Joaquim Sustelo

 Joaquim Manuel Alves Sustelo
 Silves, Algarve, Portugal, 1948


ÀS VEZES
Joaquim Sustelo

Às vezes pinto quadros virtuais
Pessoas... situações... com minha alma
A noite e seu silêncio, escura, calma,
Um rio em seu trajeto... tudo o mais...

Às vezes o mais simples dos sinais
Me dá telas da vida a colorir
O Sol no horizonte, a flor a abrir,
De estrelas, melodias… celestiais

São poemas que me surgem pelo espaço
Que põem de emoção o olhar baço
E vou retransmitir, se for capaz

Deleites de quem ama e se extasia…
Um mundo que em amor e poesia
Imagino a nascer pra nos dar paz.

 (editado em PALAVRAS COM RUMO CERTO)



LÁ LONGE...
Joaquim Sustelo

(Poema tendo por fundo um verso de Antero de Quental)

Lá longe, onde se encontra a Primavera,
Das flores de quem não teve nem aroma,
Lá onde ter o Sol não é quimera
Ao dar calor a todos quando assoma,

Lá longe, nos confins da minha espera,
Onde se falará no mesmo idioma,
Será o homem anjo em vez de fera
E como um seu igual o outro toma

Lá longe... à distância de Infinito,
Terá lugar o sonho em que medito,
Lá onde pára o tempo e não há hora...

Será então feliz a Humanidade;
Num espaço que imagino sem idade,
"No céu, se existe um céu para quem chora."  (*)


(*) verso de Antero de Quental

(editado em CAMINHOS DA VIDA)



AO SABOR DA CORRENTE
Joaquim Sustelo

(à poetisa Manuela Ferreira)

Às vezes, se não espero, é quando sonho.
Vem ter então comigo um calmo rio
Que no espelhar das águas pelo estio
Me faz escrever os versos que componho

Está o teu rosto lá, belo e risonho,
No espelho dessas águas, num baixio,
No campo sobranceiro, luzidio,
Na imaginação de que disponho...

Como se assim te visse, não te vendo...
Como se te tivesse, não te tendo...
Porém, de almas ligadas, sempre nós!

Um quadro em Poesia a nos levar...
Onde se encontrará o nosso mar?
E vamos prosseguindo até à foz.

(editado em PALAVRAS COM RUMO CERTO)



COLHENDO ESTRELAS
Joaquim Sustelo

Ah quem pudesse semear estrelas
Encher com elas todo o teu cabelo!
Ter o poder de as alcançar, colhê-las,
Ornamentá-lo com carinho e zelo!

Ter esta glória de ter-te e de tê-las
Quando em afagos de amor e desvelo,
Olhos extasiados por ficar a vê-las
Unisse os lábios aos teus como um selo

Ah quem pudesse... Mas eu quero e pude!
Por uns momentos tive essa virtude
Voltar a tê-la, vou ter o ensejo

Sonhei contigo: brilhantes, desciam...
No teu cabelo espalhava-as, sorriam…
E por cada estrela tu davas-me um beijo.

(editado em MURMÚRIOS NO TEMPO)
  


GENTE...
Joaquim Sustelo

Há gente que ao passar por nós na vida
Tão só passa por nós e lá vai indo...
É como um vendaval que de fugida
Só vimos que soprou e foi seguindo...

Há gente que não deixa nem saudade
Por ter postura estranha pra connosco
É como vermos mal a claridade
Por ela estar por trás de um vidro fosco

Mas há gente que fica e que não sai
Que para onde nós formos também vai
No coração, na alma, em alegria!

Gente que pelos gestos sobressai
Que está ligada a nós... e não se esvai
tal como anda connosco a Poesia.

(editado em PALAVRAS COM RUMO CERTO)



A ESTRADA DOS REVESES
Joaquim Sustelo

Por vezes vou na estrada dos reveses,
Local onde ele há sempre companhia;
É raro se encontrar quem nos sorria
Mormente os que já são de lá fregueses

Tenho ido pouco tempo... dias, meses,
Se a sorte passou mais à revelia;
Mas nunca me cruzei com a agonia
E nunca a pobre estrada me deu fezes

Porém ela é tão cheia de problemas!
Não chega a força vinda dos poemas
Que são pequeno alívio, pormenores...

Aflige ver quem vai... dá tanta pena!
E sem já ver se um braço lhes acena
Alguns saem por estradas bem piores.

(editado em CAMINHOS DA VIDA)



ADORO
Joaquim Sustelo

Adoro esse teu rosto, a forma suave
Adoro o teu sorriso de cetim
Adoro a tua alma (e tenho a chave)
Adoro o que tens sido para mim

Adoro. E nem sequer há quem me trave
Adoro-te qual flor de algum jardim
Adoro como adora o ninho, a ave,
Adoro quanto és... sem mais... assim

Adoro. E de adorar-te não me farto
Quer seja em pleno amor tido num quarto
Quer seja dia a dia quando falas 

Adoro o que me dizes, por ser mago...
Adoro o teu silêncio e me embriago
Se um beijo tu me dás quando te calas.

(editado em CAMINHOS DA VIDA)



DESABAFOS
Joaquim Sustelo 

É quando vem a luz nas madrugadas
trazer a claridade à minha volta,
É quando cessam horas encantadas
dum sono envolto em sonhos, que se solta

nos olhos que se abrem, estes nadas
que escrevo, com a alma tão envolta...
lembrando estas distâncias nas estradas
que por serem assim me dão revolta

E fico às vezes horas tão absorto...
Tal qual um navegante achando um porto
se enleva vendo as horas menos cruas

Depois dás-me palavras de conforto
que ficam pelo dia, que transporto,
porque elas me dão paz... porque são tuas.

(editado em CAMINHOS DA VIDA)



DOIS TIPOS DE LÁGRIMAS
Joaquim Sustelo

Na vida há sempre enlace e desenlace:
Depois de algum amor... desolação;
Há lágrimas que rolam pela face
Rolando outras há, p'lo coração.

Há lágrimas de amor. Sim, isso dá-se;
Quem ama, de feliz, tem comoção...
Mas basta que esse amor algo fracasse
E há lágrimas no triste coração

As lágrimas-sorriso-felicidade
São gotas que nos correm com vontade
Mostrando um brilho intenso no olhar;

As lágrimas-tristeza-dor-desgosto
Nem sempre as vislumbramos pelo rosto
Já que é o coração que as vai largar.

(editado em CAMINHOS DA VIDA)



DÚVIDAS
Joaquim Sustelo

À noite quando o brilho das estrelas
atrai a atenção do meu olhar,
e quando a Lua espreita entre elas
naquela cor de prata, do luar,

Na luz que surge imensa vejo nelas
um infinito enigma a desvendar:
Como é que coisas tais, assim tão belas,
nasceram para tanto deslumbrar?

Um crente pára em Deus: — Ser não criado,
que fez um infinito... e "alheado"
do homem que criou, deu livre-arbítrio;

Não entendo infinitos de momento.
Será que o Universo existiu sempre?
Ou SEMPRE é só de Deus? Está em que sítio?


(editado em CAMINHOS DA VIDA)



ESCREVER
Joaquim Sustelo

Escrever é pintar telas que do espaço
Nos chegam quando abrimos as janelas
Da alma... e nós tentamos traço a traço
Reproduzir assim algumas delas

Escrever é chamar gente ao nosso passo
Mostrarmos passo a passo ideias belas
Em êxtases alheios ao cansaço
Libertos de grilhões ou de cancelas

Escrever seja ele prosa ou poesia
É algo que se tenta com magia
Fazer que quem nos leia tenha enlevo

A música em palavras enriquece
E dá-se se a metáfora acontece.
Em busca do que digo, então eu escrevo.

(editado em CAMINHOS DA VIDA)




A ROSA E TU
Joaquim Sustelo

Aquela rosa bela que colhi
À tarde com o sol já no poente,
Tinha um suave aroma mas dif'rente
Das outras que eu colhera até ali

Talvez por ir levá-la para ti
E ter-te na minh'alma tão presente!
Talvez por um momento em que se sente
Algo de extasiante... e eu senti

Ornei-a com um laço. A minha mão,
Levava a flor bem junta ao coração
Meus olhos a luzir ao brilho dela

Vieste a porta abrir com um sorriso.
E foi nesse momento tão preciso
Que vi, ao comparar, que inda és mais bela.

 (editado em SOL E NUVENS NO POENTE)



NOVO DIA
Joaquim Sustelo

O que trará de novo o novo dia
Agora que lá longe o sol desponta?
Profundas deceções, guerras sem conta
Num mundo que de amor ele se queria?

Quando terá mais força a Poesia
Pra não chamarem poetas gente tonta,
Ou louca, que lhes faz a grande "afronta"
De "apregoar" a paz... dita, utopia?

Viesse (como a há na Natureza)
A paz, que eles (sim loucos) de crueza,
Não querem, não pretendem erigir,

... Mas vejo a boa meta tão distante...
E vou olhando o sol quente e brilhante
Porém sem me fazer sequer sorrir.

 (editado em SOL E NUVENS NO POENTE)



PÁSCOA
Joaquim Sustelo

A Páscoa significa uma passagem,
A dos judeus prá Terra Prometida,
Fazendo do Egipto essa viagem
Para encontrar a paz, em nova vida

E traz-nos à memória a ligação
Do túmulo vazio pela manhã,
Com Cristo a ter sua Ressurreição
Em que crê toda a gente, que é cristã

Celebrações pagãs... tudo o que era
Festejos ao chegar a Primavera
Também da Páscoa são, significado;

Um ovo em sua mão, lá estava Ostera (1)
(A deusa que era então da Primavera)
Olhando um coelhinho endiabrado. (2)



(1) A deusa e o ovo que carrega são símbolos da
chegada de uma nova vida

(2) O coelho era o símbolo da fertilidade.

 (editado em SOL ENUVENS NO POENTE)



UM SONHO
Joaquim Sustelo

Íamos estrada fora pela berma
Um pouco contra as regras, lado a lado;
De lágrimas, teu rosto marejado,
Espelhava a tua alma, tão enferma...

Silêncio à nossa volta. A estrada erma,
Sentia o nosso passo compassado.
Os teus olhitos verdes como o prado,
A dor que havia em ti, vinham trazer-ma

Sentámo-nos na erva, húmida e fria;
E enquanto levemente te sorria
Pedi-te "seca o pranto, por favor!"

Nasceu então um pouco de alegria
Nesse rosto que adoro... e por magia
Teus olhos, cada um, tinha uma flor.

 (editado em SOL E NUVENS NO POENTE)



ALUCINAÇÃO
Joaquim Sustelo

Ouvi teus passos no vento
Em movimento suspenso;
Ecos do meu pensamento
Nos trilhos onde me adenso.

Era o som de um movimento
Provindo do espaço imenso;
Era num tempo sem tempo
Prá minha alma um incenso.

E num êxtase profundo
Mergulhei num outro mundo,
Horizontes de lonjura...

Ante o frémito suave
Rodei pela porta a chave
E fui à tua procura.

 (editado em  RAIOS DE LUZ)



CASTIGOS
Joaquim Sustelo

Dançaste nos meus olhos. Desde logo,
envolto na volúpia dessa dança,
ficou-me o meu olhar por ti em fogo,
chegou-me a tempestade. Sem bonança.  

Mas não te posso ter. Porque me arrogo
a conservar por ti alguma esperança?
E já que é tanto assim, inda interrogo
porque há, com meu olhar, essa aliança?

E ficas, e torturas, dia e noite...
sem que haja um só momento em que me afoite
fazer da companhia abdicação.

Castigo de quem ama as lindas formas
cumprindo da razão regras ou normas
que nunca entenderá o coração.

 (editado em  COMO UM RIO…)



COMO TE VEJO...
Joaquim Sustelo

Pensei em definir-te. Um breve trecho
Extraído do encanto que me fazes;
Porém tenho as palavras tão fugazes
Nem sei as que escolher, das que remexo...

Também não vou ficar-me! Não me fecho
Pelo prazer de ser dos pertinazes!
Aroma tens de lírios, de lilases,
Ou rosa, ou outra flor, quando lhe mexo.

Serás porém 'ma flor? Tens o aroma...
Mas entras-me na alma e ela se toma
Duma alucinação em que se extrema;

Talvez sejas balada em meu destino...
Arpejo que provém dum violino
Ou canto em minha pena... és um poema.
  
 (editado em ENQUANTO A BRISA SOPRA)



ENCANTOS
Joaquim Sustelo
 
O lume que os teus olhos incendeia
Faz com que o meu olhar pra eles rume
Centelha que me chega e que me ateia
Nos meus também a chama de outro lume

Ah fosse só o lume... É uma cadeia
Sorrisos que me dás... o teu perfume...
Palavras que me são uma panaceia...
(Ao teu amor a cura se resume)

Encantos que procuro a toda a hora
Que tanto me acalentam vida fora
Nos trilhos que me surgem e percorro

Ah! Nunca vás de mim! É o que peço.
Não sei se tanto amor de ti mereço
Mas sei, se o não tiver, depressa morro.

 (editado em RAIOS DE LUZ)



EU SOU
Joaquim Sustelo

Eu sou entre milhões um grão de areia
Deixado num deserto que palpita
Onde algum vento impele à epopeia
De quem quer vencer sempre - e acredita!

Aquele que implantou em sua ideia
De cada vez que a aragem o levita,
Que pode edificar a grande Aldeia
De Amor e de Amizade - a mais bonita!

E tenta sob o sopro, que é alento
Formar com outros grãos algum cimento
Aliciando as pedras, onde passa...

Deixar esse deserto onde se encontra;
Que por ser escuro e triste é fraca montra
E há grãos que são motivo de arruaça.
  
 (editado em OS MEUS CAMINHOS)



FLORES
Joaquim Sustelo

Recordo que Setembro se esvaiu
Levando os nossos sonhos na neblina
Ruíra o que no Verão se construiu
E os olhos nos gravaram na retina

Na primavera o campo refloriu
Brilhava em várias cores a colina
Batia ao fundo o sol no nosso rio
Havia de ave o canto, que lhe trina

Porém havia flores sobre o teu rosto
Lembrando que o teu sol se havia posto
E estavas noutro chão, bem mais agreste!

Partiste inda flor da mocidade
Esperei anos inteiros com saudade
Mas desse chão de flores não vieste.

 (editado em RAIOS DE LUZ)



FARRAPOS
 Joaquim Sustelo

De nuvens se cobriu o azul do céu,
farrapos já inundam o seu espaço;
o dia que era claro escureceu
o sol já não me briha no terraço.  

Então o meu olhar tornou-se baço…
Das nuvens dos meus olhos me choveu
lembrando o tempo ido de tão escasso
daquele beijo terno que se deu.

Farrapos lá no céu e nos meus olhos...
Que mal há nos farrapos? Serão escolhos
agruras pela vida, amarga e breve?  

Nem sempre! E podem ser coisa tão linda!
Beleza vem do céu quando nos brinda
com seus lindos farrapos de alva neve.

 (editado em  COMO UM RIO…)



GIESTAS
Joaquim Sustelo

Recordo o tempo da giesta em flor
A dar uma outra cor à nossa estrada;
Caminhos que seguíamos, de amor
Ele a florir também, na alvorada.

O branco e amarelo, o bicolor
Mostravam cada encosta matizada;
O brilho à luz do sol, no seu esplendor!
De mim saía um poema, uma balada...

Depois, as auto-estradas do progresso.
Às vezes vou nas outras, que não esqueço,
Embora fique aquém das horas lestas

É nelas que à minha alma sempre assoma
Lembrança de algum beijo... no aroma
Que vinha então selá-lo, das giestas.

 (do livro RAIOS DE LUZ)


2 comentários:

  1. Amigo Joaquim
    Li com muito gosto todos os seus sonetos aqui colocados, alguns dos quais já conhecia.
    Adorei e parabéns por fazer parte deste blogue tão belo. Desejo-lhe muitas felicidades para continuar a divulgar o Soneto, com a sua Arte.
    Beijinhos.
    Lourdes.

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  2. Parabéns pelos belíssimos poemas. Abraços desde o Brasil______________LL

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