Beatrix dos Reis Carvalho

Rio de Janeiro (1916-?)



CONTRIÇÃO
Beatrix dos Reis Carvalho

Meu Deus, eu sei. Eu sei, não merecia
esse bem que me dás em profusão.
Sofrer é justo como a luz do dia,
mas ser feliz é prêmio, é galardão!

Quase me acostumara à tirania
da vida que castiga sem razão.
E, para mim, o amor como eu queria
era uma estrela, longe, na amplidão;

não devia existir e, se existisse,
querê-la era loucura, era tolice, 
que as estrelas não vêm à nossa mão...

Meu Deus! Puseste a estrela em meu caminho!
Por esse amor que é todo o meu carinho,
perdão se duvidei, perdão, perdão!



Abaixo sonetos transcritos do livro “Manhãs”, 
Rio de Janeiro, 1928 
(grafia da época)


A VIDA
Beatrix dos Reis Carvalho

A vida é um lindo sonho róseo-albente,
Uma quimera, uma ilusão fagueira,
Que um dia se transforma de repente
Em dôres sem remedio, em nada, em poeira.

Para uns ella se vai alegremente,
Suave, sem tropeço, nem canceira;
Outros, porém, passam tristonhamente
Prisioneiros da magua a vida inteira.

E a caravana vai... E acaso, quando
Se volve o olhar pelo caminho andado,
É de alguém que saudoso o faz chorando,

Que deixará na estrada percorrida,
Para trás, numa curva sepultado,
O sonho mais feliz de sua vida...



TEMPESTADE
Beatrix dos Reis Carvalho

Lá fora o vento, em temporal medonho,
Agita tudo, a todos alarmando,
O negro dessa noite, quasi um sonho,
Se illumina em fuzis de quando em quando.

A chuva cae desesperadamente,
Em lagrimas, crystaes do firmamento,
E a Natureza é toda uma torrente
A murmurar seu grande soffrimento.

O céu de grossas nuvens carregado,
De quando em quando vê-se debruado
De coriscos sem fim, que explodem no ar

Em desenhos grotescos, esquisitos,
Ferindo até os sólidos granitos,
Na ânsia cruel de tudo devastar!



CONFIDENCIAS
Beatrix dos Reis Carvalho

“Como é cruel amar sem ser amada”,
Disseste, minha amiga, arfando o peito,
“Com nossa alma de dôres torturada,
“Mostrar o rosto alegre e satisfeito;

“Trazer á flôr dos lábios um sorriso,
“Tendo no coração fúnebres círios;
“Mentindo ao mundo estar num Paraiso,
“E estar soffrendo barbaros martyrios...”

E eu repliquei: E’ sempre a mesma historia:
Uns encontram no amor a sua gloria,
Outros perdem no amor seus ideaes,

Achando allivio só na morte adunca...
Quem ama sem soffrer não ama nunca;
Quem soffre pelo amor ama demais!



AMANHECER
Beatrix dos Reis Carvalho

O sol brilhava no horizonte infindo,
Luz e calor trazendo á Natureza,
Relva de matizes colorindo,
Tudo enchendo de vida e de belleza.

A poucos passos a corrente d’agua
Deixa ouvir os seus leves borborinhos,
Como os soluços de uma grande magua
Entrecortados pelos passarinhos.

Sob o céu, de um azul côr de turqueza,
Bailam abelhas pela redondeza,
Recebendo com festas o arrebol.

E ao bafejo da aragem matutina,
De vivas côres veste-se a campina,
Toda banhada pela luz do sol!



ENTARDECER
Beatrix dos Reis Carvalho

Que lindo entardecer! Entre a verdura
Brilhava o sol, rolando para o poente;
E a terra no apogeu da formosura,
Fitava o céu apaixonadamente.

Batidos pela brisa mansa e pura,
Fructos e flôres, num murmúrio quente,
Mandavam todos á celeste altura
Aragens de perfume transparente.

E pouco a pouco no sanctuario immenso,
Junto ao aroma agreste, junto ao incenso
Das flôres que bordavam toda a relva,

Subia ao Deus eterno de bondade,
Á mansão da immortal felicidade,
O adeus d tarde no esplendor da serra.



ANOITECER
Beatrix dos Reis Carvalho

Envolvia-se a terra em leve manto,
Feito de brumas , de melancolia.
A Natureza parecia um canto,
Repercutindo o som da Ave-Maria.

O firmamento que luzira tanto
Ao doirado clarão do rei do dia,
Desfazia-se agora todo em pranto
Á luz da lua transparente e fria.

Os pyrilampos, sempre saltitantes,
Junto ás flores abriam delirantes
Seus corpinhos de luz para bem vê-las.

E ás horas mortas dessa noite linda,
Vibrava no ar, qual melodia infinda,
O perfume inebriante das estrellas!...



SONHO
Beatrix dos Reis Carvalho
  
Quisera ser um pouco de fumaça
Para poder subir, e, levemente,
Collocar-me na altura transparente,
Bem longe da tristeza e da desgraça...

Com esse pensamento que não passa,
Ergo os meus olhos para o fosco poente,
E assim se eleva, junto á aragem quente
I meu sonho, que a lua em breve abraça...

E o tempo vai passando... Eu, esquecida,
Fico á janella sem pensar na vida,
Olhando a vida que ante mim esvoaça...

Nesses momentos de melancolia,
Tenho inveja da bruma que vadia,
Da nuvenzinha branca de fumaça.



FELICIDADE
Beatrix dos Reis Carvalho

Nessas tardes de estio, luminosas,
Deslumbrantes de flores e perfumes,
Quando pelo ar se espalham caprichosas,
As estrellas da terra, os vagalumes,

Quédo-me olhando as arvores frondosas,
Que coroam de verde os altos cumes...
E sonho... As folhas tristes, preguiçosas
Junto de mim sussurram mil queixumes.

Um mixto de alegria e de ansiedade,
Faz-me prever uma felicidade,
Que será de infinita duração.

E essa ventura que minha alma espera,
Terá todo o esplendor da Primavera,
E a pompa fulgurante do Verão!
  


DEDICATORIA
Beatrix dos Reis Carvalho

Presinto dentro dalma um sonho bello,
Todo doirado de felicidade,
Que sulcará de viva claridade
Minha vida, prendendo-a qual um élo.

E, se algum dia esse meu grande sonho,
Que eu imagino cheio de venturas,
Sonho que saberá das amarguras
Fazer surgir o dia mais risonho;

Se alguma vez esse meu sonho grande,
Que cresce dia a dia e mais se expande
Souber florir qual lótus entre o lodo;

Será então a elle, sim, será
Que o meu peito feliz dedicará,
Contente, alegre, a rir — o livro todo!



Um comentário:

  1. Chegar ao Google e encontrar a poetisa, foi uma surpresa. É que o poema Altivez está copiado comigo há 45 anos. Foi emocionante encontra- la

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