Pereira da Silva, A. J.

Araruna, Serra da Borborema, AL, 1876
Rio de Janeiro, 1944



"SOLITUDES"
Pereira da Silva, A. J.

Senhor, meu Deus! não move minha pena
Vós o sabeis, o impulso da vaidade.
A glória deste mundo é bem pequena
E não nasci para a imortalidade.

Mas não sei por que nada me dissuade
E, antes, tudo em meu sangue me condena
A dar forma, expressão, plasticidade,
Estilo a tudo quanto é dor terrena.

É meu tormento. Chamam-lhe poesia,
Arte do verso. Chamo-lhe o madeiro,
A Cruz da minha noite e do meu dia.

— Cruz em que verto o sangue verdadeiro
E em que minh’alma em transes agoniza
E o coração se crucifica inteiro...



VALSA DAS CHAMAS
Pereira da Silva, A. J.

Noite. Em meu quarto solitário, apuro
O meu destino; a solitude ambiente,
O tédio, a hora, o mal-estar de doente
Tudo me torna o pensamento obscuro.

Em vão me apego à idéia sempre ardente
Da Vida, — esta volúpia do Futuro.
Queima-me intensa febre o sangue impuro.
Perpassam-me relâmpagos na mente.

Deliro. E a meu olhar que tudo ilude
A vela cresce, assume outra amplitude,
Deixa o recinto entre clarões de flamas...

... Surge-me assim, ante as pupilas pasmas,
Salomé, numa orgia de fantasmas,
Bailando a Valsa erótica das Chamas...




A CONSCIÊNCIA
Pereira da Silva, A. J.

Noite... sombras... silêncio... indefinida
Angústia imponderável pelo ambiente.
Penso, em meu leito, como um ser consciente:
— "Mais um dia de menos para a vida..."-

Como os dias passados — o presente.
Idéias vãs; desesperada lida;
Esforço inútil; alma incompreendida
Em tudo quanto crê ou quanto sente;

A juventude quase no seu termo;
Mente mais débil; corpo mais enfermo,
A nobre fé de antanho menos forte...

Que horror! A consciência, como a aranha,
Tais razões urde e nelas se emaranha
Que só fica a razão final da morte!



INTERIOR
Pereira da Silva, A. J.

Ocaso. Em minha sala quase escura
Olho os retratos. Dante está presente:
— Face entanguida, olhar impenitente,
Boca num forte ríctus de amargura.

Em Poe, que o sol, num claro, transfigura
Baudelaire crava o olhar. E frente a frente
Fitam-se longa, misteriosamente,
Tal como o Tédio diante da Loucura...

Em torno e em tudo erra um silêncio absorto.
Sombra do gênio? Alma do desconforto?
Forma do ser disperso no Nirvana?

Quem saberá jamais? A noite desce.
Cada efígie daquelas como cresce
E assombra mais minha tristeza humana!



NIHIL...
Pereira da Silva, A. J.

Dia parado entre nevoento e enxuto.
A natureza como semimorta.
Quanto aos vencidos, Musa, desconforta
Esta infinita sugestão de luto!

Quanto a mim, de minuto por minuto,
Ouço alguém... Alguém bate à minha porta...
Quem é? Quem sabe? Uma saudade morta,
Cousas tão d’alma que eu somente escuto.

Nesta indecisa solidão sombria
Sem cor, sem som, meio entre noite e o dia,
Como que a Morte a tudo, a tudo assiste...

Como que pela Terra desolada
A consciência universal do Nada
Deixa um silêncio cada vez mais triste...



A DOENÇA DA VIDA
Pereira da Silva, A. J.

Corri toda a cidade, noite adiante:
Ruas e praças, becos e vielas,
As avenidas amplas, largas, belas,
Sob o vivo esplendor da luz radiante.

Vi-lhe os bairros de lôbregas mazelas;
Os palácios, o nobre orgulho arfante
Dos seus salões, tudo como um passante
Curioso de quadros e de telas...

Oh! a tristeza ardente, comovida,
Dos que vivem na muda indiferença
De uma ruidosa Acrópole incendida!

Oh! a tristeza amarga de quem pensa!
O Tédio, o Spleen, o Ideal, doença da Vida,
Poe, Baudelaire, Leopardi, vossa doença.




SÍSIFO
Pereira da Silva, A. J.

Incessante labor! Quase sem mais entranha,
Inane da exaustão da mesma insonte lida,
Causa, Sísifo, horror à mais empedernida
Alma que o vê na afã de punição tamanha.

Pés e mãos a sangrar; pávido suor que lhe banha
A extrema lividez da máscara estarrida.
— É o pavor de escalar ainda e sempre a montanha
Entre mil decepções já subida e descida.

Tantas vezes em vão conduz a pedra a medo
Quantas a vê rolar da colimada altura
Sobre o talude hostil daquele monte quedo...

Como a Sísifo entende alguém que se procura
E na mesma expiação do galé do rochedo
Rola seu próprio ser como uma dor obscura!

(Fonte:http://www.academia.org.br)


Nenhum comentário:

Postar um comentário