CONTRIÇÃO
Beatrix
dos Reis Carvalho
Meu Deus, eu sei. Eu sei, não merecia
esse
bem que me dás em profusão.
Sofrer
é justo como a luz do dia,
mas
ser feliz é prêmio, é galardão!
Quase me acostumara à tirania
da
vida que castiga sem razão.
E,
para mim, o amor como eu queria
era
uma estrela, longe, na amplidão;
não devia existir e, se existisse,
querê-la
era loucura, era tolice,
que
as estrelas não vêm à nossa mão...
Meu Deus! Puseste a estrela em meu caminho!
Por
esse amor que é todo o meu carinho,
perdão
se duvidei, perdão, perdão!
Abaixo
sonetos transcritos do livro “Manhãs”,
Rio de Janeiro, 1928
(grafia da época)
Rio de Janeiro, 1928
(grafia da época)
A
VIDA
Beatrix
dos Reis Carvalho
A
vida é um lindo sonho róseo-albente,
Uma
quimera, uma ilusão fagueira,
Que
um dia se transforma de repente
Em
dôres sem remedio, em nada, em poeira.
Para
uns ella se vai alegremente,
Suave,
sem tropeço, nem canceira;
Outros,
porém, passam tristonhamente
Prisioneiros
da magua a vida inteira.
E
a caravana vai... E acaso, quando
Se
volve o olhar pelo caminho andado,
É
de alguém que saudoso o faz chorando,
Que
deixará na estrada percorrida,
Para
trás, numa curva sepultado,
O
sonho mais feliz de sua vida...
TEMPESTADE
Beatrix
dos Reis Carvalho
Lá
fora o vento, em temporal medonho,
Agita
tudo, a todos alarmando,
O
negro dessa noite, quasi um sonho,
Se
illumina em fuzis de quando em quando.
A
chuva cae desesperadamente,
Em
lagrimas, crystaes do firmamento,
E
a Natureza é toda uma torrente
A
murmurar seu grande soffrimento.
O
céu de grossas nuvens carregado,
De
quando em quando vê-se debruado
De
coriscos sem fim, que explodem no ar
Em
desenhos grotescos, esquisitos,
Ferindo
até os sólidos granitos,
Na
ânsia cruel de tudo devastar!
CONFIDENCIAS
Beatrix
dos Reis Carvalho
“Como
é cruel amar sem ser amada”,
Disseste,
minha amiga, arfando o peito,
“Com
nossa alma de dôres torturada,
“Mostrar
o rosto alegre e satisfeito;
“Trazer
á flôr dos lábios um sorriso,
“Tendo
no coração fúnebres círios;
“Mentindo
ao mundo estar num Paraiso,
“E
estar soffrendo barbaros martyrios...”
E
eu repliquei: E’ sempre a mesma historia:
Uns
encontram no amor a sua gloria,
Outros
perdem no amor seus ideaes,
Achando
allivio só na morte adunca...
Quem
ama sem soffrer não ama nunca;
Quem
soffre pelo amor ama demais!
AMANHECER
Beatrix
dos Reis Carvalho
O
sol brilhava no horizonte infindo,
Luz
e calor trazendo á Natureza,
Relva
de matizes colorindo,
Tudo
enchendo de vida e de belleza.
A
poucos passos a corrente d’agua
Deixa
ouvir os seus leves borborinhos,
Como
os soluços de uma grande magua
Entrecortados
pelos passarinhos.
Sob
o céu, de um azul côr de turqueza,
Bailam
abelhas pela redondeza,
Recebendo
com festas o arrebol.
E
ao bafejo da aragem matutina,
De
vivas côres veste-se a campina,
Toda
banhada pela luz do sol!
ENTARDECER
Beatrix
dos Reis Carvalho
Que
lindo entardecer! Entre a verdura
Brilhava
o sol, rolando para o poente;
E
a terra no apogeu da formosura,
Fitava
o céu apaixonadamente.
Batidos
pela brisa mansa e pura,
Fructos
e flôres, num murmúrio quente,
Mandavam
todos á celeste altura
Aragens
de perfume transparente.
E
pouco a pouco no sanctuario immenso,
Junto
ao aroma agreste, junto ao incenso
Das
flôres que bordavam toda a relva,
Subia
ao Deus eterno de bondade,
Á
mansão da immortal felicidade,
O
adeus d tarde no esplendor da serra.
ANOITECER
Beatrix
dos Reis Carvalho
Envolvia-se
a terra em leve manto,
Feito
de brumas , de melancolia.
A
Natureza parecia um canto,
Repercutindo
o som da Ave-Maria.
O
firmamento que luzira tanto
Ao
doirado clarão do rei do dia,
Desfazia-se
agora todo em pranto
Á
luz da lua transparente e fria.
Os
pyrilampos, sempre saltitantes,
Junto
ás flores abriam delirantes
Seus
corpinhos de luz para bem vê-las.
E
ás horas mortas dessa noite linda,
Vibrava
no ar, qual melodia infinda,
O
perfume inebriante das estrellas!...
SONHO
Beatrix
dos Reis Carvalho
Quisera
ser um pouco de fumaça
Para
poder subir, e, levemente,
Collocar-me
na altura transparente,
Bem
longe da tristeza e da desgraça...
Com
esse pensamento que não passa,
Ergo
os meus olhos para o fosco poente,
E
assim se eleva, junto á aragem quente
I
meu sonho, que a lua em breve abraça...
E
o tempo vai passando... Eu, esquecida,
Fico
á janella sem pensar na vida,
Olhando
a vida que ante mim esvoaça...
Nesses
momentos de melancolia,
Tenho
inveja da bruma que vadia,
Da
nuvenzinha branca de fumaça.
FELICIDADE
Beatrix
dos Reis Carvalho
Nessas
tardes de estio, luminosas,
Deslumbrantes
de flores e perfumes,
Quando
pelo ar se espalham caprichosas,
As
estrellas da terra, os vagalumes,
Quédo-me
olhando as arvores frondosas,
Que
coroam de verde os altos cumes...
E
sonho... As folhas tristes, preguiçosas
Junto
de mim sussurram mil queixumes.
Um
mixto de alegria e de ansiedade,
Faz-me
prever uma felicidade,
Que
será de infinita duração.
E
essa ventura que minha alma espera,
Terá
todo o esplendor da Primavera,
E
a pompa fulgurante do Verão!
DEDICATORIA
Beatrix
dos Reis Carvalho
Presinto dentro dalma um sonho bello,
Todo
doirado de felicidade,
Que
sulcará de viva claridade
Minha
vida, prendendo-a qual um élo.
E,
se algum dia esse meu grande sonho,
Que
eu imagino cheio de venturas,
Sonho
que saberá das amarguras
Fazer
surgir o dia mais risonho;
Se
alguma vez esse meu sonho grande,
Que
cresce dia a dia e mais se expande
Souber
florir qual lótus entre o lodo;
Será
então a elle, sim, será
Que
o meu peito feliz dedicará,
Contente,
alegre, a rir — o livro
todo!
Chegar ao Google e encontrar a poetisa, foi uma surpresa. É que o poema Altivez está copiado comigo há 45 anos. Foi emocionante encontra- la
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