António de Sousa (avô) e Maria João Brito de Sousa (neta) (Portugal)


BANCARROTA
António de Sousa

Esperei por mim em vão, suando rezas,
pragas, versos subtis, ruivas saudades,
Arrastei minhas horas indefesas
entre chusmas e fundas soledades.

Tive palácios de imortais certezas
com seus jardins de passear vaidades;
virtudes compassadas e burguesas
e dor sem nome, como o preso às grades.

Fui o fiel-conviva-de-banquetes,
o pálido-com-alma-pra-vender
nos mercados dos filhos de seus pais...

Subi-me ao céu nas canas dos foguetes,
fiz-me ladrão de sonhos, pra vencer,
e sei apenas que não posso mais!


 (in "Livro de Bordo", segunda edição, Editorial Inquérito)




CRÉDITO (tardio...)
Maria João Brito de Sousa 

"Esperei por mim em vão, suando rezas,"
quando era o verbo quem por mim esperava
e descobri-me cega e de mãos presas
a todas essas rezas que rezava... 

"Tive palácios de imortais certezas"
feitos de um barro que ninguém moldava,
povoados por monstros e princesas,
dos quais fui, noite e dia, sendo escrava. 

"Fui (o)a fiel-conviva-de-banquetes"
Estrangulada por mãos, quais torniquetes,
e desprezando o vôo dos pardais, 

"Subi-me ao céu nas canas dos foguetes";
Vi homens a tombar, feitos joguetes
De uns poucos que "voavam" muito mais...


(Maria João Brito de Sousa - 01.11.2016 - 13.35h)


  


EXÍLIO
António de Sousa

Cobriu-me de desprezo o dia pardo,
a flor azul do riso das donzelas,
o lento rio de águas amarelas
e o frio, que pesava como um fardo...

Meu sonho - vôo tonto de moscardo
a tentear vidraças de janelas -
zoava de horas túmidas e belas;
morria, seco e duro como um cardo.

Sempre de mim a mim, nos meus caminhos,
pedindo em vão a esmola de vizinhos
e lume certo a um lar que não tem brasas.

(Menino triste que já é demais,
sou de filhos, irmãos, mulher e pais
para esconder do Céu uns cotos de asas.)
  
(In "Livro de Bordo", Editorial Inquérito)


  
O CAIS
Maria João Brito de Sousa

"Cobriu-me de desprezo o dia pardo"
que violava as frestas das janelas
como a nortada enfuna as rotas velas
da minha Barca de pirata... ou bardo...

"Meu sonho - vôo tonto de moscardo"
somando à própria fuga, outras procelas... -
perdidos mastro e leme, embate nelas
e cai pesadamente, como um fardo.

"Sempre de mim a mim, nos meus caminhos",
tecendo, para as velas, novos linhos
e esculpindo-lhes versos que são remos,

"(Menino triste que já é demais",
vá eu por onde for, se aporto ao cais,
direi que um cais nos deu tudo o que temos!)

(Maria João Brito de Sousa - 15.11.2016 - 12.10h)




NUVEM
António de Sousa

Lá longe, aonde a vida me começa
- sorria por engano um sol de Inverno -
Não sei que deus me fez sua promessa
E fui outro menino, ávido e terno.

Mas a infância passou, nua e depressa
- subira o Sol como um clarão de inferno -
E fiquei-me neste ar de quem ingressa;
Grotesco, trivial, falso e moderno.

- Número sete, um passo em frente! - Pronto!
(A voz que me chamava, certa e calma,
Não viu que eu avançava cego e tonto...)

Achou-me assim, o tal que me perdeu!
- Ó nuvem! - tarde triste da minh`alma,
Quem por seus sonhos sofre como eu?


(In "Livro de Bordo", 2ª edição, Editorial Inquérito)


PÓDIO
Maria João Brito de Sousa

"Lá longe, aonde a vida me começa",
O Tempo é bem mais lento do que eu sou;
Corro, passo-lhe à frente a toda a pressa,
Sou quem ao próprio Tempo ultrapassou!,

"Mas a infância passou, nua e depressa"
E a vida, quando os passos me travou,
Provou-me que, vivendo, se tropeça
Onde jamais o Tempo tropeçou...

"- Número sete, um passo em frente! - Pronto!"
Eis-me que mal avanço... o Tempo, esse,
Nunca envelhece, nem me dá desconto;

"Achou-me assim, o tal que me perdeu!"
(Mas como não esperar que me perdesse,
Se eu quis roubar-lhe o seu maior troféu?)

(Maria João Brito de Sousa - 19.11.2016 - 21.36h)


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