Olhar 2017



Interessante ressaltar: o soneto — desprestigiado e até mesmo ridicularizado na fase inicial e mais agressiva do Modernismo —, esteve sempre presente. Ele, como que assistindo a uma sucessão de tentativas de referendar o “moderno” como um movimento literário tão aceito quanto os relativamente estáveis movimentos que o antecederam, altivamente se mantinha.
    A evolução do Modernismo, ao contrário, inspirou um sentimento como este, de Tristão de Ataíde, numa reiteração nossa ao já inscrito por Vasco de Castro Lima no capítulo Modernismo de “O MUNDO MARAVILHOSO DO SONETO”:
   — "E em torno das velhas quatorze barras petrarquianas, em que há sete séculos tantos ginastas têm feito as suas acrobacias, ia travar-se não digo uma batalha, mas uma estranha e original reconciliação".
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Alceu Amoroso Lima (Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1893 - Petrópolis, 14 de agosto de 1983, foi um crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico brasileiro.)
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 Caminhando para um século de nuanças poéticas do movimento modernista (1922-2017), permiti-me um olhar sobre o Soneto e sobre o tratamento que lhe vem sendo dado no período.
  O soneto vive. Mas longe reside a sua época de ouro e de esplendor; essa de há muito ficou para trás.  No esboço abaixo, procuro assinalar a sua encantadora e tradicional presença em algumas oportunidades, as quais, embora não lhe garantam o brilho eterno, são raios que não  deixam essa tradicionalidade se apagar. Vamos a elas:

— 1940 - lança o seu 1º livro o poeta gaúcho Mário Quintana — um livro de Sonetos. Como diz o poeta e sonetista Glauco Mattoso (Glauco Mattoso, pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva, (São Paulo, 29 de junho de 1951) é um escritor e sonetista brasileiro)o maior modernista gaúcho se equipara, como personalidade, a Drummond ou Bandeira, na minha opinião. No caso do soneto, com uma vantagem: estreou quase duas décadas depois da Semana desafiando a ruptura de 22 com um livro de sonetos (quase) ortodoxos, A RUA DOS CATA-VENTOS.


— 1987 – É editado o livro Grandes sonetos da nossa língua, Organização e seleção de José Lino Grünewald, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 200 sonetos (entre portugueses e brasileiros) e 224 páginas.
Na “orelha” do livro:

“Esta é a mais completa reunião de sonetos escritos em português já editada no Brasil. É uma grande viagem pelo mundo da poesia, que começa com Sá de Miranda e Luís de Camões e termina na revolucionária poesia feita quase inteiramente feita de palavras novas de Jorge de Sena. Nela o leitor passará por todos os movimentos literários que já existiram no Brasil e em Portugal, além dos casos à parte da literatura como Augusto dos Anjos e seus Versos Íntimos (“O beijo é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que apedreja”). Há versos que fazem parte da memória nacional, como os de Vinícius de Moraes no Soneto da Fidelidade (“De tudo ao meu amor serei atento antes”) ou os de As Pombas de Raimundo Correia (“Vai-se a primeira pomba despertada”), convivendo lado a lado com pouco conhecidas inovações experimentais como os sonetos de Mário Faustino.

Esta obra é, enfim, um magnífico retrato através dos tempos da luta do poeta com “a última flor do Lácio, inculta e bela”, como chamava Olavo Bilac a língua portuguesa, para, dentro da forma fixa há séculos, seja com métrica perfeita e rimas ricas, em octassílabos, decassílabos ou alexandrinos, em versos brancos ou reinvenções, dizer algo sempre novo e original.

A seleção dos sonetos apresentados obedeceu a seis critérios básicos: o de serem consagrados, independente do gosto da crítica ou do público atual, os grandes sonetos, qualquer que seja o movimento literário a que pertençam, os inovadores, o soneto metalinguístico, os que criaram alguma expressão que se incorporou ao idioma e os por assim dizer obscenos.

Foram organizados e selecionados por José Lino Grünewald, que escreveu também o texto introdutório deste livro (Soneto: Sal e Sol da pura forma). Poeta e crítico, foi um dos fundadores do movimento Poesia Concreta ao lado de Haroldo de Campos e Augusto de Campos e Décio Pignatari.”


A propósito, leia-se este artigo publicado em 1988:
 O melhor da poesia, em catorze versos
Por Afrânio M. Catani

O tempo não matou o soneto - Grünewald mostra que a fórmula é válida para todas as épocas

José Lino Grünewald, poeta, crítico, tradutor, jornalista e advogado, foi um dos fundadores do movimento conhecido como Poesia Concreta, ao lado dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e de Décio Pignatari. Assim, causou certa estranheza que a coletânea Grandes Sonetos da Nossa Língua (224 páginas), recém-editada pela Nova Fronteira, tivesse sido organizada por José Lino, o egresso do concretismo*, uma vez que a crítica contemporânea geralmente torceu o nariz para essa forma de composição poética.
Surpresas à parte, José Lino mostra em sua introdução que o soneto, que está presente em todas as literaturas ocidentais, desde o século XIII, resiste bravamente.

Apesar das ressalvas feitas, o livro organizado por Grünewald se constitui na mais ampla reunião de sonetos da língua portuguesa já editada no Brasil. Há saborosos versos para se reler, tais como os de Mário Faustino, Jorge de Sena, Augusto dos Anjos, Jorge de Lima, Martins Fontes, Vinícius e Drummond. E para os que não se convenceram das possibilidades do soneto enquanto forma poética criativa e atual vão aqui quatro versos de Gregório de Matos (1623-1696), que caem como uma luva para o Brasil de hoje:

"A cada canto um grande Conselheiro/
que nos quer governar cabana e vinha:/
não sabem governar sua cozinha/
e querem governar o Mundo inteiro!".

O Estado de São Paulo
13/03/1988

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 (*) - Concretismo
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Na literatura o Concretismo foi um movimento artístico surgido na década de 1950 que extinguia os versos e a sintaxe normal do discurso, dando grande importância à organização visual do texto.
No movimento havia o intuito de acabar com a distinção entre forma e conteúdo e criar uma nova linguagem.
No Brasil, um grupo de concretistas de São Paulo (liderado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari e José Lino) se destacou.
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 Segundo Grünewald, há nesta antologia o chamado “soneto inventivo”, original, como o “espacializado” (sem título), de Mário Faustino (profunda alteração da estrutura e ausência de rimas) e o “Afrodite Anadiómena”, do português Jorge de Sena (formado quase todo de palavras novas, mediante a permuta de sílabas). Do clássico ao moderno, estas duas obras, e muitos outros sonetos, poderão ser lidos na seleção feita por José Lino Grünewald através do seguinte link:




Nota do blogue: 
Paulatinamente publicaremos mais sonetos até que cheguemos ao 200º, último da obra.





 2001— É editada a Antologia “Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século”, Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 350 páginas, coordenada por Italo Morriconi. O século era o XX e basicamente a poesia contemplada foi a modernista, com a inclusão de poucos sonetos.

        Para o professor, poeta e crítico literário Pedro Lyra (Fortaleza, CE, 1945), ainda que uma antologia costume refletir a escolha de quem a organizou, um dos pontos que chamam a atenção dele é a ausência, na referida obra, de poemas reconhecidamente essenciais (quaisquer sejam os seus gêneros) à literatura brasileira daquele período — entre os quais marcantes sonetos



 2008 — É editada a obra “Os 100 melhores Sonetos Clássicos da língua portuguesa”, Belo Horizonte, Editora Leitura, 127 páginas. Organizada por Miguel Sanches Neto, ficcionista e poeta  nascido no Paraná em 1965.
    Obra agradável de ser lida, traz interessantes pontos de vista do autor sobre o soneto, a eles se seguindo um rol de belas obras criadas por artífices do verso desde a fase clássica de Sá de Miranda (1481-1558), introdutor do soneto em Portugal, até a fase moderna de Fernando Pessoa (1888-1935) e, no Brasil, desde o barroco de Gregório de Matos (1623-1696) até o pré-modernismo de Raul de Leoni (1895-1926).
É muito bom acompanhar essa linha de pensamento do autor, fazendo eco às recomendações de Vasco de Castro Lima em prol do soneto.

    Ressaltem-se três importantes momentos na obra apresentada por Miguel Sanches Neto:

— Sobre a obra elaborada (parecer da Editora):
Nos últimos anos o soneto voltou a ser praticado por poetas das mais variadas filiações estéticas, prova de que o seu domínio continua vivo nos domínios da criação artística. Poetas contemporâneos assim atestam que o leitor de poesia sempre soube – o soneto tem um grande poder de encantamento.

Daí o organizador desta antologia, Miguel Sanches Neto, defini-lo, na apresentação, como “ritmo preciso que pensa”. Eis a razão desta magia de um formato literato que apesar de muito atacado no último século, continua fazendo leitores.

Com esta antologia a Editora Leitura dá continuidade ao seu projeto de disponibilizar uma biblioteca essencial para o leitor de literatura. Os principais poetas do nosso idioma até a década de 1920 estão incluídos nesta obra, que serve como uma porta de entrada para a grande poesia de Brasil e Portugal.

Num período em que se fala tanto da unificação da língua portuguesa, entendemos que não existe melhor elemento para promovê-la do que a edição conjunta de textos de autores dos dois países, principalmente dos textos mais clássicos, quando as duas línguas, na sua versão lírica, ainda estavam muito próximas.
O leitor encontrará aqui, portanto, um pequeno tesouro literário num livro que pode ser lido como uma obra com unidade, apesar da grande variedade de autores, pois a temática e o idioma em que estão vazados estes sonetos são um patrimônio comum. Pertence à Língua Portuguesa, pátria maior de todos nós."   


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— Sobre o Soneto
Apresentação por Miguel Sanches Neto

“Não se faz um soneto; ele acontece.”
Lêdo Ivo (1924-2012)


Museu de Sonetos Eternos

"Negado por muitos poetas e praticado por um número ainda maior deles, o soneto é, com certeza, a mais representativa forma lírica. Mesmo seus detratores, como um Mário de Andrade do primeiro momento modernista, foram sonetistas, em alguns casos, arrependidos, mas nem por isso menos competentes — e em "O artista", inserido no "Prefácio interessantíssimo" (Paulicéia desvairada, 1922), Mário de Andrade nega essa tradição poética que, para ele, significava atraso literário. Se Mário repudia a própria produção passadista em 1922, já em 1924, com melhor percepção do valor das formas clássicas, compõe o "Soneto do homem morto", valorizando modernamente o que antes fora descartado como velharia.

Oscilando entre momentos de negação e de adesão, o soneto continua no centro da poesia de língua portuguesa. A grande maioria dos poetas que contam na modernidade brasileira pagou tributo a esse formato que exige, na fórmula camoniana, "engenho e arte". Sem a conjunção desses requisitos não se realiza o soneto. Por isso, muitos falham em seu projeto de chegar à poesia pelos quatorze versos — rimados ou brancos, metrificados ou não. O equívoco mais freqüente é a valorização do engenho, da construção racional e habilidosa do tecido poético, em detrimento do seu poder encantatório. O soneto rigorosamente construído — como queriam os parnasianos — ainda não é necessariamente um soneto, e, sim, na maioria dos casos, mero artesanato lingüístico. Mas também o soneto profundamente inspirado, que descuida dos aspectos formais, não chega a se constituir em obra realizada. Como o desafio é conciliar o engenho construtivo e a arte inspiratória, muitas são as tentativas e poucos os exemplos memoráveis — mesmo nos grandes poetas que mais se dedicaram a ele. É este descompasso entre a produção em série e a permanência na memória afetiva dos leitores o responsável por uma prevenção em relação a tal maquinismo. É necessária uma quantidade absurda de cascalho para se obterem as raras pepitas. Uma dedicação extensa à sua escrita para um resultado poético numericamente pequeno, mas qualitativamente muito grande, quando alcançado.

E mais fácil, portanto, malograr no soneto do que em outros gêneros. Corre-se sempre o risco de praticá-lo como um passatempo poético, uma espécie de palavra-cruzada lírica. Caminho da facilidade para os poetastros e extremamente exigente para os verdadeiros poetas, o soneto é amado/odiado com a mesma intensidade.

Expressão antes de continuidade (e não apenas de  características formais, mas também de idéias e percepções), o soneto está mais para a reprodução do que para a ruptura, mais para retomada do que para a invenção. Ao escrever um soneto, mesmo quando nos sentimos formalmente independentes, estamos nos ligando a toda uma tradição, pois ele nos coloca sempre, e de forma instantânea, em contato com os séculos precedentes. É um chamado para as raízes da língua, um vínculo com o que ficou no passado; nele, matamos a saudade ancestral de  tudo aquilo do qual nossas  sensações se sentem misteriosamente descender.

Neste volume, haverá por isso confusões de autoria; em muitos momentos, repetem-se as palavras, os recursos e os sentimentos, e a voz  individual, forte em alguns casos — como a de Augusto dos Anjos, Pedro Kilkerry e Fernando Pessoa — cria apenas sutis dissonâncias  no grande coro. O soneto, arte coletiva, é uma oportunidade de participar de um discurso iniciado num tempo que, mesmo distante, sentimos como nosso.” (páginas 9, 10 e 11)


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— Sobre os critérios de escolha (pelo autor)
Esta seleta remonta a Sá de Miranda (1481-1558), o grande divulgador do soneto em Portugal. O autor o conheceu em sua estada na Itália, berço da versão em forma fixa, criada por Giacomo de Lentino (1190-1246) e popularizada, principalmente, por Dante Alighieri (1265-1321) e Francesco Petrarca (1304-1374). No período compreendido por esta antologia, os melhores cultores em língua portuguesa foram Luís de Camões, Gregório de Matos, Manuel Maria du Bocage, Machado de Assis, Raimundo Correia, Alphonsus de Guimaraens, Camilo Pessanha, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Florbela Espanca e Fernando Pessoa, que comparecem com mais de um poema. Mesmo com produção mais consistente, esses poetas misturam suas vozes aos de outros que não produziram obra de idêntica magnitude, compondo um único e longo texto, que pode ser lido a partir de uma fictícia unidade autoral.

Não se quis aqui fazer um ranking de poetas ou de poemas, embora o título aponte para isso. Esta seleção é menos uma proposta de cânone do que exercício de uma preferência. Escolhi os sonetos que me ficaram na memória e outros que pudessem vir a ficar, fiado na idéia de que poesia é o que sobra das leituras dos poemas — poesia como linguagem memorável, portanto. Mais do que uma antologia, estas páginas se querem como um museu do soneto produzido entre 1500 e 1920. Um museu em que as peças não pretendem explicar o passado, totalmente avessas a seu uso didático, formando, antes, um continuum lírico, um tempo que permanece existindo para aqueles que são susceptíveis a seu veneno.” (página 12)


  Como já disse o professor Pedro Lyra, citado anteriormente, “fazer uma escolha” é quase sempre algo subjetivo; ainda que se respeitem critérios e lógicas, os nomes escolhidos passam, ainda que levemente, pela preferência do antologista.
   Respeitáveis são os poetas e obras referendados por Miguel Sanches Neto, inclusive a escolha dos poetas que aparecem na obra com mais de um soneto, conforme diz o autor à página 12: “No período compreendido por esta antologia, os melhores cultores em língua portuguesa foram...” E prossegue: “Mesmo com produção mais consistente, esses poetas misturam suas vozes aos de outros que não produziram obra de idêntica magnitude.” (grifo nosso)

Continua o autor:
Não se quis aqui fazer um ranking de poetas ou de poemas, embora o título aponte para isso.(grifo nosso) Esta seleção é menos uma proposta de cânone do que exercício de uma preferência. Escolhi os sonetos que me ficaram na memória e outros que pudessem vir a ficar, fiado na idéia de que poesia é o que sobra das leituras dos poemas — poesia como linguagem memorável, portanto. Mais do que uma antologia, estas páginas se querem como um museu do soneto produzido entre 1500 e 1920. Um museu em que as peças não pretendem explicar o passado, totalmente avessas a seu uso didático, formando, antes, um continuum lírico, um tempo que permanece existindo para aqueles que são susceptíveis a seu veneno.

    Concordo em todos os graus que a obra em tela é um continuum lírico de bela poesia que se estende ao longo do tempo pela mestria de Portugal e do Brasil. São duas pátrias que se harmonizam também pela poesia de sensibilidade que há tanto escrevem, portanto, uma obra conjunta recendendo intenso perfume.
    Concordo, também, com o professor Pedro Lyra, já citado, e digo: por certo, se a obra fosse minha, faria eu pequenas substituições, mas aquela em que eu depositaria o mais das minhas fichas seria a colocação de Olavo Bilac no rol dos que merecem mais de uma obra como amostra do seu talento e pendor para o verso correto, burilado e perfumado. Olavo Bilac está, com Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, no patamar máximo da soberba feitura do soneto dentro do Parnasianismo brasileiro, dando prestígio a esse modelo lapidar de poesia e à época conhecida como “a época de ouro do soneto”. Mais do que fazer um soneto bem feito, Olavo Bilac fê-lo com “alma e coração”, ao contrário de muitos que abraçaram o modelo parnasiano vindo da França, tido como “engessado e gélido”. Bilac foi muito mais do que um poeta parnasiano.
    Ao ter apenas um soneto de Olavo Bilac incluído em sua seleta de sonetos, Miguel Sanches Neto situa aquele que foi condecorado como o “Príncipe dos poetas do Brasil”, de 1907, no rol dos que “não produziram obra de idêntica magnitude” em relação aos que foram distinguidos com mais de um soneto.
   Pensando melhor, um soneto, mais de um soneto, isso não importa: Bilac é maior e a história da literatura já o canonizou. Aqui e em Portugal.


Em tempo, lembro o capítulo Soneto: Coração da Poesia! no qual o poeta e estudioso Vasco de Castro Lima nos apresenta 232 sonetistas brasileiros, cada um com um só soneto. Disse-nos o poeta Vasco que não estava fazendo uma antologia, e sim a história do soneto, ilustrada por sonetos.
   Sobre esses sonetistas, muitos deles bem próximos da perfeição, segundo Vasco, alguns conhecidos, outros desconhecidos, todos artesãos de obras não enquadradas pelo que dispõem as Escolas Literárias.  232 sonetistas que, em sua maioria, nasceram depois de 1922.
  Sonetistas que, conforme podemos observar, conservaram as linhas mestras do soneto clássico, muitos dominaram essa modalidade poética, conforme afiançou-nos o poeta Vasco, mas nenhum deles fez parte da seleta realizada por Miguel Sanches Neto, cujo limite foi o ano de 1920, não mais.
   Diz-se que é muito mais fácil partir de algo já feito e já julgado; difícil e corajoso seria fazer-se um julgamento primeiro sobre algo desconhecido. Então, a julgar pelo silêncio imposto à forma tradicional do Soneto pelos modernistas e os que se lhe seguiram neste decurso de quase um século (1920 a 2017), estranho e avesso a tradições, improvável será encontrar qualquer daqueles 232 sonetistas em obra que não seja a de Vasco de Castro Lima. 
  Quem sabe algum constará dos livros de poemas e de sonetos coordenados pelo grande poeta J. G. de Araujo Jorge, este um poeta que foi muito discriminado e mantido fora de  antologias, em que pese sua bonita obra de memoráveis e românticos sonetos, bem como seus textos de viés político e social?
  Esses grandes poetas e sonetistas, Vasco e J. G., divulgaram outros poetas e sonetistas, muitos deles desconhecidos, não percebidos no seu tempo. E pelo que nos mostra o silêncio, ou hiato, relativo ao período de 1920 a 2017, o serão cada vez mais.
  Aplausos eternos aos corajosos Vasco de Castro Lima e J. G. de Araujo Jorge!

Para a leitura das muitas preciosidades selecionadas por Miguel Sanches Neto, acessar o link:





Chega-se ao ano de 2010:
 2010 — É lançada a Antologia Roteiro da Poesia Brasileira Anos 40, Editora Global, 215 páginas, sob a coordenação de Luciano Rosa. (O livro é parte de um conjunto de 15 livros lançados a partir de 2007, os quais traçam um panorama da literatura brasileira desde o seu início até o ano 2000.)


Um excerto da sinopse:

A década de 1940 corresponde a um período de reavaliação da poesia brasileira. Surge nos 40 uma disposição lírica, fortemente marcada pela restauração das técnicas tradicionais de composição poética. Métrica, rima e estrofações modelares voltam, revigoradas, a frequentar a poesia brasileira, depois do banimento decretado pelo Modernismo. A temática também não é a mesma: em vez do programa nacionalista dos articuladores de 22, outro repertório, mais amplo, passa a ser explorado, voltado frequentemente a questões existenciais.

  Para Luciano Rosa, a multiplicidade de vozes do período torna-se ainda mais nítida e variada quando entram em cena tantos outros poetas que não se filiam à escola de 45. Por outro lado, “além da expressão-síntese que caracteriza a poesia de 45 (Geração de 45), os autores dela partidários apresentam dicções próprias, que convergem em certos aspectos, como o pendor para a forma esmerada e a predileção pelos temas fundamentais e atemporais da poesia: o amor, a morte, o fluir do tempo — questões essenciais da própria aventura humana. O formalismo dessa geração teve no soneto o seu representante por excelência.

Reservo-me o direito de externar a minha opinião: um representante, no entanto, que não se vestiu com as suas melhores cores. Se a liberdade trazida pelo Modernismo ensejou uma maior abertura com relação aos temas abordados, provocou também um afrouxamento das regras de versificação, das noções gramaticais e do nível do discurso. Já na década de 40 podem ser percebidos textos intitulados “sonetos”, mas que estão muito a dever para que sejam considerados como tal — extremo coloquialismo de linguagem, falta de ritmo no verso em função da precariedade da métrica, e mais: um mínimo comprometimento com a filosofia do soneto.

Abaixo está disponibilizado o link de acesso aos sonetos constantes da obra de Poemas dos Anos 40. Esclarece o antologista que alguns textos poderão ter sido escritos/publicados em décadas diversas, assinados, todavia, por autores cujo primeiro livro de poemas veio a lume nos anos 40:




Para o professor Marcos Pasche, Doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, os Anos 50 foram decisivos para que o já então antigo projeto de emancipação literária do Brasil, uma vez que nela se viu e ouviu o originalíssimo estouro concretista.

Andre Seffrin, coordenador da Antologia, diz que  “os anos 1950 foram dos períodos mais férteis da poesia brasileira do século XX. Em todos os pontos do país surgiam poetas com ânimo de renovação, capacitados para as grandes aventuras formais que acabaram por mudar os rumos de nossa poesia.”

Segundo Fausto Cunha (escritor e crítico literário), “... na terceira geração do Modernismo, esse mundo novo resultou numa convergência estética que dependeu mais do talento de cada um que de um espírito de geração.”

Na década de 60, “a poesia se define por sua grande diversidade: em vez de uma fisionomia unitária, padrão escola, exibe várias subfisionomias” (professor Pedro Lyra, coordenador da Antologia Anos 60). Tal fato, para o professor Marcos Pasche, “é, a rigor, um fato consumado da poesia brasileira do século 20”.

“Os anos 70 se caracterizam pelo “espírito” [contracultural] da década em questão, comumente associado à poesia marginal, de dedo em “V” e cabelo ao vento, inclinada a fazer da poesia uma experiência cotidiana e sorridente.” (palavras do professor e poeta Afonso Henriques Neto, responsável pelo estudo da poesia nessa época na já citada série de 15 livros sobre a Literatura Brasileira).

Voltando ao professor Marcos Pasche,  “a década de 1980 é indicada por muitos como a que se inicia decisivamente no que hoje, já na segunda década do século 21, entendemos por poesia contemporânea, numa saudável polifonia de vozes em que se transformou a poesia brasileira, sobretudo a partir da década de 1980”. Isso se confirma na medida em que aparecem como bem representativos os nomes de Arnaldo Antunes e Paulo Henriques Britto, Adriano Espínola e Glauco Mattoso, Nelson Ascher e Alexei Bueno.”

Os Anos 90 são o fruto do amadurecimento artístico dos autores que perceberam as limitações das posturas grupais ou decorrência da ordem individualista do tempo, o caminho único é uma tônica comum aos que pretendem se “descomunar”.
(Marcos Pashe)

"Dificilmente pode ser sustentada a idéia de uma geração, no mesmo sentido que houve em 1930 ou 1945, pois que a poesia brasileira não possui uma linha evolutiva, mas várias, até mesmo dentro das escolas e movimentos que se supunham monolíticos e estanques.” (Paulo Ferraz, poeta mato-grossense, responsável pela Antologia Anos 90).

E continua o professor Pasche, de certa forma respondendo à pergunta “Como ficamos?", de Vasco de Castro Lima, deixada na página 733 de “O MUNDO MARAVILHOSO DO SONETO” e a tantas outras indagações daquele poeta sobre o destino do Soneto:

“Já no ano 2000, uma grande inquietação dos leitores de literatura decorre da necessidade de saber, em termos artísticos, o que se efetiva no hoje. Assim, é muito comum que pergunte pela hipotética existência de algum estilo ou movimento predominante nos dias atuais. A resposta é quase sempre infirmadora. Pelo fato de as escolas e as vanguardas literárias serem vistas agora como camisa-de-força dos autores e suas obras, formula-se a idéia das tendências confluentes, as quais fazem do nosso um panorama da diversidade (o vocábulo, de indiscutível importância simbólica, tem se tornado, também indiscutivelmente, um modismo banalizado.)”

E conclui o professor Pashe:

“No nosso já considerável punhado de séculos de produção literária, podemos perceber que após tantas movimentações, a poesia de nosso país sempre se manifestou de maneira densa quando abandonou as pretensões de assessorar temas, modas ou verdades para se afirmar como poesia — apenas e totalmente como poesia”.




*

E o Soneto?

O Soneto continua vivo dentro e fora do Brasil. Não obstante os processos experimentais a que vem sendo submetido, aquele um dia tão bem descrito como “o traje de gala da poesia” continua a sê-lo, ainda usada a sua tradicional forma, porém animada por espectros das mais variadas cores, que são os temas vários tratados nos quatorze versos.

Conforme já expressamos, ficou para trás “a época de ouro do Soneto”, uma vez que a realidade atual reivindica maior liberdade e independência, daí a franca opção pelo verso livre.
No entanto, muitos acharam, e ainda há quem assim pense: o soneto não limita, expande; não encarcera, liberta. Basta que o poeta primeiramente dele se enamore e dele compreenda os motivos pelo quais foi inventado há oito séculos: a concisão, a clareza, a beleza, a energia, a estrutura melódica dos seus versos e rimas, a majestade da sua harmonia, enquanto estrutura e ideia, e a magnificência da mensagem colocada nos oito primeiros versos e confrontada nos últimos seis.

Aí está a grandeza do pensamento (ação e reação) vertidos das profundezas do poeta e das mãos que corporificaram a ideia no sublime e mágico reino das palavras. É o poeta, que trabalha e respeita o Soneto, que não o deixará morrer.

Poetas vão-se retirando de cena, despedindo-se das letras e da vida. Vão, mas deixam belos Sonetos, inclusive os que falam de Amor, sentimento tão depreciado e colocado em segundo plano nos dias de hoje.

Em momentos de ímpar realização, valem-se do Soneto para escrever todo um livro — a secular forma poética detém a primazia de conduzir temas modernos:

— o poeta baiano Ildásio Tavares (1940-2010) lançou em 2009 o livro “As flores do caos” com 68 sonetos em um tributo a Baudelaire. É o sentimento de angústia do homem moderno  transformado em poesia. Segundo o poeta “... o maior desafio foi tratar de temas tão modernos em uma das formas mais perfeitas, mas também uma das mais antigas do fazer poético. O soneto é uma caixa cega que pode render um bom som a depender da capacidade de o  autor tocar”, compara.

Sobre o “verso medido", ele diz: “O verso medido nunca saiu de cena, nem em 22, mais tarde Vinicius e, com ênfase em 45. Cada período tem seu verso medido, tem seu verso livre. E precisa achá-los. Achar a dicção do seu tempo. No processo dialético, o esvaziamento de um conduz à valorização do outro. O decassílabo de Camões e o de Carlos Falck (Bahia, 1930-1964), ambos têm dez sílabas métricas. Mas são dois versos diferentes.

A propósito de 1922, foi-lhe perguntado: “o que o modernismo trouxe de colaboração à poesia e aos poetas brasileiros?” E o poeta respondeu: “22, por um lado, trouxe um maior sentido de liberdade e de brasilidade a uma poesia que tendia para cair na camisa de força e por outro lado a imitar apenas os modelos estrangeiros. Contudo, 22 prestou um desserviço à poesia brasileira que a partir da liberdade caiu, muitas vezes, na permissividade e no vulgarismo”.

SONETO DA POSSE
Ildásio Tavares
(Bahia, 1940-2010)

Amar é possuir. Não mais que o gozo
quero. Não sei porque desejas tanto
escravizar-me; escravizar-te. Quanto
menos me tens, mais me terás. Gostoso
é ser-me livre, alegre, escandaloso –
o peito aberto pra cantar meu canto;
os olhos claros pra ver todo encanto;
as mãos aladas, pássaros sem pouso.
Abre-me o corpo, vem dá-me o teu vale,
e a esconsa flor que ocultas hesitante,
pois o que falo o falo sem que fale
em tom de amor. Quero vaivem, espasmo -
um corpo a corpo num só corpo palpitante,
dois no galope até o sol de um só orgasmo.



Fontes virtuais:





E mais:


— Paulo Henriques Britto, Adriano Espínola, Glauco Mattoso, Nelson Ascher e Alexei Bueno, citados acima pelo professor Pasche, se utilizam da forma Soneto, cada um a seu modo. Além destes, Daniel Mazza.


ACALANTO
Paulo Henriques Britto
Rio de Janeiro, 1951

Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,

despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;

e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de urna dormida, nos satisfazemos

em constatar, com urna ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais urna noite a dois, e um dia a menos.

E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno.

(Do livro Macau, 2ª edição, São Paulo,
Companhia das Letras, 2003)





LÍNGUA-MAR
Adriano Espínola
(Fortaleza, CE, 1952)

A língua em que navego, marinheiro,
na proa das vogais e consoantes,
é a que me chega em ondas incessantes
à praia deste poema aventureiro.
É a língua portuguesa, a que primeiro
transpôs o abismo e as dores velejantes,
no mistério das águas mais distantes,
e que agora me banha por inteiro.
Língua de sol, espuma e maresia,
que a nau dos sonhadores-navegantes
atravessa a caminho dos instantes,
cruzando o Bojador de cada dia.
Ó língua-mar, viajando em todos nós.
No teu sal, singra errante a minha voz.


(Extraído de 41 POETAS DO RIO, org, Moacyr Félix.
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998.  514 p.)




OBJECTIVO ADJECTIVO [soneto 4.131]
Glauco Mattoso, São Paulo, 1951

Chamaram-me de tanta coisa, até
maldito e marginal, que “pós-maldito”
não basta a um pós-moderno e já nem cito
tal rótulo, senão me falta um “pré”...

Sou meio “barroquista” porque fé
professo no barroco e noutro mito,
o contracultural. Jamais omito
que sou “pornosiano” e afeito ao pé.

Mas “desiluminista” também não
explica esta cegueira, como nem
por ser “desumanista” encarno o Cão.

“Anarcomasoquista” talvez bem
me sirva... Outros, por certo, servirão,
si um cego sonetista seja alguém.



  

VOZ
Nelson Asher, São Paulo, 1958

Ninguém jamais
regeu tão extra-
(pois sem rivais)
vagante orquestra

como a que destra-
vando os umbrais
com chave-mestra
— cordas vocais —

propõe que além da
canção, com elas,
a mente aprenda

(mais do que vê-las
sem qualquer venda)
a ouvir estrelas.





O CENTRO
Alexei Bueno
Rio de Janeiro, 1963

Deus não nos sonha, mas sua ausência sim.
Aquilo que não é Ele está sonhando
Até estas ruas que vamos pisando
Atrás de algum desconhecido fim.

E o Vácuo ama o seu sono. E é tudo assim,
Um onírico acaso, um curso brando
Com saltos cruéis que não avisam quando,
E em cada esquina um túmulo, um festim.

E por trás desse sonho outros progressos,
De nós, de outros que nós, e de outros nós,
E a névoa e a noite, e as fugas e os ingressos,

E o sonho em tudo, no antes, no ora e o após.
Enquanto além do Seu nosso oco incerto
Deus é o que é, intrínseco e desperto!


(Do livro Poesia Reunida, Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 2003)



PÃO E CIRCO
Daniel Mazza
Fortaleza, CE, 1975

No Coliseu, o urro das famintas feras
O povaréu romano alvoroçava.
O circo mais o pão que alimentava
A Roma augusta das passadas eras.

Ao sinal das trombetas, os escravos
Empurrados para a morte, gritavam...
Na tribuna, prazenteiros, brindavam
Ave César e uma súcia de ignavos.

Os caninos cravados no pescoço...
Ventres rasgados expelindo a entranha...
O banquete das feras inclementes...

O brilho rubro aumentava o alvoroço...
Enquanto César, com a face estranha,
Mudo, sorria, sorrateiramente...

(Do livro Fim de Tarde, Ribeirão Preto, 2004,
Editora FUNPEC, 1ª edição)




— as vozes que se juntam em “O Secular Soneto”, muitíssimas delas utilizando o modelo tradicional do Soneto com amor, garbo, beleza e magia; através  do mundo mágico de propagação pela Internet, cantam o Soneto e lhe saúdam a luminosa existência. Que ele encante, aos mais que o descobrirem, tanto quanto nos tem encantado.
E que nunca o deixem se apagar.


Regina Coeli Rebelo Rocha
Rio de Janeiro/RJ – Abril de 2017
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