Ronaldo Cunha Lima

(Ronaldo José da Cunha Lima) 
Guarabira, PB (1936-2012)


OS OLHOS DE NÓS DOIS
Ronaldo Cunha Lima

Que meus olhos te vejam todo dia,
em uma hora qualquer, qualquer momento,
como pode te ver meu pensamento
que por teu corpo, quando quer, vadia.

Que a minha boca encontre a ousadia
de beijar tua boca e que esse intento
aconteça suave como o vento,
despertando a paixão, que obsedia.

Que eu te veja e me veja novamente.
Nossos olhos, postados frente a frente,
talvez permitam amanhãs, depois.

Quem sabe, então, o teu olhar me veja
com o olhar de quem quer, de quem deseja
ver a vida com os olhos de nós dois.



SEREI NOITE
Ronaldo Cunha Lima

Busco caminhos. E que me conduzam
à presença distante e imaginada.
Esses caminhos que somente usam
os que procuram a mulher amada.

Como não sei qual foi a sua estrada
nossos caminhos, hoje, não se cruzam.
Mas recebo sinais que já acusam
que ela se escondeu pra ser achada.

Vou procurá-la nas manhãs da vida,
nas belas tardes, pois, mesmo escondida,
eu haverei de ouvir a sua fala.

Eu quero vê-la. Eu preciso vê-la
e se ela se esconder em alguma estrela
eu serei noite pra poder guardá-la.



RUA SOLIDÃO
Ronaldo Cunha Lima

O passado alfombra sombra que se aflora
e passo a passo junto a mim cultua
degredos e segredos de uma rua
que foi festiva e é silêncio agora.

Sombra que alenta o tempo e rememora
o debruar do amor que me insinua
a rua que em sonhos continua
sendo dela, que nela já não mora.

Paramos, sombra e eu, em seu portão.
À sombra a me lembrar nosso passado
e eu para vê-la e lhe pedir perdão.

Mas a casa é silêncio e negridão.
E sombra e eu, volvemos, lado a lado,
aos desandos da rua solidão.



QUE HORAS SÃO?
Ronaldo Cunha Lima

Ele esperou por ela e adormeceu
na contagem do tempo vida afora.
Já não recorda que ela foi embora,
já nem se lembra do que aconteceu.

Vive de olhar relógios. Não perdeu
a esperança de que, a qualquer hora,
sem mais tropeços e sem mais demora
ela volte a viver ao lado seu.

Enlouqueceu de vez, quando perdia
o encontro, que tanto lhe pedia,
pois faltou do relógio a precisão.

O instante exato agora o obsedia
e a quem passa, pergunta, todo dia:
— Amigo, por favor, que horas são?”

  

QUERO MORRER DE MANHÃ
Ronaldo Cunha Lima

Quero morrer de manhã, vendo as janelas
escancarando o sol, olhando a vida
despertar sem sinais de despedida,
sem o queixume sepulcral das velas.

Quero morrer liberto, sem tutelas,
sem registros do instante da partida.
Morrer, apenas, descansar da lida,
morrer sem sobressaltos, sem cautelas.

Que as horas sejam calmas, sejam belas,
que a praia amplie o verdejar das telas
que pintei nos meus olhos quando a vi.

Que o sol aqueça a vida lá de fora
no frio do meu rosto e, sendo aurora,
ninguém vai perceber que eu morri.
  


AS RUGAS DOS MEUS SONHOS
Ronaldo Cunha Lima

Essas rugas que trago no meu rosto
e o cansaço em meus olhos saudosistas,
não afetam meus sonhos memoristas
nem refletem razões de algum desgosto.

São marcas indeléveis do entreposto
do tempo, em contratempos alcovistas,
envolto em vultos de terminais conquistas,
que se foram nas sombras do sol-posto.

Em nada afetam de meu rosto as rugas,
nem meu perdido em mansas fugas,
a idade em meus sonhos não influi.

Se nas horas dos dias de crescer
eu sonhava com o queria ser,
hoje sonho em ter sido o que não fui.

  
AUSÊNCIA BREVE
Ronaldo Cunha Lima

Nada sei dessa angústia que me invade
desde que ela se foi, daquela hora
quando disse Até breve e foi embora
deixando um não-sei-quê de ansiedade.

A casa está menor, pela metade,
parece até que nela ninguém mora.
A rede, no terraço, lá de fora,
de quando em vez balança de saudade.

Nada sei de meus olhos de mendigo,
dessa doer sem doer, mas eu predigo
ser de coisa de feitiço ou de lundum.

Já não durmo, parece até castigo:
sinto sono e me deito e não consigo,
nessa cama de dois, faltando um.



ESPELHO MEU
Ronaldo Cunha Lima 

Espelho meu, amigo de outras eras,
por que já não sorris do meu sorriso?
Por que, no tempo em que de ti preciso,
Roubas de mim sonhadas primaveras?

Conduzes o desdouro das heteras
no pretume das manchas, como aviso
da passagem dos anos que diviso
no fosco do teu brilho de quimeras.

Quando moço, tu me cuidavas tanto!
Em ti, sequer, eu divisava o pranto
de meu olhar aflito e mal amado.

Envelheceste, espelho meu! E eu
continuo a buscar no rosto teu
o meu rosto perdido no passado.



DEPRESSÃO
Ronaldo Cunha Lima

             A um deprimido

Vontade de ser só, ficar sozinho
na ilusão de alguém que o adivinhe
e ao deserto do nada o encaminhe,
não importa qual seja esse caminho.

Vontade de ser fera ou passarinho,
voar para algum canto que o aninhe
sem essa depressão que o abespinhe
e aflija o tempo a lhe ser mais daninho.

Sem mais perguntas, obter respostas
às coisas que na vida lhe são postas
na decisão de não lhe ver contente.

A depressão é, simplesmente, horrível!
Chega-se a conceber o invisível
e o invisível é sempre contundente!



ÁGUAS DOS ROCHEDOS
Ronaldo Cunha Lima

Que me venham de espuma os teu abraços
que abandonas nas ondas que encapelas,
que o teu corpo me cubra de sargaços
e te faças de ventos, em pandas velas.

Calmaria me sejas nos espaços
onde os meus sonhos, frágeis caravelas,
tementes de tormentas e trompaços
vagam versos que afogas nas procelas.

Que me venhas, das noites mal nascidas,
no murmúrio das vagas indormidas
que se espraiam no mar dos teus segredos.

Que eu me faço, em meus versos suicidas,
as águas que se jogam oferecidas
à rude indiferença dos rochedos.



PRECE DO PERDÃO
Ronaldo Cunha Lima

  À minha mãe

Sem querer ofender, eu a ofendi.
Tomei-me de remorso e de espanto.
Nos olhos de minha mãe, em cada canto,
uma lágrima triste percebi.

A dor que ela sentiu, também senti.
Jamais assim a ofendera tanto.
Recolhida, silente, ao desencanto
o pranto de seus olhos ainda vi.

Falou mais alto o arrependimento.
Procurando pôr fim ao meu tormento,
convoquei, ali mesmo, o coração.

Exercitando os seus conselhos sábios,
eu coloquei o coração nos lábios
e em tom de prece lhe pedi perdão.



PORQUE O “NADA” É “SIM”
Ronaldo Cunha Lima

   Ao imenso Antonio Carlos Secchin, repetindo-o em suas “Aulas inaugurais”, memórias de um leitor de poesias
  
Eu creio em Deus, na crença do Universo.
Creio em todas as coisas em que creio.
Tudo aquilo em que creio, creio, veio
do domínio do amor, nos céus disperso.

E apesar do silêncio e do adverso
desse amor que atormenta o meu receio,
creio na volta e a sua volta anseio
nas preces que lhe faço em cada verso.

Ela nada me diz, mas, mesmo assim,
acredito que volte para mim
antes que as horas minhas crenças levem.

Porque tudo é “sim”, o “nada” é “sim”
na inexistência, em seu início ou fim,
do “não” e do “talvez” que o circunscrevem.



ÚNICA
Ronaldo Cunha Lima

Quem seria capaz de suportar
a vida atribulada e repartida
do político que vive na avenida
e do poeta que frequenta o bar?

Quem seria capaz de relevar,
uma ou outra falta cometida
e quem entre três casas, dividida
deixaria cada coisa em seu lugar?

Quem participaria, uma por uma,
de todas minhas lutas e vitórias,
sem exigir compensação alguma?

Quem é escrava, podendo ser rainha?
No mundo não existem duas glórias:
apenas uma. E a que existe é minha!



SONHO DE MUSA
Ronaldo Cunha Lima

Ela chegou de mim meio distante,
como brilho de estrela há pouco extinta.
Um misto de coquete e de distinta,
olhar de santa e corpo de bacante.

Querendo ser espaço, em parco instante,
chegou com muita graça e muita finta,
e diante do amor, de mim diante,
sonhou ser musa em sedução sucinta.

Sonhou ser sonho e se afastou da meta,
um sonho crido que mostrou-se asceta,
desencanto de musa em cada tema.

O seu sonho, afinal, quase completa
batendo à porta d’alma do poeta,
pedindo para entrar e ser poema.


(Sonetos transcritos do livro “Sal no Rosto: sonetos
escolhidos”, Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 2006)





3 comentários:

  1. Queria ler a poesia Dia dos namorados .hoje é dia amor dos namorados há alegria ,ventos e gritos de Ronaldo da Cunha Lima 1960

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  2. Todos poemas de Ronaldo e uma imaginação que leva a os melhores sonhos de um corpo...

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