APENAS
SEMENTE
Alberto
Cohen
Que
eu morra, de repente, nos teus braços,
como
se fosse o fim de mais um verso,
uma
rima perdida no universo,
enfim
a descansar de seus fracassos.
Que
eu guarde em teu olhar meus infiéis
olhares
de quem tanto perseguia
a
pureza que, às vezes, recendia,
devassa,
pelos quartos de bordéis.
Que
me tenhas só teu, nesse momento,
e
seja de tua boca o meu alento
derradeiro
de paz e de agonia.
E
que partas, depois, levando ao colo
a
alminha do guri que jaz no solo,
plantado
qual semente de poesia.
SONETO
PARA O RAUL
Alberto
Cohen
Eu
sou o destempero da panela,
o
resto que sobrou por toda a tampa,
o
lixo que se joga da janela,
o
morto que levanta de sua campa.
Eu
sou o esquecimento do passado,
a
total incerteza do futuro,
a
solidão que tem o boi capado
olhando
as vacas por cima do muro.
De
repente, quem sabe, nem existo,
sou,
apenas, silêncio que anuncia
que
o Cristo não chegou a ser um Cristo.
No
agonizar cansado deste louco,
o
muito não será mais do que o pouco,
e
o grito é bem maior do que a alegria.
SONETO
DO PERDÃO
Alberto
Cohen
Deixa
Senhor que eu cante mais um canto,
pequenino
que seja, tolo e triste,
mas
que possa dizer do amor que existe
no
meu sorriso e no meu desencanto.
Não
mais que o solfejar de um passarinho
a
desejar perdida liberdade,
cantiga
de esperança e de saudade
de
quem já foi metade e está sozinho.
Deixa,
afinal, Senhor que esse meu canto
seja
um misto de mágoa e de acalanto
para
aquela que enjeito e mais procuro.
Que
transforme em perdão o sofrimento
e,
muito mais que um canto, um sacramento
torne
santificado o amor perjuro.
SONETO
DO AMOR QUE VIROU POEIRA
Alberto
Cohen
E
fugitivo da prisão dos medos,
quis,
uma vez somente, estar liberto
para
conter nas mãos o amor incerto
que,
aos poucos, escorria entre meus dedos.
Muito
tarde, porém, não mais havia
vestígio
desse antigo sentimento,
apenas
pó levado pelo vento,
sem
nenhuma esperança ou serventia.
Segui
tentando achar pelo caminho
um
sorriso, algum gesto de carinho,
perdidos
no pior da ventania.
Mas
foi em vão, nos passos tropeçando,
não
reencontrei o amor, nem mesmo quando
ressuscitou
em forma de poesia.
JUSTA
CAUSA
Alberto
Cohen
Aborrecido,
o amor pediu as contas,
não
suportando aqueles triviais
carinhos
simulados, frases prontas
colhidas
em manchetes sociais.
E,
de repente, sem nenhum aviso,
ali
não era mais o seu lugar.
Nem
dizer um adeus achou preciso,
simplesmente
o amor deixou de amar.
No
quarto, a cama branca e arrumada,
lençóis
sem rugas, sem marcas, sem nada
de
loucuras noturnas. Quem se importa?
De
um jeito frio, calado e indiferente,
levando,
apenas, a escova de dente,
o
amor partiu, sequer batendo a porta.
O
CAIS E O NAVEGANTE
Alberto
Cohen
Mas
sem a dor e o pranto, vida minha,
como
saber do riso e da alegria,
se
de contrastes são a noite e o dia,
se
jamais estás só, mesmo sozinha?
Pois
meu amor te guarda, vigilante,
infiltrado
entre a pele e a camisola,
na
lembrança do beijo que consola
e
me faz perto, embora tão distante.
Tenho
tantos desejos e cansaços
para
entregar, inteiros, nos teus braços,
ao
final do caminho que procuro.
Como
chega do mar um navegante,
voltarei
no convés de um barco errante
para
o teu colo, meu Porto Seguro.
SONETO
DO PERDÃO
Alberto
Cohen
Deixe
Senhor que eu cante mais um canto,
pequenino
que seja, tolo e triste,
mas
que possa dizer do amor que existe
no
meu sorriso e no meu desencanto.
Não
mais que o solfejar de um passarinho
a
desejar perdida liberdade,
cantiga
de esperança e de saudade
de
quem já foi metade e está sozinho.
Deixe,
afinal, Senhor que esse meu canto
seja
um misto de mágoa e de acalanto
para
aquela que enjeito e mais procuro.
Que
transforme em perdão o sofrimento
e,
muito mais que um canto, um sacramento,
torne
santificado o amor perjuro.
TANGO
Alberto
Cohen
O
machucado amor que me consome,
em
ódio se transforma, de repente,
ao
ver o teu semblante sorridente
e
tua boca que não diz meu nome.
Qual
mendicante que há muito não come,
estendo
a mão no desespero ingente
de
suplicar, contrito e serviente,
que,
caridosa, mates minha fome.
Mas
não vês este amor que odeio tanto,
mistura
de infernal e de mais santo,
antítese
do sonho procurado.
E
levas teu sorriso e teu perfume
para
longe de mim e do ciúme
que
ruge versos como um cão danado.
RUA
DOS PASSOS INÚTEIS
Alberto
Cohen
Por
essa rua que se faz de minha,
tímidos
passos de perdido andante
sonham
chegar bem perto do adiante,
mas
a alma retorna mais sozinha.
E
na esperança de um feliz instante
deixado
por alguém na ruazinha,
cabeça
baixa, de novo caminha,
lentamente,
o invisível mendicante.
Uma
luz escurece em cada esquina,
mesmo
assim a procura não termina
pelo
sofisma de uma vida inteira.
Cada
pedra encontrada é preciosa,
pode
mudar-se numa bela rosa
ou
definhar num monte de poeira.
Fontes:
http://www.riototal.com.br/escritores-poetas/expoentes-048.htm
http://docslide.com.br/documents/rua-dos-passos-inuteis-alberto-cohen-rua-dos-passos-inuteis-soneto-de-alberto-cohen.html
Sempre tão maravilhoso.
ResponderExcluirVocê é o mago dos poemas.
Apenas Semente é escandalosamente lindo.