Sonetos ao Soneto



Em várias línguas, o Soneto tem merecido a 
apologia de inúmeros poetas.
Uns, evocando os grandes sonetistas, outros 
exaltando o próprio Soneto.
Os poetas o têm comparado a 14 colunas, 14 torres, 
14 catedrais, 14 espadas,
14 espinhos, 14 punhais de ouro, 14 gomos, 14 facetas, 
14 remos, 14 pulsações, 14 caminhos.

Vejamos estes dois versos finais de um soneto do poeta luso
Antônio Correia de Oliveira:
  ... "Faz-se um soneto (ao que parece!) enquanto
o coração bateu quatorze vezes."




Alguns Sonetos ao Soneto:


 José Fernandes Costa
 (1848-1920)
(homenagem desse poeta português ao soneto e a alguns de seus cultores mais festejados)

Amo o soneto, o engaste florentino
de tanta jóia de lirismo alado,
de tanto pensamento cristalino,
de tanto amor, de tanto ideal sagrado.

Nele, Petrarca, o sonhador divino,
deixou gemer o coração rasgado;
Tasso cantou seu mísero destino;
Dante, o amor imortal do seu passado.

Teve, nele, o cantor do "Paraíso",
descanso às suas últimas visões;
deu-lhe Bocage, eterno, o choro e o riso;

Antero, um mundo de interrogações;
e tantos outros... que nem é preciso
 lembrar, ainda, quanto o amou Camões.



Batista Cepelos
Cotia, SP, 1872
Rio de Janeiro, RJ, 1915
 (exortação ao Soneto)

Como um bloco de pedra, inanimado e forte,
tens a idéia. Pois bem: trabalha na obra-prima!
E, antes de começar, num sublime transporte,
aguarda a inspiração, que baixa lá de cima...

Depois te quero ver, mais duro que Mavorte,
batendo com o martelo e rilhando com a lima!
E, talhado de rijo, em soberbo recorte,
gire o verso, a cantar, no eixo de ouro da rima...

E que um dia nos venha, extraordinário amigo,
um soneto que vibre, entre clarões dispersos,
levantando o rumor de um campanário antigo...

E, no sumo apogeu das formas desejadas,
grite pelo metal dos seus quatorze versos,
relampagueando ao sol, como quatorze espadas!




Guilherme de Almeida
São Paulo (1890-1969)
(o poeta compara o soneto aos 14 passos da
Paixão de Cristo)


Soneto: forma de perfeita Forma!
Crisol e jóia do Renascimento,
emoção, verbo, ritmo, evento e invento,
tudo em sua alquimia se conforma.

Senhor do silogismo, ele transforma
a Lógica em Beleza e, ao argumento,
— à maior e à menor —  dá valimento
a estrita e bela submissão à Norma.

Ao poeta ele oferece o altar da História:
um Calvário e um Parnaso — Dor e Glória —
duas premissas e uma conclusão.

Árdua escalada, custa apenas isto:
quatorze passos da Paixão de Cristo
por quatorze degraus da Perfeição.



Alfredo Cunha
(poeta português, leu este soneto, de sua autoria, em 1923, na Academia de Ciências de Lisboa)

Dourado bergantim, num mar distante,
num mar que banha regiões graciosas,
povoadas de imagens fantasiosas,
como um tropel de fadas, doidejante...

À proa canta a Musa — o tripulante
que à flor de um lago, todo leite e rosas,
ou no dorso das vagas espumosas,
conduz ligeiro a quilha de diamante.

Ao país da quimera vai correndo
— fatal país donde jamais volvemos,
ao mesmo tempo tentador e horrendo.

E audaz buscando esses confins extremos,
o leve bergantim vão-no movendo
as pás argênteas de quatorze remos.



Nilo Aparecida Pinto
Minas Gerais (1917-1975)
(sonetista primoroso, grande entre os que mais o sejam, em nossa língua, escreveu esta página brilhante)


Rosa de ouro e cristal que, na alta rama
do pátrio idioma eternamente presa,
enfeixas no pudor da tua trama
o véu de castidade da beleza!

Prefiro, para amar-te, a mesma chama
da fé, porque és a catedral acesa
onde rezo, no culto que me inflama,
minha oração à língua portuguesa!

Soneto, em vão os deserdados da arte
clamarão contra ti, que os não socorres.
Mas eu me ajoelho para celebrar-te,

quando, afrontando todos os destinos,
ergues, no templo de quatorze torres,
a perpétua aleluia dos teus sinos!




Cruz e Sousa
Santa Catarina (1861-1898)
(representante maior do Simbolismo no Brasil e sonetista de estilo impressionante e notável,  esse poeta homenageia o Soneto em seu próprio Soneto)

Nas formas voluptuosas, o Soneto
tem fascinante, cálida fragrância
e as leves, langues curvas de elegância
de extravagante e mórbido esqueleto.

A graça nobre e grave do quarteto
recebe a original intolerância,
toda a sutil, secreta extravagância
que transborda terceto por terceto.

E, como singular polichinelo,
ondula, ondeia, curioso e belo,
o soneto, nas formas caprichosas.

As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
e, na mais rara procissão augusta,
surge o sonho das almas dolorosas...




Áureo Contreiras
Bahia
(contemple-se a explosão ao 
mesmo tempo de dor e 
deslumbramento do poeta)
  
Faço um soneto sem contar nos dedos
as sílabas de sua construção.
Quatorze versos. Líricos enredos.
Quatorze espinhos no meu coração.

Ponho nele o cetim dos arvoredos
e a cor das lindas tardes de verão.
Faço dele a caixinha de segredos,
todos trancados pela minha mão.

Quatorze tristes catedrais vazias,
cujo silêncio esmaga as harmonias
dos meus desejos vãos de Perfeição.

Faço um soneto. Ó, essas mãos esguias
roubando estrelas pelas noites frias,
nas minhas noites de meditação!



Adelaide (Ide) Schloenbach Blumenschein - Colombina
São Paulo (1882-1963)
(numa tonalidade ao mesmo tempo didática e apologética a poetisa cantou assim o Soneto)


Quatorze versos; rimas e medida
para que a forma seja sem defeito.
E na primeira quadra - ainda escondida,
a imagem sugestiva ou algum conceito.

Para à segunda quadra dar efeito,
o poeta, muita vez, tem dura lida;
pois, num ritmo melódico e escorreito,
a idéia deve ser compreendida.

O primeiro terceto vai subindo
a escala da emoção e é sempre lindo,
dela trazendo a máxima expressão.

Depois, a chave-de-ouro, enclausurando
a jóia num escrínio, e revelando
o poder imortal da Inspiração!



 Vitor Silva
(1865-1922)
(poeta parnasiano dos mais ardorosos é o autor deste soneto)

  
Rendilho no ouro o verso, em leve lhama;
logo, ofuscando a pávida pupila,
a rima esplende e corre na áurea trama,
como uma gota de ouro que cintila.

Crebra, vibrando em sons de luz, tintila
a frase crespa que o lavor recama
e a estrofe acesa de iriante chama,
em áscuas de ouro trêmula fuzila.

E atento o olhar, nem conto o tempo breve.
Alheio a tudo, a mão serena e leve,
sutil... sutil... correndo no tesouro...

Enredo, enleio os fios de ouro, fino,
e ao jeito de um ourives florentino,
bordo o soneto em filigrana de ouro.



Correia Pinto
(depois de apresentar uma série de 
imagens de exaltação ao soneto,
o poeta faz o endeusamento de Petrarca)


Lembras, no aspecto, as frágeis miniaturas,
escrínio, camafeu, flor em redoma,
missal a refulgir de iluminuras,
frases de ouro a evolar fugace aroma.

Êmulo de imperiais cinzeladuras,
que o poeta ductiliza, esmera e croma,
lavor que impõe desvelos e torturas,
mas donde, em versos, a Beleza assoma.

Quem te arquiteta em rimas de alabastro,
enclausurando em ti a imensidade,
da larva subterrânea à luz de um astro,

transmuda-te de fino estojo em arca,
jóia antiga de eterna mocidade,
sacrário excelso da alma de Petrarca.



 Atílio Milano
 (1897-1955)
(a homenagem do poeta ao Soneto)


Os poetas repudiam-te, soneto!
Dão outra forma às suas produções.
Chamam-te arcaico, dizem-te obsoleto
como Horácio, a Arte Poética e os Pisões. (*)

Mas tu não morrerás, és o esqueleto
da idéia, que resiste às construções.
O pensamento vive em ti, completo,
de Ronsard, de Petrarca, de Camões!

Disse Boileau que vales todo um poema!
Dentro de ti, como num cofre, coube
de chave de ouro, a inspiração de Arvers,

o poeta que em quatorze versos soube,
na arte da tua síntese suprema,
eternizar o amor a uma mulher!

_________________
(*) - Verso 4 - PISÃO (Lúcio Calpúrnio) - (48 a. C. - 32 d C.) - governador da Trácia. Horácio lhe dedicou a "Arte Poética" ("Epistola ad Pisonem" -Àrs Poética).
________________



Filinto de Almeida
Porto, Portugal , 1857
Rio de Janeiro, RJ, 1945
(esse poeta, sobre todas as coisas, amava o soneto e a ele dedicou uma página em que extravasa certa dose de vaidade literária, aliás compreensível num poeta que adora o seu destino de cantar)



 "A SUA EXCELÊNCIA O MEU AMIGO SONETO"

Meu amigo Soneto, eu te agradeço
o  carinhoso, consolante abrigo
que dás à dor imensa que padeço
e deste aos sonhos que eu cantei contigo.

Mais te amo quanto mais te ouço e conheço,
jovem cantor que vens do tempo antigo,
e tenho a tua estima, que é sem preço,
meu companheiro, meu melhor amigo.

E, graças ao prestígio dessa estima,
tu me fizeste um grão-senhor da Rima,
e me acolhes agora como dantes,

e abres-me ainda — e desde a mocidade — ,
teus quatorze caminhos rutilantes,
que desembocam na imortalidade.



Sílvio Valente
Bahia (1918-1951)

SONÊTO XX

Amo o sonêto porque é molde antigo
para dizer as coisas sempre novas;
porque depois de não sei quantas provas
um pudor virginal guarda consigo.

O sonêto é mais puro do que as trovas.
Sim, Bem-Amada, eu nêle apenas digo
tudo que é nobre em mim, tudo que aprovas
e é meu prêmio na vida, e meu castigo.

É fino e breve, e tem segredo e arte;
uma pureza, enfim, tão cintilante
que, quando um dia desejei cantar-te,

os teus encantos rútilos, diversos,
pus em sonêto; e desde aquêle instante
só sei rimar-te com quatorze versos!



J. G. de Araujo Jorge
Tarauacá, AC (1914-1987)

AO SONÊTO

Fino frasco de forma nobre e pura,
E, ao mesmo tempo, taça de cristal,
Onde a vida, em beleza se emoldura
E vibra como um órgão musical.

Em transe, o poeta sempre te procura
Para desabafar, sentimental,
Seu pobre coração que se amargura
Ou seu canto de amor, belo e triunfal!

Cabe em ti tudo quanto em nós palpita,
Tudo quanto se sonha ou se concebe:
— A finita emoção, a alma finita...

Vinho da uva da vida, que se pisa,
— És, a um só tempo, a taça em que se bebe,
E o frasco em que a beleza se eterniza!






(Das páginas 181 a 187 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto", de Vasco de Castro Lima)




3 comentários:

  1. Olá! Você tem os títulos desses sonetos?

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  2. Achei muito interessante. Diante disto, eu que sou um poeta que já escrever cerca de 1.000 sonetos, posso manda um, de minha autoria, para ser incluído dessa lista de estoques desta joias da espécie?
    Francisco Miguel de Moura, meu e-mail é franciscomigueldemoura@gmail.com

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