VAIDADE
Florbela
Espanca
Sonho
que sou a Poetisa eleita,
Aquela
que diz tudo e tudo sabe,
Que
tem a inspiração pura e perfeita,
Que
reúne num verso a imensidade!
Sonho
que um verso meu tem claridade
Para
encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo
aqueles que morrem de saudade!
Mesmo
os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho
que sou Alguém cá neste mundo …
Aquela
de saber vasto e profundo,
Aos
pés de quem a Terra anda curvada!
E
quando mais no céu eu vou sonhando,
E
quando mais no alto ando voando,
Acordo
do meu sonho … E não sou nada! …”
(in “Livro de
Mágoas)
MERGULHO(S)
Maria
João Brito de Sousa
"Sonho
que sou a Poetisa eleita",
A
que nunca desiste, nem se evade,
A
que quando se lê, nunca se aceita,
A
que só escreve em plena liberdade...
"Sonho
que um verso meu tem claridade"
Dessa
que tanto brilha e mal se enfeita,
Dessa
que toda é espontaneidade
E
que nunca se esconde de quem espreita...
"Sonho
que sou Alguém cá neste mundo (...)",
Que
encontro sempre o verso em que me afundo,
Que,
ao senti-lo, me rendo extasiada
"E
quanto mais no céu eu vou sonhando",
Mais
neste Tejo meu vou mergulhando,
Mais
sinto que fui sempre água salgada...
(Maria João Brito
de Sousa - 16.02.2016 - 13.04h
In "Almas
Gémeas", Euedito, 2016
CHARNECA
EM FLOR
Florbela
Espanca
Enche
o meu peito, num encanto mago,
O
frêmito das coisas dolorosas...
Sob
as urzes queimadas nascem rosas...
Nos
meus olhos as lágrimas apago...
Anseio!
Asas abertas! O que trago
Em
mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me
as palavras misteriosas
Que
perturbam meu ser como um afago!
E,
nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo
a minha mortalha, o meu burel,
E,
já não sou, Amor, Sóror Saudade...
Olhos
a arder em êxtases de amor,
Boca
a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou
a charneca rude a abrir em flor!
(in "Charneca
em Flor")
ABRINDO
EM FLOR
Maria
João Brito de Sousa)
"Enche
meu peito num encanto mago"
Um
rumor vago de ondas alterosas
E
afagam minhas mãos silenciosas
Um
verso que devolve o louco afago...
"Anseio!
Asas abertas! O que trago"
Dessas
cumplicidades amorosas?
O
frémito? O carinho? O mel das rosas
Que
afago?... afago mesmo, ou só divago?
"E
nesta febre ansiosa que me invade",
Que
acende em chamas cada grão da pele
Que
o verso acaricia, sem maldade,
"Olhos
a arder em êxtases de amor",
Beijando
a tinta, entrego-me ao papel,
Esqueço
a fraga gelada, abro-me em flor...
(Maria João Brito
de Sousa -25.02.2016 - 16.04h
In "Almas
Gémeas", Euedito, 2016)
DESEJOS
VÃOS
Florbela
Espanca
Eu
qu’ria ser o Mar d’altivo porte
Que
ri e canta, a vastidão imensa!
Eu
qu’ria ser a pedra que não pensa,
A
Pedra do caminho, rude e forte!
Eu
qu’ria ser o Sol, a luz intensa,
O
bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu
qu’ria ser a árvore tosca e densa
Que
ri do mundo vão e até da morte!
Mas
o Mar também chora de tristeza...
As
Árvores também, como quem reza,
Abrem,
aos Céus, os braços, como um crente!
E
o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,
Tem
lágrimas de sangue na agonia!
E
as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!..
(in "Livro de
Mágoas")
REFLEXÕES...
Maria
João Brito de Sousa
"Eu
queria ser o Mar d`altivo porte",
Sentir-me
a flutuar na vaga imensa
Que
se ergue prepotente, irada, tensa,
Pr`a
desfazer-se em espuma, num desnorte...
"Eu
queria ser o Sol, a luz intensa",
O
brilho luminoso, o raio forte
Que,
aceso, nos aquece e recompensa,
Mas
nos foge a seguir, tal como a sorte...
"Mas
o Mar também chora de tristeza",
Desfaz-se
a vaga em espuma e, sem surpresa,
Rende-se
à noite escura o astro ardente
"E
o Sol altivo e forte, ao fim dum dia",
Vai
concedendo à Lua a primazia
De
um brilhozinho suave e transparente...
(Maria João Brito
de Sousa - 09.02.2016 - 14.27h
In "Almas
Gémeas", Euedito, 2016)
A
MINHA DOR
Florbela
Espanca
A
minha Dor é um convento ideal,
Cheio
de claustros, sombras, arcarias,
Aonde
a pedra em convulsões sombrias
Tem
linhas dum requinte escultural.
Os
sinos têm dobres de agonias
Ao
gemer, comovidos, o seu mal...
E
todos têm sons de funeral
Ao
bater horas no correr dos dias...
A
minha Dor é um convento. Há lírios
Dum
roxo macerado de martírios,
Tão
belos como nunca os viu alguém!
Nesse
triste convento aonde eu moro,
Noites
e dias rezo e grito e choro,
E
ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
(In "Livro de
Mágoas")
Patrono:
Florbela Espanca
Académica:
Maria João Brito de Sousa
Cadeira:
06
MINHA
DOR, MINHA MUSA
Maria
João Brito de Sousa
("Dialogando"
com o soneto A MINHA DOR, de Florbela Espanca)
A
minha Dor, se às vezes me domina,
As
mais das vezes bate em retirada;
Diante
de um poema, vale um nada
Do
que me vale o verso que a fascina!
Minh`alma
- minha carne e minha sina -
Quando
por tanta dor desencantada,
Consuma-se
em soneto e, consumada,
Torna-se
a dor, menor, mais pequenina
E
se, em verdade, a Dor molda o meu mundo,
Também
a ela a moldo, se a confundo
Com
tão frontal estratégia e, já confusa,
Envergonha-se
e tenta-se esconder...
Quanto
daria a Dor para entender
Como
é que dela faço a minha Musa?
(Maria João Brito
de Sousa - 11.12.2016 - 10.10h)
SE
TU VIESSES VER-ME...
Florbela
Espanca
Se
tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
(in "Charneca em Flor")
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
(in "Charneca em Flor")
SE
TU SOUBESSES...
Maria
João Brito de Sousa
"Se
tu viesses ver-me hoje à tardinha"
E
entendesses que o pão da minha mesa,
Nem
sempre feito de água e de farinha,
Foi
cozido em fornalhas de incerteza...
"Quando
me lembra; esse sabor que tinha"
O
pão que me sobrava, o que à pobreza,
Matava
a fome e enchia da tristeza
De
não saberem de onde ou quando vinha...
"Se
tu viesses quando, linda e louca,"
Sondava
de olhos postos no meu Tejo
A
imensidão de um mar que nunca vi
"E
(é) como um cravo ao sol a minha boca",
Esquecida
de outro pão, pedia um beijo
E
a fome que então tinha era de ti...
(Maria João Brito
de Sousa - 17.02.2016 - 13.46h
In "Almas
Gémeas", Euedito, 2016)
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