
a Lua Nova, quando,
toda
de Roxo, a andar, pela elegia
da
Hora bruma, surgiste, me acenando...
E
desde então, ficaste em meio às trevas
dessa
existência obscura... Para o Extinto,
ao
que gozei, piedosa tu me levas...
E,
hoje, sou como um Bêbado que escombra
a
Vida real, e assiste, à luz do Absinto,
as
transfigurações da própria Sombra!...
Guilherme de Almeida (Guilherme de
Andrade e Almeida) nasceu e morreu em São Paulo (1890-1969). Poeta, jornalista,
cronista, ensaísta, crítico. Diplomado em Direito. Membro das Academias
Paulista e Brasileira de Letras.
Mesmo sendo um poeta filiado ao movimento
modernista, seu merecidíssimo renome não vem daí, mas dos versos de inspiração
romântica, publicados entre 1917 e 1922.
Eleito "Príncipe dos Poetas
Brasileiros", após a morte de Olegário Mariano, em concurso promovido pelo
"Correio da Manhã".
Um dos maiores e mais perfeitos sonetistas
brasileiros; e tem os seus sonetos "Beijos", e "Longe da vista...”
(n° X do volume "Nós") inseridos no capítulo "Os sonetos
brasileiros mais populares", deste livro.
Eis o seu soneto "Eu em ti, tu em mim"...,
da coleção de "Nós":
Eu em ti, tu em mim, minha querida,
nós dois passamos despreocupados,
como passa, de leve, pela vida,
um parzinho feliz de namorados.
E assim vou, e assim vais. E assim, unida
à minha a tua mão, de braços dados,
assim nós vamos, como quem duvida
que haja, no mundo, tantos desgraçados.
Um dia, para nós — Não sei... Quem sabe? —
é bem possível que tudo isto acabe,
que sejas mais feliz, que eu fique louco...
Mas nunca percas, nunca mais, de vista
aquele moço sentimentalista
que te quis muito e a quem quiseste um
pouco!
É um brinde, ainda, o seu soneto "Dor oculta":
Quando uma nuvem nômade destila
gotas, roçando a crista azul da serra,
umas brincam na relva; outras, tranqüila,
serenamente entranham-se na terra.
E a gente fala da gotinha que erra
de folha em folha e, trêmula, cintila,
mas nem se lembra da que o solo encerra,
da que ficou no coração da argila.
Quanta gente, que zomba do desgosto
mudo, da angústia que não molha o rosto
e que não tomba, em gotas, pelo chão,
havia de chorar, se adivinhasse
que há lágrimas que correm pela face
e outras que rolam pelo coração!
E mais este, "Felicidade", verdadeiro êxtase de sentimento e de beleza:
Ela
veio bater à minha porta
e
falou-me, a sorrir, subindo a escada:
—"Bom-dia,
árvore velha e desfolhada!"
E
eu respondi: —"Bom-dia, folha morta!"
Entrou;
e nunca mais me disse nada...
Até
que um dia (quando, pouco importa!)
houve
canções na ramaria torta
e
houve bandos de noivos pela estrada...
Então
chamou-me e disse: —"Vou-me embora!
Sou
a Felicidade... Vive agora
da
lembrança do muito que te fiz!"
E
foi assim que, em plena primavera,
só
quando ela partiu contou quem era...
E
nunca mais eu me senti feliz!
Menotti del Picchia (Paulo Menotti del
Picchia) nasceu e morreu em São Paulo (1892-1988). Bacharel em Direito, poeta e
jornalista.
Participou ativamente da "Semana de
Arte Moderna", tornando-se um dos principais condutores da primeira
vanguarda modernista, e polemista-doutrinário do movimento.
Menotti nunca foi um modernista convicto,
não obstante suas atividades dentro dessa escola. Foram inúmeras suas
manifestações a respeito. Escrevendo sobre um dos livros de Paulo Gustavo, assim
se expressou: —"Gostei muito do lirismo destes versos, que trouxeram
novamente ao meu espírito o gosto pelas rimas, tão mal-baratado hoje pelos que
fazem, com facilidade acrobática, versos modernos".
Membro da Academia Brasileira de Letras. É
o artista festejado de vários poemas clássicos, principalmente "Juca
Mulato", "As Máscaras", "Angústia de D. João" .e
"O amor de Dulcinéia", que ficarão para sempre na história literária
de nossa Pátria. Residiu em São Paulo.
Mencionamos este belo soneto "Ser Feliz!":
Ser
feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
Este
sonho que ergui, o poderia pôr
onde
quisesse, longe até da minha dor,
em
um lugar qualquer onde a ventura mora;
onde,
quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
tivesse-o
em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
eu coloquei muito alto o meu sonho de
amor:
guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.
O
homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade,
teme levar consigo o próprio
sonho, a esmo,
e
oculta-o, sem saber se depois o achará...
E,
quando vai buscar sua felicidade,
ele,
que poderia encontrá-la em si mesmo,
escondeu-a tão bem que não sabe onde está!
Um outro soneto de Menotti del Picchia:
Também,
como esse bosque eu tive, outrora,
na
alma, um bosque cerrado de emoções.
As
palmeiras das minhas ilusões
iam
levando o fuste, espaço a fora.
Floriam
sonhos; era uma pletora
de
crenças, de desejos, de ambições...
Não
havia, por todos os sertões,
mais
luxuriante e mais violenta flora.
Ai!
bosque real, é o tempo das queimadas!...
É
agosto, é agosto! o fogo arde o que existe
em
turbilhões sinistros e medonhos.
Ai
de nós!... Somos almas desgraçadas,
pois,
na luz de um olhar lânguido e triste,
também
ardeu o bosque dos meus sonhos...
Rodrigues de Abreu (Benedito Luís
Rodrigues de Abreu) nasceu e morreu no Estado de São Paulo (1897-1927).
Professor.
Sua obra poética, muito harmoniosa,
conquanto pessimista, passeou pelo neoparnasianismo, pelo simbolismo e pelo
modernismo. "Era um sensitivo e um nostálgico", disse Pedro de
Alcântara Worms.
Registramos o soneto "A Antônio Nobre":
Meu Santo Antônio Nobre, eu te bendigo,
ingenuíssimo triste de alma inquieta!
Sou infeliz, e, ao ler-te, entanto digo
chorando: "Pobre poeta, pobre
poeta!"
Desgasta-me o perfil doença secreta,
tuberculose da alma, a pior, Amigo...
A minha alma é, da tua, irmã ou neta:
antes, é a tua que anda hoje comigo!
Em sonhos, vê! levei-te, com ternura,
minha imensa afeição de torturado,
linda afeição que sempre se renova;
e orava sobre a tua sepultura,
quando senti que estava, debruçado,
orando sobre a minha própria cova!
Tasso da Silveira (Tasso Azevedo da
Silveira) nasceu no Paraná e morreu no Rio de Janeiro (1895-1968). Foi um dos
componentes principais da ala espiritualista do modernismo, ao lado de Jackson
de Figueiredo, Tristão de Ataíde, Adelino Magalhães, Andrade Muricy, Cecília
Meireles, Murilo Araújo e outros. Filho do grande poeta simbolista Silveira
Neto.
Bacharel em Direito, jornalista. Pertenceu
ao grupo modernista “Festa”. Traduziu Shakespeare, Bernard Shaw, Georges
Duhamel e André Gide.
De Tasso da Silveira, o soneto "Transfusão":
Olho-te
e olho-me... E, após, sobre nós ambos cismo...
Tua
alma, como pôde a minha alma prendê-la?
És
candura e inocência, e eu vou errando pela
noite
negra do mal, da imperfeição, do egoísmo...
És
pura e eu sou impuro. Entanto (o íntimo diz-mo)
nossa mútua afeição nada pode
contê-la...
—
Para o meu doido olhar és a atração da estrela,
—
ao teu ingênuo olhar sou a atração do abismo...
E
havemos de fundir nossas almas, Querida.
E
iremos, até soar da vida o último dobre,
como
em dois corpos, vês? uma alma bipartida...
Mas,
traremos, também, ao fim dos nossos dias,
—
tu, um pouco do lodo imundo que me cobre,
—
eu, um pouco da luz excelsa que irradias...
Murilo Araújo (1894-1980) nasceu
em Serro Frio, Minas Gerais, e faleceu no Rio de Janeiro.
Quando aluno interno do Colégio Pedro II,
no Rio, ali redigiu a revista "Ciência e Musa", em 1907. No mesmo
ano, fundou o Grêmio Euclides da Cunha.
Em 1917 estreou na poesia, com a publicação
do livro "Carrilhões", que se constituiu em grande sucesso, recebendo
elogios de Nestor Victor e João Ribeiro.
Por concurso, em 1918, foi livre docente da
cadeira de Desenho do Colégio Pedro II. Trabalhou no Ministério da Viação e
formou-se em Direito. Jornalista brilhante, redigiu, por longos anos, a
"Revista Souza Cruz", tornando-se seu Diretor Cultural.
Ainda que de raízes simbolistas, aderiu
publicamente ao Modernismo; com reservas, ao pronunciar, em 1924, sua
conferência "Modernismo e Aranhismo". Participara ativamente da
Semana de Arte Moderna e em 1927 associou-se ao movimento denominado
"Festa" e que resultou na publicação da revista do mesmo nome.
A respeito do grupo de "Festa",
escreveria Murilo mais tarde:
— "Nosso movimento não foi uma arruaça
cabotina, visando a vitória fácil: foi a defesa da criação que tentávamos com
todas as forças de nossa alma e de nossa vida".
No fundo, porém, nunca deixou de ser um
simbolista. A esta escola, pode-se dizer que retornou, com a publicação, em
1942, do livro "A Escadaria Acesa".
Com o livro "A Iluminação da
Vida", conquistou, em 1927, o prêmio de poesia da Academia Brasileira de
Letras. E em 1971, a mesma Academia voltou a distingui-lo, desta vez com o
prêmio Machado de Assis.
De feitio pessoal e singelo, é dotado de
sensibilidade e emoção, como poucos de nossos poetas. Luís Carlos escreveu que
a poesia de Murilo "tem, muita vez, vibrações de luminosidade
tropical".
Vamos realçar o soneto "Ária do Sonho":
Na
vida, ante a alta sebe desta vida
onde
as flores e os frutos no alto param,
como
a sombra do sonho nos convida!
como
as folhagens da esperança amparam!
Quis
sacudir a penca apetecida
e
frutos pobres sobre mim rolaram...
Quis
sacudir a rama enflorescida,
e
as rosas sobre mim se desfolharam!
Mas
se hoje a minha reflexão percebe
o
que há de vão nas ambições gloriosas,
que
importa o mal dos sonhos que falharam?
que
importa — se na sombra da alta sebe
sonhei...
se morrerei no olor de rosas...
das
rosas... que por mim se desfolharam?!
Murilo Araújo é considerado, sem dúvida, um
dos poetas mais queridos do povo brasileiro. Nunca foi, absolutamente, um
exagerado, em termos de técnica modernista. Seu comedimento, nesse particular,
chamava, para si, um halo de simpatia, ao mesmo tempo em que o cercava de
merecido prestígio.
Aliás, mostrou-se sempre um apaixonado da
poesia e, talvez por isso mesmo, indiferente a filiações literárias.
Na abertura de seu livro de estréia,
"Carrilhões", publicado em 1917, antes, portanto, da Semana de Arte
Moderna, ele dizia:
— "Meus versos não têm, num ou noutro
trecho, bastante clareza; é que a concisão excessiva é uma tendência geral que
hoje pesa sobre quase todos os temperamentos: na poesia, futuristas como saudosistas,
um verhaerenano como Withman ou um místico como Nervo e até os nossos neo-românticos
de valor são — como Debussy na música, Bergson na filosofia ou Rodin na
escultura — a vitória da idéia esboçada sobre a idéia desenhada".
E em "A Escadaria Acesa", editada
em 1942, abriu seu livro de poemas com esta contrita oração:
—"Creio que o homem sempre precisará
de poesia — do senso poético, que é heroísmo, altruísmo, devotamento e amor — de
todos os sublimes líricos, que são a linguagem de Deus; e da forma poética — a
idéia em cadência e harmonia — porque o ritmo é ordenado, vem da ordem a
existência e, se um caos se organiza, irrompe a vida. Creio na Poesia, alma
eterna do mundo... mas na poesia essencial; não nos versos prosaicos, golpeados
de chistes; ceticismo, sem força, de alguns povos cansados, impróprio em terras
virgens e almas novas".
Pertence-lhe este soneto "Ária do triste":
Sombra. Apagou-se a luz dos candelabros...
Medo... Os cães choram, lúgubres, nas
quintas.
Sombra, e na sombra eu penso em descalabros,
naufrágios, cinzas de
visões extintas.
Penso em formas informes, indistintas,
vultos defuntos lívidos e glabros.
Ah! as ânsias choram como cães, famintas;
e a Alegria apagou seus candelabros!
Quando se irão as trevas que aprofundo?
Quando emudecerão meus cães macabros?
Quando meus risos alvorecerão?
Ah! só quando me vier o
"sono-fundo"...
... E acenderão a luz dos candelabros...
E os círios de ouro resplandecerão!
E
este, deveras comovedor, "A queixa",
publicado no livro de estréia:
Quando
eu era menino — ó mãe — não te deixava;
então nunca sem mim conseguiste sair:
tivesses
de ir à rua, e embirrando eu chorava;
e
ralhavas: "eu volto!" e eu: "leva-me! quero ir!"
Pois
se eras o meu sol... Tua ausência enoitava,
e
a noite era terror... Como à noite sorrir?
Mas
ante a minha teima infantil, justa e brava,
fugia-te,
sem mim, o ânimo de partir.
Por
que daquela vez — na última vez somente —
foste só, sem me ver, num protesto
veemente,
chorar como em criança ou com maior pesar?
—
Mãe! é longe aonde vais? Ó leva-me contigo...
Leva... Quero ir lá longe... ir
também ao Jazigo...
E
lá, foste a sorrir sem me querer levar!
Abgar Renault (Abgar de Castro
Araújo Renault) nasceu em Minas Gerais (1901) e faleceu no Rio de Janeiro (1995). Bacharel em Direito, professor,
jornalista, político. Ocupou inúmeros cargos públicos, inclusive o de Ministro
da Educação e Cultura (1955-1956). Tradutor de poesia inglesa. Membro da
Academia Brasileira de Letras.
De Abgar, o soneto "Encantamento":
Ante
o deslumbramento do teu vulto,
sou
ferido de atônita surpresa
e
vejo que uma auréola de beleza
dissolve
em luar a treva em que me oculto.
Estás
em cada reza do meu culto,
sonhas
na minha lânguida tristeza
e,
disperso por toda a natureza,
paira
o deslumbramento do teu vulto.
É
tua vida minha própria vida
e
trago em mim tua alma adormecida...
Mas,
num mistério surdo que me assombra,
tu
és, às minhas mãos, vaga, fugace,
como
um sonho que nunca se sonhasse
ou
como a sombra vã de uma outra sombra...
Augusto Meyer (1902-1970),
nascido no Rio Grande do Sul e falecido no Rio de Janeiro, é considerado a
principal figura do movimento modernista naquele Estado. Depois de haver
publicado vários livros de versos, dos quais o último foi "Poemas de
Bilu", silenciou, "como se houvesse exaurido a sua mensagem de
poeta", no dizer de Manuel Bandeira. Mas, não cessou sua atividade literária,
consagrando-se à prosa, como crítico e ensaísta. Segundo Bandeira, "só um
elemento mantém nos volumes de versos publicados por Augusto Meyer a unidade de
sua obra: a profunda conexão com a terra, cuja paisagem, alma e vocabulário
palpitam em cada poema desse rio-grandense do sul, para quem o minuano que
passa gelando as coxilhas é "um batismo de orgulho":
Confirmamos, aqui, seu soneto "A Mário Quintana":
Um
Schlichte, poeta, o inverno vai
chegar:
a
gente sente no ar um arrepio
finíssimo...
a andorinha que partiu
ninguém
sabe se um dia há de voltar.
Mas não faz caso, não, isto é do frio,
caprichos da vesícula biliar.
Na vidraça garoenta deste bar
namoro o meu reflexo vago e esguio.
Passam lá fora os homens apressados.
Passam e apagam meu reflexo vago,
mas eu não vou fazer comparações.
Pra que? Ó meus cigarros apagados,
bem sei que eu mesmo, eu mesmo é que me
apago.
Dedico este soneto aos meus botões.
___________
NOTA — Leve-se em conta
que, pela pronúncia do linguajar gaúcho, temos de considerar como certas as
rimas dos quartetos: arrepio, partiu, frio e esguio, palavras que os nossos
irmãos do Sul pronunciam: arrepiu, partiu, friu, esguiu.
Pádua de Almeida (Antônio de Pádua
de Gomes Almeida (1899-1974), poeta de valor e irmão de outro grande poeta,
Moacir de Almeida. Iniciou-se, quando muito jovem, na imprensa. Autor de vários
livros de poesia. Em 1936, obteve o primeiro prêmio, em Buenos Aires, com o volume
de poesias "Instante Universal", que fora publicado no Rio de
Janeiro, em 1934, e sobre o qual Frederico Trotta escreveu: "Nesse livro,
o poeta volta-se para os temas eternos à luz moderna do sentimento
social". Frederico Trotta assim o classificou: "Poeta lírico,
elegante na frase primorosa, cuidada, embora adote versos modernos".
Apontamos, a seguir, o seu soneto "Leve...”
Ela
não pesa, não... Seu corpo é leve,
Leve...
como um desenho de fumaça...
A
própria luz, sentindo-a, não se atreve
a
lhe roçar na sombra, se ela passa...
Tudo
a acompanha, para que se eleve
ao
contato sutil de sua graça...
Seus
pés são como o incenso... ou como a neve,
quando um raio de sol, tremendo, a
enlaça.
Suas
mãos são tão lânguidas que o vento,
ao
chegar a seus dedos, vago e lento,
se
inclina e sonha... adormecendo no ar...
E
é tão doce a visão dos seus cabelos,
que,
mesmo o azul do céu, para envolvê-los,
desce...
e fica na terra, a palpitar...
Mauro Mota, pernambucano
(1912-1985). Bacharel em Direito. Jornalista e excelente poeta. Responsável
pelo Suplemento Literário do "Diário de Pernambuco" e ótimo
sonetista, como prova com esta "Elegia
nº 10", um dos sonetos que ele publicou, numerados de 1 a 10, sob
o título de "Elegias" (no livro "Canto ao meio”) em memória de
Hermantine Cortez Mota, sua esposa:
Insone
e inquieta na pequena cama,
na
longa noite, Luciana chora,
e
à mamãe tão distante chama, chama,
como
se ela pudesse ouvi-la agora.
Não
quer o pai, não quer também sua ama;
só
a mãe que a deixou e foi embora.
No
seu choro infantil, pede e reclama
a
canção de dormir que ouvia outrora.
Mas,
aos poucos, na noite, vejo-a calma.
Para
alguém os seus braços se levantam.
Junto
do berço, maternal, tua alma
canta
a canção de doces estribilhos
que
as mães, mesmo depois de mortas, cantam
para embalar os pequeninos filhos.
Paulo Bomfim (Paulo Lébeis
Bomfim), paulista, nascido em 1926. Jornalista, homem de rádio e televisão.
Poeta arrolado por Alfredo Bosi entre os modernistas de 45. Autor de 18 livros
de poesia, com predileção pelo soneto, tendo confessado que, em um só dia,
escreveu sete dos vinte sonetos de sua obra mais recente, "Praia de
Sonetos". Há pouco, afirmou à revista "Veja": ... "Mas a
maior influência que sofri veio de Olavo Bilac, Vicente de Carvalho, Guilherme
de Almeida e Manuel Bandeira, entre os sonetistas". Estreou em 1946, com
"Antônio Triste", prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de
Letras (1947). É da Academia Paulista de Letras, e detentor do troféu "Juca
Pato" (1982), concedido ao Intelectual do Ano, pela União Brasileira de
Escritores (UBE).
De seu volume "Poemas
Escolhidos", destacamos "Os
dias mortos":
Os dias mortos, sim, onde enterrá-los?
Que solo se abrirá para acolhê-los
com seus pés indecisos, seus cabelos,
seu galope de sôfregos cavalos!
Os dias mortos, sim, onde guardá-los?
Em que ossário reter seus pesadelos,
seu tecido rompido de novelos,
seus fios graves, relva além dos valos?
Tempo desintegrado, tempo solto,
fátuo fogo de febre e de fuligem,
canteiro de sereia em mar revolto.
Em nossa carne, sim, em nossos portos,
quando o fim regressar à própria origem,
repousarão também os dias mortos!
E distinguimos mais este soneto, no bom
estilo camoniano:
Atiro
aos vossos pés a mocidade
e
a vida que me destes sem saber.
Senhora,
se por vós posso morrer,
a
morte me será felicidade.
Coloco
ao vosso lado esta saudade
que
a distância, entre nós, me faz sofrer.
Senhora,
só por vós quero viver
o
instante que será de eternidade
Se
a vida, novo encanto, inda oferece
ao
meu olhar atônito, fitando,
o
dia inesperado que amanhece.
reponho
em vosso peito esta alegria,
pois
é do vosso olhar que vem raiando
o
encantamento desse novo dia.
Joaquim Cardozo (Joaquim Maria
Moreira Cardozo) nasceu em Recife, em 1897. Diretor da "Revista do
Norte", no biênio 1924-1925. Incluído no movimento de 1930. Faleceu em
1978.
É dele este soneto "Aparição da rosa":
Nas
treliças de ferro de uma ponte,
das
águas sobre o plano movediço
há
um vôo de sucesso e de horizonte...
Flor
e flor de mistério e compromisso.
O
tempo em febre e sede extingue a fonte
do
teu refúgio e do teu claro viço;
passando
vão, vão sós baixando a fronte
os
peregrinos de um sonhar remisso.
E
quando dos espaços espontâneos,
em
rapidez de sopros litorâneos
de
novo a noite vem se aproximando,
o
Frio, o Tenebroso, o Corrompido
vão
reduzindo o cálice ferido
e
para sempre as pálpebras fechando.
Afonso Félix de Sousa nasceu em Goiás,
em 1925. Poeta da geração de 1945,
participou do grupo da revista literária "Orfeu".
Copiamos, desse poeta, “Soneto do amante", com rimas petrarquianas:
Eternizar
o amor que fora eterno
embora
só vivesse dois instantes:
um
quando o céu me alçou — a um céu sem antes;
depois, ao acender em mim o
inferno.
Banida
do presente, em lago terno
voltes
a me banhar e desencantes
o
mar que clama em vão, de ondas cortantes
partindo do meu ser, banhando o
eterno.
Eternizar
o amor de um só momento
e
quanto mais perdê-lo mais ganhá-lo,
e
quanto mais ganhá-lo mais alento
trazer
no que recordo e no que falo,
para
que possa, em febre e em sentimento,
em
mármore e em saudade eternizá-lo.
_______________________________________________
Afonso Félix de Sousa faleceu no Rio de Janeiro em 2002.
_______________________________________________
Emílio Moura (Emílio Guimarães
Moura) nasceu e morreu em Minas Gerais (1901-1971). Bacharel em Direito. Foi
redator de "A Revista", primeiro órgão modernista mineiro (1925).
Jornalista, professor catedrático, Secretário do Tribunal de Contas e Diretor
da Imprensa Oficial, em Minas Gerais. Heli Menegali elogia os seus temas,
"cristalizados na perícia da forma e no requinte do pensamento".
À apreciação do leitor, este Soneto:
Formas que em vão persigo: se é que alguma
coisa ainda sois, mostrai-a ao pensamento.
Quanto mais me procuro, mais me invento,
perco-me todo, esfaço-me na bruma.
Nem um raio de luz neste momento.
Que aconteceu, que a sombra se avoluma?
Por que tudo se perde como a espuma?
Por que a vida se esvai como um lamento?
Formas que em vão procuro: ardo em meu
sonho,
quero fixar-vos. Luto. Que medonho
pânico em tudo! Que clamor profundo
sobe da treva! Que estertor imenso!
Por que tudo agoniza quando penso?
Ó solidão sem fim de antes do mundo!
Alphonsus de Guimaraens Filho nasceu em Minas
Gerais (1918). Jornalista e ex-Diretor da Rádio Inconfidência, de Belo
Horizonte. Reside no Rio de Janeiro.
Poeta de real talento, herdou o estro de
seu pai, um dos maiores poetas da língua portuguesa. Muito influenciado pelo
exemplo de Manuel Bandeira, adotou, desde cedo, o modernismo.
Concebe sonetos, que procura modernizar em seu conteúdo, embora, muitas vezes, obedeça à forma tradicional. Um deles é este "Momento", de inspiração original e feliz:
Minha
amada tão longe! Com franqueza:
eu
penso sempre em me mudar daqui.
Pôr
na sacola o pão que está na mesa,
sair
vagabundando por aí.
A
luz do quarto ficará acesa.
(Foi
neste quarto que eu me conheci...)
Deixarei
um bilhete sobre a mesa,
dizendo
a minha mãe por que parti.
Ah!
ir cantando pelo mundo afora
como
um boêmio amigo das cantigas,
alma
febril que a música alivia!
Se
perguntarem, digam: "Ainda agora
saiu buscando terras mais amigas,
mas
é possível que ele volte um dia".
______________________________________________________
Alphonsus de Guimaraens Filho faleceu no Rio de Janeiro em 2008.
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Giuseppe Ghiaroni nasceu no Estado
do Rio de Janeiro (1919). Jornalista
e radialista, representou muito bem a inteligência de sua geração. Mesmo
relacionado, pelos críticos, entre os modernistas, escreveu belos poemas de
formas tradicionais, inclusive sonetos, como este, "Ternura":
Agora
que deixaste em minha vida
esta
ternura que ninguém supera,
tu
que foste por mim tão iludida,
tão
iludida, sendo tão sincera:
agora
eu sei que tu, tão preterida,
eras
o grande amor que a gente espera.
Eu
não te conheci, minha querida,
mas
tu sempre soubeste quem eu era!
De
bordo do avião em que partiste,
tu
não pudeste ver quanto eu sofri!
Todos
viram meu pranto, e tu não viste!
Tu
não tiveste a glória derradeira
de
saber que, uma vez, chorou por ti
o
amor por quem choraste a vida inteira!
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Giuseppe Ghiaroni faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 2008.
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Mário Quintana (Mário Miranda
Quintana) nasceu no Rio Grande do Sul, em 1906. Poeta,
jornalista e tradutor de Proust e Charles Morgan.
Poeta do mais elevado quilate, ofereceu-nos
sonetos como este, "Eu faço versos",
digno de ser incluído em qualquer antologia das outras escolas:
Eu
faço versos como os saltimbancos
desconjuntam
os ossos doloridos.
A
entrada é livre para os conhecidos...
Sentai,
Amadas, nos primeiros bancos!
Vão
começar as convulsões e arrancos
sobre
os velhos tapetes estendidos...
Olhai
o coração que, entre gemidos,
giro
na ponta dos meus dedos brancos,
"Meu
Deus! Mas tu não mudas o programa!"
—
protesta a clara voz das Bem-Amadas —
"Que
tédio!" — o coro dos Amigos clama.
"Mas
que vos dar de novo e de imprevisto?"
—
digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu
sei chorar... Eu sei sofrer...Só isto!"
É, ainda, de Mário Quintana, este belo
soneto, "Na minha rua há um menino
doente":
Na
minha rua há um menino doente,
enquanto
os outros partem para a escola;
junto
à janela, sonhadoramente,
ele
ouve o sapateiro bater sola.
Ouve,
também, o carpinteiro, em frente,
que
uma canção napolitana engrola
e,
pouco a pouco, gradativamente,
o
sofrimento, que ele tem, se evola.
Mas,
nesta rua, há um operário triste:
não
canta nada na manhã sonora
e
o menino nem sonha que ele existe...
Ele
trabalha silenciosamente...
E
está compondo este soneto agora
para
a alma boa do menino doente...
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Mário Quintana faleceu em Porto Alegre, RS, em 1994.
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Henriqueta Lisboa nasceu em Minas
Gerais e faleceu no Rio de Janeiro (1903-1985). Como poetisa, estreou-se com o
livro "Fogo Fátuo" (1924).
O grande poeta Augusto de Lima, ao
prefaciá-lo, escreveu: "Por isso, não se encontram neste livro, de tão
amplos descortinos, senão grandes linhas, aspectos majestosos, concepções profundas.
Artista e pensadora, Henriqueta Lisboa não achou para a encarnação do seu ideal
de beleza versos melhores que o alexandrino e o heróico. Enfrentando
galhardamente a vaga revolucionária contra a regularidade métrica, a rima e a
uniformidade da poesia clássica, ela levanta essa cidadela inexpugnável de
sonetos, que, na estrutura de sua forma, desafiam confrontos com os melhores da
escola parnasiana, e no valor intrínseco da inspiração, não cedem, em novidade,
em vibração, em dinamismo, aos mais avançados dos modelos. Só guerreia o soneto
quem não o pode fazer perfeito, ou dar-lhe o brilho de originalidade".
E mais adiante:
— "Henriqueta Lisboa demonstra
vitoriosamente poder a arte moderna caber na forma clássica, sem perder absolutamente
o frêmito de asas do espírito do progresso".
Mas... como veremos adiante, a poetisa
acabou por acompanhar as ondas do modernismo, contrariando os augúrios de seu
grande padrinho literário, que lhe previra o seguinte: "Há de sempre
escolher, para o seu peregrino sentimento do belo, as formas indestrutíveis da
arte, cujas leis se enraízam na natureza das coisas".
Com o livro “Enternecimento" (1929),
alcançou o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. "Velário"
(1936) ainda mostrou, parcialmente, a terminologia simbolista.
Depois, aderiu ao movimento modernista e,
em 1945, publicou "A face lívida", em memória de Mário de Andrade,
falecido naquele ano. Iniciou, com essa obra, uma fase diferente, com versificação
livre.
No volume "Lírica" (1958), uma
antologia de poemas por ela mesma escolhidos, não figura nenhuma página do
livro de estréia. Teria Henriqueta abjurado justamente aqueles formosos versos
que deram início à sua fulgurante carreira de poetisa?
Poderíamos transcrever um dos sonetos de
"Fogo Fátuo", como, por exemplo, "Descrença", “Memento”, "Felizes",
páginas cheias de beleza e encantamento. Mas, preferimos apresentar um outro,
de data posterior, talvez mais de seu gosto.
Está nesse caso "Olhos tristes":
Olhos mais tristes ainda do que os meus,
são esses olhos com que o olhar me fitas:
tenho a impressão que vai dizer adeus
esse olhar de renúncias infinitas.
Todos os sonhos, que se fazem seus,
tomam logo a expressão de almas aflitas.
E até que, um dia, cegue à mão de Deus,
será o olhar de todas as desditas.
Assim parado a olhar-me, quase extinto,
esse olhar que, de noite, é como o luar,
vem da distância, bêbedo de absinto...
Este olhar, que me enleva e que me
assombra,
vive curvado sobre o meu olhar,
como um cipreste sobre a própria sombra.
Stella Leonardos (Stella Leonardos
da Silva Lima) nasceu em 1923, no Rio de Janeiro, onde reside.
Laureada, várias vezes, pela Academia
Brasileira de Letras.
Jornalista, poetisa, romancista, escritora
e teatróloga. Nome dos mais conceituados nas hostes do movimento modernista.
Autora deste soneto "Amargura" :
Por teres sido um dia o meu maior amigo,
um dia me julgaste a tua amiga, apenas...
Não sabias então do sentimento antigo
que eu, altiva, ocultava, e contaste-me as
penas...
Como foi que te ouvi com feições tão
serenas?
É coisa que até hoje entender não consigo:
tu que falavas mal dessas fingidas cenas
a que o Destino obriga, e eu que fingi
contigo!
Se imaginas, porém, que fiquei compungida
quando te vi descrente, amaldiçoando a
Vida,
tendo eu tantas razões de me queixar do fel...
Jamais meu coração soube guardar rancores:
se a Vida é uma comédia e é certo haver
atores,
não a posso culpar por meu triste papel!...
Vinícius de Morais (Marcus Vinícius
Cruz de Morais) nasceu em 1913 e faleceu em 1980, no Rio de Janeiro. Grande poeta lírico,
Bacharel em Direito, diplomata de carreira, cronista, jornalista, dramaturgo,
letrista de músicas populares de grande sucesso. Dedicou-se ao cinema
("Orfeu da Conceição", que, em 1959, ganhou o 1º prêmio no Festival
de Cannes, é uma adaptação de sua peça teatral).
Ao nome de Vinícius, que, talvez por
equívoco, vem sendo incluído na galeria dos poetas ditos modernistas (em 1922
contava apenas nove anos de idade), rendemos o nosso maior respeito e
admiração. Por isto: foi um poeta autêntico, poeta no mais rigoroso sentido da
palavra, poeta que sempre conservou uma enternecida fidelidade à Arte, mesmo
quando, pretendendo agradar a escola moderna, escrevia poemas de concessões
estilísticas e estruturais. Sua poesia é, muitas vezes, dramática, concentrada,
penetrante, original. Não despreza as rimas. No mínimo, as faz assoantes, ou
incompletas.
Foi um sonetista por vocação. E faria
somente sonetos clássicos perfeitos, se quisesse. Em todos os seus livros
encontramos sonetos.
O prefaciador de uma das edições de seu
"Livro de Sonetos", Luiz Santa Cruz, depois de dizer que Vinícius de
Morais "já surgiu como um poeta moderno, sem, contudo, jamais ter sido um
modernista", acrescentou: "Apareceu numa época em que o Modernismo
tinha superado a sua primeira fase, mais destrutiva e negativa do que
construtiva e, propriamente, criadora: a que já se denominou de Descoberta ou
Ciclo da Terra".
Otto Lara Resende, ao prefaciar a terceira
edição dessa mesma obra, afirmou: "Uma vez na posse de sua língua pessoal,
Vinícius nunca mais deixará de compor os seus sonetos".
Este "Soneto de Contrição" é muito, muito bonito e tem um forte
sabor de estilo "camoniano":
Eu te amo, Maria, te amo tanto
que o meu peito me dói como em doença
e, quanto mais me seja a dor intensa,
mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
ante o mistério da amplidão suspensa,
meu coração é um vago de acalanto
berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma,
nem melhor a presenca que a saudade,
só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade,
que tão mais te soubesse pertencida,
menos seria eterno em tua vida.
Encantemo-nos, agora, com a beleza mansa e
a doçura deste seu "Soneto de
Fidelidade":
De
tudo, ao meu amor serei atento
antes,
e com tal zelo, e sempre, e tanto
que,
mesmo em face do maior encanto,
dele
se encante mais meu pensamento.
Quero
vivê-lo em cada vão momento
e
em seu louvor hei de espalhar meu canto
e
rir meu riso e derramar meu pranto
ao
seu pesar ou seu contentamento.
E
assim, quando mais triste me procure
quem
sabe a morte, angústia de quem vive,
quem
sabe a solidão, fim de quem ama,
eu
possa me dizer do amor (que tive):
que
não seja imortal, posto que é chama,
mas
que seja infinito enquanto dure.
O "Soneto da Separação", escrito em 1938, talvez de um jato, a
bordo do "Highland Patriot", não obedece às regras clássicas da rima,
principalmente nos quartetos, que não têm as rimas repetidas, como é
obrigatório fazer. Consideramos, na circunstância, um pecado venial, porque,
pelo menos, são afins na pronúncia as palavras que deveriam rimar com
rigorismo. Isto nos leva a, excepcionalmente, transcrevê-lo aqui, como
homenagem ao grande poeta, pois se trata, sem dúvida, de 14 versos de rara
expressividade, e queremos que os leitores os releiam conosco:
De
repente, do riso fez-se o pranto
silencioso
e branco como a bruma,
e
das bocas unidas fez-se a espuma,
e
das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De
repente, da calma fez-se o vento
que
dos olhos desfez a última chama,
e
da paixão fez-se o pressentimento,
e
do momento imóvel fez-se o drama.
De
repente, não mais que de repente,
fez-se
de triste o que se fez amante,
e
de sozinho o que se fez contente.
Fez-se
do amigo próximo o distante,
fez-se
da vida uma aventura errante,
de
repente, não mais que de repente.
Odylo Costa, filho, nasceu no
Maranhão e faleceu no Rio de Janeiro (1914-1979). Pertencia à ala modernista.
Depois de estrear na poesia, dedicou-se ao jornalismo, em cuja área se tornou
um mestre incontestável. Membro da Academia Brasileira de Letras. Bacharel em
Direito e escritor.
São palavras de Manuel Bandeira, ao
prefaciar seu livro "Tempo de Lisboa e outros poemas": — "Odylo
parecia definitivamente perdido para a poesia. Eis que de repente um episódio
doloroso o reconduziu a ela"...
E, como que para desculpá-lo de cometer
alguns sonetos, Bandeira escreveu no mesmo prefácio:
— "O verso livre não pode nem poderia
abolir a versificação regular, mesmo quando estabilizada nas normas inflexíveis
das formas fixas, como o soneto, a balada, etc., imortais e inexauríveis".
Trazemos "Soneto do Sonho no Campo":
Ontem,
mais uma vez, sonhei contigo:
não
na montanha, em tarde de sol frio,
mas
deitada no chão florido e amigo
que
se estende na frente do Rocio.
Havia
ovelhas, e um silêncio antigo
cobria
a noite, a terra em flor, o rio,
luzes
ao longe, bois ao desabrigo,
e
as vozes dos vaqueiros num cicio.
Uma
quentura suave, uma harmonia,
a
sensação de um nunca se acabar,
das
estrelas a nós, quieta, descia.
Deitei-me
ao pé de ti. Do teu olhar
uma
ternura triste me vestia
e
os campos eram brancos ao luar.
Lêdo Ivo nasceu em Alagoas
(1924), reside no Rio de Janeiro. Jornalista e ensaísta. Foi um dos chefes da
"Geração de 45". Há pouco tempo, entretanto, declarou a uma revista
que, embora seja considerado, por muitos, "um expoente da geração de
45", não gosta desse enquadramento, como, aliás, "detesta qualquer
tipo de enquadramento".
Com o livro "Ode e elegia",
obteve o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, em 1945. Hoje, é
membro efetivo da mesma Academia.
De Lêdo Ivo é este "Soneto de Abril":
Agora
que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se
em si mesmo como um pranto,
vejo
que o amor que te dedico aumenta
seguindo
a trilha de meu próprio espanto.
Em
mim, o teu espírito apresenta
todas
as sugestões de um doce encanto
que
em minha fonte não se dessedenta
por
não ser fonte d'água, mas de canto.
Agora
que é abril, e vão morrer
as
formosas canções dos outros meses,
assim
te quero, mesmo que te escondas:
amar-te
uma só vez todas as vezes
em
que sou carne e gesto, e fenecer
como
uma voz chamada pelas ondas.
________________________________________
Lêdo Ivo faleceu em Sevilha, Espanha, em 2012.
________________________________________
Cleómenes Campos (Cleómenes Campos
de Oliveira) nasceu em Sergipe (1895) e se radicou em São Paulo, onde veio a falecer,
em 1968. Está incluído entre os representantes do pré-modernismo. Jornalista.
Exerceu vários empregos, inclusive os de funcionário do Ministério da Fazenda e
Fiscal do Imposto de Consumo.
Poeta dos mais populares do país.
"Cor
Cordium" é um de seus mais belos sonetos:
Quando eu morrer, procura uma árvore
florida
e cava-lhe no tronco, amada, o meu caixão:
Quero que aí repouse o meu corpo sem vida,
longe do humano olhar, dentro da solidão.
Cante-me o "requiem" triste, a
voz da água perdida;
reze por mim o vento a sua alta oração;
e seja-me o silêncio a lápide escolhida:
Que vale, neste mundo, a maior inscrição?
E, um dia, quando tu, minha doce Querida,
fores ver-me (talvez o tronco esteja são) ,
para que aches, sem custo, a árvore
preferida,
farei cair da altura um fruto em tua mão,
fruto que, ao te roçar a palma comovida,
irá tomando a forma e a cor de um coração...
Também é de Cleómenes Campos este
enternecido Soneto:
Não
dês esmola sem que, intimamente,
já
no teu coração, a tenhas dado:
toda
esmola que dás é uma semente,
mas
quando dás apenas de bom grado.
Chega-te
aos pobres mais humanamente;
envolve-os
num olhar mais demorado:
que
eles sintam, ao menos, no presente,
a
ilusão do que foram no passado.
E
quem nos diz que muitos dos que vemos
de
porta em porta, humildes, sofredores,
não
têm, no céu, riquezas que não temos?
Lá,
onde todos querem ser amigos,
mendigos
podem ser grandes senhores,
grandes
senhores podem ser mendigos.
E ainda este, belíssimo, "Nos meus tempos de criança":
Nos
meus tempos de criança, quando via
a
lua, além, nas serras azuladas,
sorria...
e minha avó também sorria,
dando
começo: "Os príncipes e as fadas...
Ah!
lindas coisas... Nunca as aprendia,
para,
nas calmas noites enluaradas,
dormir,
sonhar, ouvindo essa harmonia
que
sai das áureas harpas encantadas...
.
Ingênuo,
às vezes perguntava: "A lua
conta
histórias, avó?" E a pobrezinha,
boa,
apertando a minha mão na sua:
"Conta,
mas tu não podes compreendê-las...”
E
eu pensava comigo: "É uma avozinha:
conta
histórias de fadas às estrelas...”
Cecília Meireles nasceu e morreu no
Rio de Janeiro (1901-1964). Aos 16 anos de idade, publicou um livro de
inspiração simbolista, "Espectros". Poetisa, professora, escritora e
tradutora de obras célebres do teatro universal, como "Bodas de Sangue”,
de Garcia Lorca, e "Santa Joana", de Bernard Shaw. Esta última peça
foi encenada, em 1965, no Teatro Municipal do Rio, tendo no principal papel a
grande Maria Fernanda, filha da poetisa.
Em 1934, criou a primeira biblioteca
infantil do país, no Centro Infantil do antigo Pavilhão Mourisco (Botafogo), do
qual era Diretora. Em 1938, seu livro "Viagem" foi premiado pela Academia
Brasileira de Letras (poesia).
Modernista, sem nunca trair seus pendores
para o simbolismo. A verdade é que empregava com a mesma flexibilidade e
talento todos os metros e ritmos.
Vejamos este soneto "A inominável":
Leve...
— Pluma... Surdina... Aroma... Graça...
Qualquer coisa infinita... Amor... Pureza...
Cabelo
em sombra, olhar ausente, passa
como
a bruma que vai na aragem presa...
Silenciosa.
Imprecisa. Etérea taça
em
que adormece o luar... Delicadeza...
Não
se diz... Não se exprime... Não se traça...
Fluido... Poesia... Névoa... Flor...Beleza...
Passa...
— É um morrer de lírios... Olhos quase
fechados... Noite... Sono... O gesto é
gaze
a
estender-se, a alegrar-se. E enquanto vão
fugindo
os passos teus, Visão perdida,
chovem
rosas e estrelas pela vida...
Silêncio!
Divindade! Iniciação!
Atílio Milano nasceu e morreu no
Rio de Janeiro (1897-1955). Professor. Jornalista de vida muito intensa. Como
poeta, sobressaiu-se no período pré-modernista.
Estampamos, de Atílio, o soneto "O insepulto":
Eu tenho um Cristo de marfim, na sala,
com tal arte esculpido no marfim,
tão pálido, tão triste, que me fala
com os olhos, de uma dor que não tem fim:
— "Homem! A minha angústia não se
iguala!
Eu trago tanto fel dentro de mim!
Sofri para remir-te e, nem assim,
mereço o último alívio de uma vala!
E dei a vida para dar-te vida!
Tenho o corpo chagado, a alma ferida!
A Humanidade? eu não pude salvá-la;
morri por ela! E agora ainda por fim
crucificam-me em cruzes de marfim
entre as quatro paredes de uma sala!
Dante Milano nasceu no Rio de
Janeiro, em 1899. Participava do modernismo. Entretanto, só em 1948 editou as suas "Poesias”.
Destaca-se o soneto "O amor de agora é o mesmo amor de outrora”:
O
amor de agora é o mesmo amor de outrora
em
que concentro o espírito abstraído,
um
sentimento que não tem sentido,
uma
parte de mim que se evapora.
Amor
que me alimenta e me devora,
é
este pressentimento indefinido
que
me causa a impressão de andar perdido
em
busca de outrem pela vida afora.
Assim
percorro uma existência incerta
como
quem sonha, noutro mundo acorda,
e
em sua treva um ser de luz desperta.
E
sinto, como o céu visto do inferno,
na
vida que contenho mas transborda,
qualquer
coisa de agora mas de eterno.
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Dante Milano faleceu em Petrópolis, RJ, em 1991.
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Carlos Pena Filho (1929-1960) —
Poeta idolatrado em sua terra natal, Recife, escreveu obras regionalistas de
grande vulto. Sonetista importante, pelo vocabulário moderno e pela surpresa
das imagens, quase todas pintadas de azul. Em seu livro de estréia, "O
tempo da busca" (1952), escreveu poucos poemas de caráter modernista.
Alfredo Bosi, nosso guia em termos de
poesia pós-22, incluiu-o, a exemplo do que fez a crítica pernambucana, entre os
modernistas, contrariando repetidas declarações feitas pelo próprio poeta. E
Edilberto Coutinho, autor de "O livro de Carlos" (1983), diz que seu
biografado não era um poeta modernista, "era um poeta regional e
universal".
Ao "Diário da Noite", de Recife,
Carlos falou: "... Tento não ser modernista, o que acho que
consegui". À "Folha da Manhã", declarou: "Hoje os
passadistas são os de 22".
Sobre sua morte, escreveu Gilberto Freyre:
"... Em Carlos Pena Filho, o Recife perdeu o mais puramente recifense de
seus grandes poetas. O mais carnalmente do Recife. O mais fisicamente amoroso
do Recife".
De Jorge Amado: "... Foste tão tua
gente que muito tempo vai passar antes que surja outro poeta assim, para ser
tão amado por seu povo".
De Mauro Mota: "Há jovens que
sonetizam à maneira dele, bom sinal de admiração e boa influência".
São de Carlos Pena Filho estes três belos
sonetos:
"Para
fazer um soneto"
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.
Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.
Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se
apresse,
antes, deixe levá-lo a correnteza.
Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.
"A
solidão e sua porta"
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha);
quando, pelo desuso da navalha,
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha
a arquitetar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida
com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.
"Soneto
da Sexta-Feira da Paixão"
____________
— O original deste soneto foi encontrado
"no bolso da calça" do poeta”, quando este, no Recife, em 27 de junho
de 1960, sofreu o acidente de automóvel de que resultaria sua morte, em 1.° de
julho seguinte (pág. 52 de "O livro de Carlos", de Edilberto
Coutinho)
Morto.
Como também já morre o dia.
Mas
continua a ser noutros lugares?
Ou
morto diariamente nos altares,
por
ser diversa a morte que morria?
O
corpo morto: azul melancolia
do
mesmo azul perdido pelos ares,
vivo
azul sobre os campos, sobre os mares,
sobre
a clara manhã e a hora tardia.
Um
corpo morto. Um corpo morto de homem,
igual
a esses cadáveres da guerra
que
as batalhas atraem e consomem?
Ou
um que junta o mundo à sua sorte,
contempla
a sombra em torno e desce à terra
e
morre em solidão e vence a morte?
Josué Montello nasceu no Estado
do Maranhão em 1917 e reside no Rio de Janeiro. Membro da Academia Brasileira
de Letras. Jornalista, integrou o grupo de intelectuais que fundou a revista
"Dom Casmurro".
Foi técnico de Educação do Ministério da
Educação, diretor-geral da Biblioteca Nacional, diretor do Serviço Nacional de
Teatro. Comissionado pelo Itamarati, realizou vários cursos de estudos
brasileiros nas Universidades de Lima e Madri.
Contemplado pela Academia Brasileira de
Letras com vários prêmios literários.
Dele, é o soneto que se segue, "A vigília das estrelas":
Quando
a primeira tarde ensangüentada
tombou,
vencida pela noite fria,
viu-se
no espaço a ronda alvoroçada
de
outras luzes buscando a luz do dia.
E
essa primeira noite foi passada
nos
mesmos atropelos de agonia...
Que
fim levara a tarde malograda?
e
o ouro velho do sol que não se via?
Afinal
um clarão por sobre a serra
despontou
e, na luz resplandecida,
do
ouro novo do sol, cobriu-se a terra.
Desde
então, toda vez que o dia, pelas
alturas,
surge — a luz é devolvida,
como
prêmio à vigília das estrelas.
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Josué Montello faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 2006.
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Péricles Eugênio da Silva Ramos nasceu em Lorena,
Estado de São Paulo, em 1919, e vive em São Paulo.
Bacharel em Direito. Professor. Um dos
Diretores do "Correio Paulistano". Secretário do Conselho Estadual de
Cultura de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Letras.
Um dos poetas de maior destaque da geração
modernista de 1945. Antologista, ensaísta e crítico. Está entre os intelectuais
que, no Brasil, mais se preocupam com os estudos da técnica poética. Às vezes,
usa o pseudônimo "Gil Goncourt".
Traduziu, magistralmente, os
"Sonetos" e "Hamlet", de Shakespeare.
"Adolescência
das rosas", abaixo transcrito, é de Péricles:
Na
taça cor de fogo de teu beijo
erra
um sabor de pétalas pisadas;
e
quanto mais se aviva meu desejo
mais
tens o odor das flores cobiçadas.
Vejo
o clarão da lua, se te vejo,
um
resplendor de fontes e alvoradas;
se
falas, tua voz é um longo adejo,
o
desmaiar das águas onduladas.
Em
ti pressinto a flama do futuro,
o
demorado amor que em vão procuro,
estrela
azul na ponta dos escolhos;
quando,
porém, cintilo de esperança,
a
minha vista unicamente alcança
a
penumbra castanha de teus olhos.
E ofertamos aos leitores o seu terníssimo
soneto "A trave e a sombra",
de um misticismo enternecedor:
Quando
o Senhor nasceu de ti, Abrigo certo,
Maria,
fonte viva, estrela sobre os mares,
sorrias
para o Céu como um rosal aberto,
ouvindo,
ao longe, o som dos fusos e teares.
Dormindo
meigamente, o Infante, descoberto,
trazia
à palha de ouro a alvura dos luares;
ainda
não viera a Fuga, a sede do deserto...
— Ao
alto, os Querubins erravam pelos ares.
Alegre
de ser mãe, sorrias. Sim, teu filho
teria
a luz, o trono, a Majestade, o brilho
e
o resplendor dos Reis. Porque ele era Jesus.
Mas
logo a dor, Maria, o teu sorriso empana:
O
luar, atravessando as traves da choupana,
lança
no berço humilde a sombra de uma Cruz.
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Péricles Eugênio da Silva Ramos faleceu em São Paulo em 1992.
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Paulo Mendes Campos nasceu em Belo
Horizonte, em 29 de fevereiro de 1922, "o que talvez — diz Otto Lara
Resende — explique o teimoso ar de bissexto que lhe emprestem uns poucos que o
desconheçam; e ignoram que ele é fecundo e operoso". Foi um dos principais
elementos da geração de 1945. Jornalista, cronista, ensaísta e poeta. Reside no
Rio de Janeiro.
Mostramos dois de seus sonetos:
"No
verão"
Inventaremos
no verão os gritos
verberados
na carta episcopal.
Somos
apenas pássaros aflitos
que
nada informam da questão moral.
Tens
os olhos audazes, infinitos,
e
eu sinto em mim o deus verde do mal,
de
nossas almas nascerão os mitos,
de
nossas bocas uma flor de sal.
Deitaremos
raízes sobre a praia
a
jogar com palavras inexatas
o
desespero de se ter um lar.
E
quando para nós enfim se esvaia
o
demônio das coisas insensatas
nossa
grandeza brilhará no mar.
"Tempo-eternidade"
O
instante é tudo para mim que, ausente
do
segredo que os dias encadeia,
me
abismo na canção que pastoreia
as
infinitas nuvens do presente.
Pobre
do tempo, fico transparente
à
luz desta canção que me rodeia
como
se a carne se fizesse alheia
à
nossa opacidade descontente.
Nos
meus olhos o tempo é uma cegueira
e
a minha eternidade uma bandeira
aberta
em céu azul de solidões.
Sem
margens, sem destino, sem história,
o
tempo que se esvai é minha glória
e
o susto de minh'alma sem razões.
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Paulo Mendes Campos
faleceu no Rio de Janeiro em 1991.
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Kleber Cruz nasceu em 1922, no
Rio de Janeiro. É um dos mais inspirados poetas da safra modernista. Mereceu
altos elogios de Agripino Grieco.
É de sua lavra este soneto, "Esfinge":
O
caminhar dos anos enfrentando,
na
nudez impassível do granito,
para
o deserto imenso olhando a fito
queda-se
a esfinge, estática... pensando.
Destino
inverso ao do judeu maldito,
imóvel,
o silêncio perscrutando,
a
sua indiferença vai casando
à
indiferença enorme do infinito!
Vence
o simum fantástico, inclemente!
Vence
as areias do deserto ardente,
pétrea,
calada, sobranceira e forte!
E
altiva, nas planícies desoladas,
guarda
o esplendor das épocas passadas
numa
glória imortal dentro da morte!
Domingos Carvalho da Silva nasceu em 1915, em
Portugal, naturalizando-se brasileiro em 1937. Teve atuação muito destacada na
chamada "geração de 1945". Ajudou a fundar a "Revista Brasileira
de Poesia" (1947), em São Paulo.
Em seguida, o seu soneto "O mito de Prometeu":
Teu
sonho é como um rio amordaçado,
uma
dália esculpida, uma lanterna
desvirginando
a noite, uma caverna
de
fria estalactite, um mar fechado.
Tuas
mãos sobem do solo. Uma cisterna
sepultará
teu grito mais irado.
As
asas do teu dorso retratado
no
sol perseguem tua chama eterna.
Girassóis
de silêncio giram frios
em
torno de tua boca. Nascem rios
de
teus olhos já mortos e insepultos.
Teus
braços vão ao céu. Mas não mereces
os
pomos da Via-Láctea. E desfaleces
na
terra que te prende os pés ocultos.
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Domingos Carvalho da Silva faleceu em São Paulo em 2003.
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Walmir Ayala nasceu em Porto
Alegre, RS, em 1933, e reside no Rio de Janeiro, desde 1956. Crítico de artes
plásticas, jornalista, escritor, contista, teatrólogo, conferencista, cultor da
literatura infantil, antologista e poeta, firmando-se como um dos mais
destacados elementos da poesia modernista em nosso país.
Reproduzimos o seu soneto "Integração":
Um
Cristo pelos postes repartido,
e
a noite quaresmal tangendo andores.
Vou,
e minha alma, nova mãe das dores,
tange-me
o corpo, filho mal remido.
Cravos
abrandam sóis como vapores
da
ebulição que tenho preterido,
e
o leproso me aguarda convencido
de
que hei de, onde tem chagas, colher flores.
Mas
nem olhos me sobram que convenham
verificar
milagres pois carrego
restos
de mau ladrão na minha espera;
e
em zimbórios meus braços se despenham,
e
em pedra de outro Pedro o mártir nego
morrendo
a mesma morte que Ele gera.
E mais este, a que o poeta simplesmente dá
o título de "Soneto" (do
livro "Poesia Revisada", como o primeiro):
Amor, se te repito, se te clamo
se te exijo e te cravo em mim, se espero
sabendo que não vens, e se te gero
em cada instante meu, e se te amo,
amor, se te reservo o que mais quero,
se te acredito exato e te reclamo,
se te adivinho e sonho e te proclamo
Deus, coração e pátria, o que venero.
Amor, se te situo necessário,
se me unifico em ti, eu que fui vário
e fraco para todas as batalhas,
em nome de que glória irei firmado
a conquistar-te, amor, se nem me é dado
pedir no instante extremo que me valhas?
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Walmir
Ayala faleceu no Rio de Janeiro em 1991.
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Geir Campos (Geir Nuffer
Campos) nasceu no Estado do Espírito Santo, em 1924. Poeta, contista,
jornalista e teatrólogo. Oficial de Náutica. Reside no Rio de Janeiro e é
elemento atuante do Modernismo.
O seu soneto "A árvore":
Ó árvore, quantos séculos levaste
a aprender a lição que hoje me dizes:
o equilíbrio, das flores às raízes,
sugerindo harmonia onde há contraste?
Como consegues evitar que uma haste
e outra se batam, pondo cicatrizes
inúteis sobre os membros infelizes?
Quando as folhas e os frutos comungaste?
Quantos séculos, árvore, de estudos
e experiências — que o vigor consomem
entre vigílias e cismares mudos —
demoraste aprendendo o teu exemplo,
no sossego da selva armada em templo?
E dize-me: há esperança para o Homem?
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Geir Campos faleceu em Niterói, RJ, em
1999.
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Ferreira Gullar (José Ribamar
Ferreira Gullar) nasceu no Maranhão, em 1930, e reside no Rio de Janeiro. Jornalista
e crítico de arte.
Tomou parte ativa no movimento modernista
denominado "concretismo". Divergindo de seus companheiros, formou o
grupo dos "neoconcretos", tendo publicado no suplemento literário do
"Jornal do Brasil" (1954) um ensaio sob o título "Do cubismo à
arte neoconcreta".
Não obstante, é autor de sonetos, como
este:
Eu
que tenho motivo de ser triste,
não
desejo fugir do desencanto:
de
nada vale desejar-se tanto
se
só existe o bem que não existe.
Só
quem sofre e sorri, sofre e resiste,
acha
que a vida é boa e o mundo é santo.
Pois
a ventura de viver consiste
em
sofrer e cantar. E eu sofro e canto.
Mas
embora vivendo na certeza
de
que a vida é ruim, sinto a beleza
na
alegria dos outros, nos prazeres...
E
eis a razão por que não me lamento.
Sei
que concorro com meu sofrimento,
para
a harmonia universal dos seres!
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Ferreira Gullar faleceu no Rio de Janeiro em 2016.
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Augusto Frederico Schmidt nasceu e morreu no
Rio de Janeiro (1906-1965).
Com toda sinceridade, gostaríamos de
oferecer aos leitores, como o fizemos com algumas dezenas de outros destacados
poetas modernistas, pelo menos um soneto de Augusto Frederico Schmidt.
Entretanto, isto não nos é possível, pela simples razão de que não escreveu,
ele, ao que nos conste, sequer um soneto autêntico, deixando de atender,
portanto, em sua vasta messe poética, às exigências desse poema de forma fixa.
Alceu Amoroso Lima acha que Schmidt foi
"um grande lírico de inspiração abundante e variada, que reagiu, em 1928,
contra o convencionalismo modernista e introduziu na poesia moderna uma
amplitude e um lirismo românticos, de que a preocupação polêmica e
revolucionária o haviam afastado".
Em 1924-1926, segundo Massaud Moisés,
"está em São Paulo entrosado com os adeptos do Modernismo".
Mas... percorremos seus livros e,
infelizmente, não encontramos sonetos. Nem mesmo no seu volumoso livro de 297
páginas, intitulado... "Sonetos"! Não nos referimos, é
claro, a poemas de 14 versos, sem rimas. Estes, escreveu-os prodigamente,
havendo em muitos deles farta inspiração e altíssimo valor poético. Nosso
trabalho, porém, é dedicado exclusivamente ao soneto. Fica, por isso, em branco
a homenagem que desejaríamos prestar a Augusto Frederico Schmidt.
Lamentavelmente.
Podem ser aplicadas a Schmidt estas
palavras de Heli Menegali: 'O poeta moderno, na sua ousadia, adotou o soneto,
apoderou-se dele e estropiou-o. Todas as caras exigências do velho soneto foram
desrespeitadas, e por fim só uma ficou, a lembrar-lhes a espécie — os quatorze
versos distribuídos em duas quadras e dois tercetos. Está claro que muita coisa
bela se pode fazer com esses quatorze versos, reminiscência do soneto".
Só podemos atribuir esse fato à ojeriza que
Schmidt devia ter pelo soneto completo, uma vez que talento não lhe faltava. E,
com a inspiração lírica de que era um verdadeiro Creso, poderia ter produzido
sonetos imortais.
Manuel Bandeira o julgava um poeta capaz de
deter os abusos do modernismo. Tanto que escreveu, em 1937, em "Crônicas
da Província do Brasil":
— "Já estava tardando um poeta que
reagisse contra os processos e o estado de espírito da geração modernista.
Alguém para quebrar os clichês gastos. É verdade que havia os continuadores de
parnasianos e simbolistas. Esses, porém, não reagiam; repetiam apenas. Era
preciso um poeta que tivesse passado pela experiência moderna, que a tivesse
assimilado e, portanto, embora diferenciando-se dela, afastando-se dela,
soubesse aproveitar-lhe as lições. É o que entre nós se dá pela primeira vez
com a afirmação poética de Augusto Frederico Schmidt".
Em um atraente artigo publicado na
"Revista Brasileira de Cultura" (nº 10, de outubro-dezembro
1971). Alphonsus de Guimaraens Filho nos conta como Manuel Bandeira transformou
um "soneto" irregular de Augusto Frederico Schmidt numa obra-prima.
Cada qual à sua maneira, ambos são bonitos. E é a título de curiosidade que
vamos transcrever o trabalho de recriação de Bandeira. Não mostramos o poema de
Schmidt, mas garantimos, como Alphonsus de Guimaraens Filho, que a emoção e a
expressão schmidtianas "se tornaram bandeirianas na forma precisa, enxuta,
exata".
Eis o que Bandeira chamou "Soneto plagiado de Augusto Frederico Schmidt", o qual, de maneira indireta, faz
com que apareça nesta obra um soneto do vitorioso autor de "Estrela
Solitária":
E de súbito n'alma incompreendida
esta mágoa, esta pena, esta agonia;
nos olhos ressequidos a sombria
fonte de pranto, quente e irreprimida.
No espírito deserto a impressentida,
misteriosa presença que não via;
a consciência do mal que não sabia,
aparecida, desaparecida...
Até bem pouco, era uma imagem baça;
agora, neste instante de certeza,
surgindo claro, como nunca o vi!
E nesse olhar tocado pela graça
do céu, não sei que angélica pureza
— pureza que não tenho, que perdi.
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