Poetas Ocasionais


O Marechal Manuel Luiz Osório (1808-1879), Joaquim Nabuco (1849-1910), Sílvio Romero (1851-1914), José do Patrocínio (1853-1905), Euclides da Cunha (1868-1909), Antônio Austregésilo (1876-1960), Paula Ney (1858-1897), Milton Campos (1900-1972), por exemplo, foram homens que, só excepcionalmente, teriam escrito outros sonetos além dos que transcrevemos neste trabalho.
De Euclides da Cunha temos mais dois.
Paulo Setubal (1893-1937) foi um grande poeta regionalista, mas, dele, só conhecemos o soneto "À minha mãe".

Poetas dessa natureza, Manuel Bandeira denominou "bissextos", para, em sentido figurado, lembrar que eles escreveram poesias esporadicamente, ou seja, de tempos em tempos.
Tal designação, contudo, não se enquadraria em nosso trabalho, pois não devem ser classificados como "poetas bissextos", por hipótese, aqueles que, em toda a sua vida, escreveram um ou dois poemas...

Poderíamos dar-lhes, talvez, por mais adequada, mais própria, a qualificação de poetas "fortuitos", ou "acidentais", ou "eventuais", ou "circunstanciais", ou até poetas "ocasionais", como, de resto, preferimos fazer. Isto porque uma produção poética que se manifeste nessas condições, não é, sequer, o resultado de um exercício intermitente.

Eram, muitas vezes, homens com ocupações de alta responsabilidade, homens da política, da magistratura, da administração pública, sem lazeres para os oferecer às delícias da poesia. E, seguindo essa ordem de raciocínios, cabe-nos, de outro lado, lembrar o seguinte: houve homens que, mesmo se dedicando a outros gêneros literários, não faziam concessões à poesia, pelo menos abertamente, talvez constrangidos diante do risco de serem "tachados" de "poetas", em conseqüência da interpretação errônea dos "moralistas" de suas épocas. 
Vejam-se os conhecidos episódios de Raimundo Correia e Luiz Delfino...

Vamos transcrever, a seguir, alguns desses sonetos:



POETAS OCASIONAIS

Domingos José Martins "Meus ternos Pensamentos"
Manuel Luiz Osório (Marquês do Herval) — "Lília"
Paula Ney — "Fortaleza"
José do Patrocínio — "0 século"
Euclides da Cunha — "Se acaso uma alma se fotografasse...”
Joaquim Nabuco — "Nada"
Sílvio Romero — "A viola"
Lauro Müller — "Deus"
Constâncio Alves — "Mater"
Paulo Setubal — "À minha mãe"
Júlio Prestes de Albuquerque — "Ó ventura, onde estás?"
Antônio Austregésilo — "Adeus!"
Milton Campos — "Camões"
Aurélio Buarque de Hollanda — "Amar-te"





Domingos José Martins
Espírito Santo (1781-1817)

MEUS TERNOS PENSAMENTOS...

Meus ternos pensamentos, que sagrados
me fostes quase a par da liberdade!
Em vós não tem poder a iniqüidade:
Eia! à esposa voai, narrai meus fados!

Dizei-lhe que nos transes apertados,
ao passar desta vida à eternidade,
ela da alma reinava na metade
e com a pátria partia-lhe os cuidados.

A pátria foi o meu Nume primeiro,
foi a esposa depois o mais querido
objeto do desvelo verdadeiro;

e na morte, entre ambas repartido,
será de uma o suspiro derradeiro,
será da outra o último gemido.



Manoel Luiz Osório (Marquês do Herval)
Rio Grande do Sul (1808-1879)

LÍLIA

Em desejos ardendo teu amante,
ó Lília! o triste humano que te adora,
por gozar-te suspira, geme e chora,
sem que possa beijar-te um doce instante .

Que vale o meu amor se, delirante
entre a chama fatal que me devora,
não me conto ditoso uma só hora,
o prêmio não me dás de ser constante?

Lília bela, o meu queixume escuta,
tem dó deste infeliz que é todo teu
e a glória de adorar-te não desfruta.

Cede o que a natureza te cedeu,
dá-me a, palma do amor na doce luta,
dá-me os mimos que o Céu te concedeu!



Paula Ney
Ceará (1858-1897) 

FORTALEZA

Ao longe, em brancas praias embalada
pelas ondas azuis dos verdes mares,
a Fortaleza, a loura desposada
do Sol, dormita à sombra dos palmares.

Loura de sol e branca de luares,
como uma hóstia de luz cristalizada,
entre verbenas e jardins plantada,
na brancura de místicos altares.

Lá, canta em cada ramo um passarinho,
há pipilos de amor em cada ninho,
na solidão dos verdes matagais...

É minha terra! A terra de Iracema,
o decantado e esplêndido poema
de alegria e beleza universais.



José do Patrocínio
Campos, RJ (1853-1905)

O SÉCULO

Aparição de luz em sombras de ruínas,
o século quer luz, algemas despedaça...
Vai buscar os seus reis no turbilhão da praça,
vai buscar seus heróis no pó das oficinas.

Se às vezes inflamando as cóleras divinas
com a sombra de Thiers os tronos ameaça,
nas ruas de Paris desarma a populaça,
e deixa enferrujar o fio às guilhotinas.

E quer buscar na paz o mundo transformado,
a família no amor e na razão o Estado;
evangeliza ao povo, estuda, pensa e crê.

Se os velhos abusões ele abismou na treva,
a ciência novo deus nos cérebros eleva
sob as constelações brilhantes do A. B. C.



Euclides da Cunha
Cantagalo, RJ (1868-1909)

SE ACASO UMA ALMA SE FOTOGRAFASSE...

Se acaso uma alma se fotografasse,
de sorte que, nos mesmos negativos,
a mesma luz pusesse em traços vivos
o nosso coração e a nossa face;

e os nossos ideais, e os mais cativos
dos nossos sonhos... Se a emoção, que nasce
em nós, também nas chapas se gravasse,
mesmo em ligeiros traços fugitivos. . .

Amigo! Tu terias, com certeza,
a mais completa e insólita surpresa
notando deste grupo bem no meio

que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
destes sujeitos é, precisamente,
o mais triste, o mais pálido e o mais feio. . .



Joaquim Nabuco
Pernambuco (1849-1910)

NADA

Tudo é nada no mundo, o nada é tudo,
porque tudo do nada foi tirado!
Porque no nada tudo é transformado,
e- ao nada volverá num dia tudo!

Deus do nada, com um gesto, tirou tudo,
pois do nada o universo foi tirado!
E num dia do nada transformado,
deixará de existir! E assim vai tudo.

Só nossa alma persiste; e Deus eterno,
cuja essência é de si mesmo incriada,
por ser um Ser Divino Ente Superno!

Na potência do mundo agigantada,
nesta terra, nos céus, no próprio inferno,
somente uma palavra eu leio: Nada.




Sílvio Romero
Sergipe (1851-1914)

A VIOLA

Quanto eu te amava, ó rústico instrumento!
Tu que as mágoas, as dores alivias
da sertaneja, em mansas melodias,
ainda hoje me vens ao pensamento!

Puro e bom despertava o sentimento,
a alma dourando, como doura os dias
o sol — nosso conviva...  e tu vertias
teus gemidos sutis todos ao vento...

Companheira querida das matutas,
confidente fiel de seus desejos,
de seus sonhos de amor, serenas lutas,

como és boa da roça nos festejos,
quando as morenas lânguidas, astutas,
afinam pela "prima" o som dos beijos!



Lauro Müller
Santa Catarina (1863-1926)

DEUS

Há mundo limitado e mundo indefinido...
Quem susta o pensamento excede Josué!
A ciência não pode, além do conhecido,
deter a crença humana e derrocar a fé.

Dois mundos há no mundo: o cosmos dividido...
Aqui, eis a ciência; além, sempre de pé,
o incognoscível duro, imenso, soerguido,
esfinge perenal, foi ontem o que hoje é.

Por isso eu sinto sempre, atrás das aparências,
acima da ciência, acima da razão,
um "ser" que vem na história, a par das consciências,

mais belo cada vez que o homem os dotes seus
podia melhorar, formando a concepção
do "ser" misterioso a que chamamos — Deus.

("Kosmo", março 1904)




Constâncio Alves
Bahia (1862-1933)

MATER

Eras em plena mocidade, quando
da nossa casa, um dia, te partiste;
e eu, coitado! sem mãe, pequeno e triste,
fiquei por esta vida caminhando.

Assim no meu amor teu rosto brando
do tempo à ação maléfica resiste;
e o meu é, hoje, como nunca o viste,
tanto o passar da idade o foi mudando.

Tão velho estou, que já me não conheces;
nem poderias ver no que te chora
esse a quem ensinaste tantas preces.

E tão moça ainda estás que (se mentora
a saudade o teu vulto) — me apareces
como se fosses minha filha agora.




Paulo Setubal
São Paulo (1893-1937)

À MINHA MÃE

Eu, minha Mãe, que neste mundo inteiro,
colhi somente venenosas flores,
quero, a teu lado, amigo e verdadeiro,
seguir-te os passos, mitigar-te as dores.

Quero dormir um sono derradeiro
na mesma campa em que dormir tu fores:
ser teu fiel, teu certo companheiro
neste país de sombras e pavores.

É que eu, ó minha Mãe e meu carinho,
bendigo a mão que em minha estrada planta
fundos pesares do mais fundo espinho,

só por sentir que me perfuma e encanta,
única rosa aberta em meu caminho
o teu amor de Mãe piedosa e santa.



Júlio Prestes de Albuquerque
São Paulo (1882-1946)

Ó VENTURA, ONDE ESTÁS?

Ó ventura, onde estás? Felicidade,
tu também já baixaste à sepultura.
deixando-me os abismos da saudade
e a desventura em troca da ventura!

O quanto fui feliz na doce idade
da manhã do viver, serena e pura,
sou infeliz na minha mocidade...
Foi-se a ventura e veio a desventura.

Ergo os olhos aos céus e clamo e grito
contra os males terrenos e as terrenas
desventuras e dores de um proscrito.

E as nuvens que no céu passam serenas,
e os astros — fogos fátuos do infinito
vão sorrindo dos males e das penas!



Antônio Austregésilo
Pernambuco (1876-1960)

ADEUS!

Eu parto, Dona Hermosa! Pelo céu
há presságios de dor e de amarguras;
parece terminarem tais venturas
do santo amor que há no peito meu.

A lânguida Tristeza o espesso véu
baixa por sobre mim todo negruras;
sinto o vazio de alvas sepulturas
quando soluço o doce nome teu!

Eu parto ó minha Santa! A nostalgia
fere a minha alma e mata a fantasia,
amortalhando-as num silêncio fundo...

A noite baixa, triste, constelada;
eu beijo o teu retrato, ó minha Amada,
num soluçar intérmino, profundo!








(Das páginas 843 a 852 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto", de Vasco de Castro Lima)

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