O MAR
Otacílio
Colares
É noite.
Olhai o mar, medonho, gemebundo,
bravo, o dorso empolando aos raios do luar.
Minotauro é tal qual, dum labirinto ao fundo,
em doudos repelões o corpo a serpejar.
Como ele é belo assim, por tal forma iracundo,
furioso no contínuo e horrendo espanejar.
Olhai: contrai-se agora, e na mudez, profundo,
é como serpe horrenda o salto a preparar.
Passa um vento rasteiro, em sua eterna ronda.
E ele — o oceano — a ulular, correndo encontro à praia,
sobre ela em torvelins de espumas se esbarronda.
Ferve, agarra-se à terra, e esfalfa-se e desmaia,
e ao leito retrograda, em busca de outra onda,
deixando sobre a areia um manto de cambraia.
SONETO
À ANTIGA
Otacílio
Colares
Perdoai-me,
senhora, se, rendido
Aos
estranhos encantos de outra dona,
Meu
coração do vosso distraído
Por
outra no momento se apaixona.
Ah!
não me houvésseis vós apetecido
E
do meu ser feito chegar à tona
Um
mundo estranho, há muito convertido
Em
cinza que se esmói e se abandona,
Não
seria de mim que recebêsseis,
Agora,
a breve nênia comovida
De
quem parte ao deixar alguém chorando.
Pois
fostes vós - quisera me entendêsseis:
— Que o morto amor em mim
ressuscitando,
Vos
tornastes um ponto de partida...
SONETO
DE AMOR E ORGULHO
Otacílio
Colares
Se
agora cá me tendes tão cuidoso,
Senhora,
é que me sois o bem amado
E
eu sei de mim que sou mais venturoso
Do
que jamais o houvera desejado.
Que
ninguém não me estranhe se, orgulhoso
Vou
vivendo esta vida sem enfado,
Que
não condena o amor ao venturoso
Que
acaso soube haver o seu agrado
Se
consegui de vós o amor que tenho,
Que
a alguém não pese o meu sorrir, Senhora;
se
o conquistei foi muito suspirando.
E
não foi de tão fácil desempenho
O
drama que hei vivido, antes que agora
Leve
esta vida em que me vou cantando.
O
JOGRAL
Otacílio
Colares
Eu
faço versos como quem procura,
certo
de achar, sem dor nem sofrimento,
na
Musa amiga, indevassada e pura,
o
desejado e justo valimento.
Nada
me dói da mágoa que enclausura
a
outros mais tristes o áureo pensamento
que
esse me vem, de manso e sem tortura,
ao
tempo azado e em cada bom momento.
Tédio
em mim não se dá de ausente havê-la,
por
tempo prolongado a caprichosa
Poesia,
que me serve ao seu agrado.
E
a rir me vou, feliz de assim querê-la,
furtiva
às vezes, outras, dadivosa
com
o ar feliz do que se sabe amado.
FAUNESCA
Otacílio
Colares
Na
aspereza da relva e à carícia do vento,
ao
teu quisera unir o meu corpo em delírio,
librando
a carne em febre ao lôbrego martírio
e
erguendo para os céus a luz do pensamento.
Seria
amor pagão mas de pecado isento
— no altar de almas
irmãs edificante círio –
sem
sombra a macular a limpidez do lírio
que
o cálice abriria ao frio do relento.
Haveria
o silêncio apenas harpejado
pelo
arfar do teu seio em timidez na oferta
do
almo filtro a enrijar o alvi-rosado seio.
E
haveria, depois, no côncavo estrelado
um
bemol de acalanto, uma canção incerta,
a
berçar docemente a vida que não veio.
SONETO
EM TONS MENORES
Otacílio
Colares
Possam
outros gozar tranquilidade
mais
do que nós e mesmo da riqueza
fruir
delícias, na insinceridade
dos
bens terrenos, com maior largueza.
Possam
alguns, em triste fatuidade,
julgar-se
donos de imortal grandeza,
tomando
o quanto pela qualidade
ou
o que é simples disfarce por beleza.
Aqui
por onde estamos ficaremos:
nem
de todo enganados nem sofridos
demais,
antes, com o quanto merecemos.
Para
que em nós os dias já vividos,
não
sendo inferno a que nos condenemos,
também
não sejam céus imerecidos...
O
REENCONTRO
Otacílio
Colares
A
Poesia chegou, tenho-a comigo,
não
sei por quanto tempo, mas presença
tão
forte e decisiva qual sentença,
e
estou feliz de tê-la como abrigo.
Agora,
é ver acaso se consigo,
eu
que por seu amor me faço crença,
achar
o meio ideal pelo qual vença
do
desencanto o incómodo inimigo.
— Onde os anjos de
outrora? A Poesia,
inefável
mas forte, se apodera,
nas
fibras do meu ser, do mais profundo.
— E o amor? e o
sonho? e as ilusões? e o dia
de
amanhã, onde estão? E essa quimera
com
que eu partira, a conquistar o mundo?
ENTRE
O BEM E O MAL
(Coroa
de Sonetos)
I
No
verde de paisagem do papel
intento
dar relevo às coisas mortas
a
ver se, por acaso, em linhas tortas,
logro
ordenar idéias em tropel.
Sem
voz, sem alaúde, menestrel
sou,
deslocado, em face de atras portas
que
à minha voz se fecham, quais comportas,
ante
o caudal dos versos do segrel.
De
uma viagem que se faz em meio
— certo mais do que
em meio e, sim, final —
o tempo há de sobrar, eu penso e creio,
Para
que os tons menores do jogral
façam-se
ouvidos — músicas de anseio —
mesmo
não sendo um canto triunfal.
A MEDIDA DO SER
Otacílio
Colares
Ponho
em medida o ser que me emprestaram:
faço
de metro e rima o meu compasso
e,
se vítima sou de um descompasso,
caio
em seus braços mansos, que me amparam.
Triste
— sei — dos que em vida sempre acharam
em
torno aos vôos seus mais amplo espaço;
por
isto, a cada golpe e a cada abraço,
eis,
rima e metro — amigos — me salvaram.
Quero-os
sem procurá-los; acho-os quando
a
mão se faz mais leve e o sentimento
transborda,
e é rima que se vai ligando
Ao
metro, e com tão doce encadeamento
que,
mais vai sofrimento se achegando,
mais
claro se me torna o pensamento.
Fonte:
http://www.academiacearensedeletras.org.br/revista/revistas/1991_92/ACL_1991_1992_04_Otacilio_Colares_O_Mestre_do_Soneto_Sanzio_de_Azevedo.pdf
AMIGOS
Otacílio
Colares
Amigos
valham os bons, poucos que sejam,
que nisto
pouco importa a quantidade,
pois
quase sempre é de infidelidade
o tom
daqueles que demais cortejam.
Amigos
versos fácil não bafejam,
pois
sabem que o que conta é qualidade
e na alma
infundem só sinceridade,
quando de
alguém a face acaso beijam.
Amigos
quer-se-os como os vinhos raros —
sutis no
odor, no paladar, discretos,
quanto
mais simples, tanto mais amados.
E de
assim serem poucos, são tão caros
que,
quais doces pecados, e secretos,
são no
íntimo do peito conservados.
Fonte:
http://coletivizando.blogspot.com.br/2011/07/amigos-otacilio-colares-1918-1988.html
UNICAMENTE
Otacílio
Colares
Amor,
desperta... Há um luar, lá fora,
por
tal forma tranqüilo e derramado
que
é crime adormecer assim, agora,
podendo
estar-se, a dois, inda acordado.
Pensando
bem, o sono me apavora
pelo
que tem da morte assemelhado.
Vamos
fluir da vida a cada hora
—
olhar no olhar, silentes, lado a lado.
A
lua é irmã, a lua é casta e pura.
Façamos
dela a doce confidente
deste
amor que é doença e não tem cura.
Quando
o sol sobreviver, inconseqüente,
fechemos
a janela e a alcova escura
será
só de nós dois, unicamente...
Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/colar01.html
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