Estados Unidos


A literatura dos Estados Unidos, a exemplo do que aconteceu com os demais países da América, só pôde firmar-se depois de declarada (1776) e consolidadas (1783) a independência nacional. E, assim mesmo, como tributária do Romantismo europeu.

O escritor brasileiro Lopes Rodrigues escreveu estas palavras melancólicas:
"Os Estados Unidos da América do Norte constituem, no concerto dos países civilizados, a única nação que se fundou sem rimas. É o único país que nasceu e balbuciou sem música".

O mesmo pensamento, expendeu-o Ainsworth R. Spofford: 
"Os principais escritores deste período estavam interessados, não em formar uma literatura, mas em fundar uma nação".

Em 1820, Sidney Smith perguntava "se alguém já havia lido algum livro, visto uma pintura ou assistido a uma peça teatral, nos quatro cantos do mundo, oriundos dos Estados Unidos, trinta ou quarenta anos após a sua independência".

Os Estados Unidos se fizeram a maior organização humana, para isso contando com o maciço povoamento decorrente da emigração européia do século XIX; para isso importando sábios e mão-de-obra especializada; para isso elevando ao máximo a capacidade da produção, da indústria e da economia.

Fora de dúvida, tudo custou muita luta, muito sangue, muitos sacrifícios, muito estoicismo, muitas vicissitudes, que se transformaram em triunfos magníficos. De outro lado, entretanto, esqueceram-se de preparar uma literatura própria. Não tiveram um autêntico poeta da raça, um grande músico da raça, um grande artista, desses que constituem o orgulho imortal, a ufania perene de uma Pátria. Não tiveram um poeta à altura do seu berço e do seu desenvolvimento.

A grandiosidade, o poder, a força, não se criam, apenas, no clangor das audácias materiais. Formam-se, inclusive, no balouço musical das rimas. Também o poeta é um mensageiro da força. Ele, onde quer que exista, é, igualmente, um precursor dos rumos de seu povo.

O que houve nos sonhos, no ideal das antigas gerações norte-americanas foram marcantes êxitos materiais; pouca, ou quase nenhuma, influência das baladas de Chaucer, o pai da poesia inglesa. Muito progresso político; poucos trovadores normandos.

Sua civilização é, sim, uma energia ciclópica dentro da História; porém, não possui, lamentavelmente, a legítima expressão de uma alma.

Claro, a grande nação norte-americana conta, em sua literatura, com muitos poetas, mas precisava e deveria ter, para falar de seus feitos, um poeta que representasse, realmente, a sobranceira trajetória de sua vida. Não teve um arauto poético na formação político-social do país.

O próprio Edgard Allan Poe (1809-1849) foi um grande poeta; não, porém, um poeta norte-americano. E Lopes Rodrigues, ao lembrar este fato, acrescenta: — "Poe assinala a maior contradição psicológica da literatura norte-americana: do povo mais materialista do mundo, o poema mais alucinado da História: "The Raven" ("O Corvo")".

Walt Whitman (1819-1892) tem sido, ultimamente, o poeta norte-americano mais conhecido e divulgado em todo o mundo. Ele é citado como o representante de uma geração, mas a sua poesia não deu os frutos que dela se apregoam no sentido de formar novos talentos poéticos à altura da grandeza do país. E, ainda hoje, passado quase um século desde os dias que marcaram as atividades literárias de Whitman, não se pode classificar de notáveis os valores que receberam sua influência. Ele, de fato, se esforçou por criar uma alma popular. Contudo, o fez inutilmente, porque, querendo mudar, não soube criar uma "poesia nova" convincente.

Whitman pode ter "mostrado", aos seus pósteros, os caminhos da "nova poesia" norte-americana. Ele foi o iniciador da moderna poesia nos Estados Unidos, procurando fugir ao Romantismo europeu e ao Simbolismo francês. Libertando-se das estruturas tradicionais da metrificação convencional, sua arte ficou prejudicada pelo reflexo de crises políticas e mesmo psicológicas. As improvisações rítmicas e a procura incansável de emoções não criaram raízes para a poesia das gerações subseqüentes. E, como resultado, os poetas que o sucederam não deram seguimento a esses ideais de mudança da poesia.

Citamos M. L. Rosenthal, que, num estudo sincero, analisou a situação dos poetas americanos contemporâneos. Ele não esconde suas preocupações, ao reconhecer que "uma consciência profundamente política invadiu nossas sensações sobre nós mesmos e o nosso mundo do dia-a-dia"   (....) "A idéia de uma vida sob extrema tensão, de antigos valores abandonados pelas mudanças perigosas e inassimiláveis e — mais esperançosamente — da necessidade de afirmar nossas simpatias e possibilidades — tem sido o tema principal de todas as verdadeiras almas, de algum tempo para cá".

A democracia americana exige mais do que fazem por ela os seus poetas. Os propugnadores da unidade americana, os que lutaram pela ascendência da cultura americana, esperavam muito mais daqueles que deveriam ser verdadeiros vulcões em erupção, atirando, para todas as partes do universo, a lava de seus sonhos e de seus objetivos maiores.

A grande nação americana, diz, ainda, Lopes Rodrigues, precisava ter um poeta como Castro Alves, que, com sua poesia, "contribuiu para americanizar o pensamento poético do seu tempo"; e que "recolheu do espaço a ordem que Jeová dera a Colombo e que reboara pelo infinito durante quase quatro séculos antes de chegar aos ouvidos do poeta brasileiro":

"Vai, Colombo, abre a cortina
da minha eterna oficina.
Tira a América de lá!"


*

Poucos poetas daquele país têm sido traduzidos para nossa língua. Muito menos que os poetas ingleses. Além do empecilho do idioma, deve-se levar em conta que o soneto nunca despertou, com relevo, o interesse dos nossos irmãos do norte.

William Cullen Bryant (1794-1878), chamado "Pai da Poesia Americana", foi o primeiro poeta de renome dos Estados Unidos, tendo sua fama repercutido na Inglaterra. "Thanatopsis" foi o primeiro poema notável da literatura norte-americana. Bryant era um poeta clássico, da natureza e da morte. Não um poeta nacionalista. 


Ralph Waldo Emerson (1803-1882), pastor da Igreja, cognominado "o Poeta da Verdade", foi, também, um dos mais singulares pensadores do século XIX, aliás o primeiro pensador original nascido nos Estados Unidos. Emerson bradou: "Para que haja independência nacional, é necessário que haja literatura nacional".


Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882), conhecido como "o Poeta das Crianças". Excelente poeta, de grande popularidade, de sentimento delicado, um pouco melancólico. De sua obra se destaca o grande poema nacional "Evangeline”, uma tocante história romântica (1847). Influenciado pelos poetas líricos da Alemanha de seu tempo, Longfellow se distinguiu pela beleza e musicalidade de seus poemas.

Foi professor de literatura moderna na Universidade de Harvard (Inglaterra). Dele, entretanto, escreveu Blankenship: "Suas referências à natureza são todas tomadas de livros e não do céu, dos campos e das águas que rolam. Os seus melhores poemas refletem alguma coisa que ele leu e não alguma coisa que ele sentiu".
Neste capítulo, estampamos um belo soneto de sua autoria, traduzido por Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça.



John Greenleaf Whittier (1807-1892) ficou célebre por uma coletânea que publicou, de poemas antiescravagistas. Poeta da abolição da escravatura nos Estados Unidos. Seus versos incendiá-rios, segundo Bryant, foram "o clarim que chama à batalha". Considerado entre os melhores poetas norte-americanos, sua obra, entretanto, não resistiu aos tempos. "Fez época na sua época".


Edgard Allan Poe (1809-1849), grande contista, grande poeta e talentoso crítico literário, o primeiro a se destacar no país. Sua poesia era romântica e semeada de imagens originais. "O Corvo" ("The Raven") figura entre os mais famosos e mais traduzidos poemas da literatura de todos os povos. Mas, a vida do homem de gênio foi terrivelmente prejudicada pelo vício da embriaguez.


Oliver Wendell Holmes (1809-1894), crítico, romancista e poeta, escreveu versos repassados de emoção, mas sua fama se firmou como poeta satírico. Dizia-se que Abrahão Lincoln sabia de cor o seu poema "A última folha".


James Russell Lowell (1819-1891) foi o sucessor de Long-fellow na cadeira de línguas modernas da Universidade de Harvard (Inglaterra). Além de poeta, foi talentoso ensaísta, escrevendo conferências sobre Dante, Chaucer e Cervantes. Casado com uma poetisa: Maria White. A velhice fez dele um patriarca.


Walt Whitman (1819-1892) é o autor do livro de poemas "Folhas de Grama" ou "Folhas de Erva", considerado "a mais famosa obra poética da literatura americana, transparecendo o amor de Whitman pela natureza e pela vida" — segundo lembra Laura Benét. Exerceu grande influência na literatura norte-americana, pregando para a poesia liberdade de forma e de linguagem.


Emily Elizabeth Dickinson (1830-1886), poetisa modesta, mas de grande calor humano e autora de versos encantadores.. Entretanto, só após sua morte foi que a irmã, Vinnie, encontrou, guardados em uma gaveta, mais de mil pequenos poemas que vieram dar-lhe fama internacional, sendo hoje apontada como "a maior dentre todas as poetisas americanas". Seus versos foram, então, publicados, "apesar de haver ela pedido à família, na hora da morte, que destruísse tudo quanto havia escrito", de acordo com o depoimento de Lopes Rodrigues.


Celia Thaxter (1835-1894), cujo pai era faroleiro no arquipélago de Schoals, chegou a ser uma poetisa notada, embora não possa ser incluída entre os maiores poetas norte-americanos. Muito sentimental, sua poesia é, compreensivelmente, voltada para o mar, o tema que tanto a impressionou, desde a infância. Era, mesmo, chamada "a Filha do Mar".


James Whitcomb Riley (1849-1916), cuja poesia é sentida e simples, desfrutou de grande popularidade regionalista.


Eugene Field (1850-1895) era um poeta adorado pelas crianças; como, também, muito estimada pelas crianças foi Laura E. Richards (1850-1943), autora do "best-seller" que a tornou famosa no mundo inteiro, "Capitão Janeiro".


Paul Laurence Dumbar (1872-1906), bisneto de escrava, considerado "o poeta laureado da raça negra", mereceu esta referência de Booker Washington: "As suas canções prestaram um grande serviço não só à sua raça, como ao mundo inteiro".


Robert Frost (1875-1963), poeta descritivo, que reproduziu, com mestria, quadros da vida rural. Poeta tradicionalista, mais conhecido e divulgado na Inglaterra que nos Estados Unidos.


Carl Sandburg (1878-1967), de origem humilde, obscura, mais jornalista que poeta. Escreveu poemas revolucionários de sentido social. Um dos pioneiros da moderna poesia norte-americana. Tentou ser o Whitman do após-guerra (1914-1918).


Christopher Morley (1890-1957), o "Poeta da Boa Vizinhança", foi, também, jornalista, conferencista, romancista e ensaísta, — possuidor de vasta cultura e inteligência invulgar. Laura Benét, em seu livro "Poetas Americanos Famosos", escreve, a respeito de Morley: "É um ótimo amigo e uma pessoa cheia de personalidade. Sua poesia — ele próprio diz que só começou a escrever versos aos dezoito anos, quando se apaixonou e "reinventou o soneto" — inclui poemas infantis recitados em todas as escolas americanas".


Stephan Vincent Benét (1898-1943), romancista e poeta, recebeu vários prêmios de poesia e é considerado um dos maiores poetas de sua geração.


Edna St. Vincent Millay (1892-1950), poetisa de talento, escrevendo, também, para o teatro. Entre outras obras de grande valor, publicou um livro de poesia lírica, intitulado "Collected sonnets".


Edward Estlin Cummings (1894-1962), pintor e poeta laureado. Sonetista de excelentes qualidades, muito embora viesse a ser um dos precursores da poesia concreta.


Harry Kennedy - Cantor popular. Morreu muito moço, inesperadamente, em 1909. As estrofes do soneto "Não me digas Adeus", que publicamos neste capítulo, numa tradução de J. B. Mello e Souza, foram compostas pouco antes de sua morte, deplorando a perda de uma amiga. E os versos foram cantados no instante de seu sepultamento, num cemitério de Brooklyn, pela célebre cantora Helen Mora, acompanhada por todos os artistas do "Adams Theatre".


*

Transcrevemos, a seguir, alguns sonetos traduzidos de poetas norte-americanos:


Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882)
"O remo quebrado"
(Trad. de Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça)

Certo dia da Islândia em plaga solitária,
ia um poeta a vagar, levando o livro e a pena, 
buscando um doce amém, uma frase serena,
que pudesse fechar sua obra literária.

Soluçava a seus pés cada onda tumultuária.
Os pássaros, cortando o azul da tarde amena,
passavam, lentos, no ar. Do poente a rubra cena 
iluminava o mar de luz extraordinária.

Pelas ondas, então, foi à praia trazido
velho remo quebrado, em que ele a custo leu:
"Quantas vezes contigo eu cansei de lutar!"

E como quem encontra o que julgou perdido,
essa frase traçou, aos céus a fronte ergueu,
 e, trêmulo, atirou a inútil pena ao mar.




Edna St. Vincent Millay (1892-1950)
"Soneto XIX"
(Trad. de Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça)

Tu também morrerás, cinza adorada.
Essa beleza é certo que pereça,
essa mão, essa esplêndida cabeça,
esse corpo de argila iluminada.

Sob o gume da morte ou sob a geada,
serás mais uma folha que estremeça
e com as outras te vás — verde e travessa,
depois morta, sem cor, desintegrada.

De nada o meu amor terá valido;
apesar deste amor, tu chegarás
ao fim do dia e tombarás vencido,

obscuro como a flor, que cai, por mais
que tenhas sido belo e tenhas sido
mais amado que todos os mortais.



Edward Estlin Cummings (1894-1962)
"Soneto"
(Trad. de Manuel Bandeira)

Não será sempre assim... Quando não for,
quando teus lábios forem de outro; quando
no rosto de outro o teu suspiro brando
soprar; quando em silêncio, ou no maior

delírio de palavras, desvairando,
ao teu peito o estreitares com fervor;
quando, um dia, em frieza e desamor
tua afeição por mim se for trocando:

se tal acontecer, fala-me. Irei
procurá-lo, dizer-lhe num sorriso:
"Goza a ventura de que já gozei".

Depois, desviando os olhos, de improviso,
longe, ah tão longe, um pássaro ouvirei
cantar no meu perdido paraíso.



Harry Kennedy (   -1909)
"Não me digas "Adeus"!"
(Trad. de J. B. Mello e Souza)

Não me digas "Adeus..." mas sim, dize: "Até breve!...”.
Quem parte, sempre deixa a esperança fugaz;
se o passado se foi, e retornar não deve,
o futuro há de vir, bem ditoso e vivaz.

Lê-se no ignoto livro em que o Destino escreve
a inexorável lei de todos os mortais,
este axioma que a mágoa abranda, e torna-a breve:
"Quem vence a própria morte, é o Amor; nada mais".

Não me digas "Adeus" — que a saudade tortura; 
vais partir, eu bem sei; mas eu te amo ainda,
hei-de rever-te um dia, o coração murmura.

"Até breve" eu direi. A esperança é um fanal; 
suaviza a sua luz nossa tristeza infinda;
a vida é um sonho, sim; mas o Amor é imortal. 







(Das páginas 501 a 508 de “O Mundo Maravilhoso
do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)
  


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