VENDAVAL
Carmo
Vasconcelos
Entre
nós existia um espesso véu,
crivado
de poentes e de estrelas,
adormecidos
sóis, exangues velas,
bailando
em nossos sonhos de Morpheu.
Mas
eis que um vendaval rompeu no céu,
arrombou-nos
as portas e janelas,
nos
tectos, sangue quente pintou telas,
e
roto o véu, tombei no peito teu.
E
agora, entontecida, meio atordoada,
não
sei dizer, amor, s’estou acordada
ou
se me imolo em chamas de paixão…
Só
sei que morro em vida, coração,
vagando
à toa, qual nave desnorteada,
até
me resgatares por tua mão!
DE
MENINA A MULHER
Carmo
Vasconcelos
De
menina-botão a mulher-flor,
desabrochaste
por decretos santos,
de
irisado matiz hauriste a cor,
e
ornada de asas, redobraste encantos.
Avezinha
sagaz, voando em espantos,
o
mundo descobriste ao teu redor,
pisaste
o vale, alçaste a picos tantos,
e
elegeste o meio-céu, teu corredor.
Não
quiseste ser águia lá na altura,
nem
pássaro na pedra enlodaçada,
assisada,
pairaste na planura.
De
lá emanas trinados de doçura,
mater
do amor, vestal no céu talhada,
Ave-Mulher,
plasmada de ternura!
MEU
REI
Carmo
Vasconcelos
Num
dia em que o cinzento se fez cor,
amargurada
e só, pedi aos céus
que
relevasse, enfim, pecados meus
e
me trouxesse um deus de carne e amor.
E
a Providência, sábia em seu rigor,
logo,
por entre crentes e ateus,
se
pôs a procurar por esse deus
rogado
em minha prece com ardor.
Então,
me trouxe um rei, nu, despojado,
que
fez de mim rainha da ventura,
p’ra
além do que sonhou minha procura.
E
agora, em minhas preces agradeço,
e
em jubilosas lágrimas eu peço
que
eu seja do meu rei final reinado!
NÃO
CHORES, POESIA!
Carmo
Vasconcelos
Não
chores, poesia, minhas ausências,
se
na tristeza em lágrimas te deixo…
Porque
breve é meu aparto e meu desleixo
na
urgência de abraçar outras carências.
São
desta vida esparsa as contingências,
que
me afastam de ti, divinal eixo,
levando-me
a rolar, inquieto seixo,
por
areias rendilhadas de envolvências.
Mas
sempre volto, amada flor, e ajoelho
com
alma de menina arrependida,
a
pôr-te aos pés meus versos de amor velho.
E
tu serás, das flores mais dilectas,
a
eleita que levada na partida,
hei-de
plantar no azul astral dos poetas!
QUE
IMPORTA?...
Carmo
Vasconcelos
Que
importa os tempos negros já passados,
os
foscos dias, sem sol ou réstia dele…
Se
com lágrimas foram já lavados
e
em versos sepultados no papel?
Que
importa os ais, sustidos, engasgados,
os
arrepios revoltos pela pele,
se
todos se aplacaram desbastados
p’la
douta lei da vida e seu cinzel?
Perfeita
a mão da sábia natureza
que
nos modela ao traço estrutural
que
exige pormos n’ alma mais nobreza;
passo
a passo na viagem oscilante,
polirmos
nosso cerne existencial,
e
a pedra lapidarmos em diamante!
AMARGO-DOCE
Carmo
Vasconcelos
Fazes-me
tanta falta, meu amor!…
Como
o vento que enfuna a lassa vela,
o
leme que impulsiona a caravela,
o
estio que o fruto emprenha de calor!
Sem
ti a noite despede o seu fulgor,
e
eu fico cega ao breu desta janela,
se
não me chega o teu brilhar de estrela,
fúlgida
luz que ofusca a minha dor…
A
dor de não poder aconchegar-me
no
teu peito… teus dedos a afagar-me,
e
o fogo do teu corpo ao meu colado.
E
é como amargo-doce este licor,
de
amar-te a conta-gotas mal contado,
em
doses homeopáticas de amor!
A
LÁGRIMA
Carmo
Vasconcelos
Não
sei por que uma lágrima rolou,
teimosa
e repentina plo meu rosto,
se
na minha alma mora um sol de agosto
e
no meu peito um amor que despontou…
Por
que tal emoção me transtornou
tal
uma iluminura de sol-posto?
Se
em vez de partitura de desgosto,
foi
um concerto de anjos que chegou…
E
nesse acorde de harpas promissor,
foi
como o mundo então rodasse em cor,
alagando
os meus olhos por te ter…
E
a lágrima incontida transbordou,
e
de ânsias liquefeita deslizou,
buscando
os beijos teus para a sorver!
IMITAÇÃO
DO AMOR
Carmo
Vasconcelos
“Crescei e multiplicai-vos”
(Bíblia – Gen. 1.28)
Por
que endeusar suposto amor feito inconcreto,
quando
distante, sem carícia, beijo ou mão,
não
satisfaz o nosso amante coração,
se
na lonjura morre o amor por incompleto?
Manter,
assim, a imitação de um vero afecto,
ausente
o pele-a-pele, erótica emoção,
é
demitir-se da sensual lei da atracção
que
nos conduz ao verdadeiro par dilecto.
É
caminhar em vão na fosca irrealidade,
que
a carne não se compadece em divindade
nem
santifica a condição de seus apelos…
Requer
a nossa humanidade, firmar elos
gratificantes
de alma e corpo, em dualidade,
que
a Lei de Deus desdiz o amor em castidade!
MUSA
AMADA
Carmo
Vasconcelos
Por
que me tentas ora que estou cheia
do
verde dia que a minha mente enrama
–
tecedura da vida que me chama
aos
elos da terrena e crucial teia?
Acerta
o teu relógio, musa amada,
que
de versos agora estou vazia,
não
te marquei encontro, poesia,
espera-me
logo à noite enluarada!
Preciso
se me faz beijo de estrelas;
abraço
do universo que me inspira;
astros
a copular co’a minha lira!
Se
extasiada me vires p’las janelas,
vem
então, musa amada, meiga e nua,
e
ao teu toque d’amor me farei tua!
DESESPERO
Carmo
Vasconcelos
Se
soubesses, amor, do desespero
quando
te vais, perdido na distância…
De
saudade e desejo me exaspero,
me
contorço e sucumbo, morro de ânsia.
Só
revivo, depois, porque te espero,
e
trémula ao vibrar dessa inconstância,
sonho
beber-te ao muito que te quero
como
licor de erótica fragrância.
E
quando nos teus braços me dominas,
me
entrego como ré de vis pecados,
gozando
a penitência que me ensinas:
De
joelhos, mãos e língua dançarinas,
escrever
plo teu corpo mil recados;
juras
de amor eterno em nossas sinas!
CONSPIRAÇÃO…
Carmo
Vasconcelos
Nos
meandros do caminho a encruzilhada…
O
escuro, a indecisão, qual a passagem?
Desses
tantos caminhos qual a estrada,
que
há-de levar ao prémio pla coragem?
Eis
que dois cegos cruzam as pegadas,
mendigos
sós, exaustos pela viagem,
a
quem os golpes mil nas caminhadas
cegaram
para a fé numa viragem.
Porém,
o sábio Cosmos conspirou,
num
elo indestrutível os juntou,
fazendo
dela amante ao seu senhor!
Se
iluminou de vez a encruzilhada!
Não
mais serão dois cegos na jornada
nem
dois mendigos esmolando amor!
RECONSTRUINDO
PONTES
Carmo
Vasconcelos
Derrubem-se
as paredes orgulhosas,
erigidas
na raiva dos repentes,
triturem-se
os tijolos insolentes
e
as pedras de arremesso, belicosas!
E
desfeitos os muros corrompidos,
reconstruam-se
pontes migratórias
que
resgatem afectos e memórias,
em
águas rancorosas imergidos!
Retome-se
a palavra naufragada,
recolham-se
os abraços afundados,
desafoguem-se
os réus por nós julgados,
e
a travessia da paz faz-se alcançada!
Que
a morte espreita e surge inesperada,
e
o que sabemos dela é quase nada!
MEU
CÂNTICO DE AMOR
Carmo
Vasconcelos
Fosse
eu um rouxinol te cantaria,
embevecida,
em meus trinados belos,
a
mais alegre e excelsa melodia
que
houvera, a festejar os nossos elos.
Porém,
me falta a voz, pla idolatria
à
resposta encontrada aos meus apelos,
que
mágica ou divina se diria,
plos
dons que nem ousava concebê-los.
E
é tanta a festa a estrelejar no peito
que
abafa qualquer hino de emoção,
sufocados
a voz e o coração.
E
o meu canto de amor assim calado,
explode
no teu corpo ao ser beijado
plas
notas que componho em nosso leito!
EXIGUIDADE
Carmo
Vasconcelos
Avaras
as palavras se oferecem
quando
toca, profundo, o sentimento,
é
como traduzir sem luzimento
os
êxtases sublimes que encandecem.
De
pronto oferecidas, desmerecem
a
grandeza de um mágico momento
de
luz, felicidade e encantamento,
e
só mui raramente o enobrecem.
Exíguas,
as palavras transfiguram
apenas
como sombras ofuscantes
as
feéricas volúpias dos amantes…
E
assim, nos martirizam, nos torturam,
plo
verbo que parece nada ser
e
é tudo nas delícias de o viver!
A
VOZ DA PRIMAVERA
Carmo
Vasconcelos
Já
vão partindo as noites invernosas,
os
dias tristes de humores enevoados,
degelam
as correntes caudalosas,
furam
a terra os brotos encubados.
Regressam
andorinhas migratórias,
os
céus revestem mantos de esplendor,
ao
Pai Celeste sobem oratórias,
das
aves em seus cantos de louvor!
É
a nova Primavera a despontar,
que,
sem palavras, vem pra nos dizer,
da
natureza, o eterno renovar,
que
da aparente morte há renascer!
Ouça-se
dela a fala da razão!
-
Que a morte é só… da vida uma estação!
A
BAILARINA
Carmo
Vasconcelos
Ela
é do sonho a maga fada, a Melusina,
a
que requebra, se contorce, a que se esgarça,
p’ra
ser no palco a fulgurante serpentina
que
sobe aos cumes e de arco-íris se disfarça.
Nela
há silêncios, paz serena, olhar de garça,
surdos
rumores de algodão e musselina,
quiçá
de um vate a suavidade de uma esparsa,
ou
de Pierrot segredo e beijo a Columbina.
Oculta
mora em toda a diva bailarina
uma
alma eleita pelos céus encomendada
de
neste chão terreno alçar aura divina.
Trouxe
do Além as asas de anjo e de vestal,
na
fronte a luz da divindade reencarnada,
e
nos alados pés, a sina de imortal!
O
RENASCER DE UM SONHO
Carmo
Vasconcelos
O
meu sonho era imenso, desmedido,
uma
ave de papel, uma aguarela,
um
papagaio que ao sol, desvanecido,
ia
morrendo nas cores da sua tela.
Porém,
a verde guita, ora amarela,
sumida
a pouco e pouco, o fio torcido,
inda
o prendia em fiapos pela ourela,
como
um fruto pendente, amolecido.
Mas
em prece silente ao coração,
a
sombra do sonhado resistia,
tal
qual um moribundo em oração.
Foi
quando um santo mestre que o ouvia
repôs-lhe
os tons do amor co'a própria mão
e
o sonho renasceu dessa utopia!
NOVA
ERA
Carmo
Vasconcelos
Houve
um insano tempo de loucura,
de
experiência, fuga e devaneio,
paixões
fugazes, fúteis e sem freio,
inúteis
e mescladas de amargura.
Nada
alcançava a íntima procura,
nada
bastava ao meu profundo anseio,
que
disfarçava em versos de entremeio
espalhados
p’los cantos da lonjura.
Foi
longo o tempo d’alma agreste e frio
quando
o meu coração triste e vazio
suspirava
por vero e terno amor…
Contigo,
enfim, cessou a minha espera,
trouxeste
luz, estrelas, primavera,
e
eu me deleito agora ao teu calor!
BRILHO
E FETICHES
Carmo
Vasconcelos
Não
quis tentar-te com meus trajes sedutores,
pintar
a tez com a pomada dos enganos,
nem
dar aos olhos coloridos turbadores,
sujar
meus lábios de carmins, quiçá, profanos.
Nem
do perfume preferido me espargi
p’ra
não dopar-te num aroma afrodisíaco,
símil
a mim mesma, segura, me vesti,
só
meu profundo amor luzia, paradisíaco.
Nua
de disfarces, a minh’alma te mostrei,
para
que amasses, não o frasco mas a essência,
o
néctar, nu da falsidade da apetência.
Brilho
e fetiches de coquete resguardei,
p’ra
nossos íntimos momentos mais ousados,
que
ambos queremos numa alcova de pecados!
AMOR
Carmo
Vasconcelos
(1º Prémio do Concurso Internacional de Poesia do MUC,
Maio 2014 - tema "Amor")
Amor
é um poliedro imensurável,
em
cujas mil facetas moram mundos
de
sentimentos vários e profundos,
misto
de sensações, cerne impalpável.
Tão
breve é salvação como perigo,
ora
certeza pura, inquestionável,
ora
dúvida amarga, insustentável,
tranquilidade,
quando amor amigo.
Amor-paixão
retrata turbulência,
se
maternal, doçura e paciência,
se
apego ao transitório, veleidade…
Amar
a todo próximo é premência,
seguindo
a Supra e Divinal querência
que
prega Amor Total p’la Humanidade!
SINTONIA
Carmo
Vasconcelos
Hoje,
de mão na mão, nos completamos
assim
como se casam noite e dia;
se
enlaçam terra e céu em sintonia;
namora
a luz com o ar que respiramos.
Tal
como o mar e a espuma nos ligamos,
vogando
na maré calma ou bravia,
amando
quer no estio ou na invernia
do
tempo que ora juntos navegamos.
Somos
na Natureza caminhantes,
seguindo
a par seus doutos elementos
que,
sábios, sempre alternam inconstantes.
E
também nós, amor, nossos instantes
temperamos
com doce na acidez
e
mudamos o gelo em calidez!
PROMESSA
Carmo
Vasconcelos
Como
filha dilecta desejada,
aninhou-se
em meu ventre a poesia,
semente
imersa em leito de magia
fez-se
desperta em mim numa alvorada.
Auréola
fascinante, ensolarada,
me
envolve agora a mente a cada dia,
sangue
que pulsa a par da idolatria
pela
bênção divina em mim gerada.
Mas
se me enleia o dia, pródigo de encanto,
a
noite me seduz e me extasia
ao
pousar nos meus dedos, p'ra meu espanto,
o
verso eleito e puro, de halo santo,
dom
sublime que orando aos céus prometo
vestir
de luz com brilhos de soneto!
MEU
NOVO AMOR
Carmo
Vasconcelos
Chegas-me
de surpresa neste Inverno!
Como
me adivinhaste assim tão só,
mordendo
da saudade o amargo pó,
roçando
o cio nas grades deste inferno?
Quem
te mandou?… Demónio ou zelo de anjos?...
Trazes
néctar dos deuses nos teus beijos,
no
mel da voz, hipnóticos arpejos,
mescla
de harpas e cítaras com banjos!
Mas…
não sei se te quero ou mando embora,
se
me entrelaço ao róseo desta aurora
ou
se me acolho às sombras do poente…
Somar
bisado arco-íris na memória,
dos
tais que chuva intrusa rouba a glória?…
–
Não sei, meu novo amor, sinceramente!
MEU
LUGAR
Carmo
Vasconcelos
O
meu lugar cativo está no Além,
que
este daqui, por marco provisório,
tem
seu tempo marcado, transitório,
é
morada perpétua de ninguém.
Estamos
de passagem, mas porém,
não
é caminho vão, de todo inglório,
pois
se revela p'ra alma sanatório
de
erros passados - carma que detém.
Na
breve estada cabe-nos saldar
o
"deve" e "haver" de vidas mal vividas
na
displicência própria dos infantes;
sair
da senda dos ignorantes,
crescer
na luz das chances concedidas,
p'ra
ganharmos, enfim, "nosso lugar".
ESTRELA-GUIA
(Aos meus filhos)
Carmo
Vasconcelos
Quando
um dia, filhos meus, eu vos deixar,
Não
chorem por meu corpo já cansado,
Que
já não pode ter-vos ao cuidado,
Se
é tempo de partir e descansar.
Revejam-me
no céu, já estrela-guia,
Que
do alto vos protege e por vós zela,
Seguindo
vossos passos, sentinela,
A
adoçar-vos a mágoa que angustia.
Espalhem
minhas cinzas pelo mar,
Que
sempre vossos pés virei beijar,
Em
ondas segredantes de carinho.
E
em seus murmúrios, hão-de ouvir, baixinho,
Vindo
da profundeza dos corais,
Que
zelo e amor de mãe são imortais!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBlogger Sonia Palma disse...
ResponderExcluirCarmo Vasconcelos, passei por aqui para ler seus sonetos e eles só me confirmaram mais uma vez a grande poetisa que você é.
Todos maravilhosos!
Me encantei com os que você descreve seu vínculo de amor pela poesia.
Certamente visitarei as páginas de outros autores.
Grande beijo desde a Inglaterra!
20 de março de 2017 07:28