Rodolpho Machado

Rio de Janeiro, RJ (1884-1924)




(grafia da época)


TRIANGULO DA MORTE  
    
I

A GUERRA
Rodolpho Machado


Como um faminto leão que a preza busca e aguarda,
 vitrino olhar, sondando um rastro sobre a terra
o Homem, com a suggestão maléfica da Farda,
procura o Homem vencer, pelos crimes da Guerra.

Armas toma e, abreptício, eil-o avança e não tarda
conquistar pela força o triumpho que Ella encerra;
e, empós, pouzada a lança e á mudez da bombarda,
escuta o horror do exício echoar de serra em serra.

Finda a orgia da Mórte estinguem-se as batalhas;
regista-se na Historia a tragédia violenta
do ribombo brutal das boccas das metralhas...

E sempre a Humanidade — a velha enferma, exangue,
enquanto a face occulta, os braços ensanguenta
na rubra bacchanal das Glorias e do Sangue!



II

A PESTE
Rodolpho Machado

Faz-se armistício empós sanguinolenta luta...
mudas, haurem a vida as boccas dos canhões;
e óra, do embate atroz da força férrea e bruta,
resta, apenas, da Mórte o mal das podridões.

Pelo enorme extermínio, em meio ás solidões,
o ar infecciona; e emquanto o Homem segue e perscruta
todo o effeito mortal das bellicas acções,
funda e negra apahtia o ambiente envolve e enluta.

Erguem-se para Deus braços hirtos e enfermos...
prosegue, alastra o mal, vae da cidade aos ermos
entoxicando a Vida e espalhando o terror...

E´a Peste. E o Triumpho passa, em silencio, escutando
a voz da maldição que vem, de quando em quando,
da Innocencia que morre entre grilhões de Dôr.



III

A FOME
Rodolpho Machado

Ruina, devastação, luto anniquilamento...
sobre escombros, scismando, a Mórte sonda e espia,
e a alma triste da terra, esmarrida e sombria,
ergue os olhos ao Céo, transida em soffrimento.

E´o fim do morticínio. Erra na voz do vento
o desespero humano em transes de agonia...
e abrindo sobre tudo a aza mirrada e fria,
da Miseria o phantasma apparece, negrento.

Em cada canto existe um aspeito tristonho;
a orphandade e a viuvez choram na desventura;
desfez-se em cinza o Idéal, tornou-se em fumo o Sonho...

E o Homem, no lar vazio, esquecido e sem nome,
contempla, na expiação de uma grande tortura,
entre os braços da Gloria, o cadáver da Fome...

  

A TRISTEZA DO RELOGIO
Rodolpho Machado

(De 1908 para 1909)

Qual um tysico, assim, que as illusões primeiras,

fanadas illusões, num sonho, as tem fugindo,
á meia-noute ouvi, desse anno velho e findo,
soluçar meu relogio as horas derradeiras.

E eu que sempre o escutei, manhans, tardes inteiras,

calmo, no seu tic-tac, o tempo dividindo,
por ouvil-o em tal noute, estremeci, sentindo,
como que um chôro atroz de doze carpideiras...

Então, saudoso e absôrto, entre sombras e fraguas,

a rêde da Lembrança abri sobre o Passado
e colhi pelo escuro as fallecidas maguas.

Ah! e o relogio embóra ouvisse tantas vezes,

jamais tão triste o ouvi bater, lento e maguado,
no extremo funeral dos Dias e dos Mezes.



(De 1909 para 1910)



Não tarda: vae falar para o Silencio. Fóra

no viveiro da noite erram aves de agouro;
vão pyrillampos no ar, com finas linhas de ouro,
bordando os mantos reaes para os festins da Aurora.

Ha pelo espaço-ambiente um profundo desdouro...;

Sobre o leito do tempo o velho anno estertora...
Sonho? — não sei si sonho: o certo é que nesta hora,
vejo sobre um sepulchro uma palma de louro...

Sinto que dentre um riso uma lagrima desce,

ante o fim desta noite e a esperança dos dias...
oh! a nova illusão com que a Illusão se esquece!...

Fala o Relogio, enfim: "Doze horas... desenganos...

doze meses — collar de maguas e alegrias...
ah! como inuteis são horas e dias e annos!..."




PAPOULA
Rodolpho Machado

Túmida e rubicunda, a côr que a exalta grita,
em metallicos sons, como um clarim vibrando!
— Flôr que estimula, inspira, enthusiasma e indigita
a alma a ver numa lança um coração sangrando.

Delirios, convulsões, odios febris, desdita

de um grande amôr fatal, tudo recorda, e, quando,
ao sol-pôr, sobre o hastil, ella adormece afflicta,
creio-a numa explosão de lagrimas chorando.

Papoula — floreo cancro ardendo em rubras dôres!

chaga do terreo ciume aberta ás outras flôres!
sangue, coalhado em flôr, da hemoptyse dos Poentes!...

Nella a tragedia narra as concepções do Bello:

olho-a e fico a sonhar que as torturas de Othelo
rugem-lhe no esplendor das petalas rubentes.

  

O HOMEM
Rodolpho Machado

             A Gonzaga Duque,

Essa trazendo alfim, — fórma que indo o acompanha,

Quando Elle appareceu no circulo da Vida,
Esquecido, afinal, do ponto de partida,
Teve por pae o Sol — e Mãe, a Terra estranha.

E, certa vez subindo á grimpa da montanha,

Olhou o Céo, o Mar, a Pedra adormecida...
E sentindo, pasmado, a idéa entristecida,
Achou-se com a visão que as coisas acompanha.

Estão, ouvindo o Vento a remexer num ramo,

Ao Vento perguntou na curva do Universo:
— De onde surgi? — Quem sou? Dizei como me chamo?

E ante o silencio atroz não conteve a vertigem:

— Cahiu, rolou por fim na propria sombra immerso,
E a Duvida pairou na escuridão da Origem.



A VOZ DA NATUREZA

Rodolpho Machado

Como dentro de um templo, ha sempre pela matta

um ciclo, um cochicho, um murmuro segredo
que diz o insecto á folha e atravessa o arvoredo,
e, do arvoredo, desce ás grutas e á cascata;

que a agua, em linguagem fria e liquida, relata

ao musgo, e o musgo, após, vae passando ao rochedo...
e, assim, radie o sol, surja a manha que, cêdo,
dentre a selva essa bulha em tudo se desata.

Em tudo esse rumor; de cada canto, em cada

lado, da planta e da ave, alegremente, inquietas,
ha uma fala saudando a luz da madrugada.

E' a voz dos seres, penso, a nós incomprehendida,

a voz da Natureza, as palavras secretas
da communicação espiritual da Vida.



POR AMÔR DE UMA ESTRELLA
Rodolpho Machado

I

Céo nublado. Por fóra, á serenada,

Coaxavam rãs no charco verde, abjecto;
Que aspecto horrendo, que mortal aspecto
O dessa Noute que nos foi passada?

Mau tempo, embora, a nossa estrella amada

Buscaste; — astro da Noute, predilecto,
Urna de luz que guarda o nosso affecto,
Contendo a nossa inspiração guardada.

E ella, distante, como que desperta

A' tua voz, as palpebras tranquillas
Abrio, de cima, vagamente incerta...

E, emquanto o olhar no Céo tinhas por vel-a,

Vi-te no fundo escuto das pupillas
A imagem de ouro da longinqua estrella.


II


Quando pela janella, essa cortina escura

da Noute se desdobra, em seu negror, cahindo,
Longe, longe, bem longe a estrella, então, subindo,
Lembra uma conta azul na solidão d'Altura.

Sóbe, cresce-lhe o brilho, a luz se faz mais pura;

Busco-a. E, commigo, alguem, o meu sentir, sentindo,
Ergue os olhos por vel-a, ao Céo curvado e lindo,
Onde, dentro da Noute, ella no azul fulgura.

Por nosso amôr astral, a sós, então medito;

Mas, tão sosinho agora, em pleno isolamento,
Pelo meu Sonho a estrella é a dôr de uma agonia...

E´a lagrima de luz que rola no Infinito,

A lagrima do Solque cáe no Firmamento,
Ma hora em que a Tarde fecha as palpebras do Dia.


III


Fecho os olhos de longe e penso em ti, Querida,

Hoje, qualquer rumor me acorda, me estremece;
— E´a ampulheta clara onde me corre a Vida,
Desde o romper do Dia até quando anoutece.

Mal a noute descerra a rosa indefinida

Dos mysterios, ness'hora em que tudo adormece,
Por meu amôr, por nosso amôr, por ti nascida,
— Flôr nocturna do Céo — a estrella me apparece.

Amo. Quem ama em tudo encontra o que tanto ama,

Em tudo vê de perto o que paira distante;
Assim, se busco a estrella, o teu olhar me inflamma...

Sonho. E dentro do incenso azul em que te vejo,

Dos labios teus me vem, na illusão deste instante,
A extrema-uncção do Amôr na hostia pura de um Beijo.




MORTA
Rodolpho Machado

Essa creança loura e pequenina,

que agora vejo no caixão deitada,
foi como a flor que nasce purpurina,
e se desfaz, do vento na esfolhada.

Alma que, da minha alma irmã sagrada,

a Parca arrebatou na ancia ferina!
de olhos vagos abertos para o Nada,
que linda fronte entre jasmins se inclina!

Eu, que carrego o coração suspenso

numa violenta dôr que o pranto estanca,
em longo sonho, com tristeza, penso:

ganhando o espaço com divina calma,

levou sua alma uma saudade branca,
roxa saudade me deixando na alma.



SERENATA

Rodolpho Machado

O eter do luar a Terra adormecei... A esta hora,

o silencio supplica as vozes de quem ama.
Vem a mim, meu Amôr! cada estrella te chama,
e aguardam rua sobra as sombras, cá por fóra.

A insomnia da paixão me hallucina e devora,

arde-me todo o sangue, o peito se me inflamma,
o calor do teu corpo o meu corpo reclama,
como reclama a Noute o almo fulgor da Aurora!

Oh! vem, não tardes mais! quero sentir-te nua,

conforme no ar, em meio às tranças luminosas,
assoma o corpo brando e hysterico da Lua!

Dá-me o sensual prazer dos teus virgens desejos

e terás, ao perfume embriagador das rosas,
o inédito sabor da febre dos meus beijos!



 AMOR
Rodolpho Machado

Amor é a febre da alma em toda a natureza;

tudo o que os lábios meus sentem nos teus, unidos,
- loucura emocional de todos os sentidos,
- fascinação da Forma, atração da Beleza.

É a surpresa num grito e o pasmo na surpresa;
a saudade imortal nos olhos dos vencidos;
o eterno ideal que encerra os bens desconhecidos;
o riso da Alegria e o pranto da Tristeza.

Homem, árvore, pedra - os seres, finalmente,
esse fluido vital, percorrendo, eletriza,
despertando a matéria e a alma tornando ardente.

Amor (não crede a morte o acabe sob as lousas...)
é a nevrose que anima e que sensibiliza
a Vida, para a Vida, entre todas as cousas.




PARTINDO
Rodolpho Machado

Sem um adeus! Somente a dor sombria

de te perder... e, olhando para trás,
ante meus olhos Paquetá fugia,
amortalhada em brumas hibernais.

Nem um adeus! Sem teu adeus, partia
condenado a remorsos imortais...
Que diga o coração... quanta agonia,
que ânsia, que desespero em horas tais!

Do mar sentindo, então, o abismo fundo,
amei a morte e, odiando a vida e o mundo,
sorri à idéia de deixar de ser...

Mas que loucura, que ilusão, querida!
Deixando a minha vida em tua vida,
fôra-me inútil desejar morrer.
  

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