Japão


Escrevendo sobre sonetos japoneses, diz J. G. de Araujo Jorge, em uma de suas coletâneas de traduções: — "Evidentemente, os sonetos japoneses figuram nesta Coletânea mais como uma nota pitoresca. Não nos foi possível ter em mãos um material literário suficiente para que se tentasse uma seleção verdadeira da melhor poesia lírica do Japão de nossos dias".

Isto, aliás, é muito natural, uma vez que os poetas japoneses, praticamente, só começaram a assimilar o soneto, e assim mesmo em doses homeopáticas, na medida em que se fazia sentir, com as dificuldades conhecidas, a influência ocidental na vida nipônica. E isso é recente.

J. G. teve de recorrer a um outro poeta e tradutor, Luís Antônio Pimentel, seu velho amigo, que viveu alguns anos no Japão, e cuja literatura estudou, tornando-se, dela, um entusiasta.

Os três sonetos que, a seguir, publicamos, foram traduzidos por Luís Antônio Pimentel, nascido em 1912, no Estado do Rio de Janeiro: um de Isamu Ioshü, diretamente do japonês; e dois de Masao Kato, através da língua inglesa.

Devem ser particularmente penosas e quase impraticáveis, tanto a adaptação de um soneto de língua estrangeira para o japonês, como a tradução de um soneto japonês para qualquer outra língua. Isto porque, pela índole do idioma, o poema nipônico não pode ter rimas, tem de ser construído com versos "brancos".

Os poetas modernos do Japão, esclarece J. G., procuram utilizar, com habilidade, os caracteres gráficos. Podem metrificar os seus versos, mas a contagem silábica é diferente, porque todas as sílabas da língua "são tônicas, ou melhor dizendo: átonas, não havendo, portanto, elisões". Além disso, "a frase japonesa termina sempre em verbo e as terminações dos verbos e das palavras são, necessariamente, em vogais — a, e, i, o, u — o que terá de dar aos versos uma insuportável monotonia". Daí, não conseguirem "as variações de sonoridades das línguas ocidentais".

As traduções que apresentamos, com as rimas exigidas no soneto clássico, não nos surpreendem, pois Pimentel é um tradutor consagrado e dele nos servimos, várias vezes, nesta obra. Com muito prazer, aqui registramos nosso aplauso pela tradução que fez, diretamente, da língua original. Na verdade, é uma versão, e não uma tradução, mas, de qualquer modo, um trabalho que prova a sua inteligência e a sua versatilidade.

Eis os três sonetos:

"A vida é breve"
 Isamu Yoshü (n. 1916)
(Trad. do original japonês, por Luís Antônio Pimentel)

Amemo-nos agora... A vida é breve!
Enquanto é rubra a tua boca em flor,
teu sangue, que hoje é sol por sobre a neve, 
amanhã, quem dirá qual sua cor?

Amemo-nos agora... A vida é breve!
De braços dados, vamos, sem temor,
no manso barco que por fim nos leve
a um mundo feito para o nosso amor...

Vagando suavemente pelo mar,
quero em meu peito a tua pulsação,
sem que ninguém nos venha perturbar...

Vivamos hoje, amor, essa paixão,
mantendo acesa a chama de um altar
que arde, perene, em nosso coração.



"Para Mônica em quimono, no seu quinto aniversário" 
Masao Kato 
(Trad. do inglês, de Luís Antônio Pimentel)

Como cantar beleza assim tão rara?
Vendo-te — a mais formosa entre as formosas —
adivinho-te o corpo, a carne clara,
no quimono de curvas caprichosas.

Com suas cores suaves, harmoniosas,
listrado em tons que alguém jamais sonhara: 
ofusca, em Maio, as cores mais verdosas,
com seu frescor que a nada se compara.

Nele, teu porte sempre calmo e nobre
dá-te ao gesto e às feições toda a expressão:
é um símbolo da graça que te cobre

com o fascínio da velha tradição!
Desejo-te hoje: o sonho já colhido,
e o canto da beleza em teu ouvido!



"Para Mary, no hospital"
Masao Kato 
(Trad. do inglês, de Luís Antônio Pimentel)

Ah! Nada foi maior do que a surpresa
que hoje tive, sabendo-te internada
num hospital. Permita-me a estranheza
se ainda ontem eu a vi tão animada,

de alma feliz, sem sombra de tristeza.
Nosso escritório? A porta está fechada,
terra escura, sem flor e sem beleza
tua volta a aguardar, luz adorada!

A cotovia, onde andará? Não solta
mais, a doce canção, cortando os ares.
Que Deus apresse logo a tua volta!

E, agora, como estás? E os teus penares?
Que Deus te tenha em paz sempre guardada
até que voltes, sã, linda e abençoada!






 (Das páginas 459 a 461 de “O Mundo Maravilhoso
do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)

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