Tubarão, SC (1946-2008)
SONETO
Solange
Rech
Tu
és, soneto, a síntese do belo,
Os
acordes de eternas sinfonias.
Em
ti dormita a paz das abadias
E
tens as linhas sóbrias de um castelo.
Os
maus poetas te veem como um flagelo
E
fizeram variadas profecias
Segundo
as quais tu não resistirias,
Porém,
se eles te odeiam, eu te zelo.
Eu
zelo a tua forma exuberante
E
o segredo de estilo em ti disperso,
Cantado
por Petrarca e o grande Dante.
Quero
acender a luz que em ti existe
—
Catorze bênçãos, uma em cada verso —
No
coração escuro do homem triste.
PAPÉIS
TROCADOS
Solange
Rech
Entregando
carvão, vendendo lenha
E
outros produtos mais vindos da roça,
Vai
o homem rude, no alto da carroça,
À
espera de que o ganho se mantenha.
Surra
o cavalo e, irônico, desdenha
De
quem o recrimina, a voz engriossa,
Fala
que é coisa dele, nunca nossa,
E
que, se alguém quiser brigar, que venha!
Pois,
de repente, ruminando o freio,
Da
boca da alimária uma voz veio,
Qual
mula de Balaão, para alertá-lo:
—“Até
as pedras, homem, pensarão
Que,
se agrides quem, suado, traz teu pão,
És
mais besta que eu, que sou cavalo!”
SABIÁ
Solange
Rech
Todo
dia ele vem, ao fim da tarde,
Com
sua companheira, a fazer festa.
Começa
logo, em ritmo de seresta,
O
seu canto mavioso, em grande alarde.
A
fêmea, ao seu redor, de paixão arde,
Por
esse seresteiro que protesta
Amá-la
sempre, de uma forma honesta,
E
ser seu protetor, não ser covarde.
Muitos,
falando em nome do Senhor,
Contam
“verdades”. Seja lá quem for:
Papa,
pastor, rabino, aiatolá...
Ouvindo
o teu cantar num galho tosco,
Sei
que Deus, se quiser falar conosco,
Vai
usar tua voz, meu sabiá!
CARTA
A SOFIA
Solange
Rech
LINDA
SOFIA, escrevo-lhe estas linhas
(Não
é a mente, mas o amor que as traça!)
Para
saber como é que você passa
E
para lhe mandar notícias minhas.
Por
aqui bebo o vinho e cuido as vinhas,
Junto
tristeza longa e paz escassa.
Mas,
quando rememoro a sua graça,
Minha
alma voa mais que as andorinhas.
Conselho
dou-lhe um só, dentre os diversos,
Esperando
que o siga como lei:
Não
deixe nunca que a esperança fuja.
Que
se registre nesta carta em versos:
Se
você for feliz, feliz serei!
Nada
mais quer o seu avô coruja.
SONETO
DO AMOR ANTIGO
Solange
Rech
Unimo-nos
há tempo. Algum motivo
Nos
integra, nos prende, nos segura.
Quem
sabe é a paixão que te cultivo
Ou
tu, que te desmanchas em ternura.
Desde
que estamos juntos eu convivo
Com
a felicidade. Ela perdura
Mas
me diz que no amor nada é cativo:
Precisa
confirmá-lo em cada jura.
Tu
me tens plenamente e tua face
É
ponto de descanso que procuro
(Pois
aqui vale a entrega, o amante dá-se).
Quem
acaso seguir nossos caminhos,
Há
de dizer do nosso amor maduro:
—
“Como se amam! Parecem dois pombinhos!”
SONETO
DA PAIXÃO ETERNA
Solange
Rech
Bem
sei o quanto a minha amada é linda
Pois
dessa formosura me alimento
E
são muitos os versos que eu invento
No
afã de preparar a sua vinda.
Talvez
ela não venha (dor infinda!)
Ou
se mostre incorpórea como o vento,
Beijando
as minhas faces num momento
Só
para apaixonar-me mais ainda.
Ah!
— se pudesse crer... Reencarnação!
É
que o ardor com que vivo essa paixão
Não
cabe dentro de uma só jornada.
Eu
morto, o anjo dirá: Amigo, à lida.
Vai
viver esse amor em nova vida,
Pois
sabemos quão bela é tua amada!”
SONETO
Solange
Rech
Tentei
por várias vezes comparar-te
A
um ser quase divino, sem defeito.
Não
era uma mulher que eu tinha eleito,
Mas
uma santa, uma rara obra de arte.
Penei
bastante, pois, de minha parte,
Foi
difícil matar o preconceito
E
ver em ti alguém que é imperfeito,
Sem
ter qualquer barreira para amar-te.
Agora,
que a igualdade nos irmana
E
nos deixa maduros para a vida,
Preciso
te dizer da minha sorte:
Bendita
sejas tu por ser humana
Pois
essa humanidade convalida
O
meu amor, que irá além da morte.
O
RIO
Solange
Rech
Quantos
segredos o teu seio oculta
Com
esse deslizar firme e perene.
Basta,
porém, que um pescador te acene
E
és como o pai, que, ao ver o filho, exulta.
No
inverno teu volume aumenta e avulta,
Foges
das margens, ganhas ar solene.
Mas
quem te desafie ou te apequene
Morre
tragado, vira alma insepulta.
Como
tu, velho rio, já fui riacho,
Rasguei
meu leito usando mãos e dentes.
Lutamos
ambos — tudo são igual.
A
diferença que entre nós eu acho
É
que tu recebeste outras vertentes
E
eu completei com pranto o meu caudal.
O
SINO
Solange
Rech
Algo
existe de místico e profundo
No
bimbalhar melódico de um sino.
O
seu som faz chegar ao nosso mundo
Vozes
vindas de algum lugar divino.
Feliz,
nos chama à prece, ao bem fecundo,
E
engalana os domingos do menino.
Chora,
sentido, o fim do moribundo
Mostrando-nos
a força do destino.
Velho
sino, atalaia desta igreja,
Tua
presença solidária enseja
Que
uma voz de conforto seja ouvida.
Como
tu, eu queria ter o dom
De
fazer que este mundo fosse bom,
Plantando
uma esperança em cada vida.
NÃO
HÁ VAGAS
Solange
Rech
Durante
vários meses, inda escuro,
Ele
saía em busca de um serviço.
“Darei
aos filhos vida digna — Juro!
Breve
estaremos longe do cortiço”.
“Não
há vagas!” — diziam. Inseguro,
Lembrou-se
do impossível compromisso.
Não
dependia dele, havia um muro
Que
o deixava incapaz e até submisso.
Voltava
à noite, nulo de esperança,
Para
o barraco em que a aflição maldita
Era
a fome dos seus, doentes e imundos.
Passa
um moço, nascido na abastança,
Que
ignora as causas da pobreza, e grita:
—
Vão trabalhar! Inúteis! Vagabundos!”
ANJO
BOM
Solange
Rech
(Dona Pequenina,
que saudade!)
Minha
mãe, no seu afago,
Cuidava
de mim, pequeno,
Pois
aquele olhar sereno
Dentro
de mim inda trago.
Quando,
em período aziago,
Vinha
a febre — que veneno! —
Ela,
dedicada a pleno,
Sanava
qualquer estrago.
Inda
a vejo unto ao berço,
A
desfiar contas do terço
Até
a febre ceder.
Conto
aqui um pecadinho:
Para
ter tanto carinho
Gostava
de adoecer.
VELHA
CASA
Solange
Rech
Esta
era a casa. Aqui meu pai sentava
Em
seu banquinho tosco junto à mesa.
Via
as contas do mês (quanta despesa!)
E
muita história linda nos contava.
A
cozinha me traz Marlene, a brava,
Minha
irmã que fazia sobremesa.
Quando
eu furtava os doces, de surpresa,
Dizia
que não era minha escrava.
Naquele
canto, Graça, irmã caçula,
Menina
triste, sonhadora e amiga,
E
eu, mestre da algazarra e da firula.
Jovem
família, alimentando planos...
Todos
são vivos nesta casa antiga,
Enquanto
eu próprio já morri há anos.
MORO
LONGE DO MEU CORPO
Solange
Rech
Ostento,
há muito tempo, outro endereço,
Pois
moro em tua essência, a teu convite.
Estar
contigo é mais do que mereço,
É
prêmio por meu mérito: segui-te!
E,
ao te seguir, achei o amor espesso
Que
extrapola, de longe, o meu limite.
Nos
poemas de paixão que eu hoje teço
Compenso
o teu carinho e fico quite.
Mudando
de morada, como fiz,
Minha
alma, finalmente, achou um lar
Pois
junto a ti eu sempre estou feliz.
Estranho
corpo meu, antigo abrigo...
Como
ele, assim vazio, consegue andar,
Se
há muito tempo eu fui morar contigo?
IMENSO
AMOR O MEU
Solange
Rech
Imenso
amor o meu, de tal jaez
Que
minha alma, liberta da couraça
Do
egoísmo, da mágoa, da aridez,
Vive
no espaço que este amor lhe traça.
Dia
após dia, mês depois de mês,
Sigo
teus passos, preso à tua graça.
És
a resposta a todos os porquês
E
a afirmação de que nem tudo passa.
Quando
disseste “vem comigo”, eu vim
Pois
eras a esperança, eras meu sonho
Mais
divino, mais puro, mais pudico.
Como
a lei natural impõe um fim,
Morra
eu, que de matéria me componho,
Mas
nunca morra o amor que te dedico.
TEMPO
E VIDA
Solange
Rech
Inexoráveis,
passarão os anos
E
nossos corpos guardarão a marca
Do
tempo que se foi, da vida parca,
Com
seus momentos bons ou desumanos.
Vã
tentativa a de alterar os planos
Do
tempo, que o caminho nos desmarca.
Ninguém
desautoriza este monarca:
manda
em vassalos, manda em soberanos.
E
quando eu já não for, amada minha,
Ainda
viverás, branca e velhinha,
Bela
e feliz, por mais que a dor te agrida.
Na
pracinha, andarás de braço dado
Com
algum bom velhinho que, ao teu lado,
Ocupe
o espaço que foi meu em vida.
INDECIFRÁVEL
MAR
Solange
Rech
Indecifrável
mar, que em minhas veias
Circulas,
como em tua própria casa.
Temos
nossas vazantes, nossas cheias
Pois
minha alma também se aflige e vaza.
Deixa-me
ouvir o canto das sereias
Que
carrega is marujos da água rasa.
Presos
no abismo, por traiçoeiras teias,
Eles
morrem do amor que queima em brasa.
Divindades,
Netuno... Quanta vida,
Sujeita
a dimensão desconhecida,
Nos
teus domínios abissais se esconde.
Num
ponto somos, mar, bem parecidos:
Ambos
temos tesouros escondidos,
Tão
guardados que não sabemos onde.
MINHA
MÃE ENVELHECENDO
Solange
Rech
Ponho-me
triste ao te saber aflita,
Pois
a saúde já não tens como antes.
Guardas,
porém, a força dos gigantes
—
Força de mãe só outra mãe imita.
Um
olhar de ternura inda me fita
Embora
de olhos baços, mais errantes,
Com
eles, me proteges e garantes
Que
mãe, quão mais idosa, é mais bendita.
Vejo
que, resignada e sem lamentos,
A
própria dor escondes e te calas,
Tudo
transformas num sorriso leve.
Comovo-me
ao notar seus passos lentos.
E
essas rugas (vontade de beijá-las!)
São
certidões de amor que a vida escreve.
SONHA
E VIVE
Solange
Rech
“Algo
irreal é o sonho, e não se deve
Acalentá-lo,
cultivá-lo ou tê-lo.
É
provável que um grande pesadelo
Tome
o lugar da fantasia breve”.
É
o que diz o mundo, é o que escreve
O
coração que, estéril, vira gelo.
Quem
faz da frustração o seu modelo
Perde
direito ao sonho, mesmo leve.
Eu,
porém, aprendi que a vida é fonte
A
fluir do sonho que lhe traça o leito,
Podendo
ser um bem que nos agrade.
Embora
às vezes o destino o afronte,
O
sonho tem o dom de ser refeito.
Quem
sonha abraça e beija a liberdade.
A
BÊNÇÃO, PAI!
Solange
Rech
Uma
vez mais te peço a bênção, pai,
Como
o fazia quando era pequeno.
—
“Deus te abençoe e te proteja. Vai!
Zele
por ti Jesus, o Nazareno!”
Recordo
tua paz, que inda me atrai,
Lembrança
que me ajuda a ser sereno
E
a dizer para as lágrimas: “Cessai!
O
pranto agrava o rosto e forma um dreno!”
Vazia
a mesa, a casa, a minha vida,
Vazio
meu coração, tudo vazio,
Quando,
impotente, vi tua partida.
Minha
saudade acumulou-se em feixe
E
aqui estou para implorar, tardio,
Que
tua bênção, velho, não me deixe.
NÃO
PERTURBES AS GAIVOTAS
Solange
Rech
Tu,
que vais pela praia, pensativo,
Sorvendo
o sal que o mar te presenteia,
Tu,
que arrastas os pés na fulva areia,
Deixando
as marcas próprias de um ser vivo...
Tu,
que andas com o olhar contemplativo
De
quem vê o interior, e o mais bloqueia,
Tu,
que sabes que o mar tem maré cheia
Para
esconder de nós seu grande arquivo...
Pára,
não te aproximes das gaivotas.
Elas
estão reunidas, como notas,
Sérias
e graves, qual equipe aldeã.
Acaba
a vida ou haverá porvir?
Só
às gaivotas cabe decidir
Se
o mundo inda terá outro amanhã.
FLAGRANTE
Solange
Rech
Atrás
dos grandes óculos escuros
O
cego se acomoda ao chão da praça.
Mãos
estendidas, trêmulas, sem graça,
Na
cabeça um chapéu com muitos furos...
“Esmola
ao cego! Deus dará com juros
A
recompensa a quem um pobre abraça!”
O
apelo vence a sovinice crassa
E
o povo se comove em gestos puros.
Findo
o dia, o mendigo troca a roupa,
Tira
óculos, chapéu e se transmuta,
Já
tudo enxerga com argúcia extrema.
Falso
cego, que logra mas não poupa:
Entrega
a grana a certa prostituta
E,
abraçadinhos, entram no cinema.
FIM
DE DIA
Solange
Rech
Este
canário entende de alma humana
E
todo dia vem me dar conselho.
É
meu guru, meu mestre, meu espelho,
Critica
meus defeitos, não me engana.
Dita-me
os passos, tudo ensina e explana,
Como
sábio falando a um fedelho.
Dedico-lhe
respeito e me assemelho
A
aluno surpreendido em falta insana.
Meu
canário amarelo, tu que tens
Sempre
um gorjeio a mais que me distraia,
Bem
mereces, por isso, os parabéns.
É
hora de ir dormir, canoro amigo,
Antes
que as outras aves desta praia
Pensem
que és louco por falar comigo.
ESTRANHOS
DEUSES
Solange
Rech
Que
estranhos deuses, minha deusa amada,
Cozeram
a beleza em teu semblante
Tão
indelevelmente, tão colada,
Que
ficas cada vez mais cativante?
Tudo
o quem de ti surpreende, agrada
E
faz alegre o solitário instante.
Quem
pousa o olhar no teu olhar de fada
Deseja
apenas que sua alma cante.
Amo-te
sempre, e o tempo faz-se escasso
Pois
tua ausência dói-me como açoite
E
a paz que vem de ti me faz sereno.
Não
há conforto igual ao teu abraço.
Com
tua imagem teço a minha noite,
No
teu sorriso bebo o meu veneno.
DISPARATE
Solange
Rech
Em
noite escura, quanto procurei
Estrela
que, perdida, me piscasse.
Não
importava muito a sua classe,
Não
precisa ser um astro-rei.
Um
meteoro qualquer da imensa grei
Celestial
já me bastava à minha face.
Mas,
por mais que tal bênção esperasse,
Nunca
fui atendido e reclamei.
Falaram-me
que apenas um maluco
Vai
em busca de estrela em tempestade.
Brilho
de astro só vence nuvem fina.
Quero
entender a vida e me machuco:
Minha
alma está feliz — mais luz me invade,
No
horror da escuridão — nada ilumina.
DE
TANTO VOS AMAR
Solange
Rech
De
tanto vos amar, linda senhora,
E
de tão ternamente desejar-vos,
Trago
comigo o olhar torvo dos parvos
Que
se quedam d’amor, como eu agora.
Bem
sabeis dessa paixão! Quem ignora
As
ternuras que tenho para dar-vos?
Por
um sorriso vosso, eu, a pagar-vos,
Trarei
estrelas e o rubor d’aurora.
Jamais
sereis sozinha ou solitária
E
a tristeza, essa negra indumentária,
Não
vencerá a luz que vos abriga.
Deixai,
senhora, ao menos, que vos ame
Sem
medo, sem temor, sombra ou vexame,
Nestes
versos d’amor à moda antiga.
Lindos. E é meu conterrâneo (Tubarão/SC)! Uma espécie de Mario Quintana barriga-verde. Obrigado por postar. (Avelino Porto).
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