Aldeia de Ereira, Portugal (1884-1958)
CAMPO
Afonso
Duarte
A Alberto Martins
de Carvalho
Este
verde impossível de se ver,
Que
alegre o camponês cultiva o prazo,
Não
dá sequer para me aborrecer
Na
extensão sem fim do campo raso.
Sem
fim, a vida, deixa se correr
Lisa
e fatal, serena, sem acaso.
E
acontece o que tem de acontecer
Como
quem já da vida não faz caso.
Nada
se passa aqui de extraordinário:
Tudo
assim, como peixe no aquário,
Sem
relevo, sem isto, sem aquilo;
Muito
bucólico a favor da besta,
O
campo, sim, é esta coisa fresca…
Coaxar
de rãs, a música do estilo.
ERROS
MEUS A QUE CHAMAREI VIRTUDE
Afonso
Duarte
Erros
meus a que chamarei virtude,
Por
bem vos quero, e morro despedido
Sem
amor, sem saúde, o chão perdido,
Erros
meus a que chamarei virtude.
A
terra cultivei, amargo e rude,
No
sonho de melhor a ter servido;
Para
ilusão de um palmo de comprido,
A
terra cultivei, amargo e rude.
E
o amor? A saúde? Eis os dois Lagos
Onde
os olhos me ficam debruçados
—
Azul e roxo, rasos de água os Lagos.
Mas
direis, erros meus, ainda amores?
—
São bonitos os dias acabados
Quando
ao poente o Sol desfolha flores.
CABELOS
BRANCOS
Afonso
Duarte
Cobrem-me
as fontes já cabelos brancos,
Não
vou a festas. E não vou, não vou.
Vou
para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar
das hortas. E não vou, não vou.
Cabelos
brancos, vá, sejamos francos,
Minha
inocência quando os encontrou
Era
um mistério vê-los: Tive espantos
Quando
os achei, menino, em meu avô.
Nem
caiu neve, nem vieram gelos:
Com
a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos
remirava os meus cabelos;
E,
atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços
cabelos me doía vê-los …
E
fiquei sempre triste de criança.
RISO
Afonso
Duarte
Tive
o jeito de rir, quando menino,
Até
beber as lágrimas choradas:
Com
carantonhas, gestos, desatino,
Passou
a nuvem e os pequenos nadas.
A
rir de escuridões, de encruzilhadas,
Tornei-me
afeito logo em pequenino;
Porque
ri é que trago as mãos geladas,
E
choro porque ri do meu destino.
Vivi
de mais num mundo idealizado
Comigo
só: E só de mim descreio
Entornava-me
riso a luz em cheio
Quando
o meu mundo foi principiado;
Rio
agora que não sei donde me veio
Sempre
o mal que me trouxe o bem sonhado.
PAISAGEM
ÚNICA
Afonso
Duarte
Olhas-me
tu: e nos teus olhos vejo
Que
eu sou apenas quem se vê: assim
Tu
tanto me entregaste ao teu desejo
Que
é nos teus olhos que eu me vejo a mim.
Em
ti, que bem meu corpo se acomoda!
Ah!
quanto amor por os teus olhos arde!
Contigo
sou? — perco a paisagem toda…
Longe
de ti? — sou como um dobre à tarde…
Adeuses
aos casais dessas Marias
Em
cuja graça o meu olhar flutua,
Tudo
o que amei ao teu amor o entrego.
Choupos
com ar de velhas Senhorias,
Castelo
moiro donde nasce a Lua,
E
apenas tu, a tudo o mais sou cego.
HORAS
DE SAUDADE
Afonso
Duarte
Vou
de luar em rosto, descontente:
Meus
olhos choram lágrimas de sal.
—
Adeus, terras e moças do casal,
—
Adeus, ó coração da minha gente.
A
hora da saudade é uma serpente:
Quero
falar, não posso, e antes que fale
Ela
enlaça-me a voz tão cordial
Que
as coisas mais me lembram fielmente.
Olhos
de amora, e uma ave na garganta
Para
enfeitiçar a alma quando canta,
Moças
com sua parra de avental;
Graça,
Beleza, um verso sem medida,
A
Saudade desterrou-me a vida …
Sou
um eco perdido noutro vale.
INSCRIÇÃO
Afonso
Duarte
Dos
vastos horizontes me invocaram,
Noutras
formas artísticas imersos,
Revoltos
pensamentos que formaram
Todo
o amor e pureza dos meus versos.
Melodias
que os ventos orquestraram
Foram
verbo dos átomos dispersos:
Palavras
que meus olhos soletraram
Num
indizível sonho de universos.
Foram
aromas das fecundas messes:
Como
se tu, ó Terra, mos dissesses
Numa
profunda comunhão de mágoas.
Geraram-mos
os génios das Montanhas
Na
sua fé de catedrais estranhas,
Na
panteísta devoção das Águas.
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