Ângela Eveline Santos

Ângela Eveline (Barreto Mendonça) Santos
Recreio, MG, 1953
(vive em Juiz de Fora/MG desde os 2 anos de idade) 



ALEGRE CORAÇÃO DESCRENTE
Ângela Eveline Santos

O meu alegre coração descrente
não tem uma atitude irrefletida.
Esquece e passa. Vive, simplesmente,
na sua torre de marfim perdida.

Se a réplica ferina do insolente
fá-lo sofrer no turbilhão da vida,
sorri e, em seu sorriso indiferente,
transforma num escárnio a dor sentida.

O mundo é vão. Se nele alcança a glória
o adulador servil da nobre escória
que pela insídia reina soberana,

o meu alegre coração bem sabe
que reis, truões, mendigos, tudo cabe
na pequenez da sepultura humana.



ALÉM DA SEPULTURA
Ângela Eveline Santos

Se outrora, no princípio, a morte foi tirana
no tenebroso caos de treva e desventura,
venceu-lhe a Onipotência a força desumana
e a treva fez-se luz na constelada altura.

Quando renasce, bela, a aurora soberana,
sinto que a vida existe além da sepultura
e, acorrentada à carne, espera e não se engana,
quando pressente a paz que sôfrega procura.

Se do profundo caos ergueu-se o firmamento,
não pode ser o fim o eterno esquecimento
de tudo o que sofri e amei pelas alfombras.

E sinto, ó Divindade, a farsa que seria
a esplêndida Criação, se retornasse um dia
ao primitivo caos dos pantanais em sombras.



AMAR
Ângela Eveline Santos

Nas suaves cores da inocente face
eu amo a vida alegre que floresce!
E mais feliz seria se findasse
a íntima dor de tudo que padece.

Eu amo o ser que luta pela messe
sem que jamais sua fé ele negasse!
E imploro à Divindade em cada prece
que o mundo tenha a paz por santo enlace.

Desejo amar, amar perenemente
todo infeliz e todo penitente,
amenizando a dor do sofredor.

Eu quero amar à luz do claro dia,
lutar pelo reinado da harmonia
e não sentir vergonha desse amor.



AMOR TRANSFIGURADO EM FLORES
Ângela Eveline Santos

Como é sublime ver a Primavera
quando de flores se recama o prado!
A vida em tudo ri, em tudo impera:
no ser, na flor, no céu transfigurado.

Tudo ressurge e canta e prelibera,
desde o vergel ao páramo estrelado,
como se maga essência em tudo houvera
a inspiração de um gênio despertado!

E vejo a própria Terra estar sonhando:
versos que a luz compõe feito de cores,
quadros que a mão do amor vai desenhando...

Então floresce da alma mil louvores
e fico à luz da tarde contemplando
o doce amor transfigurado em flores!...



BUSCA
Ângela Eveline Santos

Das astrais harmonias misteriosas
o princípio da vida flui silente
e tu, Senhor das brancas nebulosas,
onde estás na amplidão resplandecente?

Eu busco a luz de terras mais formosas
onde o ser se eterniza transcendente.
Que é do perdão? Das plagas venturosas
onde ninguém mais sofre a dor pungente?

Eu quero te alcançar em pensamento,
não posso mais viver neste tormento,
buscando os Páramos Celestiais!

O negro véu que cinge o teu altar
rompe-o co’a luz e deixa-me fitar
o templo das Verdades imortais!



CÁLIDA BONANÇA
Ângela Eveline Santos

Amando, espero... Pouco mais existe
nas areias silentes do deserto;
pela aridez deste caminho incerto
creio que tudo só no amor consiste.

Porque do amor o santo pálio aberto
é abençoado oásis para o triste
e sei que nada mais no mundo existe
que nos console sempre tão de perto.

O tempo tudo mata e tudo esquece...
Mas meu sonho de amor vive e floresce
e a vida desse sonho se alimenta

porque o amor é cálida bonança
que torna os dias plenos de esperança,
aliviando um pouco esta tormenta.



CAOS DE CONCLUSÕES
Ângela Eveline Santos

Esta satânica Filosofia,
endeusando a matéria corrompida,
espalha a dor na sua tirania
e ri, sorriso irônico e sem vida.

E aquele sonhador na morte via
sua esperança divagar perdida,
ficando ali, parado em noite fria,
a olhar a sepultura indefinida.

Na solidão profunda em que vivia,
a sábia argúcia da Filosofia
deixara-lhe num caos de conclusões...

Somente uma esperança desmedida
que além da morte prometia a vida
deu-lhe uns farrapos de consolações.



CÁRCERE DA VIDA
Ângela Eveline Santos

De que vale partir se nas entranhas
levas os germes de inefáveis dores?
Se a vida sob o céu de outras montanhas
é a mesma serpe que se oculta em flores?

De que vale partir como os condores
para fugir das desumanas sanhas,
se para a mágoa, a dor dos sofredores,
jamais existirão terras estranhas?

O que me punge sempre é ter sentido
que tudo, em toda parte, tem sofrido
os grilhões do infortúnio indiferente.

E o que é mais vil? É o cárcere da vida
e a dor em nosso peito reprimida
que faz de pedra o coração da gente.



CONTRASTE TRAGICÔMICO
Ângela Eveline Santos

Ó malfadada liberdade humana,
o fel manchou-te o cálice sagrado!...
Se um dia foste pura e soberana,
hoje és espectro em dor supliciado.

Quanta utopia no ideal sonhado
e que desilusão às vezes mana
ao ver o ser humano escravizado
à vilania da ambição tirana!...

Por liberdade a humanidade clama
e, alienada, espoja-se na lama
dos pantanais de sangue derramado.

Contraste tragicômico da vida...
Ser livre após a luta fratricida
é ser eternamente um condenado.



CONTRASTE
Ângela Eveline Santos

No âmago dos bosques penumbrosos,
a solidão parece que tem vida
e a lua, sobre o lago refletida,
de luz compõe harpejos harmoniosos.

Pela amplidão, em salmos amorosos,
sussurra a brisa numa voz sentida
e a natureza escuta enternecida
os cânticos dos astros luminosos.

Mas na beleza existe sofrimento...
Senhor, tudo se perde num lamento
dentro deste contraste que intimida!...

E ao lembrar-me de vós crucificado
vejo na névoa imensa do passado
a ironia satânica da vida.



DOCE AMOR
Ângela Eveline Santos

Em fascinantes noites silenciosas,
as cintilantes luzes se espargindo
clareiam tredas sombras misteriosas
para deixar que o amor seja bem vindo.

Em tardes e manhãs maravilhosas,
as flores dos meus sonhos vão se abrindo
e imploro ao Deus das plagas luminosas
que sempre o doce amor eu vá sentindo.

Desejo amar em paz, sem sofrimento,
que não pode existir o amor tormento
para as serenas almas sonhadoras.

Se a vida sofre sobre um mar de escolhos,
que nunca o amor precise ter abrolhos,
que seja flor e luz confortadoras.



DUAS ALMAS
Ângela Eveline Santos

Quisera amenizar-te os desalentos
no cárcere onde a vida nos tortura.
Debalde sonho... Um dia os sofrimentos
hão de levar-te à porta a desventura.

Quisera dar-te cálidos momentos
de paz e amor, de sonho e de ternura
e, sob a luz de novos pensamentos,
fazer de cada mágoa uma ventura.

Mas como sofres, sofro suplicante
e olhando, humilde, o azul do céu distante
sonho existir um mundo mais bendito

e penso ver nas noites estreladas
as nossas duas almas abraçadas
nos siderais espaços do Infinito...



ETERNO GRACEJAR
Ângela Eveline Santos

A dor, em seu eterno gracejar,
deixou-me a gargalhada pelo pranto.
Por isso não te iludas pois do canto
fiz outro modo alegre de chorar.

Quando não pude as dores suavizar,
fiz do sorriso um íntimo acalanto
e agora, num contraste sacrossanto,
sorrio não podendo soluçar.

Na lágrima escondida na risada,
sinto a grotesca e humana mascarada
que espera flores cultivando abrolhos.

Não chores nunca e esquece o pessimismo
que o mais sublime e humano vandalismo
é gargalhar com lágrimas nos olhos.



ILOGISMO
Ângela Eveline Santos

Se vê da aurora a luz alabastrina
fulgurando no esplêndido nascente,
indaga o coração: “Que mão divina
venceu do nada o espectro inclemente?”

A vida, o amor, a estrela diamantina
na beleza do espaço resplendente
fala ao profeta e ao humano sábio ensina
que a luz venceu a sombra repelente.

O que era caos, agora é firmamento.
A sombra fez-se luz e o lodo vida
 vero ilogismo, só deslumbramento!

E pressente a minha alma desvalida
o ocaso ver de todo o sofrimento
e ser luz, e ser astro, e ser a vida!


IRONIA
Ângela Eveline Santos

Cantam as brisas doces elegias
e sofre um grego o sátiro destino...
Se alguém almeja a glória do Aventino,
que é feito do poder dos áureos dias?

No Egeu fulguram brancas ardentias...
Cai no Olimpo o luar alabastrino
e, nada respondendo Zeus divino,
ri-se o Fadário, além, nas penedias.

Dentro da noite, pelos céus dispersos,
de Píndaro flutuam suaves versos,
alados sons de cálida harmonia...

E olhando o grego, Zeus onipotente
a face augusta move, indiferente,
num divinal sorriso de ironia.



MATÉRIA
Ângela Eveline Santos

Matéria! Escrava eterna da agonia,
fugaz como uma sombra refletida...
És transitória e em breve apodrecida
desaparecerás na tumba fria.

Tens o prazer de amar em demasia
e ver da natureza colorida
a flor, a luz, o céu, o mar, a vida.
Mas certamente chegará teu dia.

O Eterno deu-te um sonho doloroso
para que sintas o estertor do gozo
que das entranhas do teu seio medra.

E a tua face esfíngica, marmórea,
deixa transparecer a tua história
no teu olhar estático de pedra.



MEDITANDO A MORTE
Ângela Eveline Santos

Com frágil coração incrédulo e deserto,
esperas, absorto, o término da vida.
Que resta do viver? Somente o sonho incerto
de não findar na tumba escura e indefinida.

Sentindo aproximar o instante da partida,
olhas para a existência um pouco mais liberto:
outrora foi a luta inglória da subida,
agora, pela frente, o abismo sempre aberto.

Do teu sonho fugaz ficaram-te os escombros
que pesam como cruz nos teus cansados ombros,
como se fora crime um sonho irrealizado.

E meditando a morte, à sombra do caminho,
vais como um condenado a soluçar baixinho,
sentindo dentro da alma a dor de ter sonhado...



MELHOR DOS MUNDOS
Ângela Eveline Santos

Embora a nívea luz dos céus distantes
renove no horizonte as alvoradas;
embora pelos campos verdejantes
floresçam velhas frondes desfolhadas;

embora as almas sonhem descuidadas
após terem sofrido a dor cruciante;
embora as noites fiquem consteladas
depois da tempestade fustigante,

neste melhor dos mundos concebidos
indiferentemente são punidos
o corpo do inocente e do culpado.

E sempre vejo, arfando de cansaço,
fundir-se o riso ardente do devasso
neste gemido do desamparado.



O MAL E O BEM
Ângela Eveline Santos

O mal e o bem, contraste doloroso...
O frio e a treva em face do que é luz,
o negro corvo em roseiral formoso,
o traidor aos pés da santa cruz...

O mal, razão do caos abominoso
a que a loucura humana se reduz...
O mal que certa vez, silencioso,
sacrificou o corpo de Jesus...

A sombra e a luz... o abismo e a nívea aurora...
da serpe o silvo e a cálida harmonia...
deserto tórrido e o frescor da flora...

O mal e o bem em luta cada dia,
a mesma luta sórdida que outrora
deixou banhada em lágrimas Maria.



POR QUE SERÁ?
Ângela Eveline Santos

Granito imenso, corpo não sensível,
liberto dos humanos sentimentos,
matéria que jamais os sofrimentos
hão de ferir no cataclismo horrível.

O próprio tempo julga-te invencível
na eterna luta contra os elementos;
livre das ilusões dos pensamentos
vives sem perceber, mudo, impassível.

Ah! Rocha! Quanto invejo este destino,
pois nunca sentirás o desatino
crestar-te o frio dorso sempre nu.

Matéria mais feliz, coisa esquecida,
por que será que quando entrei na vida
eu não nasci sem alma como tu?



PROCURA ESTÉRIL
Ângela Eveline Santos 

Em busca da divina claridade
a vida escreve, eterna sonhadora,
e espera retornar à Divindade
depois da solidão desoladora.

Nesta procura estéril da Verdade,
somente encontra a fúria aterradora
e o próprio Céu, a própria Eternidade,
é mística visão consoladora.

E enquanto desvanece tanto anseio
nas espirais do triste devaneio,
sem que jamais vislumbre a Eternidade,

a vida sofre, sofre e não alcança,
sentindo ser a última esperança
esta procura estéril da Verdade.



QUANDO EU MORRER...
Ângela Eveline Santos

Da Lira  incomparável, laureada,
suave se evola o incenso de mil cantos,
levando cada verso em revoada
pela magia mística de encantos.

É luar que afaga o verde da ramada,
o bálsamo das lágrimas dos santos...
É sonho que se muda em prece alada
e estanca a dor dos cristalinos prantos...

Quando eu morrer e à luz do claro estio
o corpo a sós quedar no leito frio,
longe do amor e da falaz ventura,

quero somente dentro da alma ouvi-la
vibrando harmoniosa além da argila
- astro a fulgir no véu da noite escura.



SINFONIA DE DOÇURAS
Ângela Eveline Santos

Oh!... Seu pudesse em harmonias puras
dizer-te o que minha alma anda sonhando;
se em claros sons vibrando de venturas
tudo eu pudesse te dizer compondo;

se em puros sons falasse das ternuras
que há muito tempo na alma estou guardando;
se numa sinfonia de doçuras
eu te dissesse quanto estou amando...

A música seria o amor vivido,
seria luz... a luz dos céus, querido,
que traz aos mundos o esplendor do dia...

seria um canto... um canto tão divino
que cada som vibrando cristalino
era uma nota da alma em harmonia...



SOLUÇAS, MAR?
Ângela Eveline Santos

Mar que soluças preso nas voragens,
mar descontente, eterno condenado
aos ímpetos dos ventos mais selvagens,
em cárceres terrenos algemado...

Teu grito, ó mar, clamor desesperado,
leva o indiferentismo das aragens,
depois se desvanece abandonado
nos âmagos sombrios das paisagens.

Vives assim, em ânsias, como vivo,
revolto em lutas a gemer cativo
na imensa vastidão das tuas plagas.

Soluças, mar? Debalde tu soluças
porque nas praias onde te debruças
ninguém entende o soluçar das vagas.



VELHA NAU DA VIDA
Ângela Eveline Santos

E a velha nau da vida continua
a sua antiga rota no destino
e pelo mar imenso onde flutua
há luz e sombra, paz e desatino.

É a ronda eterna sobre a vaga nua
que flui e morre neste mar divino
e, enquanto no convés a vida estua,
ao longe o céu de amor eu descortino.

E pelo mar revolto, vida e morte,
desesperadas, lutam contra a sorte
qual miserável ser amargo e aflito.

E a velha nau flutua noite e dia,
sem compreender na calma travessia
que existe, além, a Vida no Infinito.


3 comentários:

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  2. Obrigada, Regina Coeli, por tão precioso convite! Participar de "O Secular Soneto" ao lado de tantos poetas brasileiros, extraordinários sonetistas, é uma honra. Este é um Blog que faltava na Internet, tanto pela riqueza de informações sobre o Soneto como pela divulgação das obras dos poetas. Parabéns!

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  3. Parabéns pela belíssima iniciativa. Fico muito feliz de minha mãe, Ângela Santos, participar desse projeto.
    Luanda Santos

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