Alberto (Lisboa) Cohen

Belém, PA (1942-...)


APENAS SEMENTE
Alberto Cohen

Que eu morra, de repente, nos teus braços,
como se fosse o fim de mais um verso,
uma rima perdida no universo,
enfim a descansar de seus fracassos.

Que eu guarde em teu olhar meus infiéis
olhares de quem tanto perseguia
a pureza que, às vezes, recendia,
devassa, pelos quartos de bordéis.

Que me tenhas só teu, nesse momento,
e seja de tua boca o meu alento
derradeiro de paz e de agonia.

E que partas, depois, levando ao colo
a alminha do guri que jaz no solo,
plantado qual semente de poesia.



SONETO PARA O RAUL
Alberto Cohen

Eu sou o destempero da panela,
o resto que sobrou por toda a tampa,
o lixo que se joga da janela,
o morto que levanta de sua campa.

Eu sou o esquecimento do passado,
a total incerteza do futuro,
a solidão que tem o boi capado
olhando as vacas por cima do muro.

De repente, quem sabe, nem existo,
sou, apenas, silêncio que anuncia
que o Cristo não chegou a ser um Cristo.

No agonizar cansado deste louco,
o muito não será mais do que o pouco,
e o grito é bem maior do que a alegria.



SONETO DO PERDÃO
Alberto Cohen

Deixa Senhor que eu cante mais um canto,
pequenino que seja, tolo e triste,
mas que possa dizer do amor que existe
no meu sorriso e no meu desencanto.

Não mais que o solfejar de um passarinho
a desejar perdida liberdade,
cantiga de esperança e de saudade
de quem já foi metade e está sozinho.

Deixa, afinal, Senhor que esse meu canto
seja um misto de mágoa e de acalanto
para aquela que enjeito e mais procuro.

Que transforme em perdão o sofrimento
e, muito mais que um canto, um sacramento
torne santificado o amor perjuro.
  


SONETO DO AMOR QUE VIROU POEIRA
Alberto Cohen

E fugitivo da prisão dos medos,
quis, uma vez somente, estar liberto
para conter nas mãos o amor incerto
que, aos poucos, escorria entre meus dedos.

Muito tarde, porém, não mais havia
vestígio desse antigo sentimento,
apenas pó levado pelo vento,
sem nenhuma esperança ou serventia.

Segui tentando achar pelo caminho
um sorriso, algum gesto de carinho,
perdidos no pior da ventania.

Mas foi em vão, nos passos tropeçando,
não reencontrei o amor, nem mesmo quando
ressuscitou em forma de poesia.



JUSTA CAUSA
Alberto Cohen

Aborrecido, o amor pediu as contas,
não suportando aqueles triviais
carinhos simulados, frases prontas
colhidas em manchetes sociais.

E, de repente, sem nenhum aviso,
ali não era mais o seu lugar.
Nem dizer um adeus achou preciso,
simplesmente o amor deixou de amar.

No quarto, a cama branca e arrumada,
lençóis sem rugas, sem marcas, sem nada
de loucuras noturnas. Quem se importa?

De um jeito frio, calado e indiferente,
levando, apenas, a escova de dente,
o amor partiu, sequer batendo a porta.



O CAIS E O NAVEGANTE
Alberto Cohen

Mas sem a dor e o pranto, vida minha,
como saber do riso e da alegria,
se de contrastes são a noite e o dia,
se jamais estás só, mesmo sozinha?

Pois meu amor te guarda, vigilante,
infiltrado entre a pele e a camisola,
na lembrança do beijo que consola
e me faz perto, embora tão distante.

Tenho tantos desejos e cansaços
para entregar, inteiros, nos teus braços,
ao final do caminho que procuro.

Como chega do mar um navegante,
voltarei no convés de um barco errante
para o teu colo, meu Porto Seguro.



SONETO DO PERDÃO
Alberto Cohen

Deixe Senhor que eu cante mais um canto,
pequenino que seja, tolo e triste,
mas que possa dizer do amor que existe
no meu sorriso e no meu desencanto.

Não mais que o solfejar de um passarinho
a desejar perdida liberdade,
cantiga de esperança e de saudade
de quem já foi metade e está sozinho.

Deixe, afinal, Senhor que esse meu canto
seja um misto de mágoa e de acalanto
para aquela que enjeito e mais procuro.

Que transforme em perdão o sofrimento
e, muito mais que um canto, um sacramento,
torne santificado o amor perjuro.

  

TANGO
Alberto Cohen

O machucado amor que me consome,
em ódio se transforma, de repente,
ao ver o teu semblante sorridente
e tua boca que não diz meu nome.

Qual mendicante que há muito não come,
estendo a mão no desespero ingente
de suplicar, contrito e serviente,
que, caridosa, mates minha fome.

Mas não vês este amor que odeio tanto,
mistura de infernal e de mais santo,
antítese do sonho procurado.

E levas teu sorriso e teu perfume
para longe de mim e do ciúme
que ruge versos como um cão danado.



 RUA DOS PASSOS INÚTEIS
Alberto Cohen

Por essa rua que se faz de minha,
tímidos passos de perdido andante
sonham chegar bem perto do adiante,
mas a alma retorna mais sozinha.

E na esperança de um feliz instante
deixado por alguém na ruazinha,
cabeça baixa, de novo caminha,
lentamente, o invisível mendicante.

Uma luz escurece em cada esquina,
mesmo assim a procura não termina
pelo sofisma de uma vida inteira.

Cada pedra encontrada é preciosa,
pode mudar-se numa bela rosa
ou definhar num monte de poeira. 



Fontes:

http://www.riototal.com.br/escritores-poetas/expoentes-048.htm

http://docslide.com.br/documents/rua-dos-passos-inuteis-alberto-cohen-rua-dos-passos-inuteis-soneto-de-alberto-cohen.html




Um comentário:

  1. Sempre tão maravilhoso.
    Você é o mago dos poemas.
    Apenas Semente é escandalosamente lindo.

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