Portugal
BRUMA
Aida Toscano
Em redor do fraguedo brinca o mar
Alegre, folgazão, embevecido,
Aguardando que o Sol vá dissipar
O nevoeiro que a rocha tem escondido.
E mesmo sem a ver, num murmurar,
Diz-lhe palavras ternas ao ouvido.
E se a fraga resolve ir abraçar,
Fá-lo, em segredo, sem qualquer ruído.
Obriga então a vaga altiva, airosa,
A desfazer-se em espuma caprichosa
Depois de a ter erguido em convulsões...
... Como o rochedo, eu vivo envolta em bruma
E como a onda que se esvai em espuma
Morrem, também, as minhas ilusões...
ANSIEDADE
Aida Toscano
Volto triste
cansada, alma vazia,
Pés sangrando de
muito caminhar
Atrás de uma ilusão
que me sorria
E que em vão me
esforcei por alcançar.
Cruzei estradas,
caminhos, noite e dia,
Sem nunca me deter
ou fraquejar;
Presa da fé ardente
que me guia
Sofri penas,
tormentos, dor sem para.
Venho exausta, sem
esperança, sem alento;
Porém, nem um
queixume ou um lamento
Saem da minha boca
macerada.
É assim o destino,
não me iludo:
Ansiando nesta vida
por ter tudo,
Como castigo... não
encontro nada...
CATIVA
Aida Toscano
Ao que se passa à
minha volta, alheia,
Caminho de olhos
baixos, sem parar;
Nada ouvindo do
quanto me rodeia
Imersa em longo e
fundo meditar.
Minha alma
insatisfeita sonha, anseia
Por evadir-se e
espaço além voar
Quando, com
insistência que me enleia,
Vejo fixado em mim
o teu olhar
Calmo, meigo,
profundo, sonhador,
Fazendo-me esquecer
a própria dor.
O que senti,
então... dizer não sei...
Mas nesse fim de
tarde luminosa,
De esbatido poente
cor de rosa,
Cativa de teus
olhos me tornei...
RECORDAÇÃO
Aida Toscano
Não eras, na
verdade, deste mundo.
Amável, carinhoso,
transigente,
Lia-se-te no rosto,
claramente,
Que vivias imerso
em sonho fundo.
Tinhas nos olhos,
algo de profundo;
Nos lábios, um
sorriso de quem sente
Que transita na
Terra, docemente,
Errando como sombra
ou vagabundo...
E nessa triste,
escura e fria tarde,
Pra sempre
adormeceste, reclinado,
Serenamente neste
peito amigo.
Porém, dentro de
mim, ainda arde
A tua imagem —
chama do passado —
Que sinto há-de
viver sempre comigo!
INCOMPREENDIDA
Aida Toscano
Não me
compreendeste. Estou sòzinha.
Vivo uma vida
triste, de negrume;
Mas não ouvirás
nunca um só queixume
Desta mágoa que
sinto e é só minha.
Quanta vez
disfarçado, manso, vinha
Acicatar-me o
espinho do ciúme.
A solidão queimava
como lume
Destruindo ilusões
que ainda tinha.
Afastei-me de ti
sem te dizer
A verdadeira causa
do sofrer
Que me atormenta e
faz chorar de dor.
Não, jamais saberás
o que desejo
Que era prender-te
a mim num longo beijo,
Que era apenas ter
isto... o teu amor!
SOMBRAS...
Aida Toscano
Teno dias sombrios
e cinzentos,
Em que sem cor, sem
brilho e até sem luz,
O Sol é astro morto
que traduz
A minha alma em
ânsias, em tormentos.
Ouvindo, em cada
som, ais e lamentos,
Nada me prende,
nada me seduz.
A vida é para mim
pesada cruz
Que, dolorida,
arrasto em tais tormentos.
Sinto, então, a
vontade estranha,louca
De deixar este
mundo e, com voz rouca,
Eu conto a minha
mágoa ao vento, ao mar.
E, a sós, eu choro
e grito, sofro e oedeio
E acho que tudo é
mau, que tudo é feio...
... E que a Morte
caminha devagar...
ILUSÕES
Aida Toscano
De quanto fui
outrora, nada existe;
A Vida, para mim, é
já sem cor.
Sòzinha, sem
amparo, sem amor,
Tudo perdi no dia
em que partiste.
Porque assim me
deixaste e me mentiste,
Destruindo o meu
sonho encantador,
Fico a pensar,
imersa em grande dor,
Nesta tarde de
outono, escura e triste.
O vento faz erguer
nuvens de pó,
Fustiga a ramaria
que ao flectir
Dá à paisagem
trágicas visões.
Olhando pela
janela, fria e só,
Como as folhas que
o vento faz cair,
Vão-se-me, uma após
uma, as ilusões...
AFINIDADE
Aida Toscano
O mar ousado,
estranho e feiticeiro,
Como quem se
distrai e se recreia,
Recua... avança...
e lesto e prazenteiro
De rendas vai
deixando a praia cheia.
Se a rocha é
envolvida por nevoeiro,
Embora não a veja,
o mar anseia
Por abraçá-la
trêmulo e fagueiro,
Beijando ao mesmo
tempo a fria areia...
Porém, nem sempre é
dícil e bondoso;
Muitas vezes cruel
e caprichoso,
Tudo destrói e
todos faz tremer...
... É semelhante ao
mar o meu destino
Que vendo em mim um
grão bem pequenino
Me vence, arrasta e
leva aonde quer!
CONTRADIÇÃO
Aida Toscano
Quisera ter
palácios, ter riqueza,
Saber-mne de
carinho cumulada;
Sentir à minha
volta gentileza,
Ser altiva, ser
bela, ser amada.
Quisera ter a doce
singeleza
Da violeta humilde
perfumada;
Viver no campo, eu
só e a Natureza
Sem nada ter e sem
pensar em nada.
Quisera ser alegre
como o dia
Que o Sol nascente
aquece e alumia;
Ser livre como a
ave que voou...
Quisera ser a noite
triste e escura;
Ter da neve a
frieza e a brancura,
Quisera ser,
enfim... o que não sou...
AMAR
Aida Toscano
Amar é ter
esperança no amanhã
E da ventura ver o
despontar;
É encontrar na
terra a alma irmã
Que a minha venha,
enfim, acalentar.
É desejar-te o bem,
cada manhã;
É ansiar por te
ouvir, por te falar;
É ter essa alegria
enorme e sã
De um sonho que se
vai, breve, alcançar.
É gostar de te ver
junto de mim;
É poder dar-te um
beijo sem ter fim,
É chorar se
chorares, rir se rires.
É ter por ti o
afecto mais profundo,
Através dos teus
olhos ver o Mundo
E dar-te a própria
Vida, se a pedires!
ANSEIO
Aida Toscano
Esta ansiedade
louca que há em mim
Da escuridão, do
imenso perscrutar;
De sondar o que nós
temos de afim
Com a nuvem que voa
ou com o mar;
Esta ansiedade
louca que há em mim
De perceber a brisa
que ao passar
Parece, no
silêncio, vir, enfim,
Contar-nos os
segredos que há no ar;
Esta ansiedade
louca de subir,
De ver de perto
Lua, Céu e Estrelas,
Do mistério aclarar
das noites belas,
De conhecer o
pranto, a dor, o rir,
Este anseio de
ascender, de libertar-me,
Este anseio de
viver... há-de matar-me!
(Do livro "ANSIEDADE-sonetos", Lisboa, Portugal,
SOC. IND. CASTOR, LDA, 1957)
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