66 Sonetos



Temos o prazer de juntar, neste capítulo, algumas dezenas de sonetos populares, aqueles que mais se identificaram ou se identificam com a preferência do povo.
São páginas largamente conhecidas de todos os que apreciamos poemas sentimentais.

Nos tempos em que a poesia encontrava melhor guarida no coração da juventude, estes sonetos eram decorados ou transcritos em álbuns que, pelo menos a partir dos últimos decênios do século passado, as moças românticas e sonhadoras guardavam com carinho e enlevo.

Eles marcavam, outrossim, sua indispensável presença em todos os saraus literários, ou reuniões familiares onde a Arte se erigia em desvelado culto à inteligência e ao lazer sadio. Tremulavam, como bandeiras de vitória, nos prélios sorridentes em que o espírito alardeava primazia.

São poemas que se afinam com as aspirações e os sentimentos dos seres comuns. Por esse motivo, conquistaram as suas épocas e alcançaram a posteridade.
O lirismo, as mensagens, os pensamentos transmitidos, são portadores de doces "recados" para as almas sensíveis que sabem amar, sofrer, sonhar.

São sonetos cantantes e harmoniosos, escritos com ternura e paixão, às vezes com sangue e lágrimas. Aqueles que contêm tudo o que as almas singelas mais estimam.
Contemplamos e sentimos, neles, intensamente, os quadros da Natureza. O amor sincero, o amor incompreendido. A presença no beijo, a ausência na saudade. As palavras mudas do olhar, os gritos eloqüentes do silêncio. A leveza das crianças e o peso das amarguras. O heroísmo das mães, a magnitude das flores. Os sinos da fé, as promessas da esperança, a bênção da caridade. Deus e o mundo. A paz e o mundo. O destino e o mundo. As incertezas da vida e a certeza da morte.

Ninguém que haja tido intimidade com sonetos ignora a existência destes, que logo passaremos a transcrever.
Estamos seguros de que são, deveras, poemas maravilhosos, pelos seus conteúdos, pelas suas histórias, pelas surpresas que, a cada passo, apresentam. São extremamente grandes, na sua extrema simplicidade.

Quase toda a coleção é, como teria de acontecer, da autoria de renomados poetas, de artistas consagrados, não só nestas páginas, mas, também, através de inúmeras outras, em que o talento c a inspiração os elevaram às culminâncias da Arte poética.

Não saíram, exclusivamente, dos cérebros de poetas eleitos por um poder superior. Saíram do mais íntimo de seus recantos espirituais e, se assim não fosse, já teriam caído, de há muito, na vala insondável do esquecimento.
Transformaram-se em momentos luminosos da Poesia. São imortais, por isso mesmo. São, por isso mesmo, sonetos de todos os tempos.

Aqui não se trata de gosto ou de critério do autor deste trabalho. Não é um conjunto dos melhores, porém dos mais populares sonetos brasileiros. Eles se impõem. Não são escolhidos.
São, apenas, lembrados e apontados.

É provável, quase certo, que, nesta coletânea, não se encontrem todos os sonetos populares do Brasil, mas o nosso trato com sonetos, durante longos anos, talvez nos tenha proporcionado ensejo de oferecer aos leitores pelo menos a maior parte.
É o que esperamos ter conseguido.


OS SONETOS BRASILEIROS MAIS POPULARES
(por ordem alfabética dos autores)

Adelino Fontoura — "Celeste"
Adelmar Tavares — "Para o meu perdão"
Afonso Celso — "Anjo enfermo"
Alberto de Oliveira — "A vingança da porta"
Alceu Wamosy — "Duas almas"
Alphonsus de Guimaraens — "Hão de chorar por ela oscinamomos"...
Alvarenga Peixoto —"Estela e Nize"
Álvares de Azevedo — "Pálida, à luz da lâmpada sombria...”
Amadeu Amaral — "Sonho de Amor"
Ana Amélia — "Mal de Amor"
Anibal Teófilo — "A cegonha"
Antero Bloem — "O Cristo de Marfim"
Antônio Tomás (Padre) — "Contraste"
Artur Azevedo —"Arrufos"
Assunção Filho — "Crime"
Augusto dos Anjos —"Versos íntimos"
Augusto dos Anjos — "Vandalismo"
Augusto de Lima — "A Serenata"
B. Lopes — "Berço”
Benjamim Silva — "O frade e a freira"
Bento Ernesto Júnior — "Lágrimas"
Castro Alves — "Dulce"
Ciro Costa — "Pai João"
Coelho Neto — "Ser mãe"
Cruz e Sousa — "Acrobata da Dor"
Cyridião Durval — “Amor maternal”
Da Costa e Silva — “Saudade”
Djalma Andrade — “Ato de Caridade”
Emílio de Menezes — “Noite de insônia”
Félix Pacheco — “Estranhas lágrimas”
Fontoura Xavier —"Estudo anatômico"
Francisco Otaviano — "Morrer. . . Dormir...”
Guilherme de Almeida — "Beijos"
Guilherme de Almeida — "Longe da vista"
Guimarães Passos — "Teu lenço"
Hermes Fontes — "Solenemente"
Hermes Fontes — "Buena-dicha"
Hermeto Lima — "Santa"
Jaime Guimarães — "De volta"
Jorge de Lima — "O acendedor de lampiões"
Júlio Salusse — "Os cisnes"
Luís Carlos — "O canhão"
Luiz Delfino — "Cadáver de virgem"
Luiz Edmundo — "Olhos tristes"
Luiz Edmundo — "Olhos alegres"
Luiz Guimarães Júnior — "Visita à casa paterna'"
Luiz Pistarini — "Bilhete de doente"
Machado de Assis — "Círculo vicioso"
Maciel Monteiro — "Formosa"
Mário Pederneiras — "Suave caminho"
Múcio Teixeira — "O sonho dos sonhos"
Nilo Bruzzi — "Única"
Olavo Bilac — Ouvir estrelas"
Olavo Bilac — "Virgens mortas"
Olegário Mariano — "O enterro da Cigarra"
Onestaldo de Pennafort — "Quem tinha vindo para ser escrava”
Pedro de Alcântara (Pedro II) - "Terra do Brasil"
Quintino da Cunha — "Os beija-flores"
Raimundo Correia — "As pombas"
Raimundo Correia — "Mal Secreto"
Raul de Leoni — "Ingratidão"
Raul de Leoni — "História antiga"
Raul de Leoni — "Perfeição"
Raul Machado— "Lágrimas de cera"
Segundo Wanderley (Manoel) — "Amor de filha"
Vicente de Carvalho — "Velho tema (I)"







 CELESTE
Adelino Fontoura
 Maranhão (1859-1884)

É tão divina a angélica aparência,
e a graça que ilumina o rosto dela,
que eu concebera o tipo da inocência
nessa criança imaculada e bela.

Peregrina no céu, pálida estrela
exilada da etérea transparência,
sua origem não pode ser aquela
da nossa triste e mísera existência.

Tem a celeste e ingênua formosura
e a luminosa auréola sacrossanta
de uma visão do céu, cândida e pura.

E, quando os olhos para o céu levanta,
inundados de mística doçura,
nem parece mulher parece santa.



PARA O MEU PERDÃO
Adelmar Tavares
 Pernambuco (1888-1963)

Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
querer-te mal, com fúria e com rancor,
mal sabes tu como, em segredo, te amo
o vulto pensativo e sofredor.

Quem vê o fel que em cólera derramo,
no ódio que punge, desesperador,
mal sabe que, se a sós me encontro, chamo
por teu amor, com o mais profundo amor...

Mal sabe que, se acaso, novamente,
buscasses o calor do velho ninho
de onde um capricho te fizera ausente,

eu, esquecendo a tua ingratidão,
juncaria de rosas o caminho
em que voltasses para o meu perdão...



ANJO ENFERMO
Afonso Celso
Minas Gerais (1860-1938)

Geme no berço, enferma, a criancinha,
que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis, por que as merece
quem mal entrando na existência vinha?!

Ó melindroso ser, ó filha minha!
Se os Céus ouvissem a paterna prece,
e a mim o teu sofrer passar pudesse,
gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não t'a extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito!

Sim, é pai, mas a crença nô-lo ensina:
Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
nunca teve uma filha pequenina!...



A VINGANÇA DA PORTA
Alberto de Oliveira
Saquarema, RJ (1859-1937)

Era um hábito antigo que ele tinha:
entrar dando com a porta nos batentes:
"Que te fez esta porta?" a mulher vinha
e interrogava. Ele, cerrando os dentes:

"Nada! Traze o jantar!" Mas à noitinha
calmava-se. Feliz, os inocentes
olhos revê da filha, e a cabecinha
lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.

Uma vez, ao tornar à casa, quando
erguia a aldraba, o coração lhe fala:
"Entra mais devagar..." Pára, hesitando...

Nisso, nos gonzos range a velha porta;
ri-se, escancara-se. E ele vê na sala
a mulher como doida e a filha morta!



DUAS ALMAS
Alceu Wamosy
Rio Grande do Sul (1895-1923)

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
há de ficar comigo uma saudade tua,
hás de levar contigo uma saudade minha...



HÃO DE CHORAR POR ELA OS CINAMOMOS...
Alphonsus de Guimaraens
 Minas Gerais (1870-1921)

Hão de chorar por ela os cinamomos,
murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão-de cair os pomos,
lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: "Ai! nada somos,
pois ela se morreu silente e fria"...
E, pondo os olhos nela como pomos,
hão-de chorar a irmã que lhes sorria.

A Lua, que lhe foi mãe carinhosa,
que a viu nascer e amar, há-de envolvê-la
entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul, ao vê-la,
pensando em mim: "Por que não vieram juntos?"



ESTELA E NIZE
Alvarenga Peixoto
Rio de Janeiro (1744-1793)

Eu vi a linda Estela e, namorado,
fiz logo eterno voto de querê-la;
mas vi depois a Nize, e a achei tão bela,
que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se neste estado
não posso distinguir Nize de Estela?
Se Nize vier aqui, morro por ela;
se Estela agora vier, fico abrasado.

Mas, ah! que aquela me despreza amante,
pois sabe que estou preso em outros braços,
e esta não me quer, por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
faze de dois semblantes um semblante,
ou divide o meu peito em dois pedaços.



PÁLIDA, À LUZ DA LÂMPADA SOMBRIA
Álvares de Azevedo
 São Paulo (1831-1852)

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
sobre o leito de flores reclinada,
como a Lua por noite embalsamada,
entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens de alvorada,
que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim meu anjo lindo!
Por ti as noites eu velei chorando,
por ti nos sonhos morrerei sorrindo!



SONHO DE AMOR
Amadeu Amaral
São Paulo (1875-1929)

Tudo isto há de passar, de certo, muito em breve...
Branca névoa sutil, ir-se-á quando o sol nasça;
branco sonho de amor, passará, como passa
pelas ondas em fúria uma garça de neve.

Passará dentro em pouco, imitando a fumaça
que se evola e se esvai nas curvas que descreve.
Fumaça de ilusão, força é que o vento a leve,
força é que o vento a leve, e disperse, e desfaça.

Que importa! Uma ilusão que nos alegra e afaga
há de ser sempre assim, no mar bravo da vida,
como a espuma que fulge e morre sobre a vaga.

Esta me há de fugir, esta que hoje me inflama!
E antes vê-la fugir como uma luz perdida
que possuí-la na mão como um pouco de lama...



MAL DE AMOR
Ana Amélia
Rio de Janeiro (1896-1971)

Toda pena de amor, por mais que doa,
no próprio amor encontra recompensa.
As lágrimas que causa a indiferença,
seca-as depressa uma palavra boa.

A mão que fere, o ferro que agrilhoa,
obstáculos não são que Amor não vença.
Amor transforma em luz a treva densa;
por um sorriso Amor tudo perdoa.

Ai de quem muito amar, não sendo amado,
e, depois de sofrer tanta amargura,
pela mão que o feriu não for curado...

Noutra parte há de, em vão, buscar ventura:
fica-lhe o coração despedaçado,
que o mal de Amor só nesse Amor tem cura.



A CEGONHA
 Aníbal Teófilo
Fortaleza de Humaitá, Paraguai (1873)
Rio de Janeiro (1915)

Em solitária, plácida cegonha.
imersa num cismar ignoto e vago,
num fim de ocaso, à beira azul de um lago,
sem tristeza, quem há que os olhos ponha?

Vendo-a, Senhora, vossa mente sonha.
Talvez que o conde de um palácio mago
loura fada perversa, em tredo afago,
mudou nessa pernalta erma e tristonha.

Mas eu que, em prol da Luz, do pétreo e denso
véu do Ser ou Não-Ser, tento a escalada,
qual morosa, tenaz, paciente lesma,

ao vê-la assim, mirar-se na água, penso
ver a Dúvida humana debruçada
sobre a angústia infinita de si mesma!



O CRISTO DE MARFIM
Antero Bloem
São Paulo (1878-1919)

Quando depões sobre o teu Cristo amado,
esse Cristo que pende de teu peito,
ungido de ternura e de respeito
um beijo de teu lábio imaculado,

eu, sacrílego, sinto-me levado
ou seja por inveja, ou por despeito
a arrebatar o Cristo de teu peito
e em teu peito morrer crucificado.

Mas, quando vejo, do teu lábio crente,
cair sobre o Jesus a prece ardente,
talvez por nosso amor, talvez por mim,

ardo na chama intensa dos desejos
de, arrependido, sufocar meus beijos
nesse teu alvo Cristo de Marfim.



CONTRASTE
Antônio Tomás (Padre)
Ceará (1868-1941)

Quando partimos, no verdor dos anos,
da vida pela estrada florescente,
as esperanças vão conosco à frente,
e vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, céleres e ufanos,
vamos marchando descuidosamente...
Eis que chega a velhice, de repente,
desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos, claramente,
como a existência é rápida e falaz,
e vemos que sucede exatamente

o contrário dos tempos de rapaz:
Os desenganos vão conosco à frente
e as esperanças vão ficando atrás.



ARRUFOS
Artur Azevedo
Maranhão (1855-1908)

Não há no mundo quem amantes visse
que se quisessem, como nos queremos.
Um dia, uma questiúncula tivemos,
por um simples capricho, uma tolice.

"Acabemos com isto!" ela me disse,
e eu respondi-lhe assim: "Pois acabemos!"
E fiz o que se faz em tais extremos:
tomei do meu chapéu com fanfarrice;

e, tendo um gesto de desdém profundo,
saí, cantarolando... (Está bem visto
que a forma, aí, contrafazia o fundo).

Escreveu-me... Voltei. Nem Deus, nem Cristo,
nem minha mãe, volvendo agora ao mundo,
eram capazes de "acabar com isto"!



CRIME
Assunção Filho (João de Queiroz Assunção Filho)

Ilustrado senhor, ficai ciente
de um crime cometido há poucos anos:
Meu triste coração, um pobre doente,
que da vida provara os desenganos,

foi um dia ferido mortalmente
por dois olhos perversos, dois tiranos,
que vivem até hoje, impunemente
soltos, causando os mais atrozes danos.

O suplicante, que é o advogado
da vítima, e, portanto, interessado
nesse processo que um mistério exprime,

em nome da Justiça, pede, humilde.
mandeis prender os olhos de Matilde,
que são autores do nefando crime.



VERSOS ÍNTIMOS
Augusto dos Anjos
Paraíba (1884-1914)

Vês? Ninguém assistiu ao formidável
enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão esta pantera
foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
mora entre feras, sente inevitável
necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
a mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
apedreja essa mão vil que te afaga,
escarra nessa boca que te beija!



VANDALISMO
Augusto dos Anjos
Paraíba (1884-1914)

Meu coração tem catedrais imensas,
templos de priscas e longínquas datas,
onde um nume de amor, em serenatas,
canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
vertem lustrais irradiações intensas,
cintilações de lâmpadas suspensas
e as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais,
entrei um dia nessas catedrais
e nesses templos claros e risonhos...

E, erguendo os gládios e brandindo as hastas,
no desespero dos iconoclastas,
quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!



A SERENATA
Augusto de Lima
Minas Gerais (1860-1934)

Plenilúnio de maio em montanhas de Minas!
Canta, ao longe, uma flauta e um violoncelo chora,
Perfuma-se o luar nas flores das campinas,
sutiliza-se o aroma em languidez sonora.

Ao doce encantamento azul das cavatinas,
nessas noites de luz mais belas do que a aurora,
as errantes visões das almas peregrinas
vão voando a cantar pela amplidão afora...

E chora o violoncelo, e a flauta, ao longe, canta.
Das montanhas, brilhando, a névoa se levanta,
banhada de luar, de sonhos, de harmonia.

Com profano rumor, porém, desponta o dia;
e, na última porção da névoa transparente,
a flauta e o violoncelo expiram lentamente.

  

BERÇO
B. Lopes
Rio Bonito, RJ (1859-1916)

Recordo: um largo verde e uma igrejinha,
um sino, um rio, um pontilhão e um carro
de três juntas bovinas, que ia e vinha
rinchando, alegre, carregando barro.

Havia a escola, que era azul e tinha
um mestre mau, de assustador pigarro...
(Meu Deus! que é isto? que emoção a minha.
quando estas cousas tão singelas narro?)

'Seu" Alexandre. um bom velhinho rico
que hospedara a Princesa; o tico-tico,
que me acordava de manhã, e a serra

com o seu nome de amor: Boa Esperança...
Eis tudo quanto guardo na lembrança
da minha pobre e pequenina terra!



O FRADE E A FREIRA
Benjamim Silva
Espírito Santo (1897-1954)

Na atitude piedosa de quem reza
e como que num hábito embuçado.
pôs naquele recanto a natureza
a figura de um frade recurvado.

E sob um negro manto de tristeza
vê-se uma freira tímida a seu lado,
que vive ali rezando, com certeza,
uma oração de amor e de pecado...

Diz a lenda uma lenda que espalharam
que aqui. dentre os antigos habitantes,
houve um frade e uma fieira que se amaram. . .

Mas que Deus os perdoou lá do infinito,
e eternizou o amor dos dois amantes
nessas duas montanhas de granito!



LÁGRIMAS
Bento Ernesto Júnior
 Minas Gerais (1866-1934)

A vida, meu amor, que hoje passamos
só pode ser com lágrimas descrita,
tão grande a dor que o peito nos habita,
tão amargo este fel que hoje provamos.

Tão nublados de lágrimas levamos
os olhos, sob o peso da desdita,
que tudo que ante nós vive e palpita,
tudo inundado em lágrimas julgamos.

E todo esse lutuoso mar de pranto,
que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
nasce de havermos nos amado tanto!...

Porém, embora a amar, tanto soframos,
cada vez mais, amada, nos queremos,
cada vez mais, querida, nos amamos.



DULCE
Castro Alves
Bahia (1847-1871)

Se houvesse ainda talismã bendito
que desse ao pântano a corrente pura,
musgo ao rochedo, festa à sepultura,
das águias negras harmonia ao grito...

Se alguém pudesse ao infeliz precito
dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
no poema dos beijos infinito...

Certo... serias tu, donzela casta,
quem me tomasse em meio do Calvário
a cruz de angústia que o meu ser arrasta!...

Mas se tudo recusa-me o fadário,
na hora de expirar, ó Dulce, basta
morrer beijando a cruz de teu rosário!...



PAI JOÃO
Ciro Costa
São Paulo (1879-1937)

Do taquaral à sombra, em solitária furna,
para onde, com tristeza, o olhar, curioso, alongo,
sonha o negro, talvez, na solidão noturna,
com os límpidos areais das solidões do Congo...

Ouve-lhe a noite a voz nostálgica e soturna,
num suspiro de amor, num murmurejo longo...
E o rouco, surdo som, zumbindo na cafurna,
é o urucungo a gemer, na cadência do jongo...

Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos
a grandeza real de tudo quanto temos!
Sonha em paz! Sê feliz! E que eu fique de joelhos,

sob o fúlgido céu, a relembrar, magoado,
que os frutos do café são glóbulos vermelhos
do sangue que escorreu do negro escravizado!



SER MÃE
Coelho Neto
 Maranhão (1864-1934)

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração! Ser mãe é, ter no alheio
lábio, que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, onde o amor cantando vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra,
sobre um berço dormindo! É ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra!

Todo bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
luz que lhe põe nos olhos novo brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!...



ACROBATA DA DOR
Cruz e Sousa
Santa Catarina (1861-1898)

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço que, desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

De gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos e, convulsionado,
salta, gavroche, salta, "clown", varado
pelo estertor dessa agonia lenta.

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas de aço.

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri, Coração, tristíssimo palhaço!



AMOR MATERNO
Cyridião Durval
Alagoas (1860-1895)

Isaura, a mais cruel de todas as perdidas,
entre os braços de Fausto, o mísero rapaz,
disse um dia a sorrir: "Quem ama tudo faz...
Exijo deste amor as provas decididas".

"Pede tudo, mulher, se queres destruídas
as dúvidas que tens; ordena e então verás
se tenho amor ou não: de tudo eu sou capaz...
Por ti arrancarei milhões, milhões de vidas'

E a Dalila soltou estrídula risada...
Disse a Fausto: "Pois bem, se tu não temes nada,
quero de tua mãe tragar o coração!"

E o louco foi buscar... De volta, no caminho,
tropeçou e caiu. . . Disseram-lhe baixinho:
'Magoaste-te, meu filho?... Aceita o meu perdão!"



SAUDADE
Da Costa e Silva
Piauí (1885-1950)

Saudade! Olhar de minha mãe rezando,
e o pranto lento deslizando em fio...
Saudade! Amor da minha terra... O rio
cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho... O caboré com frio,
ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...
E, ao vento, as folhas lívidas cantando
a saudade imortal de um sol de estio.

Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento...
As mortalhas de névoa sobre a serra...

Saudade! O Parnaiba velho monge
as barbas brancas alongando... E, ao longe,
o mugido dos bois da minha terra...



ATO DE CARIDADE
Djalma Andrade
Minas Gerais (1894-1975)

Que eu faça o bem e de tal modo o faça,
que ninguém saiba o quanto me custou.
Mãe, espero de Ti mais esta graça:
que eu seja bom, sem parecer que o sou.

Que o pouco que me dês, me satisfaça
e, se do pouco mesmo, algum sobrou,
que eu leve esta migalha onde a desgraça
inesperadamente penetrou.

Que a minha mesa, a mais, tenha um talher,
que será, minha Mãe, Senhora Nossa,
para o pobre faminto que vier.

Que eu transponha tropeços e embaraços:
que eu não coma, sozinho, o pão que possa
ser partido, por mim, em dois pedaços!



NOITE DE INSÔNIA
Emílio de Menezes
Paraná (1867-1918)

Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,
onde este grande amor floriu, sincero e justo,
e unimos, ambos nós, o peito contra o peito,
ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;

este leito que aí está revolto assim, desfeito,
onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto,
na ausência do teu corpo a que ele estava afeito.
mudou-se, para mim, num leito de Procusto!..,

Louco e só! Desvairado! A noite vai sem termo
e, estendendo, lá fora, as sombras augurais,
envolve a Natureza e penetra o meu ermo.

E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais.
quanto me punge e corta o coração enfermo,
este horrível temor de que não voltes mais!...



ESTRANHAS LÁGRIMAS
Félix Pacheco
Piauí (1879-1935)

Lágrimas... Noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto, como agora.
Alma, dizia então comigo, chora,
que o pranto diminui as agonias.

Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
por mal do meu amor, que se ia embora.
gota a gota, rolando, elas, outrora,
marcaram noites e marcaram dias!

Vinham do oceano da alma, imenso e fundo,
ondas de angústia, em suspiroso arranco,
numa desesperança acerba e louca.

Nos olhos, hoje, as lágrimas estanco,
mas rolam todas, sem que as veja o mundo,
sob a forma de risos, pela boca.
  
  
ESTUDO ANATÔMICO
Fontoura Xavier
 Rio Grande do Sul (1856-1922)

Entrei no anfiteatro da ciência,
atraído por mera fantasia,
e aprouve-me estudar Anatomia,
por dar um novo pasto à inteligência.

Discorria com toda a sapiência
o lente, numa mesa onde jazia
uma imóvel matéria, úmida e fria,
a que outrora animara humana essência.

Fora uma meretriz; o rosto belo
pude tímido olhá-lo com respeito
por entre as negras ondas de cabelo.

A convite do lente, contrafeito,
rasguei-a com a ponta do escalpelo
e não vi coração dentro do peito!



MORRER... DORMIR...
Francisco Otaviano
Rio de Janeiro (1825-1889)

Morrer... dormir... não mais! Termina a vida
e com ela terminam nossas dores:
um punhado de terra, algumas flores,
e às vezes uma lágrima fingida!

Sim! Minha morte não será sentida;
não deixo amigos, e nem tive amores,
ou, se os tive, mostraram-se traidores,
algozes vis de uma alma consumida.

Tudo é pobre no mundo. Que me importa
que ele amanhã se esb'roe e que desabe,
se a natureza para mim é morta!

É tempo já que o meu exílio acabe...
Vem, pois, ó Morte, ao nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?



BEIJOS
Guilherme de Almeida
São Paulo (1890-1969)

Não queres que eu te beije! E o beijo é a própria vida:
a invenção mais divina e humana do Senhor;
é o fogo em que se abrasa uma alma a outra alma unida;
é o prólogo e também o epílogo do amor!

A lua beija o mar, nas ondas refletida;
o sol, beijando o céu, reveste-o de esplendor;
num beijo o orvalho alenta a planta emurchecida,
e a borboleta suga o mel beijando a flor...

Deixa que o meu amor expanda os seus desejos,
beijando os lábios teus sem nunca se fartar!
Chega ao meu coração, escuta-lhe os latejos!

A boca perfumada, ó deixa-me beijar!
Porque somente amando é que se trocam beijos
e porque só beijando é que se aprende a amar!



LONGE DA VISTA
Guilherme de Almeida
São Paulo (1890-1969)

Vou partir, vais ficar. "Longe da vista,
longe do coração" diz o ditado.
Basta, porém, que o nosso amor exista,
para que eu parta e fiques sem cuidado.

Dentro em mim mesmo, o coração egoísta,
quanto mais longe, mais te quer ao lado;
tanto mais te ama, quanto mais te avista
e, antes de ver-te, já te havia amado.

Vou partir. Para longe? Para perto?
Não sei: longe de ti tudo é deserto
e todas as distâncias são iguais.

Como eu quisera que, na despedida,
quando se unissem nossas mãos, querida,
nunca pudessem desunir-se mais!



TEU LENÇO
Guimarães Passos
Alagoas (1867-1909)

Esse teu lenço, que possuo e aperto
de encontro ao peito, quando durmo, creio
que hei-de, um dia, mandar-to, pois roubei-o
e foi meu crime, em breve, descoberto.

Luto, contudo, a procurar quem certo
possa nisto servir-me de correio;
tu nem calculas qual o meu receio
se, em caminho, te fosse o lenço aberto...

Porém, ó minha vivida quimera,
fita as bandas que habito; fita e espera,
que, enfim, verás, em trêmulos adejos,

em cada ponta um beija-flor pegando,
ir o teu lenço pelo espaço voando,
pando, enfunado, côncavo de beijos!



SOLENEMENTE
Hermes Fontes
Sergipe (1888-1930)

Juro por tudo quanto é jura... juro
por mim, por ti, por nós, por Jesus Cristo,
que hei-de esquecer-te! Vês? Estou seguro
contra o teu sólio, a cuja queda assisto.

E, visto que duvidas tanto, visto
que ris do que, solene, te asseguro,
juro mais: pelo ser em que consisto,
por meu passado, pelo teu futuro!

Pela Virgem Maria concebida,
pelas venturas de que vou no encalço,
por minha vida, pela tua vida...

Juro por tudo o que mais amo e exalço!
E depois de uma jura tão comprida,
juro... juro que estou jurando falso!!...



BUENA-DICHA
Hermes Fontes
Sergipe (1888-1930)

Olhou-me a pitonisa, olhou-me e disse:
"Brilharás. Amarás. E sofrerás".
Eu ia, então, na minha meninice
inquieta, há cerca de vintênio atrás.

E, tal se por sabê-lo, eu antevisse
o predestino esplêndido e mendaz,
quis brilhar, quis amar... quis que a Velhice
não me recriminasse de ações más.

Para brilhar busquei a glória, na arte.
Para amar procurei o bem no afeto.
Para sofrer levei a Cruz e o Andor.

Mas a glória falhou. Por sua parte,
mentiu-me o Amor, tudo mentiu... exceto
a doce mãe dos imortais a Dor!



SANTA
Hermeto Lima
Pará (1875-1947)

Essa que passa por aí, senhores,
de olhos castanhos e fidalgo porte,
é a princesa ideal dos meus amores,
a mais franzina pérola do Norte.

Contam que, numa noite de esplendores,
a essa que esmaga o coração mais forte
hinos cantaram e jogaram flores
as estrelas, em mágico transporte.

Acreditais, talvez, ser fantasia!...
Eu vos direi que não... Em certo dia,
quando ela entrou na festival capela,

eu vi a Virgem mergulhada em pranto,
e o Cristo de Marfim fitá-la tanto,
como se fosse apaixonado dela!



DE VOLTA
Jayme Guimarães
Rio de Janeiro (1873-...)

Fomos... E quem nos visse pensaria:
Que almas felizes! que casal ditoso!
Como ele vai a estremecer de gozo!
E ela, como é formosa! que alegria!

Voltei sozinho e ao meu passar ouvia:
Que olhar magoado!... Como vai choroso!
E uma voz que sangrou meu peito ansioso:
Louco daquele que no Amor confia!

Falena! a luz de um riso eis-te perdido!
Foste cheio de Fé, voltas descrido,
e o desengano teu caminho junca...

"Hás de esquecê-la"! ouvi dizer ao lado...
Meu coração responde, estrangulado:
Odiá-la, sim, mas esquecê-la, nunca!



       O ACENDEDOR DE LAMPIÕES
Jorge de Lima
Alagoas (1895-1953)

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Esse mesmo que vem, invariavelmente,
parodiar o sol e associar-se à lua,
quando a sombra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões acende e continua
outros mais a acender, imperturbavelmente,
à medida que a noite, aos poucos, se acentua
e a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita!
Ele, que doura a noite e ilumina a cidade,
talvez não tenha luz na choupana que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
crenças, religião, amor, felicidade,
como esse acendedor de lampiões da rua!



OS CISNES
Júlio Salusse
Bom Jardim, RJ (1872-1948)

A vida, manso lago azul, algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido, para nós, constantemente,
um lago azul, sem ondas, sem espumas.

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
matinais, rompe um sol vermelho e quente,
nós dois vagamos, indolentemente,
como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia, um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
no lago, onde talvez a água se tisne,

que o cisne vivo, cheio de saudade,
nunca mais cante, nem sozinho nade,
nem nade nunca ao lado de outro cisne!...


O CANHÃO
Luiz Carlos
 Rio de Janeiro (1880-1932)

Guardando uma expressão de austera indiferença
por tudo que o circunda, atento no Infinito,
queda-se a meditar no destino maldito,
que prende a sua glória a uma tragédia imensa.

Não há poder algum que tão de vez convença:
traz sempre a boca aberta a sugerir um grito,
deixando, em toda a parte, um pânico inaudito,
sinistro núncio, que é, da máxima sentença.

Mal resiste no peso ao bélico transporte,
na inversão do seu fim, como que, por encanto,
lembrando um condenado a rastros para a morte.

E parece, afinal, compenetrar-se tanto
do seu delito atroz, que, em repulsão mais forte,
quando atira, recua, enchendo-se de espanto!



 CADÁVER DE VIRGEM
Luiz Delfino
Santa Catarina (1834-1910)

Estava no caixão, como num leito.
palidamente fria e adormecida:
as mãos cruzadas sobre o casto peito,
e, em cada olhar sem luz, um sol sem vida.

Pés atados com fita em nó perfeito,
de roupas alvas de cetim vestida;
o torso duro, rígido, direito,
a face calma, lânguida, abatida...

O diadema das virgens sobre a testa,
níveo lírio entre as mãos, toda enfeitada,
mas como noiva, que cansou da festa...

Por seis cavalos brancos arrancada...
Onde irás tu dormir a longa sesta
na mole cama em que te vi deitada?!...



OLHOS TRISTES
Luiz Edmundo
Rio de Janeiro (1878-1961)

Olhos tristes, que são como dois sóis num poente,
cansados de luzir, cansados de girar;
olhos de quem andou na vida, alegremente,
para depois sofrer, para depois chorar...

Andam neles agora, a vagar, lentamente,
como as velas das naus sobre as águas do mar,
todas as ilusões do vosso sonho ardente...
Olhos tristes, vós sois dois monges a rezar.

Ouço, ao ver-vos assim, tão cheios de humildade,
marinheiros cantando a canção da saudade,
num coro de tristeza e de infinitos ais...

Olhos tristes, eu sei vossa história sombria,
e sei quanto chorais, cheios de nostalgia,
o sonho que passou e que não torna mais!



OLHOS ALEGRES
Luiz Edmundo
Rio de Janeiro (1878-1961)

Há uma lágrima, sempre, atenta em nossos olhos:
branca, redonda, clara, adamantina, pura;
e, assim como no mar os traiçoeiros escolhos,
ela, escondida, a flor das pálpebras procura.

E, aí fica parada; os íntimos refolhos
da nossa alma reflete, e, quando uma ventura
em riso nos entreabre os lábios, com doçura,
ela, a lágrima, fica a nos tremer nos olhos.

Tu, que és moça e que ris, e não sabes da mágoa
do mundo, tem cuidado! Olha essa gota d'água;
se não queres, da vida, achar-te entre os abrolhos,

ri, mas ri devagar, que a lágrima traiçoeira,
talvez, vendo-te rir assim, dessa maneira,
trema e caia, afinal, um dia dos teus olhos!



VISITA À CASA PATERNA
Luiz Guimarães Júnior
Rio de Janeiro (1845-1898)

Como a ave que volta ao ninho antigo,
depois de um longo e tenebroso inverno,
eu quis também rever o lar paterno,
o meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
o fantasma, talvez, do amor materno,
tomou-me as mãos, olhou-me grave e terno,
e, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala... (O se me lembro! e quanto!)
em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto

jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
chorava em cada canto uma saudade...



BILHETE DE DOENTE
Luiz Pistarini
Resende, RJ (1877-1918)

Recebi, minha flor, com muito agrado,
o mimo e mais os beijos, que agradeço;
beijos... de longe, que outros não mereço,
principalmente neste triste estado!

Ah! nem sabes, talvez, quanto padeço!
Mas, vivo agora tão desalentado,
que, com o mínimo excesso, empalideço,
desmaio e tombo, exânime e prostrado...

Não me visites, pois. Não! Tem paciência!
Ninguém resiste à tentação que adora,
e o doutor me proíbe essa imprudência...

Perdoa; mas, dispenso-te a visita:
Para quem sofre, como eu sofro agora,
faz muito mal uma mulher bonita!



CÍRCULO VICIOSO
Machado de Assis
Rio de Janeiro (1839-1908)

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loura estrela
que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

"Pudesse eu copiar o transparente lume
que, da grega coluna à gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

"Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

"Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"



FORMOSA
Maciel Monteiro
Pernambuco (1804-1868)

Formosa, qual pincel em tela fina
debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
formosa, qual jamais desabrochara
na primavera a rosa purpurina;

formosa, qual se a própria mão divina
lhe alinhara o contorno e a forma rara;
formosa, qual no céu jamais brilhara
astro gentil, estrela peregrina;

formosa, qual se a natureza e a arte,
dando as mãos em seus dons, em seus lavores,
jamais pôde imitar no todo ou parte;

mulher celeste, ó anjo de primores!
Quem pode ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode amar-te, sem morrer de amores?!



SUAVE CAMINHO
Mário Pederneiras
Rio de Janeiro (1868-1915)

Assim... Ambos assim, no mesmo passo,
iremos percorrendo a mesma estrada;
tu no meu braço trêmulo amparada,
eu amparado no teu lindo braço.

Ligados neste arrimo, embora escasso,
venceremos as urzes da jornada.
E tu te sentirás menos cansada,
e eu menos sentirei o meu cansaço.

E, assim, ligados pelos bens supremos,
que para mim o teu carinho trouxe,
placidamente pela vida iremos,

calcando mágoas, afastando espinhos.
como se a escarpa desta vida fosse
o mais suave de todos os caminhos.



O SONHO DOS SONHOS
Múcio Teixeira
Rio Grande do Sul (1858-1926)

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
mais sinto ter passado distraído,
por tanto bem tão mal compreendido,
por tanto mal tão bem recompensado!...

Em vão relanço o meu olhar cansado
pelo sombrio espaço percorrido:
andei tanto em tão pouco... e já perdido
vejo tudo o que vi, sem ter olhado.

E assim prossigo, sempre audaz e errante,
vendo o que mais procuro mais distante,
sem ter nada de tudo que já tive...

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
mais julgo a vida o sonho mal sonhado
de quem nem sonha que a sonhar se vive!...



ÚNICA
Nilo Bruzzi
Minas Gerais (1897-1976)

No turbilhão da vida quotidiana,
há sempre um rosto oculto de mulher...
Há, no tumulto da existência humana,
alguém que a gente quis e que ainda quer...

E, numa sede de paixão insana,
cego e humilhado, aceita outra qualquer,
mas sem íntimo ardor, de alma profana,
porque a alma nem acordará sequer...

E vão passando assim, uma por uma,
mulheres e mulheres, como vieram,
sem depois despertar saudade alguma...

Triste de quem, como eu, vê que, infeliz.
teve todas aquelas que o quiseram.
mas nunca teve Aquela que ele quis!...



OUVIR ESTRELAS
Olavo Bilac
 Rio de Janeiro (1865-1918)

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
que, para ouvi-las, muita vez desperto
e abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
a Via-Láctea, como um pálio aberto,
cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi. "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e de entender estrelas".


VIRGENS MORTAS
Olavo Bilac
Rio de Janeiro (1865-1918)

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
nova, no velho engaste azul do firmamento:
e a alma da que morreu, de momento em momento,
na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
do campo, conversais a sós, quando anoitece,
cuidado! o que dizeis, como um rumor de prece,
vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais com a boca transbordando
de beijos, perturbando o campo sossegado
e o casto coração das flores inflamando,

piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
das que viveram sós, das que morreram puras!



O ENTERRO DA CIGARRA
Olegário Mariano
Pernambuco (1889-1958)

As formigas levavam-na... Chovia...
Era o fim... Triste outono fumarento!...
Perto, uma fonte, em suave movimento,
cantigas de água trêmula carpia.

Quando eu a conheci, ela trazia
na voz um triste e doloroso acento.
Era a cigarra de maior talento,
mais cantadeira desta freguesia.

Passa o cortejo entre árvores amigas...
Que tristeza nas folhas... Que tristeza!
Que alegria nos olhos das formigas!...

Pobre cigarra! Quando te levavam,
enquanto te chorava a Natureza,
tuas irmãs e tua mãe cantavam...



QUEM TINHA VINDO PARA SER ESCRAVA...
Onestaldo de Pennafort
Caldas, RJ (1902-1987)

Ela chegou, chegou-se a mim... E disse
que tinha vindo para ser escrava.
E eu respondi-lhe que era uma tolice
aquela frase que ela murmurava.

Lembrei-lhe a triste história de Belkiss...
E ela, sem dar ouvido ao que escutava,
fechou os olhos... E, num beijo, disse
que tinha vindo para ser escrava.

E eu, num gesto de pura maluquice,
ao vê-la assim tão cheia de meiguice,
abri os braços para a que chegava,

sem pressentir que, por desgraça minha,
do meu destino ia ficar rainha
quem tinha vindo para ser escrava.



TERRA DO BRASIL
Pedro de Alcântara (D. Pedro II)
Rio de Janeiro, 1825
Paris, 1891

Espavorida agita-se a criança,
de noturnos fantasmas com receio,
mas se abrigo lhe dá materno seio,
fecha os doridos olhos e descansa.

Perdida é para mim toda a esperança
de volver ao Brasil; de lá me veio
um pugilo de terra: e nesta creio
brando será meu sono e sem tardança.

Qual o infante a dormir em peito amigo,
tristes sombras varrendo da memória,
ó doce Pátria, sonharei contigo!

E entre visões de paz, de luz, de glória,
sereno aguardarei no meu jazigo
a justiça de Deus na voz da história!



OS BEIJA-FLORES
Quintino da Cunha
 Ceará (1875-1943)

Dizem que os colibris são beija-flores,
que as flores beijam cariciosamente!
Aqui os vejo, nesta árvore frondente,
a mais florida desses arredores.

Fingem que as beijam, mas de enganadores,
nesse adejar sutil e permanente,
furtam-lhes, sábia e cautelosamente,
o néctar, como a luz lhes furta as cores.

A falarmos diríamos: é triste
a vida de quem vive porque existe...
Mas as flores diriam, se falassem:

Inda estamos por ver, sem que outros vissem,
lábios que de beijar não se iludissem,
nem olhos que de olhar não se enganassem.



AS POMBAS
Raimundo Correia
Maranhão (1860-1911)

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
de pombas vão-se dos pombais, apenas
raia, sanguínea e fresca, a madrugada...

E, à tarde, quando a rígida nortada
sopra, aos pombais, de novo, elas, serenas,
ruflando as asas, sacudindo as penas,
voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações, onde abotoam,
os sonhos, um por um, céleres voam,
como voam as pombas dos pombais;

no azul da adolescência as asas soltam,
fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
e eles aos corações não voltam mais!...



MAL SECRETO
Raimundo Correia
Maranhão (1860-1911)

Se a cólera que espuma, a dor que mora
nalma, e destrói cada ilusão que nasce,
tudo o que punge, tudo o que devora
o coração, no rosto se estampasse;

se se pudesse o espírito que chora
ver através da máscara da face,
quanta gente, talvez, que inveja agora
nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
guarda um atroz, recôndito inimigo,
como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
cuja ventura única consiste
em parecer aos outros venturosa!

  

INGRATIDÃO
Raul de Leoni
Petrópolis, RJ (1895-1926)

Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
e, em meu velho quintal, ao sol-nascente,
plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu.., cresceu ... e, aos poucos, suavemente,
pendeu os ramos sobre um muro em frente
e foi frutificar na vizinhança...

Daí por diante, pela vida inteira,
todas as grandes árvores que em minhas
terras, num sonho esplêndido semeio,

como aquela magnífica amendoeira,
eflorescem nas chácaras vizinhas
e vão dar frutos no pomar alheio...



HISTÓRIA ANTIGA
Raul de Leoni
Petrópolis, RJ (1895-1926)

No meu grande otimismo de inocente,
eu nunca soube porque foi... Um dia,
ela me olhou indiferentemente;
perguntei-lhe por que era... Não sabia...

Desde então, transformou-se, de repente,
a nossa intimidade correntia
em saudações de simples cortesia
e a vida foi andando para a frente...

Nunca mais nos falamos.., vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
em que seu mudo olhar no meu repousa...

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
mas que é tarde demais para dizê-la...



PERFEIÇÃO
Raul de Leoni
Petrópolis, RJ (1895-1926)

Nascemos um para o outro, dessa argila
de que são feitas as criaturas raras;
tens legendas pagãs nas carnes claras,
e eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heróicas te comparas
e em mim a luz olímpica cintila.
Gritam em nós todas as nobres taras
daquela Grécia esplêndida e tranqüila.

É tanta a glória que nos encaminha
em nosso amor de seleção profundo,
que (ouço de longe o oráculo de Elêusis)

se, um dia, eu fosse teu e fosses minha.
o nosso amor conceberia um mundo
e do teu ventre nasceriam deuses.



LÁGRIMAS DE CERA
Raul Machado
Paraíba (1891-1954)

Quando Estela morreu, choravam tanto!
Chovia tanto nessa madrugada!
Era o pranto dos seus, casado ao pranto
da Natureza mãe desventurada!

Ninguém podia ver-lhe o rosto santo,
a fronte nívea, a pálpebra cerrada,
que não sentisse, logo, em cada canto
dos olhos, uma lágrima engastada!

Ai! Não credes, bem sei, porque não vistes!
Mas, quando ela morreu, chorava tudo!
Até dois círios, lânguidos e tristes,

acendidos á sua cabeceira.
iam chorando, no seu pranto mudo.
um rosário de lágrimas de cera!



AMOR DE FILHA
SEGUNDO WANDERLEY
Rio Grande do Norte (1860-1909)

Um pobre velho, não importa o nome,
por um crime, talvez, crime de Estado,
foi entregue à Justiça e condenado
à dura sorte de morrer de fome.

Mas rigores não há que amor não dome...
A visitar o pai encarcerado,
pede a filha, e consegue, ao Magistrado
que se condói da mágoa que a consome.

Volve um dia, mais outro e outro ainda,
mas, apesar do bárbaro tormento,
do delinqüente a vida não se finda...

Rasgo de amor que as almas maravilha:
O pai hauria o seu estranho alento
nos fartos seios da extremosa filha!



VELHO TEMA (1)
Vicente de Carvalho
São Paulo (1866-1924)

Só a leve esperança, em toda a vida,
disfarça a pena de viver; mais nada.
Nem é mais a existência, resumida,
que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
sonho que a traz ansiosa e embevecida,
é uma hora feliz sempre adiada
e que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
árvore milagrosa, que sonhamos
toda arreada de dourados pomos,

existe, sim, mas nós não a alcançamos,
porque está apenas onde nós a pomos
e nunca a pomos onde nós estamos.










(Das páginas 791 a 827 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto, de Vasco de Castro Lima) 

3 comentários:

  1. Uma pena...o mundo evoluiu...mas evoluçào não é sinonimo de melhoria.
    Já ...pela atribulação própria da vida hodierna, a coisas que remetem à inteligencia perderam o valor...pela mesma incapacidade das juventudes mal ilustradas em entende-las.

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  2. Juventude afundada na ignorância fruto da falência do ensino tanto público quanto privado. Lamentável perceber e entender o quanto esta ignorância faz parte da manutenção do sistema político para o enriquecimento de poucos bem como garantir a estes a continuidade no Poder. Tempos sombrios...onde a ignorância é aplaudida...luta se pelo direito das minorias em um cenário no qual a maioria não entende o que lê. Elite podre...que hoje não sai das duas mansões e residem em outros países, explorando o nosso povo mal remunerado...sobrevivendo a maior parte em guetos sem sequer saneamento básico. Atualidade vergonhosa...sem amor ao próximo..na qual a banalização da violência projeta a desumanização latente. Oremos por um futuro mais digno.

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  3. Soneto ao Soneto

    Teu jeito, teu encanto, a harmonia...
    Tu és minha paixão; tu és meu tudo;
    Tu tens tanta beleza e poesia,
    Na perfeição, na forma e conteúdo.

    Quero viver contigo a cada dia;
    Não permitir jamais que fiques mudo;
    Eu quero te compor com maestria
    Com todo o meu saber e meu estudo.

    Todo esse teu lirismo é uma cantiga
    E o som bem ritmado é oriundo,
    Da musicalidade resumida.

    Tu és meu sentimento mais profundo;
    A inspiração que envolve a minha vida;
    A chave que abre as portas do meu mundo.

    Hélio Cabral Filho

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