(um dos precursores do modernismo português)
LÁGRIMAS
Cesário Verde
Cesário Verde
Ela
chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética,
com gestos desabridos;
Nos
cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam
como pérolas os prantos.
Ele,
o amante, sereno como os santos,
Deitado
no sofá, pés aquecidos,
Ao
sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se
cantando alegres cantos.
E
dizia-lhe então, de olhos enxutos:
–
“Tu pareces nascida da rajada,
“Tens
despeitos raivosos, resolutos:
“Chora,
chora, mulher arrenegada;
“Lagrimeja
por esses aquedutos...
–“Quero
um banho tomar de água salgada.
”PRÓ
PUDOR”
Cesário Verde
Todas
as noites ela me cingia
Nos
braços, com brandura gasalhosa;
Todas
as noites eu adormecia,
Sentindo-a
desleixada a langorosa.
Todas
as noites uma fantasia
Lhe
emanava da fronte imaginosa;
Todas
as noites tinha uma mania,
Aquela
concepção vertiginosa.
Agora,
há quase um mês, modernamente,
Ela
tinha um furor dos mais soturnos,
Furor
original, impertinente...
Todas
as noites ela, ah! sordidez!
Descalçava-me
as botas, os coturnos,
E
fazia-me cócegas nos pés...
MANIAS
Cesário
Verde
O
mundo é velha cena ensangüentada.
Coberta
de remendos, picaresca;
A
vida é chula farsa assobiada,
Ou
selvagem tragédia romanesca.
Eu
sei um bom rapaz, – hoje uma ossada –,
Que
amava certa dama pedantesca,
Perversíssima,
esquálida e chagada,
Mas
cheia de jactância, quixotesca.
Aos
domingos a déia, já rugosa,
Concedia-lhe
o braço, com preguiça,
E
o dengue, em atitude receosa,
Na
sujeição canina mais submissa,
Levava
na tremente mão nervosa,
O
livro com que a amante ia ouvir missa!
A
FORCA
Cesário
Verde
Já
que adorar-me dizes que não podes,
Imperatriz
serena, alva e discreta,
Ai,
como no teu colo há muita seta
E
o teu peito é peito dum Herodes,
Eu
antes que encaneçam meus bigodes
Ao
meu mister de ama-te hei de pôr meta,
O
coração mo diz – feroz profeta,
Que
anões faz dos colossos lá de Rodes.
E
a vida depurada no cadinho
Das
eróticas dores do alvoroço,
Acabará
na forca, num azinho,
Mas
o que há de apertar o meu pescoço
Em
lugar de ser corda de bom linho
Será
do teu cabelo um menos grosso.
NUM
TRIPÚDIO DE CORTE RIGOROSO
Cesário
Verde
Num
tripúdio de corte rigoroso,
Eu
sei quem descobriu Vênus linfática,
–
Beleza escultural, grega, simpática,
Um
tipo peregrino e luminoso.
–
Foi lâmpada no mundo cavernoso,
Inspiradora
foi de carta enfática,
Onde
a alma candente mas sem tática,
Se
espraiava num canto lacrimoso.
Mas
ela em papel fino e perfumado,
Respondeu
certas coisas deslumbrantes,
Que
o puseram, é céus, desapontado!
Eram
falsas as frases palpitantes
Pois
que tudo, é meu Deus, fora roubado
Ao
bom do Secretário dos Amantes
HEROÍSMOS
Cesário
Verde
Eu
temo muito o mar, o mar enorme,
Solene,
enraivecido, turbulento,
Erguido
em vagalhões, rugindo ao vento;
O
mar sublime, o mar que nunca dorme.
Eu
temo o largo mar, rebelde, informe,
De
vítimas famélico, sedento,
E
creio ouvir em cada seu lamento
Os
ruídos dum túmulo disforme.
Contudo,
num barquinho transparente,
No
seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada
a vela e nágua quase assente,
E
ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu
rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro,
com desdém, no grande mar!
Fonte:
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>
Poesias Completas de Cesário Verde, Rio
de Janeiro,
Ediouro, 1987
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