A língua latina que, com a supremacia de
Roma, absorveu os dialetos osco, umbro e etrusco, de antigas regiões da Itália;
que se filia ao tronco indo-europeu e se constitui em dialeto primitivamente
usado no Lácio, bacia do Rio Tibre; que copiou, adaptou e aperfeiçoou o
alfabeto dos gregos e o seu mecanismo gramatical; que do grego não teve a
riqueza vocabular, mas lhe foi superior expressionalmente; que se generalizou
em toda a Itália e se estendeu a todo o Império Romano na Idade Média: língua
oficial da Igreja Católica e da literatura dos cultos do Ocidente — sofreu, como era natural, inúmeras
transformações.
As escolas, os conventos, as universidades, em todo o continente europeu, adotaram, então e por muito
tempo ainda, o latim como língua própria.
Tanto as obras religiosas, como as
profanas, eram escritas em latim.
Santo Ambrósio, Santo Agostinho, Santo
Anselmo, São Jerônimo, São Bernardo, Santo Tomaz de Aquino, João Scott, Rogério
Bacon, Dante, Petrarca, Buridan, Erasmo„ Spinoza, Francis Bacon, Leibnitz,
também escreveram em latim. "E ainda hoie — lembra Afrânio Peixoto — é a
língua da ciência, das teses sábias, da sistemática, língua de todos, e de
sempre".
Entretanto, foi o latim popular
("sermo-vulgaris"), e não o latim erudito
("sermo-eruditus"), o pedestal sobre que se ergueram estas sete
línguas, além de muitos dialetos: italiana, francesa, espanhola, portuguesa (do
latim popular falado na Lusitânia), rumena, provençal e rética (da Récia,
região da Helvécia, submetida aos Romanos no reinado de Augusto).
São chamadas neolatinas, ou românicas,
conseqüências, todas, de uma língua que se impunha pelos colonizadores. A quase
totalidade das palavras de qualquer delas tem suas raízes no latim popular. Confirma
Cândido Jucá (filho) que "todo o vocabulário denotativo de qualquer língua
românica é quase 100% latino! E esse é o elemento mais importante, pois é como
a ossatura do idioma...”
E acrescenta: — "Sim. Porque o Latim é
uma língua estilizada, e em grande parte científica, filosófica, poética, jurídica.
Essa língua hoje é morta. Mas o Latim Vulgar, esse vive; é nele que falamos e
escrevemos. Língua que já surgiu feita, procedente do Império Europeu, e que
nunca se deixou de praticar no setor ocidental do Império Romano. O Português
define-se como a versão lusitana dessa língua imortal". (....) "Por
circunstâncias fortuitas, o Latim Vulgar é a mais importante língua da Terra. E
tem no Francês a sua expressão mais
hábil".
Quando se desmoronou o Império Romano do
Ocidente, esmagado pelas hordas bárbaras, o latim literário deixou de exercer sua
velha influência na Europa.
Interessante, nesse sentido, é a observação
de Marques da Cruz: — "Entram na língua elementos de origem bárbara, deturpando-a,
tirando-lhe a graça da construção e pervertendo o gosto daqueles que se
dedicavam às letras. O latim torna-se esquisito. Os verbos são usados no
infinito, em geral, evitando os escritores os outros tempos. Ao latim de ouro do século de Augusto,
sucede o de prata, o de bronze e o de
ferro".
Então, os dialetos vulgares locais
começaram a se desenvolver com absoluta liberdade, chegando a apresentar
diferenças profundas em relação à língua literária. Passaram a constituir,
independentes entre si, as línguas das diversas regiões, sendo que, em cada uma
delas, prevaleceu, logicamente, um dos dialetos locais.
O dialeto preferido, na respectiva nação,
assumia a dignidade de língua literária.
França
Na França, o latim vulgar proporcionou dois
dialetos: "langue d'oil", ao norte; e "langue d'oc", ao
sul. A primeira veio a ser, mais tarde, o francês, e a segunda o provençal.
A literatura dessas duas línguas data do
século X.
Na "langue d'oil", que sustentava
uma literatura de inspiração épico-cavaleiresca, didática e alegórica, tiveram
início as "canções de gesta", ou "de façanhas", sendo a
mais atraente e a mais célebre delas a "Canção de Rolando" (o
principal herói do cicio lendário de Carlos Magno, e morto pelos Mouros nos
Pirineus). A "Canção de Rolando", datada de 1050, tinha 4.002 versos
decassílabos, sem rima, e era considerada a verdadeira epopéia nacional.
O texto autêntico, dessa obra-prima, foi
revelado apenas em 1837, por Francisque Michel, que atribui a um certo Turold sua
autoria.
Escrevendo sobre a "Canção de Rolando",
o mais importante canto épico da França, assim se expressa Klabund:
— "Esta canção mostra, de maneira
clara, como a glória se origina na lenda e na poesia. O Rolando verdadeiro foi
um valentão subalterno, obscuro, que, como narra o historiador Einhart, morreu
na Espanha em 788, num combate de retirada. De um pequeno soldado faz-se o
ideal de toda uma raça, de um combate de retirada sem importância uma batalha
que separa épocas".
Havia também o teatro, com representação
sacra e profana de "milagres" ou "mistérios" (de
"ministerium", donde "menestréis").
A "langue d'oil", em relação à
"langue d'oc", abrangia muito maior extensão geográfica dentro do
território ocupado pela França de hoje.
Quanto à "langue d'oc", era
praticada, como já salientamos, pelo povo da Provença, condado ao sul da
França, entre o Ródano, o Loire, os Pirineus e os Alpes — uma região de povo
típico, bem-humorado, formado por descendentes dos celtas, misturados com
gregos e romanos.
Uma língua simples, flexível e rica,
chamada também "o latim do pobre". E sua sonoridade era um convite à
poesia, que todos amavam com enlevo e até com orgulho.
Chegou a exercer, segundo Marques da Cruz,
num período bastante longo da história, nos séculos X e seguintes, "a
hegemonia literária sobre as nacionalidades da Europa, levando-lhes, numa corrente
caudalosa, o influxo salutar de suas composições trovadorescas".
No século XIII, foi conferido o nome de
"Languedoc" a uma vasta região do sul da França, abrangendo,
inclusive, o antigo condado de Tolosa (Toulouse). Era uma homenagem às terras
que falavam a "langue d'oc". Ainda hoje, lá existe, com área muito reduzida, entre o maciço central e o
Mediterrâneo. É o chamado "baixo Languedoc".
Desde os primórdios da literatura
provençal, nela tomaram parte ativa os trovadores ("troubadours", de
"trouver").
Pode-se afirmar que a sua poesia começou a
ser 'conhecida e apreciada nas cortes' e nos campos romanos à época da Primeira
Cruzada (1096-1099). Havia invadido o norte da Itália, através da Saboia, antes
que existisse uma literatura italiana.
Os primeiros trovadores que, no século XII
(já no período de decadência da civilização provençal), chegaram àquela
península, foram Bernard de Ventadour, Peire Vidal, Rombaldo de Vaqueiras, Arnaud
Daniel, recebidos com honrarias pelas cortes italianas.
No início do século XIII, outros cantores
para lá se dirigiram, premidos pela situação de sua terra, a Provença, que
começava a ser dominada pela França do norte. O fator principal dessa desintegração
foi a chamada Cruzada dos Albigenses (1202-1204), que o papa Inocêncio III
decretou (Quarta Cruzada). Os cristãos do norte da França se arremessaram contra os hereges do
sul, estes encabeçados por muitos senhores feudais anticristãos. Foi uma guerra
desigual, terminada em 1229, e em que os nobres franceses usurparam as terras e
os bens dos provençais.
Mas, segundo lembra Manuel Bandeira, em sua
"História das Literaturas", o pior aconteceu poucos anos depois: —
"Em 1245, a bula de Inocêncio IV, que declarava herética a língua provença!,
foi um golpe de morte para a poesia dos "trobador- O provençal desapareceu como língua
literária".
Dispostos, porém, a conservar a
"langue d oc", fidalgos-poetas de Toulouse resolveram, no início do
século XIV, criar o que se chamou "Grêmio do Gay Saber"
(Grêmio do Alegre Saber, ou Alegre Sabedoria).
Os paladinos desses Grêmio foram sete
poetas: Bernardo de Panassac, Guilherme de Labra, Berenguer de Saint-Plancart,
Pedro de Mejanaserra, Guilherme de Montant, Pedro Camo e Bernardo Oth — que se
propuseram "manter a cultura dos dialetos do Meio-dia da França".
Formavam o "Consistório dos Sete Mantenedores do Gaio Saber", o mais
antigo da França.
Sob a iniciativa dos sete trovadores,
realizou-se o primeiro certame de Jogos Florais, no dia 1º de março de 1323, tendo sido laureado o poeta Arnaldo Vidal, com
o trabalho intitulado 'Um hino de louvor à Virgem".
Para coroar esses concursos poéticos
anuais, eram distribuídos dez prêmios às melhores poesias na
"langue d'oc". Os prêmios consistiam em jóias de ouro e prata, com
formato de flores como a violeta, o amaranto, a rosa silvestre. Daí o nome de Florais.
Era, sob outro aspecto, uma revivescência
dos antigos jogos e festas que se realizavam na Primavera, em Roma e arredores,
homenageando a deusa Flora.
Luiz XIV, muito mais tarde, em Carta Régia
de 1694, minou a reorganização dos Jogos, sendo, porém, admitido o francês, a
partir daquela data.
Afinal, a "langue d'oc", tão
bonita e cheia de expressão musical, batida pelas vicissitudes e vencida pelo
tempo, teve de recolher-se e restringir-se à bela Provença, à terra venturosa e
alegre em que nasceu.
Como enunciamos, em outro capítulo, há
estudiosos
que atribuem a invenção do Soneto aos
provençais. Entretanto — em que pese a delicadeza da língua— a métrica e as
estrofes dos cancioneiros não poderiam, pela sua natureza, dar origem a um
poema tão requintado como é o Soneto.
A poesia lírica provençal apresentava
outras formas poéticas, como a "canção" e "cançoneta", de
autoria dos grandes senhores; a “pastoreia", que era o idílio entre
pastores; o tristonho "descordo". que reproduzia os amores infelizes;
o "sirvente", canção satírica; a "serenata", geralmente
cantada à noite; a "balada", acompanhada pela dança; a
"romaria", canto de romeiros, de peregrinos: a " barcarola
", com motivos da vida marinha, devendo, de preferência, ser cantada no
mar; o "desafio", cantado por dois poetas, ou mais, desenvolvendo um
tema.
De qualquer maneira, a "langue
d'oc" havia cumprido uma grande missão. Chegava a um fim melancólico, mas
deixando, atrás de si, interminável rosário de belezas, sucessos e maravilhas.
Com a diminuição das significativas
manifestações literárias da Provença e com a debandada dos nobres do sul para o
norte francês, para a Itália e para a Espanha, a literatura da "langue
d’oil” (do norte da França) passou a conhecer um movimento impressionante,
exercendo, por sua vez, grande influência na literatura dos outros povos.
E o francês nascido da "langue d'oil"
acabou por ser universalizado.
François Villon (1431-1489) foi o último
poeta medieval da França.
Clemente Marot (1496-1544) e Mellin de
Saint-Gelais (1487-1558) trouxeram o soneto da Itália para a França.
Em 1635, o cardeal Richelieu fundou a
Academia Francesa.
A literatura da França, com o perpassar dos
tempos, tornou-se um monumento de grandiosidade inatingível.
Goethe já dizia: — "Que infinita
cultura tinham de si!"
E, se somarmos os seus valores literários
até os tempos modernos, principalmente os do século XIX, temos de repetir Afrânio
Peixoto:
A literatura francesa excede mesmo a grega,
com a qual se compara em perfeição, mas excede em grandeza. Só ela vale por
todos os literatos modernos. Não tem, dizem, um Dante, um Shakespeare, um
Cervantes, um Camões, um Goethe: não tem um só apenas que, então, se alinharia,
ao lado destes: tem tantos que a escolha será difícil: Rabelais, Corneille,
Racine, Molière, Pascal, Bossuet, Voltaire, Flaubert, Renan, Hugo... valem
como estes grandes e singulares de pequenas literaturas, eles todos de uma só
literatura".
E o soneto encontrou na língua francesa um
campo maravilhoso para florescer. Basta que relembremos aqui alguns dos nomes de
maior realce, que formaram em suas fileiras: Ronsard, Cristophe Plantin,
Gautier, Baudelaire, Soulary, Leconte de Lisle, Herédia, Sully Prudhomme,
Verlaine, Rimbaud, Samain, Coppée. Rostand, Richepin, Paul Bourget, Haraucourt.
Itália
Na Itália, o vulgar italiano tomou mais
corpo no princípio do século XIII, quando se impôs como a língua de toda a Península.
O dialeto que ali prevaleceu foi, afinal, o
toscano, principalmente o da cidade de Florença. Era a língua de Dante,
Petrarca, Bocaccio e outros.
Dante escreveu no dialeto toscano, e não em
latim, língua culta, sua imortal "Divina Comédia".
Daí o ter sido fixado, esse dialeto, como a
língua de hoje — naturalmente muito modificada, com o correr das eras. Dante
criou, assim, o idioma de sua pátria.
Não se pode, todavia, ignorar a
contribuição riquíssima prestada, antes, pela Sicília.
Aliás, a Sicília, como vimos, é o verdadeiro
berço do Soneto. E a língua italiana soube guardar, com dignidade e com orgulho,
no escrínio precioso de sua literatura, este dom que os deuses lhe ofertaram.
Através dos séculos, a Itália jamais se esqueceu de lhe tributar as mais
significativas homenagens.
Para citarmos apenas alguns dos sonetistas
mais ilustres daquele país, alinhamos, aqui, os nomes de Dante, Petrarca,
Miguel Angelo, Tasso, Fóscolo, Carducci, Stecchetti, todos autores de páginas
célebres desse gênero de poesia.
Espanha
Na Espanha, o latim popular, que os
colonizadores falavam, sofreu o influxo decisivo dos fenícios, cartagineses,
gregos, góticos, árabes. Dessa verdadeira fusão nasceu o castelhano, a língua
oficial e literária da Espanha.
O soneto foi introduzido, na Espanha, pelo
Marquês de Santilana (1398-1458).
Veio, com o escoar dos séculos, uma
literatura poética de vitoriosos nomes, destacando-se: Teresa de Jesus e São João
da Cruz, os grandes místicos; Lope de Vega, o lírico de estilo claro e direto;
Góngora e Quevedo, os dois maiores poetas do barroquismo espanhol; Calderon de
la Barca, cuja grande figura encerrou o Século de Ouro da Espanha; Tirso de
Molina, Garcilaso de La Vega; Fernando de Herrera; José Zorrilla; Campoamor; Espronceda;
Salvador Rueda; Villaespesa; Juan Ramon Jimenez — poetas que moram no coração
de todos os que, no mundo inteiro, amam a poesia, ou amam, particularmente, o
soneto.
Portugal e Brasil
E a língua portuguesa, nós o sabemos, é o
mais novo rebento do velho latim vulgar.
Sua literatura surgiu com a própria
nacionalidade, quando D. Afonso Henriques libertou o Condado Portucalense do
domínio de Castela. Foi ele o fundador de Portugal.
Em 1128, revoltou-se contra sua mãe,
vencendo o exército desta, em São Mamede: independência de fato, do país. Em
1139, tomou o título de rei-Afonso I. E, em 1143, fez-se reconhecer rei de
Portugal. Como fizera Afonso VII de Castela, declarou-se vassalo do Papa.
Em conseqüência, tornou-se necessária a
criação de uma língua adequada. O latim vulgar, falado na Lusitânia, foi se
alterando gradativamente, até formar um idioma diferente, o português.
Como todas as literaturas da Europa
medieval, também a sua teve raízes na Provença.
Nasceu, pois, a literatura portuguesa, do
espírito aventureiro dos trovadores, que levaram, também para aquela terra, seu
sentimento, seu ideal e suas canções.
O Professor Massaud Moisés, em seu livro
"A literatura portuguesa", escreveu, abordando o assunto:
—"A Provença tornara-se, no século XI,
um grande centro de atividade lírica, mercê das condições de luxo e fausto
oferecidas aos artistas pelos senhores feudais. As Cruzadas, compelindo os
fiéis a procurar Lisboa como porto mais próximo para embarcar com destino a
Jerusalém, propiciaram a movimentação duma fauna humana mais ou menos parasitária,
em meio à qual iam os jograis. Estes, penetrando pelo chamado "caminho
francês", aberto nos Pirineus, introduziram em Portugal a
nova moda poética".
No "Romanceiro Geral", coligido
da tradição por Theóphilo Braga (Coimbra — Imprensa da Universidade — 1867),
também lemos, a respeito, o seguinte:
— "Muitos trovadores provençais, vendo
inútil a galanteria de suas canções, sem esperança de abrandarem o coração ou
pelo menos de alcançarem um sorriso das castelãs, precipitaram-se na empresa
das Cruzadas; era a resolução extrema a que se entregavam, ao acaso das
peregrinações e dos combates, em vez da vida ociosa dos castelos e das cortes
do amor, que mais satisfazia a sua natureza meridional. Quando a Europa se
alevantava levada pelo sentimento religioso, com a idéia do santo Sepulcro, o
trovador ia acompanhado pelo desalento
para esquecer o sepulcro dos seus amores —
a Provença. O povo guardava na memória o romance ligeiro, com que o trovador
peregrino, na sua passagem, pagava a hospitalidade; ia-o repetindo, e o
recordar-se era como criar novamente sobre as impressões que tinham ficado.
Assim se espalharam as grandes tradições cavalheirescas, repetidas na Itália,
em Portugal, Espanha e na Grécia moderna. Em Portugal, encontram-se documentos
da passagem de Pierre Vidal (Peire Vidal). Na sua doidice, partiu levando na
alma a imagem de Adelaide de Roquemartine, e na imaginação a conquista do
Oriente".
Somente no século XII surgiram os primeiros
documentos escritos em língua portuguesa. Admite-se que o mais antigo de todos seja
a "Notícia de Torto", do tempo de D. Sancho I, segundo rei de Portugal, que reinou de 1185 a 1211. Afrânio
Peixoto, porém, diz que "o mais antigo texto português que se conhece é escritura
de partilhas, de 1192".
Quanto ao poeta que primeiro escreveu em
língua portuguesa teria sido Paio Soares de Taveiros que, em 1189, compôs, no então balbuciante idioma,
como já registramos, uma "cantiga de amor", oferecida à favorita de
D. Sancho I, D. Maria Pais Ribeiro, "a Ribeirinha".
Do século XII ao século XIV, a poesia de
inspiração provençal dominou em Portugal. No século XV, já a influência espanhola
se fazia notar na prosa e na poesia portuguesas. Os poetas escreviam em
português ou espanhol.
Não obstante, o soneto veio, não da
Provença, e sim da Itália, trazido por Francisco de Sá de Miranda, mais tarde,
quando a língua já havia adquirido a maturidade necessária. Veio da Itália, juntamente
com os outros moldes literários da Renascença.
A literatura portuguesa se ergueu, daquela
época até os nossos dias, ao mais alto cimo da Arte. Ombreou-se com os grandes
feitos, com a audácia e o valor de seu povo. "Portugal, semente de impérios",
chamou Gustavo Barroso.
Bastaria lembrarmos que Camões foi o autor
de uma das maiores epopéias de todos os tempos e de todas as literaturas.
"Os Lusíadas". Não podemos, porém, esquecer que Portugal foi, igualmente,
berço de sonetistas primorosos. A relação desses poetas seria muito longa.
Vamos apontar, de passagem, ao lado de Camões, também sonetista, os nomes de
Rodrigues Lobo, Bocage, Quental, Correia de Oliveira, Virgínia Vitorino,
Antônio Nobre, Augusto Gil, Eugênio de Castro, Júlio Dantas, Florbela Espanca...
No Brasil, a língua portuguesa continuou a
brilhar e literatura tem honrado as belíssimas
tradições de Portugal.
E não só a literatura brasileira é causa de
orgulho para a gente de além-mar. Também são motivos desse orgulho a fidelidade
da raça, o respeito e a admiração pela magnitude dos ancestrais, o presente
grandioso do Brasil como retrato do grandioso passado de Portugal.
São de Júlio Dantas estas palavras, que bem
demonstram a firmeza da união espiritual dos dois povos irmãos: — "Para
nós, portugueses, visitar o Brasil, estudar o Brasil, é entrar num maravilhoso
salão de espelhos: vemos a nossa imagem refletida por toda a parte".
Em nosso país, poetas do mais alto quilate
desfilaram e desfilam, garbosamente, na passarela azul da arte mais apurada. Em
capítulos diversos, tratamos do assunto com os detalhes necessários. Mesmo
assim, não há como fugirmos, aqui, à citação de alguns dos mais perfeitos
sonetistas de nossa Pátria: Cláudio Manuel da Costa, Olavo Bilac, Raimundo
Correia, Alberto de Oliveira, Vicente de Carvalho, Luiz Delfino, Luiz Guimarães
júnior, Hermes Fontes, Alceu Wamosy, Raul de Leoni, Moacir de Almeida, Olegário
Mariano, Raul Machado, Gilka Machado, Da Costa e Silva, Guilherme de Almeida...
Grandeza de uma língua
A língua portuguesa, de pujança admirável,
é o elo sentimental mais importante que liga dois povos, irmãos no sangue e no
espírito.
Ela, que nasceu em Portugal e ramificou-se
pelo Brasil, é uma língua sonora e rica, que cantou os feitos heróicos e a vida
edificante de uma pátria chamada por um de seus poetas "jardim da Europa à
beira-mar plantado".
Quando atravessou o oceano, palpitando
dentro das caravelas de Cabral, já alcançara maioridade e já se vinha
aperfeiçoando desde muito tempo. Doando-nos sua língua, Portugal nos entregava
séculos de triunfos e, mais que isto, a fé com que abençoou nosso porvir.
Chegou, até nós, nas páginas de escritores
e poetas inexauríveis.
Aqui no Brasil — pelo menos assim o diz
nossa vaidade humanamente santa — ganhou matizes novos e novo sentido
expressional. Aqui se rejuvenesceu, diante da magnitude da terra virgem, esplendidamente bela.
Como a árvore que sempre renova as folhas e
os frutos, os ninhos e os pássaros, a língua portuguesa manteve a cor viva e a beleza
musical dos vocábulos; porém, não há dúvida, jovializou-se no coração da outra
gente que passou a caminhar, lado a lado, com ela, no rumo do mesmo destino
venturoso.
Esta língua, que é hoje luso-brasileira,
conserva as maravilhas e o prestigio da velha estirpe, mas parece haver
adquirido uma nova formosura, depois de longo convívio com o Novo Mundo.
Ela vem de longe, e traz, nas suas
sandálias, o pó de estradas que já nem existem mais... Vem de longe, enriquecida
pelo esforço e pela inteligência de D. Dinis, rei e trovador... Vem de longe,
depois de vibrar nas canções das moças graciosas que, no velho Portugal, fiavam
o seu linho, iam à fonte e mostravam sua graça nos bailados... Vem de longe, do
tempo em que cavaleiros audazes viajavam em busca do "Santo Graal", o
vaso onde José de Arimatéia recolhera o
sangue de Cristo, e que, segundo a lenda, estava escondido numa floresta... Vem de longe, da fundação por D. Dinis, da
primeira Universidade portuguesa em Lisboa, no ano de 1288; depois transferida,
três vezes, para Coimbra, em 1308, em 1354 e, definitivamente, em 1537, por D.
João III...
Vem de longe, das cortes reais, dos conventos,
das eras memoráveis de Sá de Miranda, Fernão Lopes, Bernardim Ribeiro, Gil
Vicente, João de Barros...
Vem de longe, de Luís de Camões, que, com
"Os Lusíadas", marcou o ponto mais alto a que podia chegar um idioma.
Continuou, depois, brilhando na literatura
monástica, com o Padre Manuel Bernardes, o Frei Luís de Souza e o Padre Antônio
Vieira; nas reformas patrióticas do Marquês de Pombal; na inspiração
privilegiada de Bocage; na arte notável de Filinto Elísio.
E veio até nós, nas asas multicores das
páginas de Almeida Garret, Alexandre Herculano, Antônio Feliciano de Castilho,
Soares de Passos, João de Deus, Antônio Nobre, Antero de Quental, Camilo Castelo
Branco, Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz, Júlio Dinis, Oliveira Martins, Guerra
Junqueiro, Gomes Lial, Cesário Verde, Augusto Gil, Eugênio de Castro, Correia
de Oliveira, Fernando Pessoa.
Poderíamos dizer que, em nossa Pátria, a
prosódia e o timbre, de hoje, são as novas folhas e os novos ninhos daquela
árvore miraculosa; e que a sintaxe popular e o vocábulo substancialmente
brasileiro são os novos frutos e os novos pássaros da velha árvore.
A lógica influência portuguesa,
praticamente, não existe mais. O pensamento
e o sentimento, como é óbvio, já se expressam de maneira tipicamente nacional.
Se o idioma é o resumo da vida e da
história de um povo, o Brasil não poderia conservar intata a língua de um outro
povo, por mais afins e mais semelhantes que fossem as suas peculiaridades.
O Brasil recebeu-a de seus maiores, como um
precioso legado, e foi limando-a carinhosamente. Para tanto, conduziu-a ao
bulício das cidades; ao recesso das matas; ao alcantil das montanhas; às intermináveis
coxilhas; às veredas que cortavam os ínvios sertões; às cavalgadas, às
vaquejadas e aos acampamentos do boiadeiro. Transmitiu-a à melopéia dolorida e
sentimental do tropeiro e do carreiro;
aos cantadores que suspiravam toadas singelas, ao planger saudoso das sanfonas
desfolhando modinhas. Levou-a à azáfama das lavouras; à faina dos escravos e
dos caboclos que mourejavam nas fazendas e nos campos; aos algodoais salpicados
de branco; aos cafezais pingados de sangue vermelho. Fez com que chegasse aos
engenhos onde as moendas rinchavam e os tachos ferviam a cana. Carregou-a para
as mansões das aristocracias rurais e para as casinholas dos plebeus; à
aventura sonhadora dos garimpos; à festa alegre das danças nativas.
Transportou-a ao mundo encantado das
lendas; à alma dos poetas e seresteiros; aos amorosos, com as flores de seus
beijos e o espinho de suas desilusões. Invadiu, com ela, os interiores da
casa-grande e da senzala. Aliou-se às carícias da escrava, fiel e amiga, que,
de mistura com a sua língua natal,
entoava canções tristes, aninhando os gulosos filhos brancos nos seios negros e
fartos, ou ensinava rezas enigmáticas para sinhá. Com ela, acompanhou as
liturgias cristãs e propalou-se nos conventos de onde saíam os jesuítas para
pregar a fé e enaltecer a formação de nossa unidade espiritual e social.
Juntou-se à sinfonia bárbara dos grandes
rios, e à esplendorosa marcha das Bandeiras.
Aliás, os destemerosos Bandeirantes, quando
procuravam realizar o sonho do ouro e das esmeraldas, o que estavam, de fato, fazendo,
sem o sentir, era estender o raio de ação de uma língua suavemente bela.
A língua brasileira não forjou, desde logo,
uma literatura independente da de Portugal, não criou uma expressão nacional
absoluta. Mas, com o andar do tempo, houve o fenômeno lógico e inevitável da
transformação da língua lusa em língua brasileira, caldeada através de vários
séculos e enriquecida com a contribuição do tupi-guarani.
*
Nesta altura, achamos por bem transcrever
opiniões emitidas por dois grandes críticos literários e historiadores
brasileiros: Ronald de Carvalho e José Veríssimo.
Ronald de Carvalho, depois de citar algumas
razões, assim se expressou sobre os "argumentos que militam a favor da
existência de uma literatura brasileira":
—"Apesar de não possuirmos uma língua
própria, acreditamos, ao revés de alguns pessimistas de pequena envergadura,
que não nos falecem as condições necessárias ao advento de grandes obras
literárias, perfeitamente brasileiras, caracteristicamente nacionais. A
influência portuguesa, predominante até os fins do século XVIII, entrou, no
século XIX, em franco declínio; e hoje não existe mais senão como apagado
vestígio, repontando, raro em raro, nalguns escritores quase sem relevo. O
idioma falado por nós já apresenta singularidades notáveis; nossa prosódia tem
acentos mais delicados que a lusitana, e há na sintaxe popular muitas
particularidades interessantes. Temos, também um extenso vocabulário,
essencialmente brasileiro, cuja importância se faz mister encarecer. O meio é
rico de aspectos físicos e sociais, a cultura aumenta consideravelmente, e não
será difícil descobrir por todo o país os sinais de uma orientação nova, no
tocante a problemas nacionais, de uma orientação que, sem os preconceitos jacobinos
de 1889, poderá imprimir um forte impulso à nossa evolução, dando ao Brasil uma
clara visão dos seus destinos.
Todas essas modalidades necessariamente
fornecerão elementos preciosos para o desenvolvimento das nossas letras, como
no século XIX sucedeu com a
Independência, que foi a origem insofismável do indianismo de Gonçalves Dias e
Alencar".
José Veríssimo, merecendo o beneplácito
posterior de Ronald de Carvalho, já registrara:
—"A literatura que se escreve no
Brasil é já a expressão de um pensamento e sentimento que se não confundem mais
com o português, e em forma que, apesar da comunidade da língua, não é mais
inteiramente portuguesa. É isto absolutamente certo desde o romantismo, que foi
a nossa emancipação literária, seguindo-se naturalmente à nossa independência
política. Mas o sentimento que o promoveu e principalmente o distinguiu, o
espírito nativista primeiro e nacionalista depois, esse se veio formando desde
as nossas primeiras manifestações literárias, sem que a vassalagem ao
pensamento e ao espírito português lograsse jamais abafá-lo. É exatamente essa
persistência no tempo e no espaço de tal sentimento, manifestado
literariamente, que da à nossa literatura a unidade e lhe justifica a
autonomia".
*
A princípio, como era natural (assim nos
ensina Ronald de Carvalho), a nossa literatura, em Período de Formação (1500-1750),
refletiu, totalmente, o pensamento português. Foi no tempo do Padre José de
Anchieta, de Bento Teixeira, de Eusébio de Matos, de Botelho de Oliveira, Rocha
Pita, Itaparica, Antônio José da Silva. O poeta Gregório de Matos, com sua
inteligência, sua lealdade e, principalmente, com o seu talento multiforme,
fez-se, no dizer de Ronald de Carvalho, "o primeiro espírito varonil da raça
brasileira".
Até o século XVII, o nosso povo defendeu a
língua-mãe, como defendeu as costas atlânticas contra a ambição dos estrangeiros
cobiçosos. Depois, passou a desenvolver a língua, ao mesmo tempo em que
conquistava o sertão, lutando contra o índio, a natureza e outras inúmeras
dificuldades inenarráveis. Brasileiros de raça forte, como verdadeiros
argonautas do sertão, viveram episódios marcantes de abnegação e heroísmo,
alargando fronteiras e descobrindo novas terras dadivosas.
Veio o Período de Transformação
(1750-1830). Os poetas-patriotas da escola mineira iniciaram o movimento de
independência da nossa literatura: Basílio da Gama, Santa Rita Durão, Alvarenga
Peixoto, Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga, Tomás Antônio Gonzaga.
Seguiram-nos, ainda, nesse período, José Bonifácio e Mont'Alverne.
Mais tarde, depois de 1830 (Período
Autonômico), a literatura se tornou, em realidade, nacional. E, através das
várias escolas literárias, foi construída, como veremos adiante, uma obra grandiosa
que imortalizou poetas, operários espirituais de porte extraordinário.
*
Numa língua tão maviosa, tão expressiva como
é a nossa, o soneto teria de estar presente, com toda a sua excelcitude.
Centenas de obras-primas dessa forma fixa surgiram
e surgem em Portugal e no Brasil.
No Brasil, a exemplo dos demais países, a
evolução da poesia atrelou-se à própria evolução social do povo, integrando-se até mesmo na história
pátria; e influindo na formação do caráter nacional.
Acompanhou, como era de se esperar, os
movimentos universais, de que foram reflexos os procedimentos dos nossos
artistas.
O século XX encontrou o Brasil em posição
literária bastante estável, espelhando a situação de todo o mundo. Mas, já antes
da sua segunda década, mudanças radicais, recordadas em outras partes deste livro, começaram a se processar, inclusive
na área da poesia, também corno reflexo dos acontecimentos externos.
Resumindo:
Sentimo-nos felizes constatando que as
línguas neolatinas foram o berço de ouro do Soneto.
Na língua italiana, sua língua materna, o
soneto balbuciou os primeiros sons, falou os primeiros versos, encantou a
Itália com os seus nobres sentimentos, e saiu pelo mundo, poliglota mágico, erguendo
a sua voz altíssona por toda parte.
Na língua francesa, veste-se com raríssima
elegância, ele que, na imagem de Sainte-Beuve, é "gota de essência numa
lágrima de cristal".
Na língua espanhola, o soneto, o "templo
de quatorze colunas” de Rubén Darío, é cantante, sublime.
E, na língua portuguesa, luminosa e suave,
o soneto é mais brilhante, mais espiritual, dando a impressão de que se imagina
perfeitamente à vontade, em sua redoma de estrelas.
O soneto, rosa admirável de quatorze pétalas,
possui, também, o perfume inebriante desta
"última flor do Lácio, inculta e bela...”
(Das páginas 125 a 138 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto",
de Vasco de Castro Lima)
EXCELENTE, PARA MIM QUE SOU AMANTE DA POESIA CLÁSSICA. ESSE TEXTO HISTÓRICO É GRANDE PRESENTE.
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