Rio de Janeiro, RJ, 1933 - ...
Soneto, fórmula certa
de se elevar a
poesia,
desafio que desperta,
traz luz e serve de guia.
João Roberto Gullino
no livro "Raízes
Somente", Petrópolis, 2014)
ÁRVORE
DESFOLHADA
João
Roberto Gullino
Gerada
de forte semente, cresceu,
Formando
folhagens em galhos frondosos,
Raízes
em sólidos troncos, formosos
Os
frutos perfeitos, gerou. Floresceu...
Nostálgica
brisa surgiu e acendeu
Remotas
passagens de tempos saudosos,
Mantidas
no tronco em veios teimosos
Que
a simples aragem, tão pura, colheu.
Porém,
vendaval transmutou tal aragem:
As
folhas caindo de forma truncada,
Desnuda
ficando, perdeu sua imagem.
Mas
a árvore tão orgulhosa, vaidosa
De
suas ramagens, ficou desfalcada
Da
forma mais triste, tenaz, dolorosa...
PASSAGEIRO ETERNO
João
Roberto Gullino
26.04.98
“A fidelidade é uma
virtude que enobrece a própria
servidão.“ - W.
Mason, poeta inglês, 1725 - 1797
Pode
passar ao largo, água do rio,
pode
cessar todo ímpeto do vento,
mas
quando o sol se põe, renasce lento
a
cada dia, tépido e sadio.
Pode
viver-se bem anos a fio,
ou
passar toda a vida num tormento,
mas
deixará, por certo, num fragmento
marcas
do dia a cada desafio.
Pode
no tempo ser-se subalterno
deste
presente vivo, assim moderno,
mas
impossível é ser obsoleto
o
que se fez de eterno, além de belo,
sempre
com um vigor forte e singelo,
como
o imortal e lírico soneto.
RANÇO
MILENAR
João
Roberto Gullino
13.12.07
“O que a gente
esconde é, mais ou menos, o que os outros descobrem.” – André Breton,
1896/1966, poeta francês, um dos fundadores do surrealismo.
Trago
essa milenar e forte marca
como
fosse um estigma à revelia,
que
me persegue e do íntimo irradia
uma
paz que se mostra e nunca embarca.
Trago
na milenar vida, qual arca
pesada
de revolta – uma fobia –
que
perturba os momentos de alegria
num
forçado mormaço que me encharca.
Trago
esse ranço – mágoa da incerteza
que,
por instantes surge, mesmo vago,
sem
que sopre uma aragem em defesa.
Trago
nas veias toda essa premissa!
Para
meu desconforto, tudo trago,
menos
a dor da inveja e da injustiça...
NUMA
CATEDRAL
João
Roberto Gullino
28.09.97
“Se
estiveres no caminho certo, avança, se
estiveres
no
errado, recua.”- Lao-Tsé, filósofo chinês, século VI AC
Vejo
o mundo sem muita fantasia
quando
olho na franqueza do realismo :
repleto
de ganância e de egoísmo,
todo
florido só de hipocrisia.
Sem
outra opção, me apego à poesia –
se
nossa vida não tem mais lirismo,
fujamos,
pelo menos, do cinismo
que
tanto nos machuca dia-a-dia.
Apesar
do respeito aos modernistas,
nos
antigos procuro o que me agrade,
onde
acho o puro sangue dos artistas.
Dentro
da tradição e ritual,
é
nos sonetos, com serenidade,
que
me abrigo qual numa catedral.
ESCRAVO
DO SONETO
João
Roberto Gullino
21.11.00
“As
escolas passam, o soneto fica.”
Alceu
do Amoroso Lima,
pensador
brasileiro, 1893 - 1983
Soneto
? Para que desenterrá-lo
se
é um estilo tão velho e antiquado ?
Se
é porque gostas, faça-o com cuidado,
velando
com carinho, sem resvalo.
Na
verdade, precisas bem amá-lo :
nas
métricas e rimas ser frisado
e
pela acentuação sempre ligado,
sendo
dele um autêntico vassalo.
Zela
bem, com rigor, cada terceto,
não
imites o vôo de um besouro
que,
tonto, flana ao som dum minueto.
E
mesmo que tu sejas um calouro,
cuida
muito bem do último verseto
para
fechá-lo, enfim, com chave de ouro.
QUIMÉRICOS
CRISTAIS
João
Roberto Gullino
12.07.02
“À medida que a
civilização avança, a poesia quase que,necessariamente, declina.” - Thomas
Babington Macaulay, poeta e estadista inglês, 1800 – 1859
Me
desculpem amigos e poetas
se
penso diferente dos demais,
com
gosto e preferência mais formais,
com
receitas antigas, mas seletas.
Por
que os inovadores, de repletas
glórias
em poesias magistrais.
como
fossem quiméricos cristais,
exibem-nas
como ícones profetas ?
...........................................................
Não
roubemos o encanto do lirismo,
não
roubemos o ardor da poesia,
não
queiramos do verso o paroxismo
sem
dispensar um pouco de valia;
não
usemos o termo “modernismo”
para
dissimular uma heresia.
UMA
ÁRVORE
João
Roberto Gullino
07.04.97
“A amizade é o vinho da vida.”
- Edward Young,
poeta inglês, 1683 – 1765
Árvore
preciosa quando existe,
de
amizade foi tão bem batizada,
nasce
ao acaso até sem ser semeada,
mesmo
na tempestade ela resiste.
Se
cuidada e mantida, ela persiste
em
ficar bem florida e desdobrada,
quando
ramificada e não podada
no
modelo do belo em que consiste.
Se
cultivada, para ser bem forte
não
basta uma estrutura simplesmente,
há
que ter das raízes o suporte.
Apenas,
muito régia, toda pura,
mas
de fragilidade assim patente,
morre
pela mais leve arranhadura...
A
ESTRADA DA VIDA
João
Roberto Gullino
03.09.97
“Na viagem da vida, não se encontram estradas
planas, todas são
subidas e descidas.”
- A. Graf, poeta
italiano, 1848 – 1913
Na
nossa longa estrada sinuosa,
temos
que seguir calmos, sem tropeço,
mesmo
que se vislumbre no começo
ser
larga, muito estreita ou espaçosa.
Sendo
o acesso por terra pedregosa,
precisamos
ter força e muito apreço,
para
alcançar incógnito endereço
com
caminhada calma e cautelosa.
Em
noite escura, às vezes, a guarida
encontra-se
no brilho duma chama,
mas
tem quem passe longe, bem perdida.
E
se tem quem não consiga ver a flama,
que
obstáculos enfrente na descida,
mas evite botar o pé na lama.
FLEUMA
OU FLEGMA ?
João
Roberto Gullino
04.10.97
“Oh, futuro,
espectro de mãos vazias
que tudo prometes e
nada tens.”
- Victor Hugo,
escritor francês,1802 –1885
Do
amor somente um fragmento;
da
ilusão, nenhum pedaço;
um
sonho que despedaço
nas
dores de um sentimento !
A
vida fica ao relento
ou
flutuando no espaço,
sentindo
todo o fracasso
reprimido
num lamento.
Cai
o pano : reflexão
na
culpa de uma migalha -
teria
importância ou não ?
Para
afastar a apatia
ergo,
então, uma muralha...
amanhã
é outro dia !
RETRATO
DE MÃE
João
Roberto Gullino
12.10.97
“Só há uma coisa no
mundo melhor e mais bela
que ser mulher : é ser mãe.” - Leopoldo Schefer,
poeta alemão, 1784
– 1860
Mulher...
tens um nome puro :
tua
missão é sublime
numa
vida que redime,
com
um caminhar seguro.
Resignação
é o teu muro :
não
há dor que desanime,
nem
mal que tanto deprime,
que
deixe um filho no escuro.
És
abençoada por Deus,
tolerante
e bem paciente
no
amor dos conselhos teus.
És
apoio com carinho,
na
aflição, sempre presente,
és
luz em cada caminho.
SEXO
FRÁGIL
João Roberto Gullino
11.11.97
“Onde a humanidade poderá encontrar templo
mais belo
que no coração de
uma mulher ? “ - August Friedrich
Ferdinand von
Kotzebue, dramaturgo popular
e jornalista alemão
1761- 1819
Ela
tem tanto mistério e tanta graça,
no
seu encanto tem rara beleza,
não
lhe falta vigor nem sutileza,
nem
a delicadeza no que faça.
Sexo
fraco é, mas bem que despedaça
e
derruba a mais dura fortaleza,
com
sua forte e doce natureza,
e
a determinação como couraça.
É
sempre, em cada vida, uma constante,
transformando
em fração cada segundo,
pela
maneira meiga e insinuante.
É,
na verdade, um ser mais que profundo
como
quando mulher, mãe ou amante,
ajoelhado
aos seus pés, rende-se o mundo !
UM
PERFIL
João
Roberto Gullino
08.01.98
“O pessimismo é uma
filosofia imposta às convicções do
observador pelo desalentador predomínio do otimismo.“
observador pelo desalentador predomínio do otimismo.“
- A. G. Bierce,
jornalista norte-americano, 1842 – 1914
Olho
em volta - o desânimo se apossa !
Nada
é sério, somente fantasia,
sem
brilho, parecendo uma utopia,
já
que ironia tudo segue, endossa.
Povo
crédulo, só na boca adoça
promessas
quando impõem sem valia
e
que a própria crendice desafia
na
reação que ninguém tem ou esboça.
Pessoas
que com tudo se conformam,
tornam-se
opacas – só resta o perfil,
como
estáticas fossem - não acordam !
Ninguém
vê o que já se subtraiu
das
riquezas que pilham e se abortam
deste
inerte gigante varonil !
NA
COXIA DA VIDA
João
Roberto Gullino
01.08.98
“Onde não há
verdade não há poesia;
o falso é sinônimo
de feio.”
- Manuel Cañete,
1822/1891
Só
quando os olhos fecho, vejo em sonho
verdes
campos floridos qual miragem;
e
seu perfume surge, doce aragem,
e
para um outro mundo me transponho.
Só
quando os olhos fecho, bem risonho,
tudo
esqueço e me visto de coragem,
para
não dissipar pura estiagem
do
que a vida me faz assim tristonho.
Só
quando os olhos fecho, é que passeio
por
entre o mundo irreal da fantasia,
momento
em que da vida tudo anseio.
Só
quando os olhos fecho, da coxia
vejo
da vida cada devaneio
tal
como fosse pura cortesia.
COLCHA
DE RETALHOS
João
Roberto Gullino
25.06.99
“ As recordações
são os únicos belos astros
que adornam a noite
da velhice.”
- Antônio Feliciano
de Castilho,
poeta português,
1800 – 1875
Retalhos
da vida, momentos cabais,
que
vive-se qual uma colcha bordada
que
sempre queremos que seja adornada,
embora
nos mostre detalhes banais.
Se
nos contentamos com sóbrios tonais,
por
vezes se encaixa formal, arrumada,
que
faz com que, mesmo que seja encurtada,
possamos
viver de maneira eficaz.
Então,
nos pespontos de cada batida
ao
longo do tempo que passa, em verdade,
na
colcha puída encontramos guarida.
Exíguos
pedaços que, muito à-vontade,
recorto
de cada fragmento da vida,
retalhos
que vêm colorindo a saudade
DO
FUNDO DO CORAÇÃO
João
Roberto Gullino
17.07.00
“A palavra lúcida é
um plano inclinado
que se precipita no
coração. “
- E. Bertarelli,
escritor italiano
contemporâneo
Os
Céus, no supremo perdão, com certeza
serão
indulgentes com todos os seres
que
habitam a Terra com tantos poderes,
até
quando escondem total “vilaneza”.
De
cima olharão, com sentida tristeza,
à
cada promessa que é vã de deveres
que
falsas verdades depõem seus haveres,
se
ao vento flutuam mostrando esperteza.
Palavras
que são desprovidas de senso,
mostrando
ser fútil, banal e mesmo oca
a
mente do ser quando assim fica apenso.
Que
bom se as pessoas tivessem noção
de
nunca palavras dizer pela boca,
somente
do fundo de seu coração!
HOLOFOTES
E VAGA-LUMES
João
Roberto Gullino
26.11.00
“A glória, como a
luz, é mais útil aos que
lhe sentem os efeitos, do que aos que
dela estão revestidos” - -
Plutarco, 46/120DC
Pessoas
deslumbradas que se afagam
e
vibram sob a luz de um holofote,
por
minutos efêmeros que esgote,
se
evaporam nas luzes que se apagam.
Pessoas
sem luz própria que se esmagam
procurando
o melhor ponto
em que brote
a
cobiçada chama de um archote
na
inútil projeção que se propagam.
Que
mérito terá falso brilhante,
se
sua mais valia se resume
na
pequena ilusão de curto instante ?
Melhor
é ser modesto vaga-lume
com
um pequeno brilho, mas constante,
que
ter farsante brilho sem volume.
SAUDADE
João
Roberto Gullino
Março,
2008
“Saudade é tudo aquilo
que falta daquilo que
não faltou.“ – Miguel
Falabella
Saudade,
figura perdida na mente,
serena
e crescente de cena adornada,
passagem
gravada e deixada bordada -
antiga
lembrança, presença distante.
Figuras
opacas que vemos na lente,
eternas
imagens, memória calada,
migalha
guardada no tempo e selada
no véu
que se esconde, sutil, transparente.
Nas
nuvens sustenta e repousa o que sonha,
que
tanto conforta, seduz e que abraça -
na
angústia que embala, refaz-se risonha.
Exala
pequeno perfume – fumaça –
ocaso
que surge de forma tristonha,
sorvendo
o que resta no fundo da taça.
RECUPERAÇÃO
João
Roberto Gullino
01.09.97
“Vão-se as esperanças,
uma após outra, mas
o coração continua a
esperar; quebram-se
as ondas, uma após
outra, mas o mar
não se acaba.” -
Friedrich Rueckert,
poeta alemão, 1788 – 1866
Foi
assim, de repente... aconteceu.
Com a
alma estraçalhada, deprimido,
sem
esperança, de ânimo despido,
de
dentro a poesia apareceu.
Nesta
arte sou apenas um pigmeu :
fui de
versos e rimas aspergido,
procurando
o lirismo já perdido
que,
tirado da vida, me abateu.
Não me
envergonha ser assim primário,
com
poemas que o belo não exprima,
só peso
que alivia o meu fadário,
criando
nesta vida um novo clima.
Guardo,
assim, como fosse um relicário,
no
resgate de minha própria estima.
DURAS
REALIDADES
João Roberto Gullino
22.05.98
“Cada amigo novo é um pedaço de nós
próprios reconquistado” – Frederich Hebbel,
1760 - 1826
Sinto a lágrima seca que percorre
por toda entranha do meu ser
quando da vida vejo o entardecer
que chega, se ilusão nenhuma acorre.
Sinto cada esperança quando morre
e rouba desta vida o seu prazer –
impossível de alguém a refazer
quando nenhuma nova luz ocorre.
Sinto não ver da vida o valioso,
mas a severa dor das realidades
de um mudo néscio, fraco e temerosos.
Para suportar tais opacidades
conto com o conforto generoso
do sorriso de minhas amizades.
RECANTO
DO POETA
João Roberto Gullino
24.12.97
“A melhor recompensa para o trabalho do homem
não é o que se ganha, mas o que se torna com ele.”
– John Ruskin
Sobre a mesa, desordem sem igual;
na prateleira, livros empilhados;
na parede, retratos arrumados;
pendente, um quebra-luz qual castiçal.
Fixada abaixo, placa especial
adornada com pássaros pintados
pedindo a Deus, em tons apropriados,
bênçãos para a bagunça eventual.
No chão, amiga nunca desprezada:
a cesta de papeis - guarda secreto
de cada inspiração desaprovada.
Lá, poesia corre o seu trajeto
e o poeta medita em escalada,
para encontrar o verso mais seleto !
RESPOSTA
AO CLAMOR
João Roberto Gullino
06.01.98
“Regressar sem ter partido e procurar
o conselho na memória que se perde... “
– Paulo Bomfim, poeta brasileiro
contemporâneo
Voltarás, sei que um dia voltarás !
Quanto tempo há passado, pouco importa,
tantos trancos na vida ela suporta,
compensa o que de bom sempre nos traz.
Voltarás, o que importa e satisfaz !
No eterno aguardamento que conforta,
mesmo que seja um sonho que transporta
no tempo tantos anos para trás.
Voltarás aos meus braços sem opção,
ao cálido aconchego do meu seio.
envolto nos lençóis “recordação” !
Voltarás, e se tanto eu alardeio,
é por ver tua doce fixação,
já que eu sempre fui teu maior anseio.
DESPEDIDA
João Roberto Gullino
21.11.02
“Há instantes que o homem é senhor do
seu destino”- Shakespeare
Aqui deixo um abraço despedido
e o faço com plausível evidência –
pela amizade fico agradecido
dentro da inesquecível convivência.
Meu destino é Pasárgada, atrevido
sonho, sempre sonhado com freqüência,
e com amigos deixo repartido
o soluço calado dessa ausência.
No gesto de um “até breve” eu aceno,
carregando comigo na lembrança
cada instante que nunca foi pequeno.
Na paz do meu recanto, uma esperança :
pintura e poesia em tom ameno
renovando na vida uma aliança.
FONTE: Livro "Raízes Somente", prazerdeler editora, Petrópolis, RJ, 2013
FONTE: Livro "Raízes Somente", prazerdeler editora, Petrópolis, RJ, 2013
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