Vasco de Castro Lima - Mais Sonetos

Lavrinhas, SP, 1905
Rio de Janeiro, RJ, 2004

(grafia da época)

O CRIADOR
Vasco de Castro Lima

No princípio era a selva em sua atroz rudeza,
a água que estrondejava em louca sinfonia
e o tenebroso céu coberto de tristeza,
formando, na Amazônia, a excelsa trilogia!

Então foi feita a luz! Rodeado de beleza,
viveu o mundo agreste o seu primeiro dia!
nos fulgores do sol banhou-se a Natureza
e o clarão do luar deu asas à Poesia!

Deus disse: — “Fiz o céu, a luz, a água, a floresta;
os animais, a planta, o rio, o mar, a cor,
harmonias nascendo em vibrações de festa...”

E, alegre, arrematou, com seu largo sorriso:
— “Vou sublimar, agora, o verbo criador,
criando neste solo o Térreo Paraíso!” 



AS ÁRVORES
Vasco de Castro Lima

Homem! Respeita as árvores bondosas,
que a todos amam, sem olhar a quem!
Nelas, cantam as aves descuidosas,
que não querem o mal para ninguém.

Iguais às criaturas generosas,
que não sabem fazer senão o bem,
no mundo, nem as almas religiosas
têm a unção e a piedade que elas têm.

As árvores são poemas de humildade,
que embelezam as ruas da cidade,
e dão o fruto e a seiva, a sombra e a flor...

... Têm o destino esplêndido e risonho
dos homens que nasceram para o sonho,
das mulheres que vivem para o amor...

  

O CÉU
Vasco de Castro Lima

Chama-se céu o ninho onde supômos
Que exista um mundo de felicidade;
Sombra de árvore bôa, cujos pomos
Teem a doçura da imortalidade.

Consiste o céu nos sonhos policrômos
Que guardamos no fundo da saudade;
É o caminho sereno que transpômos
Na vida, distribuindo caridade.

O céu, isso a que chamam paraíso,
Póde ser a alvorada de um sorriso,
Ou a esperança que a alma humana encerra.

Póde voar ou póde andar de rastros,
No orgulho vão que sóbe para os astros,
Na humildade que desce para a terra.



A ESTRADA DO SONHO
Vasco de Castro Lima

Cada dia em que o sol se abre, risonho,
e desfralda o seu leque de esplendores,
eu saio pela Estrada Azul do Sonho,
pisando espinhos e plantando flores...

E vou contente. Nos meus passos, ponho
a luminosidade dos alvores.
Sigo a Estrada. E é sorrindo que a transponho,
eu, o mais sonhador dos sonhadores...

Sim, quero ter na noite da velhice,
o mesmo coração da meninice,
— um ninho de alvoradas luminosas —

para ser, no jardim dos desenganos,
uma alegre roseira de cem anos,
ardendo em sonhos, florescendo em rosas! 



A POESIA, NA VOZ DA CIGARRA
Vasco de Castro Lima

I

“De vez em quando, um pessimista exclama
que a Poesia morreu... E há uma alegria,
um carnaval nos corações sem flama,
na alma dos que não sentem a Poesia.

Pensa em alguém dizendo, olhos em chama,
que o ouro deixará de ter valia!
Quem o ouvirá? Figura de algum drama,
ele próprio, ao dizê-lo, sorriria...

A Poesia, formiga, não morreu,
nem morrerá, jamais, neste planeta,
enquanto houver a luz que o sol nos deu...

Enquanto houver a flor, os horizontes,
a graça leve de uma borboleta,
o azul do céu e a música das fontes...”


II

“Poesia é o céu azul! A alma que chora
na plangência de um córrego de prata.
É a rosa que roubou a cor da aurora,
a lua de Catulo atrás da mata...

Poesia é a Estrela-d’Alva! A onda sonora
que em espumas na praia se desata.
É o beijo, a tempestade, a ave canora,
o berço, a prece, o amor, a serenata!

Poesia é o gesto nobre que consola,
é a beleza balsâmica da esmola,
o arco-íris que matiza o céu sombrio...

Poesia é a claridade, o sofrimento.
É a formiga lutando à chuva e ao vento,
é a cigarra cantando ao sol do estio!”



COLHEITA
Vasco de Castro Lima

Surge o coro dos pássaros cantores
na catedral pagã da mataria.
O milho ruivo e os pomos tentadores
cobrem a terra pródiga e sadia.

É o tempo da colheita. Os segadores
remoçam, cantam, choram de alegria.
Como prêmio ao suor dos lavradores,
não vai faltar o pão de cada dia.

Garças esbeltas, de alva formosura,
passeiam pelo campo aquela alvura
que põe, no verde, branquidões bizarras.

E o coqueiro se curva, satisfeito,
porque ainda vibra, dentro do seu peito,
o zunido estridente das cigarras...



INVEJA
Vasco de Castro Lima

Cigarra! Como invejo o teu destino,
cheio de sol, banhado de beleza!
Nos meus saudosos tempos de menino,
não sei por que, te achava uma princesa.

Com que paixão golpeias teu violino,
em perene louvor à Natureza!
Quem carrega o arrebol do teu destino
não conhece o fantasma da tristeza!

Vives gritando uma alegria infinda,
aqui, ali, além, mais longe ainda,
brindando à vida e vaguejando ao léu!

Segue, cigarra, segue tua rota,
vencendo matagais, de grota em grota,
desferindo canções, de céu em céu!

  

CANTO DO OUTONO
Vasco de Castro Lima

Veio o Outono! Do céu, a chuva fina
cai, peneirando, trêmula, indolente.
Erra nos ares, preguiçosamente,
um véu de sombras dentro da neblina.

Ela, a cigarra, num esforço ingente,
ensaia a sua estranha cavatina.
E distrai a formiga pequenina,
que se entrega ao labor, honestamente.

Pára. Volta a zoar, de quando em quando.
Cala-se, enfim. A noite vem chegando.
E agora, após cantar horas a fio,

ei-la, encolhida, a pobre cancioneira,
por entre as folhas verdes da mangueira,
olhos fechados, a tremer de frio!



A CIGARRA E OLEGÁRIO MARIANNO 
Vasco de Castro Lima

— “Formiga, vou dizer-te uma franqueza:
Nunca pude gostar de La Fontaine.
Foi poeta de virtudes sem beleza,
e ao qual prefiro os versos de Verlaine.

Mas, o Olegário, não! Tem mais nobreza
e não é tão sarcástico e solene.
Enquanto ele cantar a Natureza,
não haverá cigarra que o condene.

Seus cantos têm a vibração das matas
e os seus poemas de luz formam cascatas
de cores e de sons, de sol em festa...

Se ele é a cigarra boêmia da cidade,
eu quero ser (perdoa-me a vaidade!)
o Olegário Marianno da floresta!”



CORAÇÃO ABERTO
Vasco de Castro Lima

— “Se, porventura, um dia precisares
pedir as provisões de algum celeiro,
não tomes o caminho de outros lares,
procura as portas do meu formigueiro!

Lá, não tenho os esplêndidos manjares
que se encontram na mesa de um banqueiro.
Mas, mesmo assim, o pouco que encontrares
pertence a um coração hospitaleiro.

Dizem que tenho uma alma de serpente...
Mas isso é caluniosa fantasia,
pois sou, de fato, apenas previdente...

Depois... sei dar valor às prendas tuas.
Podes cantar, cigarra, todo dia,
que eu trabalho, sozinha, por nós duas!”



A MORTE DA CIGARRA
Vasco de Castro Lima

I

Cansada, emudeceu a cancioneira,
olhos longos no rumo do infinito.
Sobre a folha amarela da mangueira
desfraldara o seu canto mais bonito.

O inverno vai chegar. E a cantadeira
não pode suportá-lo. O canto aflito
fora, aos poucos, perdendo a voz brejeira,
aquela voz, que era um clarão bendito.

Foi feliz, teve amores e ventura.
Viveu quatro anos sob a terra escura
e um mês à luz do sol, a se aquecer.

O outono expira. E agora ela começa
o seu último canto... É uma promessa
que vai cumprir: cantar até morrer!


II

E vai morrer cantando... Tem certeza
de que a ninguém faz mal sua cantiga.
Pensa que é o próprio sol, que a Natureza
nasceu para adorá-la, sem fadiga.

Olha em redor. Os campos. A beleza
das flores. O trabalho da formiga.
A borboleta voando  — uma princesa...
A companheira ao lado — a boa amiga...

De repente, o silêncio... O corpo inerte
precipita-se ao chão e se converte
num resto, num restinho de saudade...

E chega ao fim aquela vida ociosa,
que foi tão linda como a de uma rosa,
que foi mais curta que a Felicidade...


   
ALMAS IRMÃS
Vasco de Castro Lima

Relendo os versos teus, Florbela Espanca,
sinto que os escreveste para mim.
Se o teu rio de Dor não teve fim,
minha fonte de Mágoa não se estanca.

Eras “a irmã do Sonho”, calma e branca,
com teu “rosto de monja de marfim”.
E és minha irmã também. Sinto-te em mim,
relendo os versos teus, Florbela Espanca!

Sou, igualmente, “um cardo desprezado”.
Choraste os mesmos prantos que chorei,
fui vassalo feliz do teu reinado.

Ah! Somos menestréis da mesma frei:
possui, também, “um riso desgraçado”
“o caminho de estrelas que tracei”... 



FLORBELA E O SONETO
Vasco de Castro Lima

Eras, Florbela, uma criança apenas,
e sabias que a Dor é um bem divino.
Num Soneto cabiam tuas penas
e, assim, ligaste ao dele o teu destino.

Tua vida — rosário de açucenas —
tinha a amargura vesperal de um sino.
Teus soluços, em tardes de novenas,
ganharam sons de lânguido violino.

As tuas mágoas, tuas doces mágoas,
eram prantos de um rio, de onde as águas
vinham cheias de sombras e de luzes...

Num Soneto podia recolhê-las,
ele — que é um manto de quatorze estrelas,
ele — um Calvário de quatorze cruzes.



A POESIA DE FLORBELA
Vasco de Castro Lima

É tão grande a poesia de Florbela,
que tem as dimensões de um Continente!
Diante da sua inspiração ardente,
Portugal é pequeno para ela!

Cultiva a própria Dor, sem merecê-la,
e abre o seu coração a toda gente.
Com os astros conversa intimamente,
“trata por tu a mais longínqua estrela”.

Poesia amargurada e luminosa,
que vê faróis na lâmpada votiva,
“que vê num cardo a folha de uma rosa”.

“Como pobres que vão de porta em porta”,
cada soneto é uma saudade viva,
e cada verso é uma esperança morta.

  
“CELULA MATER" DAS MINAS GERAIS
Vasco de Castro Lima

Primeira capital e primeira cidade,
Mariana é a história viva e nobre das Gerais!
Um sonho bem feliz tornado realidade,
o progresso invadindo as praças coloniais!

Rincão onde nasceu a pátria Liberdade,
berço de tradições e lendas imortais,
Mariana é um sol! Não vive, apenas, da saudade
de tempos que, talvez, não voltem nunca mais!

Em toda parte, alveja um halo de poesia!
O incenso do passado ardendo, noite e dia,
na mansão, no jardim, na Sé, na rua esconsa...

E seu descobridor, realizando um destino,
trouxe, no próprio nome, um verso alexandrino:
Coronel Salvador Furtado de Mendonça!



DEUS EXISTE, SIM! 
Vasco de Castro Lima

Não crês em Deus. No entanto, Deus existe
e atrás de tudo eu vejo a Sua Mãe.
Segue-te os passos desde que surgiste,
e, para amá-Lo, deu-te um coração.

Ele criou o sol que nos assiste,
E o oceano, e a terra, e o céu, e o amor, e o pão.
Dá vida aos mortos, alegria ao triste,
e ao pecador a bênção do perdão.

Deus vive em nós e está no Seu Sacrário,
como esteve no drama do Calvário,
e no humilde presépio de Belém.

Não crês porque não viste. Mas, um dia
tu O verás, pois diz a profecia
que os próprios cegos O verão também.



DEUS
Vasco de Castro Lima

Creio em Deus, porque Deus é quem derrama
pelo céu a harmonia dos planetas;
dá-nos o sol, o mar, o trigo, a chama,
perdão aos maus, e espaço às borboletas.

É Deus quem faz, dos olhos de quem ama,
dois lagos, dois missais, duas violetas;
quem faz, de turvos corações de lama,
santos, profetas, reis e anacoretas!

Deus é quem dá, às mães de todo o mundo,
esse amor imortal, quente e profundo,
que vem do céu em vibrações radiosas...

É Deus quem, na hora clara e levantina,
pinta de branco os lírios da campina
e enche de sangue o coração das rosas!

  

PAI NOSSO! 
Vasco de Castro Lima

(Adaptação da prece em soneto)

Ó Pai, que estais no Céu, na Eternidade,
santificado seja o Vosso Nome.
Venha a nós Vosso Reino de Bondade,
que o perpassar dos tempos não consome.

Seja feita, Senhor, Vossa Vontade,
assim na terra, que nos mata a fome,
como no Céu, Região da Claridade
de onde a Chama do Amor nunca se some!

O pão nosso, daí hoje e em cada dia!
Perdoai nossas ofensas, que o perdão
também damos a quem nos injuria.

E, num gesto sublime e paternal,
não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos, Senhor, de todo o mal!



SALVE, RAINHA! 
Vasco de Castro Lima

(Adaptação da prece em soneto)

Salve, Rainha astral, Mãe de Misericórdia;
Vida, doçura e nossa angélica esperança,
Salve! Nós, filhos de Eva, anjos máus da discórdia,
A vós bradamos, Mãe, com fé humilde e mansa;

suspiramos — perdoai nossa voz monocórdia! —
a chorar e a gemer, neste mar sem bonança
de lágrimas cruéis, ó Estrela da Concórdia!
Eia, pois, vosso olhar volvei-nos sem tardança;

e após este desterro, apontai-nos Jesus,
mostrai-nos vosso Filho, Ele que é a própria Luz,
ó clemente, ó piedosa, ó Virgem de Belém!

Sobre o mundo, baixai vossos gestos benignos,
rogai por nós, a fim de que sejamos dignos
das promessas de Cristo, ó Mãe de Deus! Amém.



A BORBOLETA
Vasco de Castro Lima

Sempre que a tarde, devagar, morria,
envolta no seu chalé cor-de-rosa,
e o sol as ruivas barbas escondia
por detrás da montanha majestosa;

sempre que a tarde, devagar, caía,
a borboleta, lépida e formosa,
por mim passava e, a esvoaçar, fugia,
procurando a campina bonançosa.

Um dia, eu disse àquela flor dos ares:
— “Borboleta, se acaso tu voltares,
também, há de voltar quem me deixou...”

E ela, como que ouvindo e adivinhando,
bateu as asas e saiu voando,
foi para longe... e nunca mais voltou.

  

O PASSADO
Vasco de Castro Lima

O passado é o que conta. A alma que sente
guarda tudo o que é bom, tudo o que é puro.
De que nos serve a glória do presente?
O que vemos nas asas do futuro?

O passado é tão vivo, em nossa mente,
quanto a roseira em flor num velho muro.
Torna mais belo, torna mais virente
até o amor que foi um vale escuro.

Que importa o sol com todo seu alarde?
Que nos importa o que virá mais tarde?
Que adianta irmos atrás da Canaan?

Uma imagem, um beijo, um livro, um fato,
mesmo a sombra querida de um retrato
valem mais que a incerteza do amanhã!
  


SAUDADE
Vasco de Castro Lima

Saudade... Um céu de anil, todo estrelado,
e, sob o céu, alguém beijando alguém...
Lembrança carinhosa do passado,
mal que se sente recordando um bem...

Saudade... Carta azul que o namorado
fica sempre a esperar ... e nunca vem...
Doce tortura, pranto inconsolado
de um amor infeliz que todos têm...

Saudade... O campo... A escola... Sons dispersos
de mil canções... Os meus primeiros versos
que minha mãe beijou, quase a rezar...

Saudade... Quanta vez eu me debruço
sobre a dor que sustenho num soluço,
fechando os olhos para não chorar..."



A ESPERANÇA
Vasco de Castro Lima

Esperar é o mais rude dos martírios,
o que mais dói no coração da gente.
É ver, imóvel, entre quatro círios,
a alma gelada de um amor ausente.

Esperar é plantar rosas e lírios
num chão de neve, ou numa praia ardente.
É pior que morrer entre delírios,
porque é viver morrendo lentamente.

A Esperança, porém, mesmo fingida,
é uma alvorada de clarões serenos,
um sorriso entre as lágrimas da Vida.

Ela promete muito... e nada vem...
Mas, a gente não passa um dia, ao menos,
que não deseje o nada que ela tem.

  

VERSOS DE UM BOÊMIO
Vasco de Castro Lima

“O Amor, que é, para os outros, uma aurora,
um rubro Sol que, no alto, reverbera,
a própria Glória que, entre sonhos, mora
no palácio encantado da Quimera;

o Amor, que é, para os outros, a sonora
orquestração azul da Primavera,
que vive rindo, mesmo quando chora,
que fica alegre, mesmo quando espera;

o Amor, que é, para os outros, a inspirada
canção dos olhos da mulher amada,
— eu só tenho encontrado na alma fria

daquelas que, no vício, se consomem,
que têm um beijo para cada homem,
e um amor diferente em cada dia!”



O MELHOR AMIGO
Vasco de Castro Lima

Quando sentires, na alma timorata,
um abandono desalentador,
pesar que fere, mágoa que maltrata,
pranto que nasce de uma grande dor;

quando escutares roncos de cascata
rugindo no teu peito sofredor;
e perceberes a torpeza ingrata
do mundo mau e menosprezador;

esconde a angústia do teu negro tédio!
Aos amigos não peças um remédio,
pois, homem, guarda bem o que te digo:

— aquele que te engana e te magoa
e, com sorriso falso, te atraiçoa,
é, quase sempre, o teu melhor amigo!



ROSEIRA DESFOLHADA
Vasco de Castro Lima

Ela ia partir... A minha vida
parou naquela noite de luar.
Contrita, lacrimosa, dolorida,
minha alma se ajoelhou, pôs-se a rezar.

Ia partir... E, à hora da partida,
seu olhar abraçou o meu olhar.
Aflita, muda, trêmula, dorida,
minha alma ajoelhou, pôs-se a chorar.

Lembro-me bem daquele triste ensejo!
Quando colei meu beijo no seu beijo,
ela me disse: — “Voltarei, espera!”

... Partiu! Espero, há meses, minha amada!
— Sou, hoje, uma roseira desfolhada,
que aguarda, novamente, a Primavera!



A ROSEIRA
Vasco de Castro Lima

No meu jardim, há uma roseira linda,
que mais parece uma constelação.
De madrugada, mal a noite finda,
vou visitá-la, cheio de emoção.

Foi um presente teu. Lembras-te ainda?
Tu disseste: — “Estas flores, em botão,
devem tornar a Primavera infinda,
e em rosas cor-de-rosa se abrirão”.

Certo dia, partiste... E, como outrora,
apesar disso, à luz de cada aurora,
eu vou regar minha roseira em flor...

... pois quero que ela dê rosas de arminhos,
e nunca seja um cárcere de espinhos,
como a roseira do teu falso amor!



HISTÓRIA DE AMOR
Vasco de Castro Lima

Nossa história de amor, minha querida,
por tua culpa é que não foi feliz!
De certo, nenhum homem, nesta vida
quis bem a outra mulher como eu te quis!

Podes reler a história mais sentida
dos amorosos de qualquer país!
Laura e Petrarca... Fausto e Margarida...
Paulo e Virgínia... Dante e Beatriz...

Pediste... e a ninguém conto o meu tormento.
Mas, vem fechar-me os lábios no momento
em que, pensando em ti, hei de morrer!

Impedirás, assim, no último dia,
que, na triste inconsciência da agonia,
eu revele o teu nome, sem querer!
  


A SERENATA
Vasco de Castro Lima

Horas mortas da noite... No alto, a lua
vai derramando lágrimas de prata.
No mar azul do céu, é uma fragata
que entre as estrelas pálidas flutua.

Eu sinto a solidão que me maltrata
e que à luz do luar mais se acentua...
... Surgem, porém, no fim da velha rua,
suspiros de violões em serenata...

E essa música, triste peregrina,
cheia de amor e inspiração divina,
de encanto, de beleza e suavidade,

passa a gemer, por mim, como se fosse
a alma da noite dolorosa e doce
que estivesse chorando de saudade!
  


CATEDRAL
Vasco de Castro Lima

Meu coração é a mais abandonada
Catedral que já vi... Não tem cristais...
Hoje, ninguém a vê toda enfeitada
das flores que há nas outras Catedrais...

Os altares são tristes... Não têm nada...
Nem lustres, nem imagens, nem missais...
Apenas, na alva torre desprezada,
os sinos lembram velhos madrigais...

No entanto... outrora, quantos esplendores,
quantas loas de amor, quantos louvores
para Nossa Senhora da Ilusão,

— Santa que me deixou na desventura,
para fazer milagres de ternura
na Catedral de um outro coração!



LUAR NA SOLIDÃO
Vasco de Castro Lima

A noite é calma. Os montes orvalhados
se alongam para o céu, em oferendas.
É a hora em que os amores inspirados
enchem as almas de imortais legendas.

O luar, com seus mantos estrelados,
cobre de prata, de cetins e rendas,
os riachos, as árvores, os prados,
as flores, os caminhos, as fazendas...

No silêncio, um relógio persistente,
marcando passos certos, lentamente,
bateu dez horas... vai bater as onze...

E um sino, além, dos lados da cidade,
na solidão, — a igreja da saudade  —
vai gotejando lágrimas de bronze...
   

POETA!
Vasco de Castro Lima

Poeta! Compreendo a dor que te condena
e que te enche de glórias e martírios!
Nas tuas lágrimas, nos teus delírios,
há, sempre, uma saudade que te acena!

Caminhas triste, transformando em lírios
a amargura que quase te envenena.
Purificas a dor na luz serena
que emana da alma angélica dos círios.

É grande o teu sofrer! Mas, desde a aurora,
segue, cantando sempre, vida afora,
indiferente à poeira dos caminhos!

Poeta! Guarda contigo esta certeza:
— não existe alegria sem tristeza,
não existe roseira sem espinhos!

  

INQUIETUDE 
Vasco de Castro Lima

Meu ser tem desalentos de inquietude,
misto de treva e luz, risos e dores.
Se em meus sonhos há céus de mansuetude,
Minha alma tem calvários de amargores.

Celebro a glória, o beijo, a angústia rude,
que este é o destino azul dos sonhadores.
Canto a própria esperança, que me ilude,
que traz espinhos, prometendo flores.

Sem um grito, carrego sobre os ombros,
sobre estes ombros fracos e cansados,
uma cruz pesadíssima de assombros.

E vou, indiferente às cicatrizes,
vivendo pelo amor dos desgraçados,
morrendo pelo bem dos infelizes!



ESTA VELHINHA 
Vasco de Castro Lima

Esta velhinha, tão serena agora,
que me seduz com a sua voz divina,
é mais pura que os lírios da campina,
e carrega, no ocaso, a luz da aurora.

Flor de inverno, conserva, na retina,
a primavera das manhãs de outrora.
... É minha mãe, que ainda hoje mora
nos castelos que fez quando menina!

Esta velhinha, que, através dos anos,
sofreu, por certo, muitos desenganos,
só tem nos lábios poemas de meiguice.

Tenho esperança em Deus, todo Bondade,
que ela, vencendo o tempo e a própria idade,
viverá para ver minha velhice...



ARCO-ÍRIS
Vasco de Castro Lima

... E a chuva não vem mais! A lento e lento,
rolam, no espaço, manchas amarelas.
Nos sem-fins do horizonte fumarento,
marcham nuvens... lembrando sentinelas!

E vem o sol, medroso, sonolento,
envolto em névoas, rendas e flanelas.
Sente frio. Mas, toma novo alento,
e ei-lo, agora, acendendo as suas velas...

De repente, o milagre! No ar, lavado,
se estende pelo céu, de lado a lado,
uma esteira enfeitada de arrebol.

É o arco-íris! É a paz! Surge a bonança,
como de um doce amor nasce a esperança,
como depois da chuva rompe o sol...



DESTINO
Vasco de Castro Lima

... E no alto da montanha resplendente,
exausto e maltrapilho, o homem parou.
Vencera a caminhada impenitente
que o destino da Vida lhe traçou.

E agora, ali, perto do sol candente,
que lhe importava a dor que o maltratou?
Como um forte que morre heroicamente,
o homem, sem uma lágrima, tombou...

Assim, também, o poeta. A trajetória
que o leva para o píncaro da Glória,
ao som de eternos madrigais risonhos,

ele a vence, entre hosanas e cansaços,
sangrando os pés e retraindo os passos,
mas mergulhado num rosal de sonhos...



EM MEMÓRIA DE BOCAGE
Vasco de Castro Lima

Sofreu Bocage a dor que mais deprime:
— era um gênio feliz e desgraçado!
E, como se a Arte constituísse um crime,
deram-lhe fel ao néctar misturado.

Na glória e no martírio, foi sublime,
tão mais sozinho quanto mais amado.
Se o pecado de amor o homem redime,
o Poeta se remiu pelo pecado!

Sonhou, cantou, sentiu, lutou, sofreu;
e, ao sol inspirador que Deus lhe deu,
eternizou a Língua de Camões!

Seu nome há de esplender em claridade,
enquanto houver, nas almas, a saudade,
e houver amor florindo os corações!



O BOSQUE ONDE NASCI
Vasco de Castro Lima

Não vês aquela serra azul, clara, formosa,
que dorme sob o céu sanguinolento e vivo?
Lá, eu nasci... Bem perto, uma fonte chorosa
sussurrava ao calor de um dezembro festivo.

Foi lá... numa vivenda alegre e venturosa,
— um sorriso dourando o arvoredo nativo.
Era um recanto ameno, uma ilha ditosa,
em meio ao mar do campo indolente e lascivo.

As tardes e as manhãs, como poemas, cantavam.
Havia muita flor, as aves fervilhavam,
e eu vivia a assaltar os favos das abelhas.

Era um bosque pacato, entre árvores bizarras,
onde ardia e vibrava o canto das cigarras,
e o sol se debulhava em lágrimas vermelhas...



A INTELIGÊNCIA
Vasco de Castro Lima

Quando Deus, na alvorada do universo,
ao Homem deu a fé e a inteligência,
pôs-lhe, no coração, o amor e um verso,
no cérebro, acendeu a luz da ciência.

E, neste mundo hipócrita e perverso,
o Homem venceu as tramas da existência.
Passou, confiante, os séculos, imerso
nas bênçãos da Divina Providência.

Hoje, com a inteligência, faz milagre:
converte o pântano em região florida,
transforma a uva doce no vinagre.

Detém o raio, a dor, a própria sorte.
Domina o espaço, a Natureza, a vida...
... Mas, Deus não quer que ele domine a Morte!

  

INOCÊNCIA
Vasco de Castro Lima

Noite. Lá fora, o temporal desfeito
brame, estronda, reluz, frio e brutal.
O canhoneio ameaça, insatisfeito,
levar todas as casas do arraial.

Na esteira pobre do materno leito,
prostrada em atitude angelical,
uma linda menina, mãos ao peito,
reza para que amaine o temporal.

Pede: — “Papai do Céu, olha a mãezinha”
Se ela morrer, o que eu farei sozinha?
Termina a chuva, meu Papai Noel!”

Nisto, as estrelas brilham... É a bonança!
E, agradecida, a tímida criança
dorme abraçada a um santo de papel...



O SORRISO DE GIOCONDA
Vasco de Castro Lima

Em que pensava, enfim, o bom Leonardo,
ao pintar o sorriso de Gioconda?
Consulte outro pintor, pergunte ao bardo,
e não encontrará quem lhe responda.

Muitos verão, nesse sorriso, o dardo
da ironia... A alma azul de um mar sem onda...
A esperança, talvez. Talvez o cardo
de um fingimento que no fundo esconda...

Que haverá por detrás de tal sorriso?
O Inferno? O purgatório? O Paraíso?
A saudade, a malícia, um dom qualquer?

Nada disso! Da Vinci, na verdade,
procurou retratar, com lealdade,
simplesmente... um sorriso de mulher!



O CEGO
Vasco de Castro Lima

Conheço um pobre cego que, curvado
ao seu bordão, às vezes me procura.
Vem tristonho, andrajoso, escaveirado,
rosto sofrido, cheio de amargura.

Descansa, por momentos, seu cajado,
esquece a sua imensa desventura.
... Então, abre as janelas do passado
e fala, mansamente, com ternura.

E ele me diz: — “Ouço falar, amigo,
no grupo reluzente e majestoso,
das estrelas que têm, no céu, abrigo...

Nunca as vi, nem jamais poderei vê-las,
mas penso, meu amigo generoso, 
que as lágrimas que choro são estrelas...
  


O POETA E O MAR
Vasco de Castro Lima

Levanta a fronte, Poeta! Olha a manhã sem brumas!
É Abril, “o claro mês das garças forasteiras”.
Declama os versos teus, “à sombra das palmeiras”,
vendo as aves pousando “à tona das espumas!”

Olha o vento espalhando nuvens de alvas plumas,
olha o mar encrespando as verdes cabeleiras!
O próprio marulhar das ondas altaneiras,
com teu estro suave, eu sinto que perfumas!

Mas... teimas em voltar às ruas sem paisagem!
Por que? Olha em frente — a alma rezando, inquieta,
e o espírito esplendendo — o “belo mar selvagem!”

... Olha, de frente, o mar, com teus olhos de esteta,
mar, espelho que guarda a tua eterna imagem, 
e sempre refletiu teu coração de Poeta!
  


CONFIDÊNCIA
Vasco de Castro Lima

Eu, que clamo e blasfemo contra a vida,
por seus requintes de perversidade;
e que detesto a lágrima fingida
rolando pelas faces da maldade;

eu, que odeio a virtude presumida
e o negro tédio da vulgaridade;
que esbravejo de raiva mal contida,
vendo as desilusões da falsidade;

— quando olho o teu olhar calmo e risonho,
esqueço que o meu peito é um mar tristonho,
onde os barcos perderam seus destinos;

e então me julgo um cisne deslumbrado,
a brincar e a nadar, feliz e amado,
nos lagos dos teus olhos pequeninos...



LINDA!
Vasco de Castro Lima

Sol posto! O sino reza, em tom plangente,
a oração musical dos misereres.
Num sorriso de flor, os malmequeres
vão-se esfolhando, preguiçosamente.

A brisa vem dizendo, a toda a gente,
que hoje, mais do que nunca, tu me queres.
E que és a mais graciosa das mulheres,
as estrelas repetem, docemente.

Surge a lua no azul, clara e benvinda,
com seu rosto redondo, iluminado,
olhando o sol que não morreu ainda.

E dou graças a Deus que, fascinado,
te faz mais bela do que o céu, mais linda
do que o sonho de um poeta apaixonado.



TEUS LÁBIOS PEDEM...
TEUS LÁBIOS MANDAM...
Vasco de Castro Lima

Sempre me pedes para que eu te esqueça,
e eu sempre faço por querer-te mais,
porque não há tesouro que mereça
comparar-se aos teus olhos sensuais.

Não há quem, por te amar, não se envaideça,
— alvorada de luzes musicais!
Teus lábios pedem para que eu te esqueça,
teus olhos mandam que eu te beije mais...

Tu és, com teu carinho e teu sorriso,
uma flor que nasceu no Paraíso,
e veio para o alcance de meus braços...

Pedes que eu vá. Se é este o teu desejo,
então, por que tu beijas o meu beijo,
e abraças tanto, assim, os meus abraços?



PALADINO DO AMOR
Vasco de Castro Lima

Trago as glórias de inúmeras campanhas
e cansaços de longas caminhadas!
Galguei o azul de todas as montanhas,
pisei o chão de todas as estradas!

De lança em riste, eu arrostei façanhas
e marchei para as intrépidas cruzadas!
Enchi minha alma de emoções estranhas,
ensangüentei as brancas madrugadas!

E eis-me de volta ao País do Sonho,
— Paladino do Amor, poeta risonho,
cantando as lendas de ouro dos heróis —

para dizer-te, após tantos cansaços,
que o teu olhar iluminou meus passos,
como se fosse um roseiral de sóis!...



A VIAGEM DO SONHO
Vasco de Castro Lima

Viajar! Esquadrinhar os Continentes,
a imensidade verde-anil dos mares,
o alvo lençol das solidões polares,
o redil das estrelas refulgentes!

Viajar à luz prateada dos luares,
e ver todos os chãos, todas as gentes,
desde a ourela das praias sorridentes
ao teto das montanhas milenares!

Viajar, sempre imitando, nessas trilhas,
Júlio Verne no Reino das Quimeras,
“Alice no País das Maravilhas”!

Viajar para os confins do céu risonho,
carregando Arrebóis e Primaveras
na asa do vento, na espiral do Sonho!
  


LÍNGUA PORTUGUESA
Vasco de Castro Lima

Língua sonora e doce! Em busca de outros ninhos,
venceste o mar sem fim, na frota de Cabral!
Nas sandálias, trouxeste a poeira dos caminhos
que nem existem mais no velho Portugal!

Dás aquele dulçor das flores sem espinhos,
à dor de uma paixão, à voz de um madrigal;
como dás ao papel e deste aos pergaminhos
belezas imortais do teu verbo imortal!

Conquistaste, feliz, as terras brasileiras,
levando o teu clamor no tropel das Bandeiras,
e teu beijo de luz, de cidade em cidade!

Se eras grande e formosa e amada e estremecida,
ficaste ainda maior, mais bela e mais querida,
pois sublimaste o Amor, inventando a Saudade!...

  

PAÍS DO ENCANTAMENTO
Vasco de Castro Lima

Tão belo quanto a Luz é o Pensamento!
Se a Luz desce no carro da Alvorada,
o Pensamento sobe na dourada
asa do Sonho, para o firmamento.

E o Poeta é quase um Deus, nessa jornada,
porque vai ao País do Encantamento,
pedir, ao Céu, que ressuscite o vento,
e ao próprio Luar, que acorde a madrugada.

Vai sentir, nas celestes aquarelas,
aquele Azul que vem, no mês de Maio,
colorir o silêncio das Capelas...

Vai ao ninho das chuvas e das cores,
olhar o Sol forjando cada raio,
e os Temporais rufando os seus tambores!



O DRAMA DO RETIRANTE
Vasco de Castro Lima

Em cima, o sol referve, em clarões de braseiros,
enquanto queima, embaixo, a gleba estorricada.
Plantas e galhos nus. Na planície escalvada,
vão morrendo animais, definhando ribeiros!

Não há nenhuma sombra. Os próprios juazeiros
se desfolham, abrindo os braços para a estrada.
Despencam-se, do céu, sobre a terra esbraseada,
purgatórios reais, infernos verdadeiros!

E, cansado e faminto, o pobre retirante
sai, quase sem querer, rumo à grande cidade,
para enfrentar, sem medo, a viagem torturante.

Sua esperança é a mesma esperança de um povo!
... Mas, não será feliz: vai morrer de saudade,
ou voltará, talvez, para sofrer de novo!...



QUANDO OS ANIMAIS FALAVAM...
Vasco de Castro Lima

Outrora, quando os animais falavam,
Não tinham êsse fel que os homens têm.
Com naturalidade se encontravam,
Sem demonstrar rancores ou desdém.

Afinal, o que os pobres conversavam?
Não sei. Mas se entendiam muito bem.
Sòmente à própria vida se entregavam,
Não intrigando a vida de ninguém.

Era a grande família: o coelho, o corvo,
A raposa astuciosa, o tigre tôrvo,
O leão, o gato, o lobo, o rouxinol...

E até mesmo as cigarras e as formigas
Viviam mansamente como amigas,
Amando a terra, as árvores e o sol...





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