O Soneto Brasileiro Através dos
Movimentos Literários
As primeiras manifestações literárias do
Brasil-Colônia sofreram, logicamente, a influência do quinhentismo português e
do seiscentismo peninsular. O quinhentismo, com o classicismo da Renascença; e
o seiscentismo, com o Barroco.
Impôs-se, na poesia a princípio escrita no
Brasil, o modelo camoniano, que encontrou seguidores em Bento Teixeira, na
Escola Baiana, nas chamadas Academias Literárias e até, de certa maneira, no
Arcadismo.
O Gongorismo também se fez presente por
aqui, mas o Barroco foi o estilo que maior identificação demonstrou com a
realidade brasileira dos três primeiros séculos. Aliás, de acordo com a opinião
idônea de Afrânio Coutinho, "a literatura nasceu no Brasil sob o signo do
Barroco".
Podemos dizer que a poesia barroca chegou a
alcançar o ano de 1768, quando foram publicadas as "Obras" de Cláudio
Manuel da Costa, o primeiro neoclássico da literatura brasileira.
À literatura barroca do Brasil-Colonial,
seguiu-se o Arcadismo, de origem italiana, reação contra os abusos do
gongorismo. Na sua primeira fase, haviam eclodido núcleos literários em
Salvador, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Vila-Rica. Gonzaga, poeta da
Arcádia, pode ser considerado, já, um dos precursores da escola seguinte, o
Romantismo.
Apesar de tudo isso, ainda não chegara a
época de criarmos uma literatura
realmente nacional. Compreende-se que a emancipação intelectual não poderia
despontar senão após a emancipação política. Basta dizer que, até a transladação
da Corte Portuguesa para o Brasil, era proibida qualquer tentativa de imprensa
local, como também proibida era a instalação de estudos superiores. Incontestável,
pois, nossa menoridade, também nesse terreno.
A partir do acontecimento histórico, que
foi a nossa emancipação política, as coisas passaram a mudar.
Retroagindo um pouco na marcha do tempo,
vamos verificar que D. João VI (1767-1826) assumira a Regência do Reino de
Portugal em 1792, quando do impedimento da mãe (D. Maria I), atacada de
loucura.
Quinze anos depois, tropas de Napoleão
Bonaparte, comandadas por Junot, invadiram Lisboa; e no mesmo instante, a 29 de
novembro de 1807, a família real portuguesa, a conselho de seus aliados
ingleses, estava embarcando para o Brasil.
Em Portugal continuaram as lutas, novas
invasões, regências, revoltas, cujos detalhes não cabem aqui.
D. João VI instalou no Brasil a sede do
Império português. Como providências iniciais, declarou livres os portos e as
indústrias; abriu, no Rio de Janeiro, uma cátedra de Retórica, sendo seu
primeiro mestre Silva Alvarenga; e também instituiu uma cátedra de Economia
Política, sob a direção de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu. Aliás,
foi Cairu quem inspirou o decreto de abertura dos portos às nações amigas, em
23 de janeiro de 1808. Tomou, ainda, outras medidas importantes, como a
constituição de tribunais, bancos, escolas, a Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro, Jardim Botânico, biblioteca real, imprensa régia, consolidação das
fronteiras...
Outro indício de nova fase cultural foi,
sem dúvida, a vinda, ao Brasil, em 1816, de uma missão de artistas plásticos,
arquitetos, pintores e artífices franceses.
Por carta de lei de 16 de dezembro de 1815,
elevou o Brasil à categoria de reino.
Não obstante, só em 6 de fevereiro de 1818, retardado por várias razões,
inclusive a Revolução Pernambucana (1817), D. João VI foi coroado com o título
de soberano do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.
Estava separado de Carlota Joaquina, que
tentou, em vão, derrubá-lo do poder no Brasil, ambicionando ser Rainha de
Espanha e Imperatriz das Américas Espanholas.
Após a revolução do Porto (1820), voltou D. João VI a Lisboa,
com a família, deixando apenas o príncipe D. Pedro, herdeiro do trono português
e regente no Brasil.
O fato mais importante de todos aqueles que
decorreram da fuga da família real para o Brasil, foi, sem qualquer dúvida, a
independência de nossa Pátria, em 1822.
Era a realização de amargurados sonhos e a
cristalização dos sacrifícios cruentos de patriotas que lutaram e morreram
antes daquela data, acreditando muito na liberdade e no futuro de um grande
povo.
Para com o estuante e generoso Pedro I —
posto de lado o que haja feito, ou não, no governo — o Brasil tem uma dívida de gratidão eterna.
A proclamação da independência do Brasil só
foi reconhecida pelo tratado de 29 de agosto de 1825, assinado em Lisboa por D.
João VI.
Começou a florescer, no Brasil, já prevista
nos fins do século XVIII, uma nova vida política, econômica e intelectual.
Veio, portanto, o Romantismo, precedido de
um sentimento nacionalista.
Entre nós, esse movimento não foi uma
reação ao Clássico, que, a rigor, não existia no Brasil; e sim, muito mais, um
movimento que se propunha a nacionalizar a literatura, com a primazia da
sensibilidade sobre a razão.
Passou a ser inevitável a transformação da
língua. E, diga-se, o idioma de Camões, com a sua beleza e a sua tradição, em
nada perdeu ao interpretar o sentimento genuinamente brasileiro.
Muita razão tinha Rodrigues Lobo ao
sustentar que "o nosso belo idioma tem de todas as línguas o melhor: a
pronunciação da latina, a origem da grega, a familiaridade da castelhana, a
brandura da francesa, a elegância da italiana".
E Almeida Garret achava que "a língua
portuguesa a todo estilo se presta, pela singeleza do seu dizer, pela malícia,
popular e mordente, dos seus recursos".
Nossos ancestrais nos transmitiram a língua
mais formosa do mundo. Então, já era tempo de começarmos a edificar, com ela,
uma literatura própria.
"Um povo sem literatura — diz Ronald de Carvalho— seria,
naturalmente, um povo mudo, sem tradições e sem passado, fadado a desaparecer
como reles planta nascida para ser pisada".
O Romantismo teve a sua época de triunfos
inolvidáveis. E, curiosamente, permaneceu vivo no âmago de todas as escolas e
movimentos que o sucederam.
Mas... a certa altura, principiaram a vir à
tona inúmeras opiniões, segundo as quais havia, o Romantismo, atingido o seu
ponto de saturação. Para isso, influiu, inclusive, a situação política do país,
criada, principalmente, pelas conseqüências da guerra do Paraguai, pela marcha
do abolicionismo e pelos pruridos republicanos.
As idéias revolucionárias, enaltecendo a
"união da arte com a ciência", pregadas por Taine, Leconte de Lisle e
outros, já se difundiam no Brasil.
Era o Parnasianismo, que se nos oferecia
com uma constelação brilhante de valores, notadamente poetas, buscando o apuro
na forma, na linguagem, na estrutura do verso e na rima perfeita.
Depois... o princípio estético dos
parnasianos também cansou; e veio, então, o Simbolismo — expressão do
pensamento por meio de símbolos — com uma singularidade: muitos poetas misturavam
simbolismo com parnasianismo e com romantismo, excursionando muito à vontade
pelas diversas escolas.
A época do Simbolismo passou, igualmente, e
despontaram, após ele e antes do chamado Modernismo, intelectuais de grande
significação, que podemos classificar de "indefiníveis".
Houve, por fim, aqueles poetas que
preferiram caminhar, resolutos, para direção inteiramente nova. E apareceram,
destacadamente, os "Modernistas", sem qualquer
compromisso com as escolas do passado.
*
Deixemos, porém, este resumo histórico para
entrarmos numa análise rápida, porém objetiva, do que foi o Soneto no Brasil,
através das Escolas Literárias.
Alguns dos sonetos que transcreveremos no
decorrer do presente capítulo não correspondem, de maneira integral, à
classificação dos seus autores dentro deste ou daquele movimento. Enunciamos,
apenas em princípio, a escola à sombra da qual o poeta predominantemente
escreveu, e à qual esteve mais ligado, pelo estilo e pelo pensamento. Filiado
ou supostamente filiado a uma escola, não raras vezes foge às principais
características da mesma, e isto ressaltamos no início do livro.
Cada soneto aqui apresentado é, pois, o
fragmento de uma obra.
Muitos dos poetas lembrados por nós
cultivaram, também, outros gêneros, inclusive o épico, ou foram prosadores de
alta categoria, artistas de várias facetas literárias. Mas, o que nos interessou
especificamente, resumiu-se na escolha de seus sonetos.
Serão encontrados autores de sonetos
perfeitos, que honram sobremaneira a invenção do imortal poema. Outrossim,
aparecem brunidores zelosos desta pedra rara, menos brilhantes, porém formando,
com os demais, um rosário de maravilhas, digno de admiração. Todos,
indispensáveis para dimensionar a história da evolução do soneto brasileiro.
Excepcionais, ou simplesmente bons
sonetistas, todos amaram o soneto e se distinguiram pela inspiração com que o
criaram e pela beleza interior que deram de si, para a concretização de seus sonhos
poéticos.
Nosso objetivo, neste compartimento da
obra, não é mostrar uma seleção dos maiores sonetos brasileiros, ou seja, de
todos aqueles que devam ser, porventura, considerados de primeira plana.
O que fazemos é desfiar os sonetos
"representativos" de cada época, ou de cada escola literária, mesmo
cientes de que, numa comparação global, não estariam, muitos, em condições de
se equiparar aos melhores de outras épocas, ou de outras escolas.
Não apreciamos, apenas, o soneto. Amamos a
poesia, onde quer que esteja, desde que realmente sincera.
São de Ronald de Carvalho estas palavras:
— "A verdadeira poesia nasce da boca
do povo, como a planta do solo agreste e virgem. É ele o grande criador,
sincero e espontâneo, das epopéias nacionais, aquele que inspira os artistas,
anima os guerreiros e dirige os destinos da pátria. Dos pastores do Himalaia
aos bardos gregos e romanos, no mundo antigo; dos trovadores e jograis, na
Idade Média, aos poetas das cortes e dos salões senhoriais, no Renascimento,
não variou o sentimento poético. Somente as formas se modificaram".
A poesia não é uma serva obsessiva do
soneto. Mas é dele, seguramente, uma fiel cortejadora.
Por ser, o soneto, uma síntese preciosa, só
os lídimos sonetistas, como diligentes ourives, podem lapidar, com mestria,
suas jóias. Nosso objetivo é mostrar essas jóias, portadoras' de mensagens
poéticas.
Temos, além disso, uma esperança: a de que
o espírito do filósofo helênico Pitágoras nos envie, lá das esferas misteriosas
em que se encontra, um sorriso magnânimo, de aprovação, envolvendo as palavras
sábias daquele seu conselho: — "Cala-te, ou dize alguma coisa mais
preciosa que o silêncio!". Preferimos não nos calar, porque temos,
realmente, algo a dizer, através da poesia, que pertence a todos.
Segundo Musset, "a poesia está na
alma, como o rouxinol nas ramagens".
(Das
páginas 511 a 515 de “O Mundo Maravilhoso
do
Soneto”, de Vasco de Castro Lima)
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