Inglaterra



Na Inglaterra, a língua que acabou por prevalecer, o inglês, é uma mistura de saxônio, normando e baixo latim. Com o sal de sua ironia, Voltaire costumava dizer que "o inglês era um francês mal falado".

Afinal, surgiu escrevendo em inglês Geoffrey Chaucer (1340-1400), autor, principalmente, de "The Canterbury Tales" ("Os contos de Canterbury"*), livro considerado uma das obras-primas da literatura inglesa. Foi ele, aliás, quem criou a nova literatura daquele país.

Mas, Chaucer — que, pelo seu casamento, em 1366, com Phillippa, dama de honra da duquesa de Lancaster, subiu celeremente muitos degraus, chegando, mesmo, a ser membro do Parlamento —, tinha cultura francesa, o que era comum na Inglaterra daquela época. A língua nativa não merecia a consideração nem mesmo da própria corte, em especial no reinado de Ricardo II, quando, ali, só se falava o francês.

A língua, ou melhor, o dialeto de Midland Oriental, que Chaucer usava e que se tornou, através dele, a língua literária da Inglaterra, está, hoje, arcaizada, com um vocabulário antiquado e difícil de ser lido no original. Não podemos, porém, esquecer que as histórias enfeixadas na sua obra principal constituem uma miniatura do país, no século XIV.

Todavia, se na prosa não desperta grande interesse, brilhou muito mais como poeta agradável e delicado. Seus versos se distinguem pela melodia e variação de ritmos.

Foi Chaucer quem levou o soneto petrarquiano, da Itália para a Inglaterra. Em 1372, quando, pela primeira vez, esteve na Itália, em missão diplomática, travou conhecimentos com Petrarca e Bocaccio. Este último teve nele o seu mais importante discípulo. Em 1378, voltou à Itália.

A "Delta Larousse" consigna que "sua obra inicia propriamente a história da poesia na Inglaterra". E recorda que "a influência da Itália, de onde trouxe manuscritos de Bocaccio, Dante e Petrarca, aparece em "Troylus and Criseyde", 1382, inspirado por Bocaccio"... “É o maior dos poetas-humoristas da Inglaterra, de realismo franco".
Na verdade, foi para ele uma revelação, um campo de aprendizado, a grande cultura clássica que encontrou na Itália. Aquela preponderância francesa, ostentada nos seus primeiros poemas, foi substituída pelas idéias, pelas formas dos versos e pelos temas italianos. Sua inteligência deslumbrada e amadurecida fez dele um artista completo. Escreveu poemas e traduziu poetas franceses e italianos.

Sobre o "Troylus and Criseyde", o primeiro grande poema narrativo em inglês, assim se manifestou Will Durant: "Neste belíssimo poema continuou a imitar, até a traduzir; porém às 2.730 linhas que tirou do "Filostrato", de Bocaccio, acrescentou 5.696 linhas de outra procedência ou de sua própria lavra. Não procurou enganar; repetidamente se referia a suas origens e se desculpava por não as traduzir completamente. Tais transferências de uma literatura para outra eram consideradas legítimas e úteis, pois naquele tempo até os homens bem instruídos não podiam entender qualquer vernáculo que não o seu próprio. Os enredos, como pensavam os dramaturgos e elizabetianos, eram propriedade comum, a arte estava na forma".

Diz o historiador que Chaucer "descreveu todas as fases do panorama inglês com uma pena tão ampla quanto a de Homero, um espírito tão vigoroso quanto o de Rabelais".

Em 1367, é "alabardeiro da Câmara do rei Eduardo III", com uma pensão. Durante doze anos (1374-1386), serviu como "controlador das vendas e subsídios". Em 1385, foi nomeado juiz de paz para o Kent; e em 1386 fez-se eleger para o Parlamento. Nos intervalos desses trabalhos escrevia os poemas.

Ricardo II, que era extravagante e dissoluto, mas amava as letras, manteve, com algum acréscimo, a pensão que Eduardo III concedera a Chaucer.

Sobre a principal obra do poeta, escreveu Will Durant: "Possivelmente em 1387 principiou "The Canterbury Tales". Era um plano brilhante — reunir um grupo variado de bretões na Hospedaria Tabard, em Southwark (onde o próprio Chaucer havia esvaziado muitas canecas de cerveja), cavalgar com eles em sua peregrinação às relíquias de Becket, em Canterbury, e pôr-lhes nos lábios os contos e pensamentos que durante meio século se haviam acumulado na cabeça do poeta viajado. Tais processos de unir os contos uns aos outros já se tinham empregado muitas vezes, mas este era
o melhor de todos. Bocaccio tinha reunido para seu "Decameron" apenas uma classe de homens e mulheres; não os fizera projetarem-se como personalidades diferentes; Chaucer criou uma hospedaria inteira de personagens tão heterogeneamente verdadeiros que pareciam mais reais para a vida inglesa do que as figuras embalsamadas da história".

Will Durant diz que "morreu no dia 25 de outubro de 1400 e foi sepultado na Abadia de Westminster o primeiro e maior dos muitos poetas que ali repousam".

John Macy, na "História da Literatura Mundial", dá o seu depoimento: "Por um século depois de Chaucer a poesia inglesa se foi inferiorizando, parte por não surgir um poeta de primeira água, parte porque a língua deixava aos poucos de ser a de Chaucer e ainda não era a de Shakespeare".

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* - Contos da Cantuária


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O século XV não foi pródigo em poesia literária. Salientou-se, entretanto, como a era da balada popular.


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No princípio do século XVI, os poetas Thomas Wyatt (1503-1542) e Henry Howard, Conde de Surrey (1517-1547) abriram caminho para a "era isabelina", um verdadeiro renascimento artístico. ocorrido sob a proteção de Isabel I (1533-1603), filha de Henrique VIII e Ana Bolena, e rainha da Inglaterra e Irlanda, de 1558 até a morte.

Thomas Wyatt verteu, para o inglês, os sonetos de Petrarca. Daí por diante, o soneto passou a ser a forma favorita dos poetas da Inglaterra. O lirismo inglês da época ficou bastante enriquecido com as suas canções.

O maior valor de Wyatt e Surrey consistiu, pois, em levar para a poesia inglesa as novidades italianas. E, se não foram grandes poetas, pelo menos, deixaram poesias bonitas e ternas.

A respeito, ainda, do prestígio da poesia italiana na Inglaterra, e, agora, destacando as figuras de Wyatt e Surrey, assim se expressa Will Durant:
"Não como uma corrente, mas como um rio que corresse através de muitas saídas para o mar, assim a influência da Itália passou através da França e alcançou a Inglaterra. O conhecimento de uma geração inspirou a literatura da seguinte; a revelação divina da Grécia e da Roma antigas tornou-se a Bíblia da Renascença". (....) "A influência italiana mostrou-se mais brilhante na poesia dos reinados Tudor. O estilo medieval sobreviveu em baladas tão belas como "A Donzela Não Trigueira" (1521); mas, quando os poetas que se aqueçiam ao sol do jovem Henrique VIII começa-ram a poetar, seu ideal e modelo foram Petrarca e seu "Canzoniere".

Continua Will Durant:
"Exatamente um ano antes da ascensão de Isabel, Richard Tottel, impressor londrino, publicou uma "Miscellany" ("Tottel's Miscellany"), na qual os poemas de dois destacados cortesãos revelavam o triunfo de Petrarca sobre Chaucer, da forma clássica sobre a exuberância medieval. "Sir" Thomas Wyatt, como diplomata a serviço do rei, fez várias viagens à França e Itália e trouxe de volta alguns italianos para o ajudarem a civilizar os seus amigos. Foi, segundo a tradição, um dos primeiros amantes de Ana Bolena". (....) "Quando Wyatt morreu de uma febre, aos trinta e nove anos (1542), outra romântica figura da corte de Henrique, Henry Howard, conde de Surrey, tomou a lira nas mãos. Surrey cantava as belezas da primavera, reprovava as moças relutantes, e votava sempre fidelidade eterna a cada uma". (....) "Preso algumas vezes, acabou sendo decapitado (1547)".

Entre os poetas incluídos na referida miscelânea, distinguiu-se Thomas Sackville (1530-1608), barão de Buckhurst e primeiro conde de Dorset, o de maior expressão entre Chaucer e Spenser.

Inúmeros jovens daquele tempo, como, também, outros de tempos muito posteriores, como Milton, Shelley, Keats e os Browings, iam beber, na Itália, a água cristalina da poesia que tanta influência exerceu sobre os poetas da Inglaterra.


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Já na era isabelina (meados do século XVI) surgiram Philip Sidney (1554-1586), Edmund Spenser (1552-1599) e Walter Raleigh (1552-1618).

Sidney, inspirado e delicado ourives do soneto, amou Stella (Penelope Devereux, Lady Rich), um amor proibido, daí nascendo o romance que ficou cristalizado numa coleção de 108 sonetos de apurada sensibilidade, "Astrophel and Stella". Pode-se dizer que, com essa obra póstuma (1591), Sidney naturalizou o soneto na poesia inglesa. Um dos precursores do Arcadismo na Europa. Favorito da rainha Isabel.

Edmund Spenser, também, escreveu uma coleção finíssima de 89 sonetos de amor, repletos de beleza musical: "Amoretti". Mereceu o cognome de "Ariosto inglês", já ao publicar a sua primeira, obra, o "Calendário do Pastor", poema bucólico. Escreveu a "Rainha das Fadas", composição alegórica dedicada à rainha Isabel I. Depois, reviveu a poesia cavaleiresca medieval.

Spenser é tido como o maior poeta inglês,  depois de Chaucer. Era "o poeta dos poetas", segundo Charles Lamb. E isto aconteceu numa época em que o lirismo era bastante rico, talvez não superado no restante do Século XVI e no seguinte.

Raleigh foi, por igual, excelente poeta lírico. Naquela época, o soneto estava em grande moda.



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Vieram, depois, os sonetos de Shakespeare (1564-1616) e de Samuel Daniel (1562-1619), este último de inspiração moderada, quase tolhida pela exuberância da era isabelina.

Shakespeare não foi somente a mais destacada figura do Renascimento inglês, como, ainda, um bom "sonetista", muito embora seus sonetos tivessem sofrido uma total mudança na distribuição das rimas, comparadas com as do soneto clássico, ou seja, o “petrarquiano".

O "soneto inglês", como já tivemos ocasião de explicar, não é, propriamente, "o soneto'', mas, de modo estranho, tem sido aceito corno tal. Registre-se, porém, que, fora Shakespeare e pouquíssimos outros, os poetas ingleses preferem a forma petrarquiana.

Figura máxima da literatura inglesa, Shakespeare produziu, a partir de 1587, a maior obra dramática dos tempos modernos, como, por exemplo, "Sonho de Uma Noite de Verão", "O Mercador de Veneza",  "Júlio Cesar", "Antônio e Cleópatra", "Coriolano, “A Tempestade”, "Romeu e Julieta", "Hamlet", “Ricardo III”, "O Rei Lear", “Otelo" , "Macbeth", e outras obras de grande porte.

Para Anatole France, foi "o poeta da humanidade". Dele disse Ben Jonson: "Não foi de uma época, mas de todos os tempos".



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Vamos penetrar no século XVII.

Ben Jonson (1572-1637), figura de excelso valor das letras inglesas. Amigo de Shakespeare.


John Donne (1573-1631), sacerdote anglicano e Doutor em Teologia, um dos maiores líricos ingleses. Pregador de fama. Escreveu poesias religiosas de grande expressão. Considerado, talvez, o melhor dos chamados "poetas metafísicos" da língua inglesa. Escreveu sonetos brilhantes na primeira fase de sua carreira poética. E, mais tarde, escreveu uma seqüência de seis sonetos cheios de espiritualidade, denominados "Sonetos Sacros", como parte de sua obra “Divine Poems".


Carew (Thomas), seu discípulo (1595-1640), foi poeta clássico, de inspiração suave.


Edward, Lord Herbert de Cherbury (1583-1648), foi, igualmente, um "metafísico" na poesia. Também sonetista, ficando célebre o seu "Beleza Negra".


Robert Herrick (1591-1674), outro sacerdote, foi um bom poeta lírico.


George Herbert (1593-1633), poeta de certo valor, escreveu "Templo", obra-prima da poesia religiosa.


John Denham (1615-1669) e Edmund Waller (1606-1687) foram hábeis versejadores.


John Dryden (1631-1700) mostrou ser um grande mestre da forma.


John Milton (1608-1674), grande poeta, como Spenser e Tonson. Milton foi, sem dúvida, um dos mais notáveis e internacionais poetas da Inglaterra. Sua atividade literária se projeta pela maior parte do século XVII.
Publicou seu primeiro poema em 1632. Escreveu outros, preciosos, de inspiração lírica.
Em Cambridge, onde estudou, tinha a alcunha de "The Lady", pela sua beleza física e pureza de costumes. Viajou pela Europa, demorando-se mais na Itália. Regressando à sua pátria, escreveu uma série de 23 admiráveis sonetos. Com Milton, houve um regresso à forma italiana: a de Giovanni Della Casa.

Em 1649, sua vista começou a fraquejar, diz-se que de tanto forçá-la nos árduos trabalhos como secretário de Cromwell, ficando completamente cego três anos depois.
Aos 50 anos de idade, duas vezes viúvo, começou a produzir o "Paraíso Perdido", sua obra máxima e uma das maiores epopéias de todos os tempos.

Na época de Milton, havia um poeta, Cowley, mais famoso que ele. Hoje, Milton está imortalizado, enquanto o nome de Cowley se acha quase esquecido.



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Entremos nos séculos XVIII e XIX.

Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) e William Wordsworth (1770-1850), poetas realmente bons, publicaram, juntos, em 1798, um livro dos mais festejados da literatura inglesa daquela fase: "Baladas Líricas", pequeno no tamanho, porém grande no conteúdo.

Excelente autor de baladas, Coleridge fez-se elemento de ligação entre o espírito romântico da Inglaterra e o da Alemanha. Um dos precursores de Byron e do romantismo.

Quanto a Wordsworth, foi autor de poemas inesquecíveis, como "Intimations of Imortality", que Emerson dizia ser a "marca mais alta das águas do século XIX". Também, um grande sonetista sendo que "Ponte de Westminster" é considerado soneto inigualável. Manuel Bandeira o inclui entre os três ou quatro melhores sonetistas da Inglaterra. Poeta romântico, laureado, escreveu cerca de 500 sonetos.

  
Walter Scott (1771-1832), um dos mais populares poetas de sua geração, embora de valor menor que Coleridge, e não obstante ser mais conhecido como romancista (autor de "Ivanhoé", 1819 — e muitos outros). 


Byron (George Gordon, lord), nascido em 1789 e falecido em 1824. Herdeiro e também competidor de Scott. Sua poesia exerceu influência universal durante a primeira metade do século XIX, mas o estilo poético, contrariando características pessoais, não era o romântico, e sim o do classicismo do século XVIII. Foi também poeta satírico. 


Percy Shelley (1792-1822) alçou-se a um nível quase igual ao de Byron, de quem era amigo. Morreu afogado aos trinta anos.
  

John Keats (1795-1821), morto com apenas 26 anos, foi um mestre da forma. Na Inglaterra, revelou-se o poeta helenista do romantismo. Seu
poema "Endymion" (1818), dedicado à memória de
Chatterton, deu-lhe nomeada de poeta destacado entre seus contemporâneos. Também escreveu "Hyperion" (1820). Ambos esses livros são de sonetos e odes célebres.
Faleceu tuberculoso, em Roma, onde ficou sepultado.
É de sua autoria o epitáfio gravado no próprio túmulo: "Aqui jaz alguém cujo nome foi escrito na água".
Excelente sonetista, influenciado por Spenser e Milton. Grande amigo de Shelley.

Byron, da mesma geração, disse que o "Hyperion", de Keats, "parece inspirado pelos Titãs e é tão sublime quanto "Ësquilo"."



Walter Savage Lanclor (1775-1864), de vida longa, ao contrário de Keats — conservou sua grande inspiração até o fim da existência. Poeta sereno e olímpico.



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A poesia vitoriana surgiu com os "Idílios Ingleses e Outros Poemas", de Alfred Tennyson (1809-1892), publicados em 1842. Sempre o mesmo lírico, durante 50 anos a Inglaterra o saudou como o príncipe da poesia, eleito por sufrágio popular, sucedendo a Wordsworth. Estilo elegante, melodia no verso, perfeição na forma, são as principais características de sua poesia. 
  
Robert Browning, outro poeta desse tempo (1812-1889), a princípio menos admirado que Tennyson, chegando mesmo a escrever aos 66 anos: — "Público inglês, que não gostas de mim, Deus te proteja!". Os leitores, porém, o compreenderam mais tarde, graças ao seu gênio lírico e à sua brilhante imaginação.


Elisabeth Barret Browning (1806-1861), na opinião de Afrânio Peixoto, "foi, talvez, o gênio feminino mais alto e mais puro da poesia, pelo qual atinge o ideal e o infinito".

O admirável poeta Robert Browning leu os versos de Elisabeth Barret e apaixonou-se pela sua arte. Soube que a poetisa era uma moça inválida, presa a um quarto e oprimida por um pai incompreensível. Escreveu-lhe, entenderam-se e, por fim, Robert raptou-a e se casaram secretamente, em 1846, indo residir na Itália.

Elisabeth foi sonetista amorosa, fez traduções e escreveu para o teatro. "Aurora Leigh" é um romance de sua autoria, publicado em 1855. Mas, ficou imortalizada com os "Sonnets from the Portuguese" (sonetos de amor à maneira dos sonetos portugueses). Era o transbordamento maravilhoso de sua paixão pelo marido. Sonetos louvados pela crítica em geral e apontados entre os mais belos da língua inglesa, competindo, mesmo, com os sonetos petrarquianos e camonianos.

Vamos considerar as seguintes palavras de Agostinho de Campos, depois de dizer que os "Sonnets from the Portuguese" foram "uma homenagem ao nosso lirismo amoroso": — "E convém notar que essa coleção de 53 sonetos se caracteriza pela fidelidade ao modelo petrarquiano — ao contrário dos sonetos de Shakespeare e outros grandes poetas da língua inglesa, que adotaram um esquema rimático diverso".

É de se registrar, outrossim, o seguinte fato: a exemplo de Elisabeth Browning (admiração pelos sonetos de Camões), Lord Strangford fez publicar um pequeno livro: Poems from the Portuguese of Luís de Camoens", editado por John Adams, em 1820.

Fique bem explicado que Robert Browning não foi, apenas, o marido de Elisabeth Barret, embora esta o suplante, hoje, na admiração do mundo literário. Ambos se adaptaram bem à Itália, onde morreram: ela em Florença e ele, 28 anos depois, em Veneza.
A propósito, pode-se relembrar que, desde Chaucer, a Itália foi, sempre, uma atração para os poetas ingleses.
Robert escreveu o poema épico "Sordello" (1840); e, logo a seguir, "Sinos e romãs" ("Bells and Pomegranates", 1841). Neste livro, está incluído o poema dramático "And Pippa Passes" ("E Pippa está passando"), no qual espelha cenas da "ida do povo italiano, para cuja libertação batalhou com extremado empenho. Sua obra-prima, também um drama de rara imensidade, é "The Ring and the Book", 1869 ("O anel e o livro").



Matthew Arnold (1822-1888) foi crítico, historiador, filósofo e poeta de espírito penetrante. Como crítico ("Cultura e anarquia", 1869), verberou o moralismo da época vitoriana. Escreveu "Poems" (1853) e "New Poems" (1867); e, ainda, o poema "Cromwell" a tragédia "Mérope".


Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), pintor e poeta inglês, filho do escritor italiano Gabrielle Rossetti, de Nápoles, exilado em 1821, por suas idéias políticas. Segundo John Macy, o pai "o educou no perfeito conhecimento da língua e da literatura dos ancestrais".

Excelente pintor, teve a esposa por modelo, e apareceu como um dos fundadores do pré-rafaelismo.

Traduziu para o inglês a "Vita Nuova", de Dante. É famosa a poesia "La damoiselle élue" ("A moça eleita"), de 1847. Sua maior obra, entretanto, é o ciclo de Sonetos "The House of Life" ("A Casa da Vida"), incluído no livro "Ballads and Sonnets", de 1881.
Para John Macy, Rossetti foi, na Inglaterra, "o maior dos mestres do soneto petrarquiano".
Quando perdeu a esposa, Elisabeth Siddal, alvo de sua perene veneração, enterrou, com ela, manuscritos de suas poesias. Mais tarde, cedendo a pedidos insistentes de amigos, retirou-as da sepultura e publicou-as com o nome de "Poems", em 1881.


William Morris (1834-1896) era, igualmente, pintor e poeta. Conta-se que "com uma das mãos desenhava um tipo de papel e com a outra escrevia um poema".


Carlos Algernon Swinburne (1837-1909) foi um poeta que exerceu muita influência sobre todos os que vieram lógo depois dele. Dono de grandes idéias e senhor de todos os ritmos.


Christina Georgina Rossetti (1830-1891). Poetisa mística, foi, quando viva, eclipsada pelo irmão, Dante Gabriel Rossetti. Todavia, a posteridade lhe deu preferência, ao distinguir seu livro "Goblin Marker" (1862). Sobressaiu-se como sonetista.


John Meredith (1828-1909), além de romancista, foi outro bom poeta daquela época.


Gerard Manley Hopicins (1844-1889), jesuíta. Escondeu suas atividades poéticas, nada tendo divulgado em vida. Também "poeta metafísico" da língua inglesa, como o sacerdote patrício John Don-ne. Curioso é que os "Poems" só foram publicados trinta anos após a sua morte, pelo poeta Robert Bridges (1844-1930). Essa poesia exerceu grande influência' sobre Thomas Stearns Eliot (T. S. Eliot, 1888-1965) e, conseqüentemente, sobre as novas gerações que se inspiraram neste poeta e ensaísta inglês, de origem americana.


Rupert Brooke (1887-1915), poeta, herói inglês da primeira guerra mundial.

A era vitoriana termina com Francis Thompson (1859-1907), influenciado por Shakespeare, e com Thomas Hardy (1840-1928), que publicou novo livro de versos aos 83 anos. Hardy foi, talvez, o mais triste dos poetas ingleses. Triste, sem ser pessimista.


Transcrevemos, a seguir, sonetos, traduzidos, de alguns dos poetas que acabamos de mencionar neste rápido retrospecto:


Edmund Spenser (1552-1599)
(Trad. de I. G. de Araújo Jorge)
 — obedecida a forma inglesa —

Sobre a areia escrevi seu nome um dia
mas o mar o levou; a mesma empresa
volto a tentar, insisto, — todavia
as ondas tudo apagam com presteza.

E ela me disse: tudo é vão e passa.
Nunca eternizarás o que é mortal.
E eu passarei também, tal como a escassa
pegada de meu nome, desigual.

Não! protestei. — Só o vil é que perece!
Tu sobreviverás, nem tudo some.
Em teu louvor meu verso se engrandece
e em altos céus há de gravar teu nome.

E na terra, até a morte, em sonho e lida,
viverá nosso amor com a nossa vida.



Shakespeare (1564-1616)
"Soneto XC"
(Trad. de Jerônimo de Aquino)
— obedecida a forma inglesa —

Podes-me repudiar, então, quando quiseres;
agora mesmo, quando o mundo me crucia.
À cólera da sorte aliado, se o preferes,
apressa-te a ensejar-me a fatal agonia.

Ah! se o meu coração vencer tal crueldade,
não venhas mitigar a angústia em que me fine.
Não abrandes a fúria atroz da tempestade,
deixa que o ideado mal de todo me arruine.

Se me hás de repudiar, repito, seja logo,
não depois que eu tiver outros males passado. 
Assalta-me de pronto e já; assim, me afogo, 
primeiro, na pior dor que pode dar-me o fado,

e outras dores que, após, me encham o coração, 
tendo-te perdido eu, nem dores mais serão.



Depois de apresentarmos este "Soneto XC", de Shakespeare, obedecendo a "forma inglesa" (3 quartetos com rimas diferentes e 1 dístico rimado), oferecemos, a seguir, como curiosidade, dois sonetos do grande poeta, transportados para a forma clássica, ou seja, com 2 quartetos e 2 tercetos dispostos de acordo com as exigências tradicionais, inclusive, é lógico, na distribuição de rimas; uma tradução de Gomes Filho (em versos alexandrinos) e outra de Heitor P. Fróes (em decassílabos).

Ei-las:

Shakespeare (1564-1616)
"Soneto XXVII"
(Trad. de Gomes Filho)

Busco, à noite, o meu leito, exausto da labuta,
pois é justo um repouso aos membros fatigados.
Nova jornada, entanto! É meu cérebro em luta
com o pensamento vivo, e os sonhos acordados.

Romaria ou vigília?... Eu sei que não me escuta
tão longe de onde estou, por mal dos meus pecados,
aquela por quem vivo. E o coração disputa
às estrelas do céu seus olhos encantados.

Bem abertas mantendo as pálpebras dormentes, 
cego, na escuridão, sinto mais que os videntes
que falta em sua face a luz do mar que é puro.

Assim, de dia ao corpo, e de noite, à minha alma, 
por que hão de me roubar ao espírito a calma
que esse amor não me deu porque foi tão perjuro?



Shakespeare (1564-1616)
"Soneto XXIX"
(Trad. de Heitor P. Fróes)

Aniquilado pela adversidade,
dos homens desprezado e solitário,
deploro este penar desnecessário,
dos céus ante a passiva crueldade;

e, comparando com realidade
a sorte dos demais e o meu fadário,
invejo quem se fez depositário
de esperança, prazer, felicidade...

Mas, quando assim lamento os meus pesares, 
recordo-me de ti, e eis que o meu tédio
qual calhandra desperta corta os ares;

e encontro em teu amor tal refrigério,
que minha pobre vida sem remédio
já não trocara nem por um império!




John Keats (1795-1821)
(Trad. de Jorge de Sena)
"Soneto escrito em repulsa à vulgar superstição"

Os sinos dobram com melancolia,
chamando o povo para as devoções,
e outras tristezas, outras contrições,
e o hórrido sermão que o padre esfia.

Sem dúvida que os homens, por magia
sinistra, estão vencidos — se as visões
ao canto do seu lar, ou as canções
pagãs permutam por tal fantasia.

E dobram, dobram... Mas não me estremece
funéreo calafrio, pois que os sei
morrendo aos poucos, qual candeia finda.

Eles choram a morte que os empece.
Há de florir de novo a humana grei,
em pura glória mais eterna ainda.




Elisabeth Barret Browning (1806-1861)
(Trad. de Manuel Bandeira)

Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: — "Amo-a pelo seu olhar,
e seu sorriso, o modo de falar
honesto e brando. Amo-a porque se sente

minh'alma em comunhão constantemente
com a sua". — Porque pode mudar
isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
de tuas mãos enxuga, pois se em mim
secar, por teu conforto, esta vontade

de chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
me hás de querer por toda a eternidade.



Elisabeth Barret Browning (1806-1861)
(Trad. de Manuel Bandeira)

As minhas cartas! Todas elas frio,
mudo e morto papel! No entanto agora
lendo-as, entre as mãos trêmulas o fio
da vida eis que retomo hora por hora.

Nesta queria ver-me —  era no estio—
como amiga a seu lado... Nesta implora
vir e as mãos me tomar... Tão simples! Li-o
e chorei. Nesta diz quanto me adora.

Nesta confiou: "sou teu", e empalidece
a tinta no papel, tanto o apertara
ao meu peito, que todo inda estremece!

Mas uma... Ó meu amor, o que me disse
não digo. Que bem mal me aproveitara,
se o que então me disseste eu repetisse...



Elisabeth Barret Browning (1806-1861)
"Como eu te amo"
(Trad. de Fernando Torquato Oliveira)

De que maneira eu te amo? Impossível dizer.
Eu te amo em dimensões de abismo e de altitude,
onde a alma ainda alcança o azul da plenitude,
no limite do ideal, além do próprio ser.

Eu te amo dia a dia, em nímia beatitude,
desde a luz da manhã à luz do anoitecer;
eu te amo livremente, ou sem leis nem poder;
eu te amo com orgulho, e com terna atitude.

Eu te amo com o raro amor dos desencantos,
com a fé infantil, que permanece forte,
com o estranho calor dos crentes e dos santos.

Eu te amo com paixão, com lágrimas, transporte.
E se Deus o quiser, implorando em meus prantos,
amar-te-ei, também, depois da própria morte!



Elisabeth Barret Browning (1806-1861)
"O amor"
(Trad. de Manuel Corrêa de Barros — português)

Pus-me a pensar nos anos venturosos
em que o poeta Teócrito cantava,
e em cada um, à vez, acrescentava,
à vida humana, dons mais generosos.

Na sua língua antiga, aos dolorosos
anos da minha vida os comparava;
doces, mas tristes anos, que eu lembrava,
com lágrimas nos olhos saudosos.

Chorando assim, senti que se movia,
por trás de mim, alguém que me prendia
os cabelos, e, em tom dominador,

perguntava: "Adivinha quem eu sou?
"A Morte", respondi. E a voz tornou,
num riso claro: "A Morte, não. O Amor!"

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Obs . Manuel Corrêa de Barros, aliás, traduziu todos os sonetos dessa poetisa, publicando, em 1945, um livro com o título "Sonetos Portugueses".




Dante Gabriel Rossetti (1828-1882)
"Soneto LIII", de "A Casa da Vida"
(Trad. de Martins Napoleão)

Que é o espelho sem Ela? Apenas o olhar baço
do lago que cegou sem a face da lua.
Seu vestido sem Ela? O esvaziado espaço
da nuvem quando a lua através não flutua.

Os caminhos, sem Ela? O império passo a passo,
do dia, pela noite usurpado. E esta nua
casa? Lágrimas, ai! em vós eu me desfaço
para esquecer o amor, a graça que foi sua.

Que é do meu coração sem Ela?  — Pobrezinho,
que palavras dirás antes que a morte desça? 
Peregrino de frio e infecundo caminho,

íngreme e árduo caminho, és tu sem Ela adiante, 
onde uma nuvem densa, irmã da selva espessa,
em dupla sombra envolve a colina ofegante.





Dante Gabriel Rossetti (1828-1882)
"O retrato"
(Trad. de Martins Napoleão)

Ó tu, Senhor de todo o piedoso poder,
Ó Amor! por minha mão, para o seu nome honrar, 
este retrato seu deixa em brilho crescer
e sua perfeição mais profunda mostrar.

Quem lhe busque a beleza oculta surpreender
além da luz que emite o seu suave olhar
e da onda do sorriso a refluir, possa ver
o horizonte do céu de sua alma, e do mar.

Ora, está pronto, vê! No trono do pescoço
a boca testemunha o beijo e a voz no esboço,
e o ensombreado olhar lembra e adivinha. Assim,

seu rosto se tornou o escrínio de sua alma.
Que os homens saibam sempre (eis, Amor, tua palma!)
quando a olharem, que estão vindo todos a mim.



Christina Georgina Rossetti (1830-1891) 
"Remember"
(Trad. de Manuel Bandeira)

Recorda-te de mim quando eu embora
for para o chão silente e desolado;
quando não te tiver mais ao meu lado
e sombra vã chorar por quem me chora.

Quando não mais puderes, hora a hora,
falar-me no futuro que hás sonhado,
ah! de mim te recorda e do passado,
delícia do presente por agora.

No entanto, se algum dia me olvidares
e depois te lembrares novamente,
não chores: que, se em meio aos meus pesares,

um resto houver do afeto que em mim viste,
melhor é me esqueceres, mas contente,
que me lembrares e ficares triste.







(Das páginas 429 a 443 de “O Mundo Maravilhoso
do Soneto”, de Vasco de Castro Lima) 



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