Decassílabo e Alexandrino, os Favoritos do Soneto


Nas literaturas italiana, espanhola e portuguesa, o metro geralmente adotado para o soneto é o de "dez" sílabas métricas, aquele que tem, em sua parte final, o acento mais forte na décima sílaba, mesmo que a última palavra seja paroxítona (ou proparoxítona, no caso da língua portuguesa). É o verso hendecassílabo da poética italiana, que corresponde ao nosso decassílabo. Mera questão de nomenclatura, em nada atingindo o fato métrico.

Na literatura francesa, usa-se mais o verso de "doze" sílabas, criado na própria França.
Praticamente, noventa a noventa e cinco por cento dos sonetos, em todas as línguas, são escritos dentro destes dois moldes. São eles, pois, "os favoritos do soneto".

(Antes de entrarmos numa análise sucinta dos decassílabos e dodecassílabos, lembramos que "cesura" é a pausa, de duração mínima, que, no interior de um verso, marca a sua cadência, separando as partes em que ele se divide. Um verso pode ter mais de uma cesura, que é, sem dúvida, a chave do ritmo, em qualquer tipo de verso.)

Murilo Araujo   diga-se de passagem prefere chamar de "sons" as sílabas métricas.

O verso de "dez" sílabas tem várias denominações: "decassílabo", "italiano", "clássico", ou "heróico" (petrarquiano ou camoniano).
É o verso mais belo da língua portuguesa; presta-se bem à expressão de todas as idéias e comporta variações interessantes.
Os decassílabos de Sá de Miranda e Antônio Ferreira (o primeiro foi o introdutor do soneto em Portugal) eram, pelo seu pioneirismo, duros e irregulares, apesar de produzidos de acordo com a forma italiana. A suavidade desses versos começou em Camões, alcançando o seu "clímax" nos séculos XIX e XX.

Os versos de "dez" sílabas podem ter:

pausa ou acento obrigatório mais forte (icto) na 6ª e na 10ª sílabas, com cesuras em outras sílabas, sem discriminação (decassílabo heróico):
"As armas e os barões assinalados".
(Camões)

ou, então, pausas ou acentos mais fortes (ictos) nas 4ª, e 10ª sílabas:
"Flor amorosa de três raças tristes".
(Bilac)

Este último é o decassílabo "sáfico", assim denominado por ser do tipo métrico praticado, de início, pela poetisa grega Safo (Lesbos, 625-580 antes de Cristo), juntamente com Alceu e Anacreonte. O esquema foi imitado por Catulo, Horácio, Sêneca e Prudêncio.
Safo escreveu nove livros de poemas de amor, os mais célebres da Antiguidade, dos quais, porém, só restam 650 versos.

O ritmo do decassílabo é dos mais variados, sendo que, das 28 possibilidades mais constantes, 15 apresentam acentuação na 6ª sílaba.
Os decassílabos heróico e sáfico podem ser combinados dentro de uma estrofe. É esta uma das pouquíssimas licenças que a tradição clássica ensejou aos poetas, inclusive sonetistas.
Houve e, por vezes, ainda há, poetas adotando uma variante capenga" e dissonora do decassílabo, com acentos nas 4ª , 7ª e 10ª sílabas. É o chamado metro ou verso provençal, que, segundo entendemos, não mais deve ser aceito, pelo menos em nossa língua tão maviosa.


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0 verso de "doze" sílabas, em voga também em Portugal e no Brasil, chama-se alexandrino, ou francês. Francês, porque entre os franceses é ele o "heróico", como o de dez sílabas o tem sido em Portugal, Espanha e Itália, e como entre os Latinos e Gregos o fora o hexâmetro. Pela sua própria natureza, as línguas anglo-germânicas nunca o empregaram com êxito. E alexandrino, porque ligado historicamente ao poema "Roman d'Alexandre", começado no século XII pelo poeta francês Lambert, "o Torto", e continuado pelo trovador normando Alexandre de Bernay, ainda no século XII, ou princípio do século XIII.  O poema (um dos romances do ciclo de Alexandre, o Grande) foi feito nesse metro, que é, assim, de origem francesa.

É composto de dois versos de seis sílabas, com ou sem sentido completo (hemistíquios), que formam o alexandrino clássico. É diemétrico, segundo preceitua Boileau. Este é o alexandrino primitivo e tradicional.

A propósito, diz Marques da Cruz:
"Deve haver nos versos alexandrinos a separação de dois hemistíquios, isto é, deve o verso desdobrar-se em dois de 6 sílabas.
O ponto de ligação do primeiro verso com o segundo chama-se cesura".

Quando o primeiro verso hexassilábico termina por uma palavra grave (paroxítona) — sendo vogal a última letra — a primeira palavra do segundo verso deve começar, também, por vogal ou consoante muda, como o h, para que haja elisão (cesura); quando a última palavra do primeiro verso é aguda (oxítona), claro que a primeira do segundo verso pode, indiferentemente, começar por qualquer letra, vogal ou consoante, não havendo, portanto, cesura:

Exemplo do primeiro caso:
"Manhã de junho ardente. Uma encosta escalvada...”
(Guerra Junqueiro)

Exemplo do segundo caso:
“Eu era mudo e só na rocha de granito".
(Guerra Junqueiro)

Acrescentamos que o alexandrino, com seus dois hemistíquios, pode oferecer outras variações, como:

a)                     acentos fortes nas 3ª, 6ª, 9ª e 12ª sílabas:
"Tecem poemas de mel na colméia dourada".
(Olegário Mariano)

b)                 dois versos de três sílabas e um de seis, completando-se os acentos fortes nas 10ª e   12ª sílabas:
"Este vento que vem numa corrida estranha".
(Olegário Mariano)

c)              seis versos de duas sílabas:
"Em cinza, em crepe, em fumo, em sonho, em noite, em nada".
(Olavo Bilac)

Obviamente, a última palavra do primeiro verso nunca pode ser esdrúxula (proparoxítona), pois, assim acontecendo, o segundo verso não terá 6 sílabas.
Na sua "História da Literatura Realista", Fidelino Figueiredo diz:
"Verso extenso, de um caráter retumbante e épico, o metro alexandrino contém todos os recursos para a expressão de sentimentos exaltados, para as imagens arrojadas, para as idéias imprecisas, mas violentas, para a adjetivação superabundante, ousada até à extravagância".

José Oiticica achava o molde alexandrino "rico e plástico", "fúlgido e orquestral".

Certa vez, lembra Marques da Cruz, disseram a Castilho:
"Se o verso alexandrino se compõe de dois versos de 6 sílabas, então não é preciso fazer alexandrinos; basta fazer versos de 6 sílabas".
Castilho respondeu:
"É verdade, mas o alexandrino tem mais imponência, mais brilho. Assim, quando temos muita sede, preferimos beber um só copo grande de água a beber dois pequenos".


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Com o tempo, foram admitidos novos esquemas acentuais para os versos de doze sílabas.
Como exemplo mais frisante, citamos, sem serem alexandrinos autênticos, os dodecassílabos divididos em três versos de quatro sílabas, com acentos fortes nas 4ª, 8ª e 12ª sílabas (trimétricos):
"Antes a morte que este horrível calabouço".
(Raimundo Correia)

Essa modalidade de verso de doze sílabas, erradamente chamado alexandrino moderno, foi apresentada primeira vez por Henri de Régnier (1864-1936), escritor e acadêmico francês, grande entusiasta da escola "simbolista". Aliás, nesta escola conseguiu Régnier introduzir o que ela podia conter da arte "parnasiana".
Muitos poetas os misturam com os alexandrinos clássicos, num mesmo poema, proporcionando, talvez, maior colorido ao ritmo.
Mas, nesse caso, é aconselhável, também, uma 6ª  sílaba relativamente forte (palavra paroxítona, para ajudar a cesura, ou oxítona, sem cesura), a fim de fazer valer, embora sem o mesmo brilho, uma sutil presença dos dois hemistíquios:
Na primeira alternativa:
"Curva-se o mar rugindo ao peso dos navios".
(Olavo Bilac)

E na segunda alternativa:
"Sou raio e beijo, ardor e alívio, águia e cordeiro".
(Olavo Bilac)

Se o poema for composto apenas de dodecassílabos, com acentos nas 4ª, e 12ª sílabas, não há, a rigor, o problema da 6ª sílaba. Não será, entretanto, um poema de versos alexandrinos, não será um "soneto alexandrino". Será, tão-somente, um poema em dodecassílabos.

Finalmente, existem, segundo registra Murilo Araujo, os chamados alexandrinos espanhóis, que são formados de dois versos de 6 sílabas. mas sem a cesura após a   sílaba do primeiro verso. Nesse caso, o verso inteiro não tem apenas 12 sílabas. Tem, não raro, 13 e mesmo 14 sílabas. A última palavra do 1º verso pode ser até esdrúxula (proparoxítona). Evidentemente, não se trata de alexandrino clássico.
Exemplos:
"Revolve-lhe as entranhas o pescoço do abutre"
(Castro Alves)
"É noite! o céu arreia-se de estrelas luminosas".
(Raimundo Corrêa)







(Das páginas 159 a 163 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto", de Vasco de Castro Lima)






8 comentários:

  1. EXCELENTE EXPLICAÇÃO, POIS HOJE EM DIA, AS PESSOAS DE SE AUTO-DENOMINA POETA E NÃO SABE NADA DE POEMA. PARABÉNS.

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  2. Safo não escreveu em decassillabo safico; está errado. Os metros gregos e latinos eram diferentes do nosso.
    O decassilabo provençal não é quebrado, só é ternario.

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  3. É doloroso folhear alguns textos de escritores, que equivocadamente, ou até mesmo por decisão pessoal, desprezam as regras fixas e inalteráveis da métrica poética, tão somente pelo fato de rimarem(assonância), alegando, que esse rigorosismo, foi-se com os grandes vates do passado. Para mim a construção de sonetos, trovas, glosas e cordéis, só seriam validados como tal, se e somente se, obedecerem às normas espécificas para a sua criação.

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  4. * soneto em versos alexandrinos:

    LIBERDADE

    A Liberdade, audaz, nos vãos se enlaça e assoma,
    nascida na aridez, verdeja em solo bruto;
    resvala a correção na sorte de um minuto,
    feito o jasmim em flor, esplende o seu aroma.

    Entre clarões e breus, a Liberdade soma
    a audácia e a livre voz ao templo devoluto;
    o Bem elementar, de esplêndido atributo,
    infla-se em destemor, sem glosas ou redoma.

    Bendita das nações e lábaro dos povos,
    revive no vigor do anelo que se expande
    nos velhos corações — também nos tenros, novos.

    Porém, direi ao fim, na queda do estandarte:
    — Ó Liberdade audaz, reviverás! És grande!...
    Mas o homem matará com sede de encontrar-te!...

    ——— Geisa Alves ———

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  5. * soneto alexandrino moderno com pés tripeônicos de quarta, ou seja, tônicas nas sílabas: 4ª, 8ª e 12ª — verso trimétrico:



    Do pó viemos e haveremos de voltar
    porque na essência somos todos sempre iguais.
    Se Deus nos molda como um barro singular,
    é a mesma argila que nos faz sermos mortais.

    É uma ilusão que alimentamos por pensar
    que cada um tenha ou ostente dons especiais.
    É bem verdade: cada um tem o seu lugar
    — que, se hoje é seu, num amanhã, não será mais.

    E se ficamos na soberba a ruminar,
    esse prazer é uma alegria bem fugaz...
    — nos endeusamos e subimos num altar

    que vai ao chão tão logo a morte venha atrás.
    Perante Deus, que vida veio a nos soprar,
    seremos pó, somente pó e nada mais.

    ——— Faria Jr. ———

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  6. * soneto inglês c/ verso alexandrino em tetrâmetro anapéstico (tetranapéstico) — sílabas tônicas: 3ª, 6ª, 9ª e 12ª sílabas:

    RENASCIMENTO

    Já cansei de chorar. Hoje eu quero algo mais...
    — ir além, muito além do que o verso me alcança...
    Como quem vence o mar, silencio meus ais.
    Já não sou meu refém — tenho a paz por herança!...

    Fui teimoso — ora, eu sei, ao fechar meu ouvido
    aos amigos e irmãos que queriam meu bem.
    Assumia-me rei e sentia-me ungido;
    e, ao reter minhas mãos, eu pensava: "nem vem!"...

    Desta vida que está renascendo em meu peito,
    é preciso ter fé, mais amor, paciência...
    Dela, às vezes, não dá p'ra sentir logo o efeito,
    mas prossigo de pé, na humildade e prudência.

    Há, quem sabe, um sinal de que brilha uma luz
    que premia, afinal, quem merece e faz jus...

    ——— A. Fiore ———

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  7. PAZ

    Esvai-se, devagar, o dia solitário
    e, sem sofreguidão, a minha paz degusto.
    Não há temor ou dor, não há tristeza ou susto
    — apenas o correr da vida e seu fadário.

    Do sonho que sonhei em meu viver primário,
    colhi o fruto bom, às vezes de alto custo;
    no entanto, percebi valor excelso e justo
    quando da vida eu fiz altar e santuário.

    Nas santas mãos de Deus deitei as esperanças,
    em cálices de fé sorvi as minhas dores,
    e o rito da oração tornou as horas mansas.

    Esvai-se, devagar, a minha primavera.
    Mas guardo, com fervor, os votos precursores
    e em Deus reconheci o Amor que ao Mal supera!

    ——— Geisa Alves ———

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  8. A VERDADEIRA HUMILDADE
    (Luciano Dídimo)

    De todas as virtudes que buscamos,
    merece a humildade distinção.
    É o fruto mais maduro da oração,
    que leva à santidade que galgamos.

    Humildes somos quando duvidamos
    que possa haver virtude em nossa ação,
    e quando sem qualquer hesitação,
    virtudes que há nos outros, encontramos.

    É humilde quem aceita a pequenez
    diante da grandeza do Senhor,
    que, frágil, quis nascer, por Sua vez.

    Não pode haver amor sem humildade,
    não há quem seja humilde sem amor.
    É humilde quem caminha na verdade!

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