(grafia da época)
TRIANGULO
DA MORTE
I
A
GUERRA
Rodolpho Machado
Como
um faminto leão que a preza busca e aguarda,
— vitrino olhar, sondando um rastro sobre a terra
o
Homem, com a suggestão maléfica da Farda,
procura
o Homem vencer, pelos crimes da Guerra.
Armas
toma e, abreptício, eil-o avança e não tarda
conquistar
pela força o triumpho que Ella encerra;
e,
empós, pouzada a lança e á mudez da bombarda,
escuta
o horror do exício echoar de serra em serra.
Finda
a orgia da Mórte estinguem-se as batalhas;
regista-se
na Historia a tragédia violenta
do
ribombo brutal das boccas das metralhas...
E
sempre a Humanidade — a velha enferma, exangue,
enquanto
a face occulta, os braços ensanguenta
na
rubra bacchanal das Glorias e do Sangue!
II
A
PESTE
Rodolpho
Machado
Faz-se
armistício empós sanguinolenta luta...
mudas,
haurem a vida as boccas dos canhões;
e
óra, do embate atroz da força férrea e bruta,
resta,
apenas, da Mórte o mal das podridões.
Pelo
enorme extermínio, em meio ás solidões,
o
ar infecciona; e emquanto o Homem segue e perscruta
todo
o effeito mortal das bellicas acções,
funda
e negra apahtia o ambiente envolve e enluta.
Erguem-se
para Deus braços hirtos e enfermos...
prosegue,
alastra o mal, vae da cidade aos ermos
entoxicando
a Vida e espalhando o terror...
E´a
Peste. E o Triumpho passa, em silencio, escutando
a
voz da maldição que vem, de quando em quando,
da
Innocencia que morre entre grilhões de Dôr.
III
A
FOME
Rodolpho
Machado
Ruina,
devastação, luto anniquilamento...
sobre
escombros, scismando, a Mórte sonda e espia,
e
a alma triste da terra, esmarrida e sombria,
ergue
os olhos ao Céo, transida em soffrimento.
E´o
fim do morticínio. Erra na voz do vento
o
desespero humano em transes de agonia...
e
abrindo sobre tudo a aza mirrada e fria,
da
Miseria o phantasma apparece, negrento.
Em
cada canto existe um aspeito tristonho;
a
orphandade e a viuvez choram na desventura;
desfez-se
em cinza o Idéal, tornou-se em fumo o Sonho...
E
o Homem, no lar vazio, esquecido e sem nome,
contempla,
na expiação de uma grande tortura,
entre
os braços da Gloria, o cadáver da Fome...
A
TRISTEZA DO RELOGIO
Rodolpho
Machado
(De 1908 para 1909)
Qual um tysico, assim, que as illusões primeiras,
fanadas
illusões, num sonho, as tem fugindo,
á
meia-noute ouvi, desse anno velho e findo,
soluçar
meu relogio as horas derradeiras.
E eu que sempre o escutei, manhans, tardes inteiras,
calmo,
no seu tic-tac, o tempo dividindo,
por
ouvil-o em tal noute, estremeci, sentindo,
como
que um chôro atroz de doze carpideiras...
Então, saudoso e absôrto, entre sombras e fraguas,
a
rêde da Lembrança abri sobre o Passado
e
colhi pelo escuro as fallecidas maguas.
Ah! e o relogio embóra ouvisse tantas vezes,
jamais
tão triste o ouvi bater, lento e maguado,
no
extremo funeral dos Dias e dos Mezes.
(De 1909 para 1910)
Não tarda: vae falar para o Silencio. Fóra
no
viveiro da noite erram aves de agouro;
vão
pyrillampos no ar, com finas linhas de ouro,
bordando
os mantos reaes para os festins da Aurora.
Ha pelo espaço-ambiente um profundo desdouro...;
Sobre
o leito do tempo o velho anno estertora...
Sonho?
— não sei si sonho: o certo é que nesta hora,
vejo
sobre um sepulchro uma palma de louro...
Sinto que dentre um riso uma lagrima desce,
ante
o fim desta noite e a esperança dos dias...
oh!
a nova illusão com que a Illusão se esquece!...
Fala o Relogio, enfim: "Doze horas... desenganos...
doze
meses — collar de maguas e alegrias...
ah!
como inuteis são horas e dias e annos!..."
PAPOULA
Rodolpho
Machado
Túmida
e rubicunda, a côr que a exalta grita,
em
metallicos sons, como um clarim vibrando!
—
Flôr que estimula, inspira, enthusiasma e indigita
a
alma a ver numa lança um coração sangrando.
Delirios, convulsões, odios febris, desdita
de
um grande amôr fatal, tudo recorda, e, quando,
ao
sol-pôr, sobre o hastil, ella adormece afflicta,
creio-a
numa explosão de lagrimas chorando.
Papoula — floreo cancro ardendo em rubras dôres!
chaga
do terreo ciume aberta ás outras flôres!
sangue,
coalhado em flôr, da hemoptyse dos Poentes!...
Nella a tragedia narra as concepções do Bello:
olho-a
e fico a sonhar que as torturas de Othelo
rugem-lhe
no esplendor das petalas rubentes.
O
HOMEM
Rodolpho
Machado
A
Gonzaga Duque,
Essa trazendo alfim, — fórma que indo o acompanha,
Quando
Elle appareceu no circulo da Vida,
Esquecido,
afinal, do ponto de partida,
Teve
por pae o Sol — e Mãe, a Terra estranha.
E, certa vez subindo á grimpa da montanha,
Olhou
o Céo, o Mar, a Pedra adormecida...
E
sentindo, pasmado, a idéa entristecida,
Achou-se
com a visão que as coisas acompanha.
Estão, ouvindo o Vento a remexer num ramo,
Ao
Vento perguntou na curva do Universo:
—
De onde surgi? — Quem sou? Dizei como me chamo?
E ante o silencio atroz não conteve a vertigem:
—
Cahiu, rolou por fim na propria sombra immerso,
E
a Duvida pairou na escuridão da Origem.
A VOZ DA NATUREZA
Rodolpho
Machado
Como dentro de um templo, ha sempre pela matta
um
ciclo, um cochicho, um murmuro segredo
que
diz o insecto á folha e atravessa o arvoredo,
e,
do arvoredo, desce ás grutas e á cascata;
que a agua, em linguagem fria e liquida, relata
ao
musgo, e o musgo, após, vae passando ao rochedo...
e,
assim, radie o sol, surja a manha que, cêdo,
dentre
a selva essa bulha em tudo se desata.
Em tudo esse rumor; de cada canto, em cada
lado,
da planta e da ave, alegremente, inquietas,
ha
uma fala saudando a luz da madrugada.
E' a voz dos seres, penso, a nós incomprehendida,
a
voz da Natureza, as palavras secretas
da
communicação espiritual da Vida.
POR
AMÔR DE UMA ESTRELLA
Rodolpho
Machado
I
Céo nublado. Por fóra, á serenada,
Coaxavam
rãs no charco verde, abjecto;
Que
aspecto horrendo, que mortal aspecto
O
dessa Noute que nos foi passada?
Mau tempo, embora, a nossa estrella amada
Buscaste;
— astro da Noute, predilecto,
Urna
de luz que guarda o nosso affecto,
Contendo
a nossa inspiração guardada.
E ella, distante, como que desperta
A'
tua voz, as palpebras tranquillas
Abrio,
de cima, vagamente incerta...
E, emquanto o olhar no Céo tinhas por vel-a,
Vi-te
no fundo escuto das pupillas
A
imagem de ouro da longinqua estrella.
II
Quando pela janella, essa cortina escura
da
Noute se desdobra, em seu negror, cahindo,
Longe,
longe, bem longe a estrella, então, subindo,
Lembra
uma conta azul na solidão d'Altura.
Sóbe, cresce-lhe o brilho, a luz se faz mais pura;
Busco-a.
E, commigo, alguem, o meu sentir, sentindo,
Ergue
os olhos por vel-a, ao Céo curvado e lindo,
Onde,
dentro da Noute, ella no azul fulgura.
Por nosso amôr astral, a sós, então medito;
Mas,
tão sosinho agora, em pleno isolamento,
Pelo
meu Sonho a estrella é a dôr de uma agonia...
E´a lagrima de luz que rola no Infinito,
A
lagrima do Solque cáe no Firmamento,
Ma
hora em que a Tarde fecha as palpebras do Dia.
III
Fecho os olhos de longe e penso em ti, Querida,
Hoje,
qualquer rumor me acorda, me estremece;
—
E´a ampulheta clara onde me corre a Vida,
Desde
o romper do Dia até quando anoutece.
Mal a noute descerra a rosa indefinida
Dos
mysterios, ness'hora em que tudo adormece,
Por
meu amôr, por nosso amôr, por ti nascida,
—
Flôr nocturna do Céo — a estrella me apparece.
Amo. Quem ama em tudo encontra o que tanto ama,
Em
tudo vê de perto o que paira distante;
Assim,
se busco a estrella, o teu olhar me inflamma...
Sonho. E dentro do incenso azul em que te vejo,
Dos
labios teus me vem, na illusão deste instante,
A
extrema-uncção do Amôr na hostia pura de um Beijo.
MORTA
Rodolpho
Machado
Essa creança loura e pequenina,
que
agora vejo no caixão deitada,
foi
como a flor que nasce purpurina,
e
se desfaz, do vento na esfolhada.
Alma que, da minha alma irmã sagrada,
a
Parca arrebatou na ancia ferina!
de
olhos vagos abertos para o Nada,
que
linda fronte entre jasmins se inclina!
Eu, que carrego o coração suspenso
numa
violenta dôr que o pranto estanca,
em
longo sonho, com tristeza, penso:
ganhando o espaço com divina calma,
levou
sua alma uma saudade branca,
roxa
saudade me deixando na alma.
SERENATA
Rodolpho
Machado
O eter do luar a Terra adormecei... A esta hora,
o
silencio supplica as vozes de quem ama.
Vem
a mim, meu Amôr! cada estrella te chama,
e
aguardam rua sobra as sombras, cá por fóra.
A insomnia da paixão me hallucina e devora,
arde-me
todo o sangue, o peito se me inflamma,
o
calor do teu corpo o meu corpo reclama,
como
reclama a Noute o almo fulgor da Aurora!
Oh! vem, não tardes mais! quero sentir-te nua,
conforme
no ar, em meio às tranças luminosas,
assoma
o corpo brando e hysterico da Lua!
Dá-me o sensual prazer dos teus virgens desejos
e
terás, ao perfume embriagador das rosas,
o
inédito sabor da febre dos meus beijos!
AMOR
Rodolpho
Machado
Amor é a febre da alma em toda a natureza;
tudo
o que os lábios meus sentem nos teus, unidos,
-
loucura emocional de todos os sentidos,
-
fascinação da Forma, atração da Beleza.
É
a surpresa num grito e o pasmo na surpresa;
a
saudade imortal nos olhos dos vencidos;
o
eterno ideal que encerra os bens desconhecidos;
o
riso da Alegria e o pranto da Tristeza.
Homem,
árvore, pedra - os seres, finalmente,
esse
fluido vital, percorrendo, eletriza,
despertando
a matéria e a alma tornando ardente.
Amor
(não crede a morte o acabe sob as lousas...)
é
a nevrose que anima e que sensibiliza
a
Vida, para a Vida, entre todas as cousas.
PARTINDO
Rodolpho
Machado
Sem um adeus! Somente a dor sombria
de
te perder... e, olhando para trás,
ante
meus olhos Paquetá fugia,
amortalhada
em brumas hibernais.
Nem
um adeus! Sem teu adeus, partia
condenado
a remorsos imortais...
Que
diga o coração... quanta agonia,
que
ânsia, que desespero em horas tais!
Do
mar sentindo, então, o abismo fundo,
amei
a morte e, odiando a vida e o mundo,
sorri
à idéia de deixar de ser...
Mas
que loucura, que ilusão, querida!
Deixando
a minha vida em tua vida,
fôra-me
inútil desejar morrer.
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