Rio de Janeiro, 1944
"SOLITUDES"
Pereira
da Silva, A. J.
Senhor, meu Deus! não move minha pena
Vós
o sabeis, o impulso da vaidade.
A
glória deste mundo é bem pequena
E
não nasci para a imortalidade.
Mas não sei por que nada me dissuade
E,
antes, tudo em meu sangue me condena
A
dar forma, expressão, plasticidade,
Estilo
a tudo quanto é dor terrena.
É meu tormento. Chamam-lhe poesia,
Arte
do verso. Chamo-lhe o madeiro,
A
Cruz da minha noite e do meu dia.
— Cruz em que verto o sangue verdadeiro
E em
que minh’alma em transes agoniza
E o
coração se crucifica inteiro...
VALSA DAS CHAMAS
Pereira
da Silva, A. J.
Noite. Em meu quarto solitário, apuro
O
meu destino; a solitude ambiente,
O
tédio, a hora, o mal-estar de doente
Tudo
me torna o pensamento obscuro.
Em vão me apego à idéia sempre ardente
Da
Vida, — esta volúpia do Futuro.
Queima-me
intensa febre o sangue impuro.
Perpassam-me
relâmpagos na mente.
Deliro. E a meu olhar que tudo ilude
A
vela cresce, assume outra amplitude,
Deixa
o recinto entre clarões de flamas...
... Surge-me assim, ante as pupilas pasmas,
Salomé,
numa orgia de fantasmas,
Bailando
a Valsa erótica das Chamas...
A CONSCIÊNCIA
Pereira
da Silva, A. J.
Noite... sombras... silêncio... indefinida
Angústia
imponderável pelo ambiente.
Penso,
em meu leito, como um ser consciente:
—
"Mais um dia de menos para a vida..."-
Como os dias passados — o presente.
Idéias
vãs; desesperada lida;
Esforço
inútil; alma incompreendida
Em
tudo quanto crê ou quanto sente;
A juventude quase no seu termo;
Mente
mais débil; corpo mais enfermo,
A
nobre fé de antanho menos forte...
Que horror! A consciência, como a aranha,
Tais
razões urde e nelas se emaranha
Que
só fica a razão final da morte!
INTERIOR
Pereira
da Silva, A. J.
Ocaso. Em minha sala quase escura
Olho
os retratos. Dante está presente:
—
Face entanguida, olhar impenitente,
Boca
num forte ríctus de amargura.
Em Poe, que o sol, num claro, transfigura
Baudelaire
crava o olhar. E frente a frente
Fitam-se
longa, misteriosamente,
Tal
como o Tédio diante da Loucura...
Em torno e em tudo erra um silêncio absorto.
Sombra
do gênio? Alma do desconforto?
Forma
do ser disperso no Nirvana?
Quem saberá jamais? A noite desce.
Cada
efígie daquelas como cresce
E
assombra mais minha tristeza humana!
NIHIL...
Pereira
da Silva, A. J.
Dia parado entre nevoento e enxuto.
A
natureza como semimorta.
Quanto
aos vencidos, Musa, desconforta
Esta
infinita sugestão de luto!
Quanto a mim, de minuto por minuto,
Ouço
alguém... Alguém bate à minha porta...
Quem
é? Quem sabe? Uma saudade morta,
Cousas
tão d’alma que eu somente escuto.
Nesta indecisa solidão sombria
Sem
cor, sem som, meio entre noite e o dia,
Como
que a Morte a tudo, a tudo assiste...
Como que pela Terra desolada
A
consciência universal do Nada
Deixa
um silêncio cada vez mais triste...
A DOENÇA DA VIDA
Pereira
da Silva, A. J.
Corri toda a cidade, noite adiante:
Ruas
e praças, becos e vielas,
As
avenidas amplas, largas, belas,
Sob
o vivo esplendor da luz radiante.
Vi-lhe os bairros de lôbregas mazelas;
Os
palácios, o nobre orgulho arfante
Dos
seus salões, tudo como um passante
Curioso
de quadros e de telas...
Oh! a tristeza ardente, comovida,
Dos
que vivem na muda indiferença
De
uma ruidosa Acrópole incendida!
Oh! a tristeza amarga de quem pensa!
O
Tédio, o Spleen, o Ideal, doença da Vida,
Poe,
Baudelaire, Leopardi, vossa doença.
SÍSIFO
Pereira
da Silva, A. J.
Incessante labor! Quase sem mais entranha,
Inane
da exaustão da mesma insonte lida,
Causa,
Sísifo, horror à mais empedernida
Alma
que o vê na afã de punição tamanha.
Pés e mãos a sangrar; pávido suor que lhe banha
A
extrema lividez da máscara estarrida.
— É
o pavor de escalar ainda e sempre a montanha
Entre
mil decepções já subida e descida.
Tantas vezes em vão conduz a pedra a medo
Quantas
a vê rolar da colimada altura
Sobre
o talude hostil daquele monte quedo...
Como a Sísifo entende alguém que se procura
E na
mesma expiação do galé do rochedo
Rola
seu próprio ser como uma dor obscura!
(Fonte:http://www.academia.org.br)
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