João Baptista Coelho

Lisboa, Portugal, 1927

NATAL
João Baptista Coelho

Natal! Noite de Paz e santidade.
Nas almas há silêncio e contrição.
Por guerras que não são de liberdade;
Por homens que mendigam luz e pão.

Natal! Dia de amor e de bondade.
Nas mentes há desejos de perdão.
Mas há, também, em nós, a crueldade
de ver e consentir homens no chão.

Natal! Há mil presentes; Há lembranças;
Há sonhos que alimentam as crianças;
E outros que se perdem no caminho.

Natal! Tempo de paz em cada lar!
Quem dera ter Natal e ver entrar
Jesus, pé ante pé, devagarinho.

 (JOÃO BAPTISTA COELHO - APP – Sócio nº. 13)

                                                          

UM POUCO MAIS ALÉM DO FIM
João Baptista Coelho

Abril, depois Verão; Outono; Inverno.
A Luz; o Arrebol; a Frialdade.
A página virada dum caderno
no livro que nos leva à Eternidade.

O sonho que se tem de ser-se eterno,
tal qual se quer, infinda a liberdade.
E, ao fim, na dúbia imagem— céu/inferno —
a neve a pressupor o fim da idade.

Contudo, no vazio de ser Nada,
no ómega final da nossa estrada
e mesmo já na foz da nossa rua...

... há sempre, nos poetas, uma rosa
que abrolha no seu peito, luminosa,
gritando que o poema continua!



SÍNTESE
João Baptista Coelho

Nascemos. Vivemos. Aos poucos... a idade.
Primeiro, o menino. Depois, a pujança.
Mais tarde, a aventura. Adiante a saudade
das horas de amor onde o Homem balança.

Brinquedos. O estudo. O labor. A amizade.
As horas de pausa. A paz na lembrança.
O sonho de ser-se outra vez mocidade.
Mas longe... bem longe... o menino-criança.

E prestes do fim, nesta estrada da vida,
por vezes nublada, penosa e comprida,
o que é que nos dá este mundo cruel?!

Talvez nada mais que o morrer-se na sombra
dum palco tão grande onde a luz nos assombra,
perdidos no tempo... o ator e o papel.



DEIXEM VOAR O PÁSSARO QUE SOU
João Baptista Coelho

Poeta preso à terra onde nasci,
sem nunca ter provado a cor do vento,
quisera libertar-me; ir por aí;
os sonhos incitando o pensamento.

Quisera ser condor ou colibri.
Ninguém se apercebeu do meu intento.
Mas eu, mesmo sem asas, hoje e aqui,
não calo este meu grito; este lamento.

Deixem voar o pássaro que sou!
Saltar do fundo abismo aonde estou!
Buscar um outro sol, além dos montes!

Doar meu corpo à terra onde se prende!
E a alma, sem ninguém que a recomende,
ir conversar com Deus... nos horizontes!!!

  

POEMA DA VIDA
João Baptista Coelho
                         
   I

A Vida é o tempo que Deus nos empresta;
que o Homem consome ao sabor da aventura;
em guerras de irmãos, em canseiras, em festa;
em prantos, em risos, em raiva, em ternura.

Em busca da paz; da que ainda lhe resta!
Da tal que adivinha no fim da lonjura!
Da paz que, mal chega, se evola, bem lesta,
nas asas de um verso que há muito procura.

A Vida é, por si, esse imenso mistério
que o Homem dissipa sem tento ou critério,
medindo-a, tão só, no valor da ambição.

Mil vezes alheio ao valor que ela tem,
quando é percorrida nas sendas do bem;
quando é partilhada sem outra intenção.


II

Quando é partilhada sem outra intenção
o Homem se avulta aos olhos de Deus:
é raio de sol; lucidez de oração;
tesouro sem fim dos mais pobres plebeus.

A Vida é água, é o ar, é o pão;
um sonho constante de crentes e ateus;
bonança, infortúnio, poema, canção,
que um dia nos deixam num simples adeus.

A Vida são ruas e becos sem fim;
também labirintos num grande jardim
e estradas perdidas de infinda floresta.

E acabo a dizer-vos, agora, sozinho
que, olhando-me atrás, já no fim do caminho,
a Vida é o tempo que Deus nos empresta.



POEMA PARA MINHA MULHER
João Baptista Coelho

I

Amei-te, meu amor, quando te vi;
teu corpo; o teu olhar; a tua voz.
Amei-te essa inocência que há em ti,
que quis ver a meu lado até à foz.

Amei-te com um novo frenesi
no beijo – no primeiro – havido em nós;
e nessa paz imensa, aqui e ali,
nas horas de silêncio, muito a sós.

O tempo foi vogando, atrás da vida,
do berço ao mais além, sempre em corrida,
alheio aos nossos mil e um cansaços.

E porque sempre andámos de mão dada,
a sombra do que fomos, nesta estrada,
jamais se apartará dos nossos passos.



II

Amei-te pela luz que te reveste
a preencher meus sonhos de rapaz.
Mais terna que a do sol no azul celeste;
mais doce; mais sensível; mais vivaz.

Amei-te pelo filho que me deste,
gerado num instante tão fugaz.
E, ainda, neste mundo tão agreste,
p’la dádiva do pão da tua paz.

Já velhos, já exaustos, meu amor,
os versos que aqui deixo são a flor
colhida esta manhã no meu chão duro.

E digo-te a findar — fica ciente! —
amei-te e hei-de amar-te eternamente
até ao fim dos tempos do Futuro!

  

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