Aládia Pereira de Almeida

Petrópolis, RJ (1936-2003)



MEU CORAÇÃO É UM SONETO
Aládia Pereira de Almeida

Quantos sonetos fiz? tantos... nem sei.
Tenho levado a vida em poesia –
nos momentos de dor, sempre rimei,
rimei também nas horas de alegria.

Fiz versos às pessoas que eu amei,
fiz sonetos de angústia e nostalgia;
a Natureza e Deus eu exaltei,
e a Paz e o Amor cantei em poesia.

Fiz sonetos em tarde embaciada,
fiz sonetos em noite enluarada
e madrugada de intenso verão.

O bom Deus, por descuido, ao me criar,
colocou no meu peito a palpitar,
uma lira em lugar de coração.



... E SOL NÃO SORRIU
Aládia Pereira de Almeida

Passei minha tristeza pela tarde,
num outono transbordante de matizes,
pela esquina onde medita algum covarde,
pela graça onde transitam infelizes.

Pedacinhos de mim mesma, sem alarde,
recolhi-os, rejuntei-os nas raízes,
e é no peito que o remorso aperta e arde,
pelas minhas imprudências e deslizes.

Uma brisa murmurou quando eu passava,
indagando por que triste eu me encontrava,
quais desgostos me magoaram tanto assim;

e o sol que resplendia no horizonte,
ao me olhar se entristeceu, curvou a fronte,
foi-se pondo sem sequer sorrir pra mim.



CICATRIZES
Aládia Pereira de Almeida

Muitas bocas, por certo, me beijaram,
por certo, muitas bocas eu beijei;
alguns beijos, os lábios, me queimaram,
e desses, a lembrança eu guardei.

Das mãos que em minhas mãos se entrelaçaram,
das faces que em ênfase afaguei,
dos braços que com ânsia me abraçaram,
também deles, a ausência, não notei.

Das promessas e juras que fizeram,
das palavras de amor que me disseram,
poucas ficaram, poucas escutei;

mas sinto ainda em tardes de mormaço,
o calor e a pressão de um só abraço,
e o sabor de um só beijo que te dei.

  

APELO
Aládia Pereira de Almeida

Quando eu deixar o mundo tão malvado,
para habitar, por fim, a lousa fria,
nessa hora de tristeza e de agonia,
eu peço que tu fiques a meu lado.

Não quero que tu chores nessa dia,
lembrando o nosso amor tão malfadado,
preciso recordar todo o passado,
e partir com suspiros de alegria.

Depois que eu repousar no meu abrigo,
não me deixes ali abandonada –
quero a visita de teu vulto amigo.

Se na vida, de ti, fui separada,
quero na morte reviver contigo,
toda a ventura que nos foi negada.



FÊNIX
Aládia Pereira de Almeida

Renascer é preciso, muito embora esmagada,
com a alma sofrida, abatida e sem rumo;
colocar novamente a esperança no prumo,
emergir dos destroços sem gemer, lacerada.

Refazer minha vida (nem que seja em resumo),
registrar uma história em que eu seja lembrada,
muito embora sujeita  uma carta marcada
que me trouxe a tragédia pela qual me consumo.

Vou erguer a cabeça, dar a volta na sorte,
já que existe outra vida no horizonte da morte,
qualquer dia, quem sabe ? Vou poder te encontrar.

Renascendo das cinzas a que fui reduzida,
vou viver a utopia, numa ânsia incontida,
e qual fênix, alada, a teus braços voar.



AQUELAS MÃOS
Aládia Pereira de Almeida

Eram tão magras, feias e manchadas,
aquelas mãos que tanto bem faziam;
cheias de rugas e tão maltratadas
por afazeres que as consumiam.

As unhas quebradiças, sem pintura,
mas sempre limpas e muito curtinhas,
bem raramente viam manicura
ou cremes que as tornassem mais lisinhas.

Eram mãos que se davam com carinho,
distribuindo o amor em seu caminho,
tanto aos estranhos quanto aos entes seus.

As mãos de minha mãe, quanta saudade!
Obras de arte, extrema  raridade,
que estão no acervo do museu de Deus.



ÚLTIMA HOMENAGEM
Aládia Pereira de Almeida

É este o último verso que te faço;
também a última vez que penso em ti,
e estas linhas incertas que ora traço,
não falarão do mundo que sofri.

Segue também aqui o terno abraço,
que de teus braços nunca recebi;
fica comigo apenas o cansaço,
mais a ausência de tudo que perdi.

Não fui culpada, nem foste tampouco,
pois este sonho meu, ingênuo e louco,
tinha, por certo, que chegar ao fim

Resta um consolo ao coração magoado,
que ficou no meu peito, destroçado –
saber que um dia tu pensaste em mim!



RECOMEÇO
Aládia Pereira de Almeida

Não tenho tempo para sentir saudade,
há muita coisa que fazer ainda,
uma ansiedade de viver infinda,
um só prazer de plena mocidade.

Toda emoção é válida e bem vinda!
Sinto o prenúncio da felicidade,
e o coração transborda de vaidade –
há tanta coisa que fazer ainda...

Se já vivi ? Dezenas de verões!
Já tropecei em dúvidas, senões,
já amarguei a solidão da idade.

Sinto um vigor, agora, incontrolado,
começo hoje – não sou mais passado,
não tenho tempo de sentir saudade!



VOU CHORAR AMANHà
Aládia Pereira de Almeida

Vou chorar amanhã. Hoje estou decidida
a viver o momento, seja ele qual for;
vou deixar pra depois toda a mágoa escondida
vou chorar amanhã, sem vergonha ou temor.

Hoje eu quero viver esta hora proibida,
neste dia especial de convite ao amor,
sem sentir-me culpada, receosa, oprimida,
entregar-me à aventura sem censura ou pudor.

É o momento que conta, é o presente que importa,
pois não sei se amanhã estarei viva ou morta,
e talvez me arrependa se esta hora eu perder.

Que consolo terá a minha alma vazia,
rejeitando este espaço de encantada magia?
Vou chorar amanhã, hoje eu quero viver!



 QUERO MORRER ASSIM...
Aládia Pereira de Almeida

Quero morrer assim, numa tarde de sol,
com cigarras cantando e este céu azulado,
no meu leito, tranqüila, sobre um alvo lençol,
consciente e sem dor, sem remorso ou pecado.

Minha vida foi lume sem chegar a farol.
Como um quadro sem tela, como um filme cortado,
como um campo vazio, sem rolar futebol,
me despeço sem mágoa do pobre passado.

Quero morrer assim, sem rancor, sem temores,
quero muita oração, quero velas e flores,
e que amigos poetas não me deixem ao léu.

Sobre a campa cinzenta uma cruz e uma trova,
na certeza que a vida se refaz, se renova,
estará a minh'alma versejando no céu.



SABOR DE VIDA
Aládia Pereira de Almeida

Eu amo a vida pelo que é a vida,
pela razão mais simples de viver,
sem me importar se árida é a lida,
se há mais dias de dor que de prazer.

Eu amo a vida mesmo na incerteza,
do dia em que ela me abandonará;
sem pesar de deixar tanta beleza,
sem pensar, lá no Além, como será.

A vida é boa, é só saber vivê-la,
não desejar brilhar qual uma estrela,
nem também, como um verme se arrastar.

Saber chorar, se a dor nos atormenta,
sorrir, quando a alegria se apresenta,
compreender, esquecer e perdoar.



ESTRANHO FUNERAL
Aládia Pereira de Almeida

Fui sepultar as minhas ilusões
e volto agora, triste, mas feliz;
levei todos os sonhos e emoções,
tudo de bom que com carinho eu fiz.

O tempo solidário e sempre amigo,
que estava firme e claro de manhã,
anuviou-se e enfim chorou comigo,
mandando a chuva de minh'alma irmã.

Coloquei uma cruz bem tosca e escura,
onde enterrei meus sonhos de ventura,
minha esperança, minha mocidade.

Ninguém veio assistir ao funeral
e eu presidi sozinha o ritual,
tendo a meu lado apenas a Saudade.



“CONFITEOR“
Aládia Pereira de Almeida

As palavras de amor que não lhe disse,
os gestos de ternura que não fiz
por pudor, por receio, por tolice,
poderiam tê-lo feito tão feliz !

Passei a vida em tola e vã mesmice,
lustrando as aparências de verniz,
e foi-me a juventude; hoje, a velhice
registra o quanto bem você me quis.

Agora é tarde, já não há mais jeito,
se esta paixão dilacerou-me o peito,
confessá-la, a esta altura, que adianta ?

Leia os meus versos, são declarações,
mais que palavras, são as confissões
que deixei sufocadas na garganta.



CORAÇÃO AMIGO
Aládia Pereira de Almeida

Tu vês, meu coração?  Estou sozinha
no emaranhado de visões tão tortas,
em meio à bruma espessa e folhas mortas,
nesta tarde outonal, como andorinha.

Fecharam-se para nós todas as portas,
e a saudade que chega e se aninha,
amargura meu peito e me definha.
Nem tu, que és meu amigo, me confortas.

Estou triste, estou só, estou perdida
num torvelinho de paixão dorida –
que ânsia de gritar e de correr!...

Seria solução, meu caro amigo,
se fizesses um pacto comigo,
deixando, simplesmente, de bater!


MEU PRIMEIRO AMOR
Aládia Pereira de Almeida

Tu foste o meu primeiro amor na vida,
De uma ilusão nascido – ato impensado –
Numa tarde de março colorida,
Depois de um carnaval louco e agitado.

Foi um sonho tão simples, de fugida,
Que não chegou a ser concretizado,
Pois a tu’alma inquieta e distraída,
Não compreendeu o que lhe era ofertado.

Foi tolo o meu amor. Puro, inocente,
Porém me transformou bem de repente,
Numa sem fé, sem sonhos, sem vontade;

Desse primeiro amor de minha vida,
Eu guardo, qual lembrança inesquecida,
Uma carta, um retrato, uma Saudade.



FELICIDADE
Aládia Pereira de Almeida

É palavra tão simples, corriqueira,
Que anda de boca em boca pelo mundo,
Que não sabe, decerto, quão profundo
É o sentido, em sua essência verdadeira.

É ventura sutil e passageira,
Que deixa um rastro forte e bem profundo,
Àqueles que a esperá-la a vida inteira,
Vêem-na passar ligeira, num segundo.

Felicidade é pouco, quase nada...
No mais comum da vida se resume
E é, certamente, a todos reservada;

Basta só que a busquemos sem ciúme,
Basta só que a queiramos conservada,
Não mais que um suave, caro e bom perfume!



NOITE DE INSÔNIA
Aládia Pereira de Almeida

Sob a mortiça e frágil luz da vela,
Nesta noite de inverno, triste e fria,
Minha pena – incansável sentinela –
E aqui, da vela, a débil chama treme;

Pende do teto, pálida aquarela,
E na sala, o piano silencia;
Tal como um quadro, sem moldura, em tela,
Está minh’alma, assim, de ti vazia.

Lá fora o vento agita as folhas, geme,
Um frio seco irrompe pela sala,
E aqui, da vela, a débil chama treme;

Só teu retrato não sorri nem fala
Ao coração, que sem farol, sem leme,
Tal como um barco na amurada entala.



TANGO
Aládia Pereira de Almeida

Ritmo d’alma! Voz do coração!
Recordação do amor não esquecido!
Tu despertas o sonho adormecido,
Sonho que não passou de uma ilusão.

Quando soluças, bandolim plangente,
Traduzes minha imensa e atroz desdita,
Ao teu compasso o coração palpita,
Em merencórea evocação dolente.

Tu me fazes, então, rememorar,
Meu bairro, minha escola, o doce lar,
Minha mãezinha, meu papai querido;

Em ti recordo a infância tão distante,
Tudo o que sonhei na vida errante,
O meu primeiro amor, ó tango amigo!



SAUDOSISMO
Aládia Pereira de Almeida

Do modo em que se vive atualmente,
Na era de “excursões” espaciais,
Em que o homem vibra muito e pouco sente,
E respeito, e pudor não se vê mais;

No século que prima em modernismo
Nos setores de ação da humana raça,
Aboliu-se, da Igreja, o misticismo,
Desfez-se a Fé em nuvens de fumaça.

Hoje que, da ciência, a evolução,
Já faz transplante até do coração,
E o mundo é “avançado” e está “pra frente”,

Eu tudo vejo, entendo, e fico à parte,
A cultivar, ainda, a antiga arte,
E a amar ainda como antigamente.



PERGUNTA
Aládia Pereira de Almeida

Por que fazer sonetos? Curioso!...
Por que cultivas esse antigo tema?
Seria bem mais fácil, mais rendoso,
Compor um outro estilo de poema.

A rima não é muito necessária,
A métrica também foi relegada;
O pensamento é livre, a forma é vária,
Não mais restrita, nem cadenciada.

Vamos, sacode o pó da antiguidade!
Por que seguir BILAC e não BANDEIRA?
GONÇALVES DIAS, não DRUMMOND DE ANDRADE?

Faz um “moderno” só de brincadeira,
Será que tu nãos tens capacidade?
Minha teimosa e tola companheira.



PSICOSE
Aládia Pereira de Almeida

Este amor que guardei por vinte anos,
Vinte anos de espera sem proveito,
Sem desfrutá-lo no calor do leito,
Onde sufoco, sempre, os desenganos...

Este amor que de “apenas sentimento”,
Não se deu, pelo corpo, em possessão;
Este amor de saudade e sofrimento,
Que supera os princípios e a razão...

Hoje eu te entrego num ardor total,
E sem pensar que possa ser fatal
Para um de nós, ou para os dois, talvez.

Que importa o mundo? O julgamento alheio?
Se possuir-te é tudo quanto anseio,
Mesmo que seja apenas uma vez!...



DESCENDO A SERRA
Aládia Pereira de Almeida

Era um dia chuvoso em mês de agosto,
Fria manhã de um prolongado inverno;
Eu trazia, estampado no meu rosto,
O rigor de um intenso frio interno.

Por ironia do destino, entanto,
Tinhas na face uma expressão feliz,
E eu me contagiei com teu encanto,
Te disse coisas que jamais eu fiz.

Fomos bons companheiros de viagem,
E nossa pura e vã camaradagem
Não deve, desse ponto, ultrapassar;

Nossos caminhos paralelos são,
Pois vão seguindo a mesma direção,
Sem, entretanto, nunca se encontrar.



MEU SONHO AZUL
Aládia Pereira de Almeida

Uma casa pequena, bem branquinha,
De janelas azuis e um bom quintal;
Uma horta, um jardim e uma cerquinha
Separando, de um lado, o roseiral.

Uma casa modesta, alegre e calma,
Onde o sol venha sempre passear;
Onde, tranquila, possa então minh’alma,
Pelas noites de lua repousar.

Por fora o céu, o mar, a Natureza,
Que constituem a nossa riqueza,
Pois que a fortuna só virá depois;

E dentro dessa casa a esperança,
Muito amor e um sorriso de criança,
Unindo a vida simples de nós dois.



RETORNO
Aládia Pereira de Almeida

Doze anos depois voltei aqui
meu velho casarão tão maltratado;
voltei para ficar, cuidar de ti,
voltei pra reviver o meu passado.

Nos teus salões quanto me diverti...
foi um adolescer meio encantado;
em contraste, também, partiu daqui
meu velho pai, amigo idolatrado.

Que saudade de ti, do teu quintal,
da “pirambeira” com seu bananal,
desse recanto onde me criei;

andei por outras terras, mas confesso:
a saudade apressou o meu regresso,
aqui estou, meu casarão. Voltei!



SOMBRIO OCASO
Aládia Pereira de Almeida

No fim da tarde desta minha vida,
descamba o sol numa tristeza enorme;
embora o coração bata uniforme,
minha esperança resta adormecida.

No fim da tarde de um viver disforme,
de uma existência opaca e esmaecida,
declina o sol numa mudez sofrida
e alheia à sorte a minh’alma dorme.

Sombria vida, de emoções, carente,
onde a ventura não se fez presente
nem houve indícios de felicidade.

Ocaso frio – solidão ardente –
nuvens esparsas no meu céu poente,
clarões vermelhos de infinda saudade.



MISSÃO CUMPRIDA
Aládia Pereira de Almeida

Se medicina não pude eu fazer
para curar as dores materiais,
dediquei minha vida a socorrer
aos que sofriam de dores morais.

Se um instrumento não pude eu tocar,
se uma outra arte não pude aprender,
meu coração se dilatou de amar
e minha mão cansou de se estender.

Não fui bela, bem feita, nem vaidosa,
nem minha vida foi tão cor de rosa,
mas dei, de mim, o quanto possuí;

Sem ter riqueza, partilhei carinho,
tentei deixar florido o meu caminho,
não cantei, não dancei, mas escrevi.




2 comentários:

  1. ALÁDIA PEREIRA de ALMEIDA é... (digo é porque poesia é vida eterna...) essencialmente, uma poetisa do amor, o mais belo dos temas entre todos. Gostei de todos os seus sonetos e não sei selecionar entre os que me arrebataram e os outros de que gostei muito. Parab´´ens póstumos a ela e efetivos a quem selecionou os seus sonetos. O amor é o mais belo dos sentimentos e a mais profícua e terna fonte de poesia...

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  2. Poesia é, efetivamente, vida eterna... Aládia, continuará a viver entre nós através dos seus poemas... em sua memória e homenagem deixo aqui um dos meus sonetos que tem a ver com esta realidade que a poesia, através dos séculos, tem confirmado.

    POESIA É VIDA ETERNA

    Cada curva do tempo que eu vivi,
    de modo, muitas vezes, controverso…
    foi forma que encontrei de estar aqui
    deixando sempre um verso e mais um verso.


    Gozei, sofri, amei, chorei e ri
    num modo de viver sempre diverso
    e todos os meus versos escrevi
    para os lerdes, depois, no meu reverso.


    Ao chegar o momento, tão profundo,
    calar a minha voz, eternamente…
    eu não vou aceitar suas algemas…


    Vou deixar a minha voz cá neste mundo…
    não podendo falar, pessoalmente,
    irão falar, por mim, os meus poemas !...


    Matos Serra


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