Otacílio Colares

Fortaleza, CE (1918-1988)



 O MAR
Otacílio Colares

É noite. Olhai o mar, medonho, gemebundo,
bravo, o dorso empolando aos raios do luar.
Minotauro é tal qual, dum labirinto ao fundo,
em doudos repelões o corpo a serpejar.

Como ele é belo assim, por tal forma iracundo,
furioso no contínuo e horrendo espanejar.
Olhai: contrai-se agora, e na mudez, profundo,
é como serpe horrenda o salto a preparar.

Passa um vento rasteiro, em sua eterna ronda.
E ele  o oceano  a ulular, correndo encontro à praia,
sobre ela em torvelins de espumas se esbarronda.

Ferve, agarra-se à terra, e esfalfa-se e desmaia,
e ao leito retrograda, em busca de outra onda,
deixando sobre a areia um manto de cambraia.



 SONETO À ANTIGA
Otacílio Colares

Perdoai-me, senhora, se, rendido
Aos estranhos encantos de outra dona,
Meu coração do vosso distraído
Por outra no momento se apaixona.

Ah! não me houvésseis vós apetecido
E do meu ser feito chegar à tona
Um mundo estranho, há muito convertido
Em cinza que se esmói e se abandona,

Não seria de mim que recebêsseis,
Agora, a breve nênia comovida
De quem parte ao deixar alguém chorando.

Pois fostes vós - quisera me entendêsseis:
Que o morto amor em mim ressuscitando,
Vos tornastes um ponto de partida...



SONETO DE AMOR E ORGULHO
Otacílio Colares

Se agora cá me tendes tão cuidoso,
Senhora, é que me sois o bem amado
E eu sei de mim que sou mais venturoso
Do que jamais o houvera desejado.

Que ninguém não me estranhe se, orgulhoso
Vou vivendo esta vida sem enfado,
Que não condena o amor ao venturoso
Que acaso soube haver o seu agrado

Se consegui de vós o amor que tenho,
Que a alguém não pese o meu sorrir, Senhora;
se o conquistei foi muito suspirando.

E não foi de tão fácil desempenho
O drama que hei vivido, antes que agora
Leve esta vida em que me vou cantando.



O JOGRAL
Otacílio Colares

Eu faço versos como quem procura,
certo de achar, sem dor nem sofrimento,
na Musa amiga, indevassada e pura,
o desejado e justo valimento.

Nada me dói da mágoa que enclausura
a outros mais tristes o áureo pensamento
que esse me vem, de manso e sem tortura,
ao tempo azado e em cada bom momento.

Tédio em mim não se dá de ausente havê-la,
por tempo prolongado a caprichosa
Poesia, que me serve ao seu agrado.

E a rir me vou, feliz de assim querê-la,
furtiva às vezes, outras, dadivosa
com o ar feliz do que se sabe amado.



FAUNESCA
Otacílio Colares

Na aspereza da relva e à carícia do vento,
ao teu quisera unir o meu corpo em delírio,
librando a carne em febre ao lôbrego martírio
e erguendo para os céus a luz do pensamento.

Seria amor pagão mas de pecado isento
no altar de almas irmãs edificante círio –
sem sombra a macular a limpidez do lírio
que o cálice abriria ao frio do relento.

Haveria o silêncio apenas harpejado
pelo arfar do teu seio em timidez na oferta
do almo filtro a enrijar o alvi-rosado seio.

E haveria, depois, no côncavo estrelado
um bemol de acalanto, uma canção incerta,
a berçar docemente a vida que não veio.



SONETO EM TONS MENORES
Otacílio Colares

Possam outros gozar tranquilidade
mais do que nós e mesmo da riqueza
fruir delícias, na insinceridade
dos bens terrenos, com maior largueza.

Possam alguns, em triste fatuidade,
julgar-se donos de imortal grandeza,
tomando o quanto pela qualidade
ou o que é simples disfarce por beleza.

Aqui por onde estamos ficaremos:
nem de todo enganados nem sofridos
demais, antes, com o quanto merecemos.

Para que em nós os dias já vividos,
não sendo inferno a que nos condenemos,
também não sejam céus imerecidos...



O REENCONTRO
Otacílio Colares

A Poesia chegou, tenho-a comigo,
não sei por quanto tempo, mas presença
tão forte e decisiva qual sentença,
e estou feliz de tê-la como abrigo.

Agora, é ver acaso se consigo,
eu que por seu amor me faço crença,
achar o meio ideal pelo qual vença
do desencanto o incómodo inimigo.

Onde os anjos de outrora? A Poesia,
inefável mas forte, se apodera,
nas fibras do meu ser, do mais profundo.

E o amor? e o sonho? e as ilusões? e o dia
de amanhã, onde estão? E essa quimera
com que eu partira, a conquistar o mundo?



ENTRE O BEM E O MAL
(Coroa de Sonetos)

I

No verde de paisagem do papel
intento dar relevo às coisas mortas
a ver se, por acaso, em linhas tortas,
logro ordenar idéias em tropel.

Sem voz, sem alaúde, menestrel
sou, deslocado, em face de atras portas
que à minha voz se fecham, quais comportas,
ante o caudal dos versos do segrel.

De uma viagem que se faz em meio
certo mais do que em meio e, sim, final
 o tempo há de sobrar, eu penso e creio,

Para que os tons menores do jogral
façam-se ouvidos músicas de anseio
mesmo não sendo um canto triunfal.



A MEDIDA DO SER
Otacílio Colares

Ponho em medida o ser que me emprestaram:
faço de metro e rima o meu compasso
e, se vítima sou de um descompasso,
caio em seus braços mansos, que me amparam.

Triste sei dos que em vida sempre acharam
em torno aos vôos seus mais amplo espaço;
por isto, a cada golpe e a cada abraço,
eis, rima e metro amigos me salvaram.

Quero-os sem procurá-los; acho-os quando
a mão se faz mais leve e o sentimento
transborda,  e é rima que se vai ligando

Ao metro, e com tão doce encadeamento
que, mais vai sofrimento se achegando,
mais claro se me torna o pensamento.


Fonte:
http://www.academiacearensedeletras.org.br/revista/revistas/1991_92/ACL_1991_1992_04_Otacilio_Colares_O_Mestre_do_Soneto_Sanzio_de_Azevedo.pdf




 AMIGOS
Otacílio Colares

Amigos valham os bons, poucos que sejam,
que nisto pouco importa a quantidade,
pois quase sempre é de infidelidade
o tom daqueles que demais cortejam.

Amigos versos fácil não bafejam,
pois sabem que o que conta é qualidade
e na alma infundem só sinceridade,
quando de alguém a face acaso beijam.

Amigos quer-se-os como os vinhos raros 
sutis no odor, no paladar, discretos,
quanto mais simples, tanto mais amados.

E de assim serem poucos, são tão caros
que, quais doces pecados, e secretos,
são no íntimo do peito conservados.


Fonte:

http://coletivizando.blogspot.com.br/2011/07/amigos-otacilio-colares-1918-1988.html





UNICAMENTE
Otacílio Colares

Amor, desperta... Há um luar, lá fora,
por tal forma tranqüilo e derramado
que é crime adormecer assim, agora,
podendo estar-se, a dois, inda acordado.

Pensando bem, o sono me apavora
pelo que tem da morte assemelhado.
Vamos fluir da vida a cada hora
— olhar no olhar, silentes, lado a lado.

A lua é irmã, a lua é casta e pura.
Façamos dela a doce confidente
deste amor que é doença e não tem cura.

Quando o sol sobreviver, inconseqüente,
fechemos a janela e a alcova escura
será só de nós dois, unicamente...


Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/colar01.html



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