São Luiz, MA (2014)
(poeta maranhense de coração)
SONETO DA MANHÃ
PRIMEIRA
José
Chagas
Quero
a manhã exata, a manhã viva,
pois
estas luzes e estes vôos na aurora,
são
só ensaios de manhãs. E agora,
o
que eu quero é a manhã definitiva,
a
autêntica manhã pura, exclusiva,
manhã
nascida de si mesma e fora
desta
jubilação falsa e sonora
que
só por um momento nos cativa.
Ah,
a manhã da última promessa,
manhã
de um novo mundo que começa,
mais
acessível, mais humano e bom.
Meu
Deus, seria como se chegasse
a
manhã do primeiro sol que nasce,
a
cor primeira e do primeiro som.
O APITO DO PASSADO
José
Chagas
O Mearim derrama na distância
uma
água que em sonho nos invade,
como
fio invisível que se lance a
separar
em duas a cidade.
E essa água vem banhar sem que se canse a
vida
inteira que no rio nade,
porquanto
água de amor que lava infância
lava
também velhice e mocidade.
Mearim — rio velho e rio novo,
alegria
e aflição de um mesmo povo —
um
mar se afoga nos mistérios teus.
Mas preservas em ti, para Pedreiras,
vibrando
no ar, o apito das primeiras
lanchas
que nos deixaram seu adeus.
OS HOMENS RASOS
José
Chagas
Os homens é que estão traindo a vida,
traindo
as águas que não voltam mais
à
sua velha paz, hoje perdida
na
própria refração dos seus cristais.
Do
equilíbrio do mundo se duvida
com
as ambições pesando desiguais
sobre
uma ecologia ressentida,
dentro
dos seus telúricos sinais.
Agora
são mais rasas as vertentes,
rasos
os homens e as ações urgentes
com
que buscam mover águas e terras.
E
tu, velho, ó velho rio, entre homens ficas,
vendo-os
enodoar-te as águas ricas
e
as cortinas de sonhos que descerras.
DUALISMO
José
Chagas
Eu, que nunca termino o que começo,
vou, sem ter começado, ver meu fim,
e já me preparei para o regresso
de uma viagem que não fiz em mim.
Vivo um contraste humanamente expresso,
pois me fiz dois: um bom e outro ruim.
Sendo irmão de mim mesmo, a mim confesso
que, se nasci Abel, cresci Caim.
De antigas eras trago esse conflito,
e ora amaldiçoado, ora bendito,
não encontro equilíbrio em meu redor.
Mas, se não tendo início é que me acabo,
lanço tudo o que sou a Deus e ao Diabo,
e eles que façam como achar melhor.
Eu, que nunca termino o que começo,
vou, sem ter começado, ver meu fim,
e já me preparei para o regresso
de uma viagem que não fiz em mim.
Vivo um contraste humanamente expresso,
pois me fiz dois: um bom e outro ruim.
Sendo irmão de mim mesmo, a mim confesso
que, se nasci Abel, cresci Caim.
De antigas eras trago esse conflito,
e ora amaldiçoado, ora bendito,
não encontro equilíbrio em meu redor.
Mas, se não tendo início é que me acabo,
lanço tudo o que sou a Deus e ao Diabo,
e eles que façam como achar melhor.
OLHOS AZUIS
José
Chagas
Os teus olhos azuis não eram mais
do que os olhos azuis de uma mulher.
No entanto, eu nunca vi olhos iguais,
nem esse azul era um azul qualquer.
Não sei se, sendo azuis, eram fatais
como os abismos, e nem sei sequer
como os teus olhos, sendo dois cristais,
podiam ser dois olhos de mulher.
Só sei que esses teus olhos são ainda
uma lembrança azul que não se finda,
como a distância em forma de um adeus.
E o mais que eu sei é não lembrar-me agora
de quantas vezes me perdi na aurora
desse infinito azul dos olhos teus.
Os teus olhos azuis não eram mais
do que os olhos azuis de uma mulher.
No entanto, eu nunca vi olhos iguais,
nem esse azul era um azul qualquer.
Não sei se, sendo azuis, eram fatais
como os abismos, e nem sei sequer
como os teus olhos, sendo dois cristais,
podiam ser dois olhos de mulher.
Só sei que esses teus olhos são ainda
uma lembrança azul que não se finda,
como a distância em forma de um adeus.
E o mais que eu sei é não lembrar-me agora
de quantas vezes me perdi na aurora
desse infinito azul dos olhos teus.
(ALCÂNTARA)
José
Chagas
A
noite sobre Alcântara é mais densa
que qualquer noite de qualquer cidade
e as horas passam sem pedir licença
para o que nos encante ou desagrade
O tempo em seu eterno se condensa
e a escuridão não sabe o quanto dá de
seu mistério para a recompensa
de uma idade parada noutra idade
É que a noite de Alcântara incorpora
o que ficou de uma apagada aurora
cujo sol não se acende nunca mais
E Alcântara de noite sonha medo
o medo que ela tem de acordar cedo
todos os seus fantasmas ancestrais
(De Alcântara - Negociação do Azul, 1994)
que qualquer noite de qualquer cidade
e as horas passam sem pedir licença
para o que nos encante ou desagrade
O tempo em seu eterno se condensa
e a escuridão não sabe o quanto dá de
seu mistério para a recompensa
de uma idade parada noutra idade
É que a noite de Alcântara incorpora
o que ficou de uma apagada aurora
cujo sol não se acende nunca mais
E Alcântara de noite sonha medo
o medo que ela tem de acordar cedo
todos os seus fantasmas ancestrais
(De Alcântara - Negociação do Azul, 1994)
SONETO XLII
José
Chagas
Se
uma flor desabrocha, uma esperança
cresce
no coração da natureza,
e
tudo em torno dela vibra e dança
numa
febril coloração acesa,
e
a brisa da manhã sopra mais mansa
como
pondo carícia na beleza
para
a flor nos dizer que a vida avança
e
que a terra não pode ficar presa,
pois
tudo é doação, nada é herança,
e
há de crescer no campo uma certeza
que
a mão que agora o fruto não alcança
vai
um dia afinal se abrir, surpresa,
para
a colheita pura, na bonança
que
a todos servirá, numa só mesa.
SONETO LXV
José
Chagas
O
sopro que animou o barro, quente
ainda
das próprias mãos do Criador,
é
o mesmo que, no campo, a terra sente,
dando
energia a tudo quanto for
matéria
posta em sonho de semente,
que
a semente, no chão, sonha com flor,
e
a flor é a realidade transcendente
do
mistério da luz que vem expor
o
dia e revelar magicamente
como
o estrume se faz aroma e cor,
e
é a própria terra sugerindo à gente
com
seu alto poder transformador
que
o barro que nos fez também se esquente
ao
sol das almas e floresça amor.
SONETO XVII
José
Chagas
Deus
não tem nada com o que ali se passa,
pois
tudo deu, até demais talvez,
e
deu água, deu som, deu luz de graça,
deu
o tempo total de cada mês
e
deu o chão para que a planta nasça
e
nunca em tempo algum haja escassez,
deu
a destreza com que o homem laça
pela
manhã, no campo, a sua rês,
deu
a esperança que o destino traça
de
a cada um ser dada a sua vez,
mas
o homem produz sua desgraça
e,
arrogante na sua pequenez,
explora
a sua natureza escassa
até
criar o mal que Deus não fez.
SONETO LXIV
José
Chagas
Matéria
de silêncio essa que, exposta
na
largura do chão, nada nos diz
porque
nada dizer é que é a resposta
de
tudo o que no chão se faz raiz,
e
a terra move a paz de que ela gosta
para
expressar-se em florações sutis
no
silêncio subindo pela encosta
das
montanhas que do alto o sol bendiz,
vendo
que a própria natureza aposta
como
a luz sobre o campo é mais feliz
e
como até o boi com sua bosta
levanta
sugestões primaveris,
enquanto
o homem só deixa ali, proposta,
uma
equação perdida de seu xis.
SONETO LXXXVII
José
Chagas
E
eu traí a mim mesmo e aos companheiros,
pois
passei a lavrar noutro terreno,
latifúndio
verbal de mil posseiros,
e
sendo sempre um lavrador pequeno,
que,
embora plante sonhos verdadeiros,
nunca
faço o plantio ficar pleno
de
frutos, como o de outros fazendeiros,
e
às vezes me deparo com o veneno
de
serpentes em botes traiçoeiros,
ou
jogam-me águas sujas, mas eu dreno
o
chão onde cultivo os meus canteiros
com
carinhos de sol e de sereno
e,
esmagando os insetos mais rasteiros,
é
para o céu que eu olho e que eu aceno.
A LIBERTAÇÃO ÍNTIMA
José
Chagas
Por
que teve o destino de fechar-me,
Por
tanto tempo, num sobrado antigo
Como
se num espanto sem alarme
A
solidão me fosse um doce abrigo,
E
onde eu estivesse então de confessar-me,
Com
o quanto o coração tinha consigo,
E
o mirante a atrair-me com seu charme
A
me envolver em seu silêncio amigo,
Mostrando
que o melhor fora calar-me
A
fazer de mim mesmo o meu jazigo?
Mas
eis que agora, livre com meu carme,
De
tão longo silêncio me desligo,
E
pede o coração que eu me desarme
De
tudo o que afinal guardei comigo.
A ILHA PESSOAL
José
Chagas
Guardei em
mim uma cidade inteira
E
me fiz ilha, numa geografia
Que
situa essa ilha onde bem queira
Ou
a esconde de todos e a vigia,
Para
assim evitar mão estrangeira
Venha
ferir sua soberania.
Nesse
mar o destino segue a esteira
do
sonho e o próprio sonho é que alumia
a
trilha onde a poesia mensageira
Nem
mesmo em seu naufrágio morreria,
E
bem maior que o mar segue altaneira,
Cercada
de maré, cheia ou vazia.
E
quanto sabiá, quanta palmeira,
Na
paisagem que a envolve e que a recria!
LAVOURA AZUL
José Chagas
José Chagas
Trabalho nuvens como quem trabalha
o
chão que é seu, mas eu não tenho chão.
Cultivador
da natureza falha,
planto
no azul o que de azul me dão.
Sobre
o campo de nuvens cresce a palha
de
sonho e cobre a minha solidão.
E
esse abrigo de sonhos me agasalha
contra
os falsos azuis que vêm e vão.
Minha
roça no ar produz estrelas,
mas
eu não tenho mãos para colhê-las,
nesta
safra de azul que é nova e antiga.
Sou
lavrador do quanto não se lavra
e
preciso que eu ceife na palavra
o
maduro do azul e a sua espiga.
(De Lavoura
Azul, 1974)
O homem, na cirurgia,
a
trocar peça por peça,
sucata
que se avalia
pelo
nada que se meça,
pensa
que então se recria,
a
acreditar na promessa
ou
na pura fantasia
de
que por si recomeça.
Mas
na verdade ele tem
de
esperar que morra alguém
que
outorgue a peça exigida.
Pois
são os mortos que outorgam
o
favor de um novo órgão
como
empréstimo de vida.
José
Chagas
(De Antropoema,
1988)
Do livro “Colégio do Vento”, de 1974,
“livro composto de um poema em 40 estrofes que, por
extensão, são 40 sonetos.”
SONETO 1
José
Chagas
Dos
meus pés não contraio senão rumos
que
me farão chegar aonde me aço,
cercado
de canteiros e de húmus,
e
onde me acorda às vezes o riacho
de
minha infância, os milharais, os sumos
de
frutos que caíam como em cacho,
quando
as aves pousavam nos resumos
das
manhãs claras, e um silêncio macho
buscava
a sua fêmea sobre os fumos
de
horizontes que ardiam como facho,
e
homens erguiam muros com seus prumos,
seus
tijolos, seu sangue, num despacho
de
vontades abertas aos consumos
dos
dias que os marcavam de alto abaixo.
SONETO 3
José
Chagas
O
campo era um continuar de vida
a
se estender pelo horizonte a fora,
e
a paisagem se dava repetida,
tanto
em seu pôr do sol, como na aurora,
com
a luz sendo uma cálida bebida
a
embriagar a vastidão sonora,
onde
as aves em voo na paz erguida
cobriam
de asas o seu ir embora,
e
o azul era uma longa despedida
do
tempo a consumir-se todo em hora,
para,
fugindo assim, dar a medida
de
tudo o que era pressa na demora,
e
o quanto fosse solidão já ida
não
mais voltasse como volta agora.
SONETO 4
José
Chagas
Havia
a paciência de esperar,
mesmo
quando a esperança se perdia,
pois
cada sonho recolhido no ar
dava
sustento a nova fantasia,
e
fácil nesse sonho era chegar
além
de para onde não se ia,
que
nunca ninguém muda de lugar,
quando
o próprio caminho é a moradia,
e
o ir já é, no fundo, regressar
de
onde nem mesmo em sonho se estaria,
e
se sabe, por fim, que o ser e o estar
são
uma coisa só, cheia ou vazia
da
esperança que sempre há de sobrar
para
encher de esperança um outro dia.
SONETO 8
José
Chagas
Meu
pai sabia a vida, e o seu ensino
era
o de quem não diz e apenas faz,
dando-me
o testemunho nordestino
de
homem comum que não corria atrás
de
ilusões gastas pelo desatino,
pois
bem sabia o que era ser capaz,
e
orvalhado no sonho matutino,
laborava
o seu dia e era sagaz
ao
me testemunhar do ser menino
até
o quanto em mim se fez rapaz,
quando
meti as mãos pelo destino,
sem
me importar com o que o destino traz,
e
hoje o que peço aos céus, quando o imagino,
é
que eu não seja um peso em sua paz.
SONETO 12
José
Chagas
Minha
mãe não sabia que seu filho
iria ser só isso que hoje é,
nem sabe agora que por onde trilho
piso mais chão de mágoas que de fé,
e esse pó de incertezas que palmilho
obriga-me a voltar na vida até
onde, fechado em solidão, me humilho,
a acompanhar um sonho em marcha à ré,
lembrando o tempo em que eu plantava milho,
a abrir o chão da vida com o meu pé,
e mamãe repetindo em estribilho,
toda manhã, na hora do café,
meu nome tão de santo, mas sem brilho,
hoje muito mais chagas que José.
iria ser só isso que hoje é,
nem sabe agora que por onde trilho
piso mais chão de mágoas que de fé,
e esse pó de incertezas que palmilho
obriga-me a voltar na vida até
onde, fechado em solidão, me humilho,
a acompanhar um sonho em marcha à ré,
lembrando o tempo em que eu plantava milho,
a abrir o chão da vida com o meu pé,
e mamãe repetindo em estribilho,
toda manhã, na hora do café,
meu nome tão de santo, mas sem brilho,
hoje muito mais chagas que José.
SONETO 13
José
Chagas
Muito
cedo plantei o arroz real,
e
o arroz do sonho era o que mais crescia;
também
ao capinar o milharal,
mais
me ocupava em minha fantasia,
pois
da lavra não vinha por igual
o
que eu da terra e da ilusão colhia,
e
a esperança do verde era um sinal
a
murchar, no verão, como a alegria;
só
o plantio da alma é que era tal
que
quanto menos chuva mais floria,
e
isso era bom, porquanto é natural
nem
só de pão a boca ser vazia,
e
se pouco era o pão e pouco o sal,
muito
era o doce bom da poesia.
SONETO 23
José
Chagas
O
riacho secava e em sua areia
eu
escrevia as letras do alfabeto,
como
aluno do campo que semeia
sonhos
em seu canteiro predileto,
e
ilusões vinham todas em cadeia
para
a escola do vento, que, inquieto,
sempre
apagava a minha escrita feia,
pra
que eu a refizesse com o afeto
de
quem retoma o sonho e o delineia
até
vê-lo na mão fluir correto,
como
o riacho que hoje em minha veia
passa,
a escrever-me a vida por completo,
e
um vento de saudade quer que eu leia
mas
vê que sou ainda analfabeto.
SONETO 24
José
Chagas
Eu
sabia do vento como quem
pensa
que o vento é feito de segredo,
um
segredo que vem e quando vem
não
sabe nunca se vem tarde ou cedo,
como
não sabe se faz mal ou bem,
por
sempre haver quem dele tenha medo,
eu
sabia da fúria que ele tem
ao
se atirar em vão contra um rochedo,
mas
sabia que o vento era também
uma
suave dança no arvoredo,
e
que nunca soprava à noite sem
dar
ao seu leve sopro um toque ledo,
como
a querer falar de amor a alguém
capaz
de ouvi-lo e de guardar segredo.
SONETO 27
José
Chagas
Todo
sonho devia ser idôneo
toda
ilusão devia ser fiel,
mas
há pouco de Deus, mãos de demônio,
nesse
movimentado carrossel
da
existência puxado pelo errôneo
fio
do vento em doido carretel,
e
por mais que eu recuse ou abandone
o
cerco do passado e o seu anel,
volto-me
sempre ao meu viver campônio,
que
era tão manso e agora vem cruel,
pois
o que punge nesse patrimônio
de
ventos é moer-me e chorar fel,
no
velho engenho do padrinho Antônio,
que
me adoçou a vida com o seu mel.
SONETO 28
José
Chagas
Bem
amargo é lembrar o mel da vida,
quando
esse mel no tempo se desfaz,
tal
como a paz que volta revivida,
sem
que já mos pareça a mesma paz,
pois
o amargo lembrar faz-se bebida
que
envenena a memória, e são fatais
os
letargos do sonho à dor sofrida
pelo
que foi e que, a não ser jamais,
afunda-se
no poço da ferida,
alimentando
de ecos os seus ais,
lançados
à lembrança proibida
no
caminho que passa por detrás
da
memória do mundo e nos convida
para
destinos imemoriais.
SONETO 36
José
Chagas
Meu
pai voltou ao pó, mas escolheu
o
pó da terra que ele mais queria,
voltou
de longe para o chão que é seu,
e
ali chegou como semente fria,
pois
quem daquele chão tanto colheu,
no
mesmo chão também se plantaria
para
a safra do além, e apenas eu,
eu
não vi o plantio desse dia,
sei
só do pranto todo que choveu
sobre
a cova recente que se abria
e
do quanto ficou para um museu
de
saudades, na aldeia em agonia,
mas
nunca eu disse a mim que ele morreu
—
meu coração não acreditaria.
SONETO 37
José
Chagas
Pouco
me importa se arranco ou não arranco
esta
raiz de vida em que me amarro,
Sinto
nos ossos o pecado branco
de
haver cuspido no meu próprio barro.
Muito
me batem, mas também espanco
sombras
feitas dos sonhos que desgarro.
Sofro
a vergonha imensa de ser franco
e
me escondo da vida num cigarro.
Mas
quando chega a hora em que destranco
a
janela do sonho, de onde escarro
sobre
a vida que passa pelo flanco
do
mundo, a toda pressa, no seu carro,
fico
sentado em mim como num banco
e
o silêncio me escuta o que lhe narro.
SONETO 38
José
Chagas
O
silêncio era toda a minha herança,
tudo
o que de minha alma foi repasto,
mas,
cheio da ambição de quem avança
contra
um tesouro que imagina vasto,
desperdicei
essa riqueza mansa,
como
quem desperdiça o melhor pasto,
e
agora que esta lira já se cansa
de
tanto profanar o que era casto,
assumo
o claro verde da esperança,
campo
da sedução em que me arrasto,
e
caio para fora da lembrança,
como
a esconder o meu cantar nefasto,
tanto
o remorso contra mim se lança
pedindo
contas do silêncio gasto.
SONETO 39
José
Chagas
A
lágrima não cabe no meu olho,
e
chorá-la é perder um tempo imenso,
pois
não há pranto para a dor que escolho
como
a que mais me sangra no que penso,
e
mágoa que arde no seu próprio molho
não
se pode coar num simples lenço,
nem
a saudade toda que recolho
guarda
o sal desse choro que condenso,
porque
o bloco de sal se faz abrolho
dentro
do coração em mim suspenso,
e
se o quando desejo e o quanto acolho
não
amenizam meu pesar intenso,
fecho
o portão dos sonhos a ferrolho
e
me derroto no que eu mesmo venço.
SONETO 40
José
Chagas
Circulam
sombras lúgubres do campo,
pela
minha memória represada,
como
um poço de angústias que destampo
e
onde se esconde o tudo do meu nada,
persiste
ainda ali o pirilampo,
da
minha infância pouco iluminada,
o
corte dos meus sonhos no sarampo
da
meninice em dor, na madrugada,
a
solidão azul de um céu escampo
com
uma estrela tremendo de assustada,
os
andaimes da vida com o seu grampo
a
me prender à cal da minha ossada,
e
o próprio impulso com que agora tampo
meu
poço de memória estagnada.
Lí, gostei.
ResponderExcluirPoesia sempre!