O Soneto
Palavras preliminares
Não temos a presunção de escrever, no
capítulo inicial desta obra, uma História da Literatura.
Nosso assunto é o Soneto, inventado no
século XIII, e a Literatura — no
princípio, forçosamente, muito rudimentar — subsiste desde quinze séculos antes
de Cristo, e foi revelada pelos hindus, povo de raça indo-ariana, que falava o
sânscrito e habitava o noroeste das Índias.
Por outro lado, estaríamos laborando em
erro se nos dispuséssemos a considerar os fatos sucedidos na antiguidade
oriental, cudos povos foram os primeiros a conceber documentos históricos:
hindus; chineses; egípcios; assírios e babilônios; fenícios; hebreus; e persas.
Esse período terminou com as Guerras
Pérsicas (ou Médicas), do século
V a.C., vencidas pelos atenienses que, por três vezes, derrotaram os invasores
do império persa, então no seu apogeu: na primeira guerra, o Imperador Dario I,
em Maratona (490 a.C.); na segunda, Xerxes, em Salamina (480 a.C.), Platéias e
Mícale (479 a.C.); e, na terceira, quando os persas foram obrigados a aceitar o
tratado de paz de Címon (449 a.C.). A paz de Címon foi a vitória de Atenas.
Tampouco teria sentido rememorarmos os
cânticos e os epinícios do velho classicismo, durante o qual a Grécia usufruiu
eras de esplendor, criando uma estética de linguagem que se imortalizou e será
citada enquanto viverem homens de pensamento sobre a terra. Igualmente, não
viríamos trazer à baila a arte de escrever dos romanos, que, também grandes clássicos,
brilharam intensamente, até a queda de seu poderoso império ocidental, em 476
depois de Cristo. Nem nos tocaria abranger, com minúcias, toda a história da
Idade Média, de 476 até a queda do Império Romano no oriente, em 1453, data em
que os turcos tomaram Constantinopla, comandados por Mahomet II, reinando
Constantino como Imperador Romano.
A Idade Média, ou Idade Escura, durou mil
anos. Ao redescobrirem os clássicos, esquecidos por tantos e tantos anos, os
Renascentistas chamaram o extenso período de "médio", ou trevoso. Não
existia razão para se dar, como se deu, um significado pejorativo à palavra
"medieval", pois, se é verdade que houve, naquele milênio, muitas
trevas, não é menos verdade que surgiram fortes jactos de lucidez entremeando
as guerras de conquista, longas e continuadas. E tudo se transformou com a nova
luz da Renascença, que emergiu no espaço, derramando deslumbrantes auroras na
linha imaginária dos horizontes. Bastar-nos-ia mencionar os descobrimentos
marítimos e as grandes invenções (da pólvora, da bússola, do papel e da
imprensa).
Este livro, repetimos, não nasceu para
louvar a antiguidade mais remota. Nasceu para, em largas pinceladas, cantar
algo a partir dos importantes sucessos literários do final da Idade Média, que
produziu páginas indeléveis da poesia. O verso rejuvenesceu e o próprio Soneto
é fruto dessa época.
Sabemos que a literatura de um povo é,
dentre as artes, aquela cuja vitória mais contribui para torná-lo imperecível.
Por isso, rendemos nossa primeira homenagem a todos os povos que permaneceram,
ilesos, na memória dos séculos, revividos em suas obras literárias.
No relógio da eternidade, cada geração tem,
figuradamente, apenas um momento de vida. Mas, esse momento, que é como o
rastro de um meteoro, poderá continuar fulgindo no correr dos tempos, se
deixar, atrás de si, uma literatura que seja respeitável.
O majestoso castelo de ouro que uma geração
conseguiu edificar será contemplado, com embevecimento e orgulho, pelos seus
descendentes, que o cobrirão de louros imarcescíveis.
Acreditando muito na força de nosso ideal,
caminhamos de olhos fitos no termo da estrada, onde entrevemos o alvo
pretendido, que é o esplêndido clarão da Poesia.
Em matéria de Soneto, perlustramos boa
porção dos séculos XIII e XIV, bem como a fase da idade moderna (de 1453 até a
Revolução Francesa, em 1789) e, depois, os eventos congêneres da idade
contemporânea, de 1789 até nossos dias.
Na medida em que abordamos os ciclos
literários e suas conseqüentes escolas e tendências, nós o fazemos de maneira
racional, inclinando-nos, como parece lógico, para os campos de ação das
línguas neolatinas.
Enfim, nosso escopo é situar, através de
seus sete séculos de existência, o Soneto, cuja continuidade é uma das
maravilhas da literatura mundial.
Quanto à denominação dos mais importantes
movimentos literários, em geral, escolhemos o paradigma proposto pelo emérito
ensaísta, Professor Hênio Tavares, de Belo Horizonte, autor de uma categorizada
"Teoria Literária".
Escolas gerais
Hênio Tavares assim pensa: — "A rigor,
haveria apenas duas escolas gerais: a clássica,
apolínea e unitária, na qual os artistas são mais ou menos fiéis a certos
modelos, e dão aos seus estilos uma certa unidade; e a romântica, dionisíaca e multiforme, na qual os artistas se
individualizam na procura de processos pessoais e dão aos seus estilos
independência nitidamente subjetiva".
Escolas principais, ou maiores
Evidentemente, seria esta uma classificação
por demais simplista. Assim, Hênio Tavares vai um pouco mais longe: "Na
história da literatura universal podemos destacar três grandes ciclos: o oriental, o clássico e o ocidental".
No oriental, inclui as literaturas mais
antigas, a que já nos referimos. No clássico, encontra a antiguidade
greco-latina, também citada e que serviu de "modelo ao clássico moderno
renascentista e ao neoclássico do século XVIII ". E no ocidental, estão as
"literaturas ocidentais (como o próprio nome diz), incluindo-se o período
medieval, que foi como um hiato histórico entre o clássico antigo e o clássico
do Renascimento”.
Finalmente, Hênio se decide: "As escolas
principais, ou maiores, sob o ponto de vista rigorosamente estético, são: a Clássica, a Romântica, a Realista, a Simbolista e a Modernista."
Quanto ao Parnasianismo, movimento, sem dúvida, dos mais importantes da
literatura ocidental, Hênio, cuja opinião respeitamos — inclusive por terem o
mesmo pensamento outros grandes historiadores e teoristas literários — não o
considera uma escola, mas uma notável tendência
do Realismo. Nas mesmas condições estariam o Naturalismo e o Impressionismo.
O ensaísta não deixa de ter em boa conta
outras "variadas tendências que cada uma dessas escolas apresenta".
Dentre elas está, como vimos, a fase anteclássica,
ou medieval (período arcaico), que,
cronologicamente, deve abrir o pequeno histórico deste capítulo.
Antes, porém, vamos transcrever algumas
palavras de Hênio Tavares, sobre o relacionamento artistas-escolas literárias:
... “O artista se filia, consciente ou
inconscientemente, a uma delas. De fato, o artista é livre na escolha. No
âmbito da literatura nem sempre é fácil rotular ou classificar certos autores dentro de uma
escola, pois há alguns que, colocando-se acima dos princípios normativos das
escolas, mostram-se fundamentalmente independentes." (....) "Outros
há que apresentam características de diversas escolas e tendências... Como um
Manuel Bandeira, cuja versatilidade artística fá-lo tradicional e
modernista". (....) "As escolas não podem ser vistas em divisões
estanques e nem estão rigorosamente jungidas ao tempo ou às datas. Por isso, há
artistas que podem ser classificados em muitas escolas, independente da época
em que eles vivem e da época em que elas despontam. Assim, pode haver um
clássico (no sentido específico) ou um romântico em plena época
modernista". (....) "Nossos parnasianos o foram quase sempre na
forma, e muitas vezes românticos no conteúdo. Goethe foi um clássico no estilo,
sem deixar de ser romântico, sob outros aspectos". (....) "Disso tudo
torna-se fácil concluir não ser a escola que valoriza a criação artística ou o
artista, mas sim este que valoriza a arte ou a escola".
A arte é uma só, em sua essência. O que
vale é a mensagem do artista. E este, segundo a judiciosa conclusão de Hênio
Tavares, "preso ou não a uma determinada escola, será grande se grande for
sua obra".
Fase anteclássica, ou medieval
(ou período arcaico)
O período anteclássico, ou medieval, "o primeiro das literaturas
ocidentais", abrange, em Portugal, os séculos XII a XV, antes, portanto,
da descoberta do Brasil.
Foi, aliás, por essa época, que nasceu o
Soneto, o único poema de forma fixa que conseguiu vencer o perpassar do tempo.
Não o conheceram, pois, os gregos e os latinos da antiguidade clássica.
Vamos encontrar, na fase anteclássica, a
poesia de inspiração provençal (Escola
Trovadoresca, com as "cantigas de amor", as "cantigas de
amigo" e as "cantigas de maldizer"); e a poesia de influência
espanhola (Escola Palaciana, assim
chamada porque a poesia popular, já no século XV, começou a decair, passando a
viver mais nos palácios e nas cortes).
A Escola
Trovadoresca, surgida na Provença, condado ao sul da França, constituía-se
de poetas-cantores e músicos, nos séculos X até o XIII.
A poética desse tempo era chamada
"gaia ciência".
Segundo muitos historiadores, inclusive
Marques da Cruz, existiam o "jogral", o "segrel", o
"menestrel" e o "trovador".
O "jogral", uma espécie de
"bobo da corte", tinha, também, por profissão, divertir os reis, os
grandes senhores e o público, com suas chalaças e momices. Cantava, tocava
instrumentos, principalmente a viola e o alaúde. Ainda executava acrobacias e
era domador de serpentes. Os jograis iam de terra em terra, de castelo em
castelo. cantando e recitando. Não produziam as poesias que interpretavam.
Boêmios, viviam da generosidade dos senhores nobres, deles recebendo dinheiro,
roupa e alimentos. Conta-se que Eduardo I, rei da Inglaterra (de 1272 a 1307),
chegou a contratar cerca de 450 jograis para realçarem a festa de casamento da
princesa Margareth, sua filha. Ao lado do jogral, não raro, se apresentava a
"jogralessa", de qualidades artísticas semelhantes às do seu
parceiro.
Os franciscanos diziam-se "jograis de
Deus".
O "segrel", também profissional,
era o cantor que acompanhava um nobre ou um eclesiástico. Uma espécie de jogral
da corte. Havia, porém, o segrel instruído, às vezes, mesmo, um
ex-eclesiástico. capaz de compor as cantigas.
O "menestrel" era o músico e
cantor ambulante dos tempos da antiga cavalaria, vivendo, como profissional,
agregado aos trovadores fidalgos. Fazia versos e cantava pelos castelos, sempre
envolto em grande popularidade. Acompanhava, com seu instrumento, os cantos dos
senhores. Quando de origem clerical e, portanto, com qualidades intelectuais,
exercia papel saliente nas cortes, onde organizava divertimentos e espetáculos
artísticos. Jean de Froissart (1337-1410) foi menestrel. Homem culto, cônego,
secretário da rainha da Inglaterra.
O "trovador" estava acima do
jogral, do segrel e do menestrel. Compunha as próprias cantigas, mas entregava
a parte da música e da execução aos jograis e aos segréis, que mantinha para
esse fim.
Os trovadores, homens ilustres, nobres e
até reis, participavam da arte da poesia, ao lado de burgueses de comprovado
talento. Seu tema principal era o amor, baseado numa teoria platônica, embora
de quando em quando, se tratasse de paixão verdadeira. Bernard de Ventadour
(1140-1195), diga-se de passagem, foi o único poeta provençal que, sem o manto
da hipocrisia, manifestou livremente sua paixão...
Há quem distinga os trovadores dos
troveiros, que, a rigor, não passam de formas diferentes da mesma idéia. Os
trovadores (do provençal "troubadours"), falavam e escreviam na
"langue d'oc" (sul da França). Os troveiros (do francês "trouvère"),
usavam a "langue d'oil" (norte da França).
Importantes trovadores provençais
("langue dóc") foram: Bernard de Ventadour, já citado, o mais
"moderno" de todos; Arnaut Daniel (1150-1189), inventor da
"sextina"; Girard de Bourneuil (1150-1220), tido, por muitos, como o
inventor do soneto; Bertrand de Born, que foi fidalgo do Périgord (antiga
região da França) e morreu frade em 1210; Peire Vidal (1150-1210); Peire
d'Auvergne (século XII); Peire Cardenal, nascido em 1210 e morto no fim do
mesmo século; Guiraut Riquier (1250-1294); Rambaldo de Vaqueiras (1180-1207);
Guilherme de Aquitânia (Guilherme IX), conde de Poitiers e duque de Aquitânia e
de Gasconha (1071-1127), um dos mais antigos poetas em língua românica. Diz-se
que foi o primeiro trovador.
Na França ("langue d'oil"), foram
troveiros de algum relevo (século XIII): Conon de Bèthune; Colin Muset;
Philippe de Nanteuil; Gace Brulé; Jean Bodel, que deixou Arrás, sua terra
natal, em 1202, por estar leproso; Thibaud IV (1201-1253); Blondel de Nesles;
Adam de la Halle, rico burguês, chamado "o Corcunda", e que foi
exilado de sua terra natal (também Arrás), em 1269, por questões políticas.
Eram, quase todos, cavaleiros, nobres, senhores; e os seus poemas, líricos.
Entre eles, contava-se Ricardo Coração de Leão (1157-1199), que foi rei da
Inglaterra (1189-1199).
As atividades trovadorescas, dentro da
Provença, diminuíram muito nos séculos XII e XIII, mas adquiriram cores novas e
novo alento em outros países.
Na Alemanha medieval, os próprios
compositores cantavam: eram chamados "Meistersingers" (mestres
cantores) e "Minnesingers" (cantores de amor). Os principais:
Spervogel, morto em 1180, pioneiro de "uma segunda linha de evolução das
formas líricas"; Dietmar von Aist, que fez uma boa aliança da canção
popular com a arte da lírica provençal; Friedrich von Hausen (1150-1190), amigo
do imperador Frederico Barba-Roxa; Heinrich von Morungen (1150-1222), conforme
Fritz Martini, "o primeiro que elevou a canção alemã a um alto grau de
perfeição"; Reinmar von Hagenau (1160-1205), poeta de renome, na corte do
duque Leopoldo, em Viena; Walther von der Vogelweide, possivelmente de origem
austríaca (1170-1230), de acordo com Martini, "o maior trovador da Idade
Média Alemã e um dos grandes líricos de sempre". Com Frederico II, partiu
Walther para a Sexta Cruzada (1228-1229). Escreveu Klabund: "Ele odiava os
padres e o falso Deus que se achava em Roma. Queria ver face a face o Deus
verdadeiro. Entoou para os cruzados a canção da cruzada". Disse mais
Klabund: "Ainda na morte queria honrar seu nome: seu túmulo deveria ser um
prado para as aves".
Os trovadores, na Itália, em especial ao
norte, empregaram, inicialmente, a língua da Provença.
O Cancioneiro castelhano, por excelência, é
o de Baena, compilado por Juan Alonso de Baena, que morreu em 1445. Nesse
Cancioneiro encontram-se poesias de mais de 40 poetas da corte de D. João II de
Castela.
É claro que as criações dos trovadores não
tinham a estrutura do que hoje chamamos trova, ou seja, uma estrofe de quatro
versos setissílabos rimados (o primeiro com o terceiro e o segundo com o
quarto). Eram pequenos poemas sem limite de versos, para serem declamados ou
cantados.
Consta que o primeiro trovador a cultivar a
quadra em ver-sos de sete sílabas, como a fazemos atualmente, foi Afonso X, de
Leão e Castela, o "rei-sábio", também cognominado o
"Astrônomo".
Não obstante haver adotado o castelhano
como língua oficial, ele compôs as "Cantigas de Santa Maria", em
louvor à Virgem, em galaico-português (língua catalã muito ligada ao provençal),
contendo 420 poemas musicados, entre os quais um número superior a 200 trovas.
(Em 1961, a Universidade de Coimbra reeditou essa obra.)
Cerca de 30 outros poemas que produziu, na
maioria satíricos, de conteúdo moral e político, estão incluídos nos
Cancioneiros da Vaticana e da Biblioteca Nacional, a que aludiremos logo
adiante. Afonso X nasceu em 1221 (Toledo), reinou de 1252 até 1282, quando foi
deposto por seu filho D. Sancho IV. Morreu em .1284 (Sevilha).
Em 1128, Portugal se desmembrou de Leão
(Leon) e se transformou em reino.
D. Dinis (1261-1325), o grande
rei-trovador, que subiu ao trono português em 1279, chamado o
"Lavrador", ou o "Trovador", compôs centenas de cantigas.
Em seu reinado, a trova brilhou intensamente. Antônio Ferreira, um "clássico
moderno", assim se referiu a ele: "honrou as musas, poetou e
leu".
D. Dinis escreveu as "Baladas e
Pastorelas", "Cantares de amigo" e "Cantigas de amor",
pontos altos dos cancioneiros medievais. Sua poesia trovadoresca, diz Marques
da Cruz, "tem o traço inconfundível da poesia provençal: é ingenuamente
amorosa e espontânea, brotando da alma como a água brota da fonte".
Aliás, não podemos esquecer os Grandes
Cancioneiros Portugueses (1198-1354). Portugal tornou-se, inclusieve, um
admirável celeiro de trovadores.
Tais produções se acham reunidas em três
"Cancioneiros": o "Cancioneiro da Ajuda", com 310 canções;
o "Cancioneiro da Vaticana", pertencente à Biblioteca do Vaticano,
com 1.205 cantigas, de cerca de 130 poetas da Espanha (inclusive D. Afonso X),
e de Portugal, entre estes D. Pedro (Conde de Barcelos) e D. Dinis (rei de
Portugal); e o "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa" (antiga
"Colocci Brancuti"), com 1.647 composições, das quais 1.100,
aproximadamente, repetidas do "Cancioneiro da Vaticana".
No "Cancioneiro da Ajuda"
encontra-se a famosa "cantiga de amor", "A Ribeirinha", de
Paio Soares de Taveirós, composta em 1189, e que Carolina Michaëlis de
Vasconcelos considera o mais velho texto conhecido de poesia portuguesa.
Cantiga dedicada à favorita de D. Sancho I, D. Maria Pais Ribeiro, mais
conhecida como "a Ribeirinha". Todavia, há fontes que indicam como
autor da mesma o próprio D. Sancho I, também trovador, e primeiro rei-poeta de
Portugal.
Por curiosidade, transcrevemos um pequeno
trecho da cantiga, em rimas consoantes:
No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vay
ca ia moiro por vos — e ay
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraya
quando vos eu vi en saya!
A Escola
Palaciana teve sua produção reunida no chamado "Cancioneiro
Geral", obra bilíngüe, que o fidalgo-poeta Garcia de Resende (1470-1536)
compilou e o rei D. Manuel I de Portugal (1469-1521), mandou publicar em 1516.
São mais de 1.000 produções, de 286 poetas portugueses dos séculos XV e XVI, escritas
em espanhol e em português, já revelando influência erudita. Aí é evidente a
feição nova da poesia castelhana, mais perto do "dolce stil nuovo" de
Florença, do que da corte de Afonso III e de D. Dinis, seu filho.
No "Cancioneiro Geral" encontram-se
produções poéticas de Gil Vicente, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro, D. Pedro
(Condestável de Portugal), Jorge de Aguiar, Diogo Brandão, além do próprio
Garcia de Resende.
O colecionador do "Cancioneiro
Geral" foi secretário particular do monarca português D. João II
(1455-145), que reinou de 1481 a 1495.
*
Escola Clássica
A Escola Clássica foi um reflexo das
literaturas grega e latina, ressurgida, de certa forma, no Humanismo, movimento
cultural italiano do século XIV, que se propagou pela Europa, onde predominou a
partir dos séculos XV e XVI. A riqueza cultural greco-latina, então descoberta,
estivera, durante a Idade Média, guardada, heroicamente, nos conventos, pelos
eruditos e pelos monges de Constantinopla ("nova Roma"), verdadeira
capital do Império Bizantino. Registra Afrânio Peixoto que "os bizantinos
foram os bibliotecários do gênero humano".
A "Grande Enciclopédia Delta
Larousse" define assim o Humanismo: "Doutrina que coloca o homem no
centro do universo e das preocupações filosóficas e outras. Tendência
filosófica e social que se orienta conforme ideais puramente humanos, em
oposição aos interesses religiosos".
Depois de confirmar que o humanismo, como
movimento intelectual, surgiu, mesmo, na Itália, no século XIV, a referida Enciclopédia
esclarece: "Mas esse acontecimento (a queda de Constantinopla, em 1453)
não significa, de maneira alguma, o começo do movimento humanista. Este tem
seus precursores nas universidades medievais, no século XII, homens como John
of Salebury e, mais tarde, o bispo Orésmio, físico 'e economista. Como primeiro
humanista costuma-se isolar, no séc. XIV, a grande figura de Petrarca, em que
coexistem, porém, com os elementos humanísticos, os medievais. O grande século
do humanismo italiano é o XV (“quattrocento"): Filelfo, Poggio
Braccialini, Biondo, Pico della Mirandola, Pontano, Sannazaro, e tantos outros
lançaram os fundamentos da filologia clássica e foram, em parte, notáveis
historiadores e poetas, sempre em língua latina".
No século XVI, confunde-se com o movimento
artístico da Renascença. A Inglaterra foi o primeiro país, ao norte dos Alpes,
que adotou o humanismo, com Thomas Morus e Colet. Ainda a Delta Larousse:
"Os humanistas ingleses tiveram papel importante na formação pessoal do
holandês Erasmo de Rotterdam, o maior humanista do séc. XVI, cuja influência se
tornou internacional".
Como movimento, o humanismo, que
"acabou antes do fim do séc. XVI", deu projeção a vários grandes
nomes na Alemanha (Celtis e Amerbach); na França (Budé e Montaigne); na Espanha
(pensadores e filólogos de Salamanca); e em Portugal (onde a figura destacada
foi Diogo do Couto).
Da campanha dos Humanistas surgiu, pois, o
"Renascimento", ou "Renascença".
Marques da Cruz recorda que a "época
clássica" abrangeu os séculos XVI, XVII e XVIII (Idade Moderna) e explica
que assim se chama porque os Jesuítas, cuja ordem apareceu no século XVI,
fundaram colégios para o ensino dos jovens, adotando, para uso das
"classes", livros de grandes escritores gregos e romanos. O escritor
usado na "classe" era, então, chamado "clássico". E
acrescenta que "hoje a palavra "clássico" passou a ter uma
significação mais ampla, designando-se com ela o escritor cujo estilo é
puríssimo e que exerceu larga influência nas letras".
Diz-nos Hênio Tavares: "A realidade
clássica é uma transfiguração da realidade, que, muito embora calcada no mundo
real, estabelece um critério ideal: — o paradigma, o modelo, deve ser superior
ao que existe". ("A função do artista clássico é de recriar a
realidade no que ela tem de universal, de verdade moral e estética para a
razão".
Especulou-se muito, nos meios literários,
em torno de uma exploração estulta, no que diz respeito às imagens, e até
versos praticamente inteiros, que os clássicos modernos escreviam,
"copiando" os velhos clássicos. Em verdade, não se caracterizava o
plágio servil. Na maioria dos casos correntiamente citados, existiu, apenas,
uma imitação, até proposital, de pensamentos, uma transposição de temas antigos
que, por sua vez, eram, já, repetidos de poetas mais antigos ainda. Hênio
Tavares chama a isso "acomodação da experiência artística dos antigos à
realidade contemporânea".
Fedro e La Fontaine imitaram Esopo.
Virgílio, Tasso e Camões imitaram Homero. Esses gênios não precisavam plagiar,
é óbvio. Procederam assim, conscientemente. Idéias semelhantes repostas em
expressões não raro melhoradas. Salomão estava certo quando disse que "não
há nada de novo sob o sol" ("Nihil novum sub sole").
E, a
propósito, eis aqui uma definição de Aristóteles: "A arte é a imitação das
coisas como elas deveriam ser". Os clássicos modernos não copiam os
clássicos antigos. Imitam-nos, e nisto não há demérito, porque, "em arte,
não há invenção, mas criação", confirma Hênio Tavares.
Quanto à identificação do tricentenário classicismo
moderno, Marques da Cruz escreveu e Hênio Tavares ratificou:
—
o quinhentismo (século XVI);
—
o seiscentismo (século XVII) — barroquismo;
—
o setecentismo (século XVIII) — arcadismo.
Sobre esse assunto, vale a pena
transcrevermos a opinião de Clóvis Monteiro: "A rigor, o Classicismo, em
Portugal, exerceu maior influência "da terceira década do século XVI,
quando regressa Sá de Miranda da Itália (1526), à terceira década do século
XIX, quando sai a lume o poema "Camões", de Almeida Garret (1825)".
O nosso querido Portugal atingiu no século
XVI — era do quinhentismo —, o seu
ápice político, marítimo, literário e
artístico. Ressalta Marques da Cruz. "O século XVI constitui a idade de
ouro da literatura portuguesa. É o século de Camões, o maior épico das
literaturas modernas".
"A língua da época medieval — então
quem fala é Hênio Tavares — passa por consideráveis transformações, devido à
influência do espanhol, buscam agora os seus cultores defendê-la; e um dos
processos dessa defesa, foi o de sua "latinização". Os escritores
latinizantes, se bem que rompendo a evolução natural do idioma, buscavam no
léxico latino e, não poucas vezes, no grego, elementos para o aperfeiçoamento
vernáculo. Antônio Ferreira foi o mais decidido paladino de tal campanha".
Devem ser destacados os seguintes
escritores e poetas quinhentistas
portugueses: Bernardim Ribeiro, Gil Vicente, Antônio Ferreira, Francisco de
Sá de Miranda, Diogo Bernardes, Luís Vaz de Camões. João de Barros.
O Brasil, recém-descoberto, ainda não
possuía — nem era possível — uma literatura própria, embora aqui tivessem
nascido ou vivido, naquela época, muitos escritores e poetas, entre os quais
José de Anchieta (1533-1597) e Bento Teixeira (1560-1618).
*
Passemos ao seiscentismo (século XVII) cuja fase mudou muito, em relação à
forma e ao conteúdo da poesia do século anterior.
A literatura lusa acompanhou a nação
(dominada de 1580 a 1640), submetendo-se ao estilo de Luís de Góngora, que foi
bastante criticado pelos próprios contemporâneos, em face da maneira
preciosista e extravagante de sua poesia. Deleitava-se com as frases vestidas
de ouropéis, cheias de palavras retumbantes e comparações arrojadas, de
metáforas e hipérboles, achando que, com afetação e descomedimento de imagens,
passaria por original e sutil.
Era o "gongorismo", que, também,
se denominava "cultismo", ou "culteranismo", seja, o culto do
som e da forma literária (Espanha e Portugal).
Ao lado dos excessos do
"culteranismo", surgiu outra manifestação literária algo semelhante
em seus objetivos fundamentais: o "conceptismo", ou
"conceitismo", em que havia rebuscamento de raciocínios, em que
havia, também, sofismas, sem, contudo, tantos exageros.
Francisco de Quevedo (1580-1645), poeta e
escritor espanhol de grandes qualidades, foi um "conceptista".
A verossimilhança de pormenores,
literariamente infrutífera, entre o culteranismo e o conceptismo, deu origem ao
Barroco.
*
Conforme esclarece a Grande Enciclopédia
Delta Larousse, o período em que se desenvolveu o Barroco foi posterior ao
Renascentismo (do qual se tornou, apenas, uma evolução) e anterior ao
neoclassicismo — e "compreende a maior parte da produção artística e
literária ocidental entre meados do século XVI e o final do século XVII, embora
em alguns países se tenha estendido até o século XVIII". Teria sido, neste
caso, o "barroco tardio".
O Barroco "é conhecido, aliás, sob
diversas designações: "conceptismo" e "culteranismo", na
Espanha e Portugal; "marinismo", na Itália de Giambattista Marino;
"gongorismo", do poeta espanhol Luís de Góngora;
"eufuísmo", na Inglaterra, através da obra "Euphues", de
John Lily; "silesianismo", na Alemanha do poeta Ange-lus
Silesius".
"Uma das constantes do espírito
barroco é a religiosidade, contida não só na literatura, como nas artes
plásticas". Tivemos os exemplos de El Greco na Espanha e do Aleijadinho no
Brasil. E na música, como são os casos de Bach e Hendel, na Europa, e do Padre
José Maurício (1767-1830), a maior figura musical brasileira do período
colonial.
Na literatura portuguesa, o barroco
histórico (do seiscentismo) apresentou grandes valores de todas as artes. Na
literatura, brindou-nos com os nomes de Antônio Vieira, Manuel Bernardes e
Francisco Rodrigues Lobo.
"O mais importante de todos os
cancioneiros de poesia barroca (ou seiscentista) de língua portuguesa —
registra a Delta Larousse — foi a "Fênix Renascida" ou "Obras
Poéticas dos Melhores Engenhos Portugueses". Foi publicado em cinco
volumes, e teve duas edições: a primeira em 1716-1728 e a segunda em 1746, e nele
se entrecruzam as mais variadas tendências poéticas".
Acrescenta a mesma Enciclopédia:
"Publicada por Matias Pereira da
Silva, a "Fênix Renascida" conta, como seus poetas mais importantes,
Antônio Barbosa Bacelar, Jerônimo Baía, Francisco de Vasconcelos, Jacinto
Freire de Andrade, Manuel Pinheiros Arnaut, Antônio da Fonseca Soares, Diogo
Camacho (ou Diogo de Sousa) e Tomás de Noronha".
A Delta Larousse destaca o seguinte:
"Um tema sério, de natureza não religiosa, mas ética, perpassa ao longo de
todo o cancioneiro: a soberanamente barroca preocupação com a precariedade da
vida humana, com a fugacidade das coisas e, portanto, a reflexão sobre a
vaidade, isto é, a vacuidade da vida, os enganos e desenganos da fortuna".
O barroco literário, que dominou nas
literaturas européias do século XVII, "caiu diante do classicismo francês,
vindo, entretanto, a ser reabilitado no século XX": na Inglaterra,
ressurgiram Donne e Shakespeare, este com a segunda fase de sua obra; na
Espanha, foram reabilitados Góngora e Quevedo; na Alemanha, Gryphius: na
França, com resistências, Pascal, Racine e La Bruyère.
Durante o século XVII, não apenas o
barroquismo se opôs ao então chamado mau gosto do cultismo. Também ressurgiram
as velhas Academias, que foram relembradas como capazes de expurgar as línguas
daquele defeito. Aliás, o barroquismo ofereceu uma boa recepcão ao espírito
associativo do velho-novo movimento.
A vida fascinante das chamadas Academias
floresceu na antiguidade clássica. Platão, célebre filósofo grego (429-347
a.C.), era discípulo e amigo de Sócrates (468-400 a.C.). Após a morte do
mestre, empreendeu uma série de viagens ao Egito e à Itália e, de volta a
Atenas, formou um ambiente maravilhoso ao seu redor. Em respeito à memória do
herói ateniense Academo, os lacedemônios liberaram a terra que lhe havia
pertencido. Foi ela, então, transformada em jardim, o "Jardim de
Academo", de onde se originou o nome de Academia, dado à escola de Platão.
Nesse local, à sombra das árvores, Platão, a partir de 387 a.C. e durante
quarenta anos, até morrer, reunia seus discípulos, aos quais transmitia sábios
e transcendentais ensinamentos. Um de seus discípulos foi Aristóteles (384-322
a.C.).
Mais tarde, voltaram elas com o
Renascimento, aparecendo primeiro na Itália. Foi uma epidemia que grassou pelos
principais países do mundo: Inglaterra, Espanha, França, Alemanha, Portugal...
Na Itália (Florença), existiram a Academia Platônica (1470) e a Academia Crusca
(1582). Na França, foi inaugurada a Academia do Palácio (1570).
Vamos abordar algumas grandes Academias de
marca oficial e até portadoras de selos Reais ou Governamentais que emergiram
no ocidente europeu. Entre essas entidades de vida longa e edificante, merecem
destaque: a "Academia Francesa", criada em 1635, por cartas régias de
Luís XIII, a pedido do Cardeal Richelieu; a "Sociedade Real de
Londres" (1660); a "Academia Real das Ciências de Paris" (1666);
a "Academia Real das Ciências da Prússia" (1700); e depois, seguindo
as suas pegadas, a "Academia Real Espanhola" (1714); a "Academia
Real da História Portuguesa" (1720), fundada por decreto de D. João V; a
"Academia Real de Ciências de São Petersburgo" (1725), fundada pelo
Czar Pedro, o Grande; a "Academia Real das Ciências de Lisboa"
(1780), com seus estatutos aprovados pela rainha D. Maria I.
Por outro lado, houve, em Portugal e no
Brasil, aquelas que tacharíamos de "Academias particulares",
custeadas ou patrocinadas por inúmeros Mecenas ressuscitados nos séculos XVI
até XVIII.
Respeitamos suas intenções, porém, com
poucas e honrosas exceções pessoais, não passaram, essas academias, de grupos
irrisórios e grotescos, preocupados com o vezo dos elogios mútuos e o
endeusamento exageradíssimo das autoridades de elite, suas protetoras. Basta
olhar para os próprios nomes de algumas, para se chegar a essa conclusão
desfavorável.
Em Portugal, estiveram em moda, no tempo do
rei D. João III (1502-1557), aclamado em 1521. Não obstante, a tradição começou
a guardar suas memórias somente nos séculos XVII e XVIII. A primeira a surgir
foi a "Academia dos Generosos", fundada em 1647, por Antônio Álvares
da Cunha; depois, a "Academia dos Singulares" (1663). E, no século
XVIII, as Academias dos " Aplicados " , dos “Obsequiosos", dos
"Ilustrados", dos "Ambientes", dos Problemáticos", dos
"Anônimos", depois chamada dos "Ocultos".
E no Brasil, com vida efêmera, funcionaram
a Academia Brasílica dos Esquecidos (1724); a Academia dos Felizes (1736); a
Academia dos Seletos (1752) ; a Academia Brasílica dos Renascidos (1759).
Nenhuma delas fez qualquer coisa de notável e duradouro.
Pode-se explicar que as manifestações
academicistas, no Brasil daquela época, eram divididas em três grupos
distintos, embora interdependentes: a "Academia" propriamente dita,
associação literária ou cultural, com objetivos fixados em estatutos adequados;
o "ato acadêmico”, ou seja, um certame, ou sessão, ou tertúlia literária,
com temário prefixado, para funcionar com público seleto, em homenagem a um
mandatário poderoso; e os "festejos públicos", constantes de atos religiosos, iluminárias,
cavalhadas e representações teatrais, comportando às vezes "atos
acadêmicos".
O influxo da literatura portuguesa tinha de
estar, ainda, presente; mas, apesar de sua vida precária e produção medíocre,
não se negará que as academias exerceram alguma influência benéfica no
progresso das incipientes letras brasileiras.
Ronald de Carvalho é da seguinte opinião:
"Já havia um certo orgulho em ser brasileiro, em mostrar que possuíamos,
também, e com voz própria, uma literatura".
Entre os seiscentistas, grandes escritores e poetas foram: Francisco
Rodrigues Lobo, Francisco Manuel de Melo, André Rodrigues de Matos, Diogo
Camacho (ou Diogo de Sousa), Soror Violante do Céu, Frei Luís de Sousa, Padre
Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Soror Mariana Alcoforado (todos de Portugal);
e Gregório de Matos Guerra, Manuel Botelho de Oliveira (ambos do Brasil).
*
Agora, a vez do setecentismo. O XVIII é citado como o século do Arcadismo.
Na metade da centúria, a arte barroca ainda
persistia, em Portugal e no Brasil. Mas, acabou cedendo lugar ao Arcadismo que
se transformou em um dos maiores movimentos literários deste lado do Atlântico.
Diz-nos Hênio Tavares: "A Arcádia já o
nome indica, remonta à mítica Arcádia dos helenos, fruto da imaginação de
Teócrito, cantada por Virgílio e pelos bucolistas renascentistas". (....)
"A poesia arcádica pretende restabelecer o equilíbrio quinhentista rompido
em seiscentos. Visa a dirimir a orgia ornamental e as sutilezas esotéricas do
jogo dialético, pela volta da clareza e simplicidade". (....) "O
gosto clássico reaparece na sua nobreza e sobriedade. É o neoclassicismo".
Filinto Elísio, como Antônio Ferreira no
quinhentismo, desempenhou papel importante em prol da língua. Rebelou-se contra
a influência classicista francesa (Boileau, Racine, Molière e La Fontaine),
verberou os freqüentadores dos salões de Paris e da Corte de Luís XIV. Era de
opinião extremadamente favorável à fonte latina. Queria voltar à imitação dos
antigos clássicos. E, quanto à poesia, deveria aristocratizar-se, limitando-se
aos iniciados:
"Poetas por
poetas sejam lidos"
Em Portugal e no Brasil, o Arcadismo teve
existência apreciável. Portugal, com a "Arcádia Lusitana" (1756) e a
"Nova Arcádia" (1790); o Brasil, com a "Arcádia Ultramarina"
(1780 ou 1783), e a "Sociedade Literária" (1786), ambas no Rio de
Janeiro. Entretanto, o predomínio decisivo e histórico desse movimento
pertenceu ao "Grupo Mineiro" (1750-1830). O Arcadismo, que foi o
próprio neoclassicismo, tornou-se uma ponte pênsil ligando o Classicismo ao
Romantismo.
Houve, antes do Romantismo, uma fase
"pós-barroca", a que se atribuiu o nome de "rococó"
(1720-1780). Diz Hênio: "É a época da elegância sofisticada, tempo de Luís
XV, de danças leves e delicadas, corno o minueto".
Em capítulo distinto, mais adiante,
oferecemos, além de uma história resumida do "Arcadismo", sonetos de
excelentes qualidades, produtos da inteligência e da inspiração peregrina de
árcades brasileiros de porte excepcional, como Cláudio Manuel da Costa, José
Basílio da Gama, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga Peixoto.
*
Ao concluirmos estes trechos sobre a Escola
Clássica, cumpre-nos esclarecer que não só os escritores e poetas mencionados
integram a brilhante galeria dos clássicos modernos.
Mesmo em relação a tempos muito mais
recentes, poderíamos declinar outros, que foram modelos de arte e, portanto,
dignos de ser apontados como autores clássicos.
Entre os brasileiros, deve haver, pelo
menos, duas dezenas deles. Não nos arriscamos a apresentar uma lista
pretendidamente completa.
Vamos, porém, citar os nomes de alguns,
apenas dez, que, certamente, figurariam em qualquer relação porventura preparada
por um estudioso, ou analista, de matéria tão importante, e até mesmo complexa.
Ei-los: Machado de Assis, José de Alencar, Euclides da Cunha, Rui Barbosa,
Coelho Neto, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos,
Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde).
Um escritor, ou poeta, tem direito a essa
designação, seja qual for a escola literária a que pertença.
Escola Romântica
... No entanto, estava a caminho o
Romantismo. Este movimento, aliás, vinha sendo despertado por um grito de
alerta que, no último quartel do século XVIII, surgiu de várias partes, e ao
qual dá-se, hoje, o nome de pré-romantismo. Era como que o preâmbulo de um novo
tipo de sensibilidade.
Suas primeiras manifestações marcaram
presença na Alemanha.
Entre os mais conhecidos pré-românticos
daquele país, mencionamos Johann Georg Hamann (1730-1788) ; Jacob Michael
Reinhold Lenz (1751-1792); Friedrich Gottlieb Klopstock (1724-1803), o maior
expoente do sentimentalismo da época; Christoph Martin Wieland (1733-1813);
Matthias Claudius (1740-1815); Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que se
afastou, evoluindo para certo estilo próprio de neoclassicismo.
O Romantismo visava à originalidade
subjetiva, substituindo as regras estéticas do classicismo. Caracterizou-se
pelo renascimento do lirismo, pela preponderância da imaginação e da
sensibilidade sobre a razão e, muito especialmente, pelo individualismo.
Esses anseios encontraram seu símbolo na
"flor azul", espécie de Graal moderno, de Novalis (Friedrich, barão
Von Hardenberg, conhecido pelo pseudônimo "Novalis"), poeta alemão
(1772-1801). que seguiu o rumo da exaltação mística, após a morte de sua noiva.
Sophie von Kühn, de quinze anos de idade.
August Wilhelm Schlegel (1767-1845) e seu
irmão Friedric Schlegel (1772-1829), líderes intelectuais do primeiro grupo romântico
(lena-Berlin), editaram, de 1798 a 1800, a revista "Athenáurn”
("Ateneu"), primeiro órgão do romantismo na Europa e no mundo. Nessa
revista foram publicados manifestos da nova escola.
August era professor de literatura da
universidade de lena. Rompeu com Goethe e Joahann Friedrich von Schiller
(1759-1805), clássicos geniais, que, não obstante, acabaram sendo os maiores valores
românticos na Alemanha.
Friedrich Schlegel era um espírito mais
original que August. Escritor, crítico, pensador, de agilidade mental
extraordinária, tornou-se o mais perfeito inspirador da estética romântica.
Foi muito importante na eclosão do
Romantismo o movimentado círculo de Iena, onde se distinguiram os irmãos
Schlegel, ao lado de Novalis e Tieck, além de Karoline Michaelis (1769-1809) — nome
de solteira — casada com August e, mais tarde, em se-gundas núpcias, com o
filósofo alemão Friedrich Schelling (1775-1854). Novalis, o maior poeta do
grupo. Seguiram-se muitos outros, entre os quais os irmãos Grimm — Wilhelm
(1786-1859) e Jakob (1785-1863); e Heinrich Heine (1797-1856), certamente o
último romântico alemão, como poeta.
Escreve Fritz Martini, autor da
"História da Literatura Alemã":
— "O sentido do infinito foi o órgão
romântico da experiência do mundo. O Romantismo abrangia e misturava todos os
domínios do espírito humano: a poesia e as artes plásticas, a história e as
ciências da natureza, a psicologia e a sociologia, a filosofia e a medicina, a
política e a religião. A vida que os clássicos pretenderam modelar em formas
duradouras, de novo se converte em movimento individual e ilimitado
fluir".
O Romantismo, da Alemanha comunicou-se à
Inglaterra, onde se distinguiram, desde logo, como adeptos exponenciais,
"lord" George Gordon Byron (1789-1824); Walter Scott (1771-1832)
Sa-muel Taylor Coleridge (1772-1834); Percy Bysshe Shelley (1792-1822), amigo
de Byron e um dos primeiros poetas líricos ingleses; e William Wordsworth
(1770-1850).
Logo depois, alcançou a França, que
ingressou na nova corrente literária, com Madame de Staël (1766-1817); Chateaubriand
(1768-1848); Lamartine (1790-1869); Alfred de Vigny (1797-1863); Alfred de
Musset (1810-1857); George Sand (1804-1876); Victor Hugo (1802-1885).
Os alemães, talvez por dificuldades
lingüísticas, deram à nova escola a denominação de "Die Romantische Schule".
Mas, os franceses, práticos, com sua língua bem mais maleável, sintetizaram
aquela "expressão" em uma só palavra: "Romantisme". O
neologismo foi aceito em todos os países.
Não há dúvida de que a Revolução Francesa
(1789) destruiu os sistemas aristocráticos, dando lugar ao liberalismo
político, com altos reflexos na literatura. O Classicismo sofreu, embora
lentamente, golpe profundo e houve uma grande transformação mental no início do
século XIX. A arte popular dos românticos substituiu a arte aristocrática dos
clássicos.
Victor Hugo classificou o Romantismo como
"revolução francesa transformada em literatura" .
Achamos algo rigoroso o tratamento que dá,
ao Romantismo francês, Philippe Van Tieghem, autor da História da Literatura
Francesa. Escreve ele: "Não há, em França, escola romântica, como não
existira escola clássica. Formados por influências análogas, vários escritores
excepcionalmente dotados deram ao prelo as suas obras, mais ou menos
simultaneamente, entre 1820 e 1830. Todos eles apresentam características
comuns — e são estas que constituem o Romantismo". (....) "Claro,
houve mestres e discípulos, mas estes depressa dispensaram tutelas. Ou melhor,
houve um mestre — Victor Hugo — que se impôs, não como chefe da escola, mas
pelo esplendor do seu gênio".
Para Tieghem, só existiram quatro grandes
poetas românticos, na França: Lamartine, Vigny, Hugo e Musset. Aos demais,
dá-lhes a classificação de poetas secundários.
Na Itália, Ugo Fóscolo (1778-1827) e Silvio
Péllico (1789-1854); e, na Espanha, José de Espronceda (1808-1842), foram os
grandes renovadores.
Em Portugal, o ano de 1825 delimitou o
encerramento do Classicismo, com a publicação do poma teatral "Camões",
de Almeida Garret (1799-1854). Poema clássico na língua e no estilo, aproxima-se
bastante do espírito romântico.
Antes, mesmo, do "Camões", Garret
já rebuscava poemas com as tintas românticas, sob os influxos do Romantismo da
França e da Inglaterra:
"Saudade!
gosto amargo de infelizes,
delicioso pungir de
acerbo espinho...”
Seguindo esse pioneiro do Romantismo,
vieram Alexandre Herculano, Castilho, Rebelo da Silva, Júlio Diniz, Camilo
Castelo Branco, Soares de Passos, João de Lemos, Mendes Lial, Tomás Ribeiro,
João de Deus.
Na poesia do Brasil, o Romantismo nasceu
com Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882), acompanhado de Araújo Porto
Alegre (1806-1889) e, mais tarde, Gonçalves Dias (1823-1864). Mais tarde ainda,
muitos outros cujos nomes e obras mostraremos em capítulo próprio.
Nossos poetas, por índole e por força do
seu próprio sentimento, já guardavam, desde há muito, dentro de si, todas as
características do Romantismo, inclusive o nativismo, o nacionalismo. Hênio
Tavares observa, com muita propriedade: "O Brasil, na falta de uma
"idade-média", tem no "indianismo" a recomposição estética
e nacionalista de seu passado romanticamente concebido".
Outra explicação plausível para a expansão
do romantismo no Brasil, foi o fato de esse evento coincidir, de certa maneira,
com a sua independência política (1822).
E a continuidade do romantismo não
aconteceu apenas no Brasil. Reflexão interessante, a respeito, é esta, da Delta
Larousse: "Em certas literaturas (como na América Latina), acredita-se
observar a sobrevivência, latente ou manifesta, do romantismo como elemento
permanente".
Escola Realista
Na segunda metade do século XIX, surgiu,
com grande veemência, um movimento de oposição ao espírito romântico: o
Realismo. Hênio Tavares consigna, em destaque, algumas de suas características:
"A realidade deve ser a realidade materialmente verdadeira; a existência
deve ser encarada fria e objetivamente, sem intromissão do autor, levando vida
própria as personagens; a preocupação do realista (contrastando com a evasão
romântica) é fixar os sucessos da época, sendo ele, em relação ao seu meio
ambiente, não espectador remoto e ausente, mas testemunha próxima e presente; o
realismo dá particular atenção às
feições estruturais, técnicas e formais da composição, conferindo, nesse
detalhe, muita ênfase à tendência
parnasiana (poesia), com sua obcecada paixão de esplendor formal;
predomínio da razão e da observação sobre o sentimento e a imaginação; os fatos
psicológicos não são fatos de ordem espiritual e transcendente, mas apenas
manifestações da matéria, portanto subordinados aos fatos fisiológicos; criação
dos romances analítico e psicológico".
É inegável que, como movimento estético,
foi o grande acontecimento das últimas décadas do século XIX. Seus inovadores
formavam a chamada "geração do materialismo". A geração que se julgava
auto-suficiente.
O Realismo se afirmou, literariamente, na
França, com Flaubert ("Madame Bovary", 1857), Balzac ("Comédia
Humana"), e também com Stendhal, Renan, Merimée, Dumas Filho, Anatole
France; na Inglaterra, com Charles Dickens, George Eliot; na Alemanha, com
Schopenhauer; na Rússia, com Gogol, Dostoievski, Tolstoi. Em Portugal, Eça de
Queiroz, Teófilo Braga, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão (prosadores); Antero
de Quental, Guerra Jjunqueiro, Cesário Verde, Gomes Lial e, outra vez, Teófilo
Braga poetas).
No Brasil, com Manuel Antônio de Almeida,
Franklin Távora, Visconde de Taunay, Machado de Assis, Capistrano de Abreu,
Joaquim Nabuco, Sílvio Romero, José Veríssimo, Araripe Júnior, Tavares Bastos
(obras em prosa); Carvalho Júnior, Teófilo Dias, Afonso Celso, Bruno Seabra,
Gonçalves Crespo, Martins Júnior, Castro Alves (em parte), Lúcio de Mendonça,
Fontoura Xavier (poetas).
Ao lado da poesia realista propriamente dita, contam-se, também, no Brasil: a
poesia filosófico-científica (com Sílvio
Romero, Teixeira de Sousa, Prado Sampaio e, ainda, Martins Júnior); e a poesia socialista, com pequenos rasgos de
eloqüência e de audácia (Castro Alves, Lúcio de Mendonça, Valentim Magalhães,
Afonso Celso, Fontoura Xavier e mesmo Raimundo Correia).
Vimos, atrás, que o Realismo apresenta,
entre suas tendências mais notáveis, o Naturalismo,
o Parnasianismo e o Impressionismo.
O
NATURALISMO
— Filosoficamente, é um "sistema que reduz tudo à própria natureza ou
explica tudo pelos fenômenos e forças naturais". Em arte, foi um movimento
autônomo ou definido, corporificado nas idéias materialistas de Taine, Augusto
Comte, Haeckel, Sainte-Beuve, Claude Bernard, Emílio Zola, Maupassant. E de
Teixeira de Queiroz e Abel Botelho (estes em Portugal); e Aluízio Azevedo,
Júlio Ribeiro, Inglês de Souza, Domingos Olímpio e Adolfo Caminha, além do
poeta Augusto dos Anjos (no Brasil).
O
PARNASIANISMO
— Conta-nos Phillippe Van Tieghem: "Os poetas a quem cabe, com mais ou
menos precisão, o nome de Parnasianos, começaram a agrupar-se por volta de
1860. É claro. já havia frequentes discussões literárias nos cafés da margem
esquerda do rio Sena, local que significa a vida literária, com o seu pitoresco
e a sua boêmia peculiares; mas, o que neles havia de comum parecia reduzir-se
por então à condenação de certa poesia. O historiador, logo adiante, esclarece
estar se referindo "à poesia tal como fora concebida e praticada por
Lamartine, Musset ou Béranger".
Com seu ideal delineado, os poetas
parnasianos franceses, no ano de 1861, concentraram-se em torno da "Revue
Faritaisiste", de Catulle Mendès, então com dezenove anos incompletos; o
mesmo fazendo, quatro anos depois, em 1865, ao redor da revista "
L'Art". de Xavier de Ricard. Por fim, reuniram alguns de seus poemas em
três coletâneas, a que deram o nome de "Le Parnasse Contemporain"
(1866, 1871 e 1876), publicadas pelo editor Lemerre. O nome da antologia
tripartida deve sua inspiração ao monte Parnan (Grécia), antigo monte da
Fócida, onde os gregos situaram a rnorada de Apolo e das Musas.
À frente do grupo estavam Théophile
Gautier, Leconte de Lisle, Théodore de Banville e Charles Baudelaire. E seus
principais membros eram, entre outros, José Maria de Herédia, Sully Prudhomme,
Catulle Mendès, François Coppée, Paul Verlaine e Stéphane Mallarmé. Verlaine e
Mallarmé não constaram do terce-volume da coletânea, vindo, mais tarde, a
abraçar a escola simbolista.
Théophile Gautier foi, na verdade, quem deu
início à reforma parnasiana. Sua doutrina era "a arte pela arte",
consubstanciada num livro que publicara em 1852, "Esmaltes e
camafeus".
Herédia e Lisle, no consenso unânime da
crítica, foram os mais notáveis parnasianos da França.
O parnasianismo se notabilizou pelo culto
da forma. Os princípios consagrados eram: impersonalidade, impassibilidade,
realismo, verdade e beleza. Nem todos, porém, se libertaram da musicalidade e
do lirismo. Nem todos eram "impassíveis" de maneira absoluta, porque
poucos dentre eles escaparam à arte como expressão do sentimento.
Eça de Queiroz disse que "a arte dos
parnasianos pertence mais à joalharia do que à poesia, que antigamente a poesia
brotava da Emoção, e hoje está canalizada numa fonte de mármore".
De qualquer modo, surgiu uma inspiração
mais intelectualizada. No verso, havia preocupação pela rima rebuscada, pela
expressão polida, pelos vocábulos seletos; e uma preferência acentuada pelos
poemas de forma fixa, destacando-se o soneto.
Aliás, foi no decurso do parnasianismo que
se fixou, verdadeiramente, a "época de ouro do soneto".
Em Portugal, pouco apareceu o
parnasianismo, que apenas se fez sentir, debilmente, em João Penha, Antônio
Feiió, Guilherme de Azevedo, Guilherme Braga e no brasileiro Gonçalves Crespo,
radicado naquele país.
No Brasil, foi Artur de Oliveira quem
primeiro o fez surgir, trazendo, até nós, a novidade literária. Podemos anotar,
como principais poetas parnasianos: Alberto de Oliveira, Raimundo Correia,
Olavo Bilac, Vicente de Carvalho, além de inúmeros outros que, oportunamente,
teremos o prazer de apresentar.
Na prosa, destacaram-se Coelho Neto, Xavier
Marques, Machado de Assis (em parte), Silva Ramos, Afonso Celso, Raul Pompéia,
Alcides Maia, Humberto de Campos, Paulo Barreto (João do Rio).
O
IMPRESSIONISMO
— que foi a derradeira fase do realismo e também a fase preparatória da nova
escola que a ele se seguiria — o Simbolismo — é assim definido por Hênio
Tavares:
— "O que releva no impressionismo é o
instantâneo, as sensações por ele provocadas em dado momento. A realidade não é
reproduzida tal como é vista, mas como é vista e sentida no momento em que se
produziu a impressão no espírito do
artista".
Depois de pressentido por Flaubert,
Rimbaud, Baudelaire e Verlaine, infiltrou-se no final do século XIX e penetrou
no século XX, através das obras de Proust, os irmãos Goncourt, Pierre Loti,
Daudet, Henry James, Thomas Wolfe, Katherine Mansfield e outros.
Na pintura, veio com Manet, Degas, Renoir.
Na escultura, com Rodin. Na música, com Ravel, Debussy.
Impressionista, em Portugal, foi Fialho de
Almeida.
No Brasil, nenhum poeta se destacou, mas na
prosa podemos citar os nomes de Adelino Magalhães, Raul Pompéia (em parte),
Euclides da Cunha, Graça Aranha, Eduardo Prado, Araripe Junior, Oliveira Lima,
João Ribeiro (este na crítica) e, mais modernamente, José Américo de Almeida,
Alcântara Machado, Plínio Salgado, Oswald de Andrade, podendo ser incluído, de
certa maneira, Mário de Andrade, com o seu "Macunaíma".
Escola Simbolista
Reagindo à estética realista, começou a
surgir, timidamente, em 1880, ainda através da França, o Simbolismo, a princípio chamado de "decadentismo".
Antes disso, as obras literárias de tintas
novas dos ex-parnasianos Verlaine e Mallarmé, bem como as de Rimbaud e
Baudelaire, eram pouco conhecidas, não só do grande público, como da maioria
dos homens cultos. Verlaine, em 1884, divulgou, em "Les poètes
maudits" ("Os poetas malditos"), os mestres da estética nova:
Rimbaud, Tristan Corbière e Mallarmé. E, no mesmo ano (1884), publicou
"Jadis et naguère" ("Outrora e agora"), contendo sua
"arte poética". Nessa obra, propõe-se, numa segunda experiência,
lançar a nova poesia — diz Thieghem — "mais musical que visual, mais
etérea que realista, mais sugestiva que descritiva, mais matizada que colorida,
desdenhosa da rima brilhante, e bastante fluida para transmitir o movimento da
alma e o desenrolar da vida".
Os artistas boêmios se reuniam em cafés e
cabarés de Paris, ora no Bairro Latino, ora em Saint-Michel, ora em Montmartre.
Despontaram revistas literárias, de vida efêmera, e foram espalhadas dezenas de
manifestos, publicações geralmente confusas, pois cada qual era especializada
num aspecto do Simbolismo. Dentre as revistas, podem ser salientadas apenas
duas: a "Revue Wagné.- rienne", de Edouard Dujardin (1885), cujo
colaborador mais importante foi Mallarmé; e "Revue Independant", a
princípio dirigida por Dujardin e Wyzewa (1885), e depois por Gustave Kahn
(1888), esta última "tornando posição definida em favor do ideal
simbolista".
Enquanto isso, os poetas também freqüentavam
dois salões literários: o de Madame de Ricard e o de Nina de Callias."
Paul Bourget, à guisa de crítica, atribuiu
o nome de "decadentes" aos seguidores da nova escola, ou seja, aos
sequazes fiéis de Verlaine, ressaltando o "aspecto mórbido de suas
criações, repassadas de pervertido misticismo, satânico e morfinomaníaco".
Jean Moréas (poeta francês de origem grega,
nascido em Atenas, em 1856), respondendo a Paul Bourget, em 18 de setembro de
1886, publicou no "Figaro" o estrepitoso manifesto em que 'aparece —
diz Phillippe Van Tieghem — "o termo de Simbolismo, para definir com
exatidão as verdadeiras tendências da nova poesia". Fala-se já de
"Escola Simbolista", que, aliás, engloba os decadentes, e cujos
mestres são Verlaine e Mallarmé".
O jornalista Jules Huret publicou, no
"Écho de Paris", de 3 de março a 5 de julho de 1891, a "Enquêt
sur l'evolution littéraire". Arremata Van Tieghem: "Em oitenta e
quatro respostas, emanadas, quer das autoridades literárias mais abalizadas,
quer de principiantes audaciosos, tal inquérito dá a conhecer ao público a
vastidão e a importância do movimento poético até então quase
desconhecido".
Aos simbolistas, Rabelais deu também a
alcunha pejorativa de "nefelibatas", do grego "nephèle"
(nuvem) e "bátee" (que anda), significando, portanto, "que anda
nas nuvens". A intenção era dizer que os simbolistas não passavam de
pessoas que falavam em linguagem incompreensível, pessoas que "andavam nas
nuvens".
As impiedosas críticas de oposição dos
parnasianos, ainda ligadas aos reflexos do neo-romantismo, meteram em brios os
simbolistas, que partiram, resolutos, para atingir a consciência de sua arte e
tornar realidade as suas intenções revolucionárias.
Mallarmé escreveu, no seu livro
"Divagations" (1896): "Referir-se a um objeto pelo seu nome é suprimir
as três quartas partes da fruição do poema, que consiste na felicidade de
adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o que sonhamos. É o uso perfeito desse
mistério que constitui o símbolo"...
Rimbaud discreteia: "... Invenções
verbais capazes de transformar a vida" (.....) "A palavra é a
realidade concreta, colorida pelas suas vogais, animada pelas consoantes.
Introduzir o mistério na palavra...
"Verlaine: ... "Nem a idéia
clara, nem o sentimento preciso, mas o vago do coração, o claro-escuro das sensações,
o indeciso dos estados de alma".
Para René Ghil, a poesia deve exprimir
"o mundo, espontaneamente, e em imanência, através dos sons que
falam".
De Gustave Khan: "Renovação das formas
envelhecidas. Cada poeta deve, de cada vez, em cada poema, em cada elemento de
um poema, criar o seu ritmo particular".
Para Baudelaire, "as imagens não são
um ornamento poético, mas uma revelação da realidade profunda das coisas".
O nosso Raul Machado assevera que
"simbolizar é objetivar idéias, dar corpo às imagens, vida real ao sonho.
Símbolo é carne do pensamento, forma concreta' da noção abstrata". (....)
"O episódio mais expressivo não vale a queda lenta de uma lágrima ou o
significado trágico de uma cruz, fincada sobre um sepulcro"...
Na França, o simbolismo contou, desde logo
e mais tarde, em suas hostes, com Stéphane Mallarmé (o patriarca da Escola),
Arthur Rimbaud (considerado o seu iniciador), Jean Moréas (o seu
"porta-estandarte"), Villiers de L'Isle, Paul Verlaine, Charles
Baudelaire, Albert Samain, Jules Laforgue, Edouard Dujardin, Gustave Kahn, René
Ghil, Stuart Merril, Henri de Régnier, Paul Claudel, Francis Jammes, Paul
Valéry, Remy de Gourmand, Paul Fort; mais Guillaume Apollinaire (nascido na
Romênia, neo-simbolista, e depois futurista e criador da poesia francesa
moderna); e, ainda, André Gide, que iniciou sua brilhante carreira como poeta;
além dos belgas Verhaeren. Maeterlink e Rodenbach, cuja poesia foi composta em
língua francesa.
A importância maior da Escola consistiria
na sua difusão internacional.
Na Inglaterra, surgiram Rossetti, Yeats,
Wilde, Morris, Swinburne. — Na literatura de idioma germânico, o austríaco
Rainer Maria Rilke. — Na Escandinávia, Ibsen. — Na Rússia, Block, Annenski,
Briussov. — Na Tchecoslováquia, Brezine. — Na Itália, D'Annunzio. — Na Espanha,
Villaespesa, Ramon Timenez. — Na língua hispano-americana, Rubén Dario. — Em
Portugal, Eugênio de Castro, Camilo Pessanha, Antônio Nobre, Guerra Junqueiro,
Mário de Sá-Carneiro, Cesário Verde, Augusto Gil, Júlio Brandão, Luís de
Montalvor, Antônio Feijó, Florbela Espanca (poetas); e Malheiro Dias, Antero de
Figueiredo, Raul Brandão, Teixeira Gomes. João Grave (na prosa).
O Simbolismo, que, no Brasil, começou,
realmente, com Cruz e Sousa ("Broquéis" e "Missal", 1893),
era constituído por um grupo literário unido e firme, que possuía doutrina e
plataforma definidas, e que, inclusive, criou um vocabulário próprio, com
vistas à formação de unia literatura digna de seus elevados ideais.
Não foi, apenas, um produto de importação.
Foi mais do que isto, pois estava baseado, também, em fatores políticos,
sociais e artísticos de origem local (abolição, república, etc.).
Entre os muitos poetas: Cruz e Sousa,
Alphonsus de Guimaraens, e uma constelação preciosa de artistas cuja presença marcante
esplende em páginas que exibiremos num capítulo especial.
E, entre os prosadores: Nestor Victor
(crítico do movimento). Farias Brito, Tristão da Cunha, Rocha Pombo, Gonzaga
Duque, Virgílio Várzea, Araripe Júnior, Álvaro Moreyra, Lima Campos, Colatino
Barroso, Adelino Magalhães, Euricles de Matos, Coelho Neto (misto de parnasiano
e simbolista), Graça Aranha ("Canaan” é um romance simbolista), João
Ribeiro, Ramiz Galvão, e, também, Cruz e Sousa.
Não se pode esquecer que o soneto, no
Simbolismo, viveu dias de magnificência.
Não obstante tudo o que realizou, o
simbolismo brasileiro, a exemplo do que aconteceu na França, amargou a
incompreensão, o descaso e até a ridicularização de muitos. Dentre estes,
citamos, com pesar, os nomes de duas figuras de proa: Sílvio Romero e José
Veríssimo, que o omitiram em suas obras específicas, às quais ambos deram o
mesmo título: "História da Literatura Brasileira".
Nestor Victor escreveu a brilhante
biografia "Cruz e Sousa", em 1896, mas foi publicada somente em 1899,
após a morte do "Cisne Negro".
O simbolismo — não tememos dizê-lo — foi
uma realidade válida e, mesmo, histórica. Pena que de curta duração. Cansou-se
no caminho mal começado, e entregou, de graça, ao modernismo, os troféus de
ouro de suas vitórias. Não é preciso ir longe, para constatá-lo: só a conquista
de colocar ritmos novos em padrões velhos conferiu-lhe méritos inextinguíveis.
Àquela altura, no próprio ventre, já se desenvolvia uma vida nova, a do
pós-simbolismo.
A prática do verso livre, entre nós, talvez
tenha dado início ou, pelo menos, facilitado o desmoronamento da escola. Isto
veio acontecendo com Adalberto Guerra Duval ("Palavras que o Vento
Leva", 1900), Mário Pederneiras ("Histórias do Meu Casal",
1906), Hermes Fontes ("Apoteoses", 1908) e, depois, com Gilka
Machado, Eduardo Guimaraens, Homero Prates, Murilo Araujo, Onestaldo de
Pennafort.
Em seu cerne já latejava, portanto, o germe
da libertação métrica, base e princípio do futurismo e do modernismo.
Um dos opositores dos simbolistas, Jules
Lemaitre, em "Les Contemporains", assim se expressou, segundo Andrade
Muricy:
"É divertido observá-los: são, na
realidade, primitivos selvagens — mas selvagens no final duma velha civilização
e com nervos muito delicados". (....) "Devemos assistir com simpatia
a esta invasão de bárbaros requintados: porque talvez seja o último impulso
original de uma literatura a findar, e talvez depois deles não haja mais nada —
nada mais".
Os gritos de reação de Lemaitre perderam-se
no espaço, porque jamais desaparecerá, para sempre, nenhuma literatura digna
desse nome. As escolas, as tendências, as correntes literárias, vêm e vão.
Chegam precedidas de entusiasmos e festas, e partem afugentadas pelo ardor de
outras escolas, outras tendências, outras correntes. Partem, mas não morrem.
Permanecem conservadas na memória dos pósteros. A literatura dos povos, mais
precisamente, a poesia dos povos, não se dilui no vórtice do negativismo
artístico.
O espírito de Jules Lemaitre, iluminado
pelas estrelas de outro mundo, que certamente existe, deve estar tranqüilo em
relação ao seu vaticínio errôneo. O simbolismo não foi a última escola. E
nenhuma das que o antecederam, ou que o sucederem, terá esse destino
irreversível. Os movimentos literários cumprirão, como sempre cumpriram, as
suas rotinas esplendorosas.
*
Quando o simbolismo, pelo menos
"oficialmente", passou o trono da Poesia ao movimento modernista, que
o sucedeu, havia, no Brasil, poetas do mais alto nível, cujos nomes valorizavam
as publicações literárias.
Dali para cá, não deixaram de existir
outros poetas tradicionalistas, ligados, pelo pensamento e pela técnica, às
diversas escolas "antigas".
Mas, os veículos de divulgação da cultura
fecharam-lhes, solenemente, as portas. E estas, ao contrário, abriram-se e
abrem-se, ainda hoje, aos chamados poetas modernos, com impressionante
liberalidade, com inexplicável constância. Em particular, aquelas portas
movidas por forças misteriosas, de poder inaudito, que nenhum ser equilibrado
compreende como aparecem, que não se sabe, ao certo, como funcionam. Forças
enigmáticas em cujo redor voam e revoam revoadas de inocentes úteis da poesia
atual — estabele-endo, assim, uma discriminação que se pode chamar, no mínimo,
de injusta.
No capítulo final desta obra, exibimos uma
coletânea de sonetos "contemporâneos do modernismo". Desta forma
procedemos, para mostrar que o soneto, apesar de tudo, continua mantendo a
posição de realce adquirida em seus sete séculos de existência.
Na opinião dos modernistas, o soneto morreu
com o Simbolismo. Mas, a sua própria vida exuberante já é, para eles, uma
resposta persuasiva.
O
Modernismo — movimento inspirado no Futurismo
O movimento Modernista apareceu no
princípio deste século XX, após a Grande Guerra Mundial (1914-1918). A sucessão
dos fatos históricos que mudaram a face da Humanidade teria de influir,
logicamente, na mudança do universo estético.
Na Europa, com maior ênfase na França e na
Itália, o movimento modernista foi típico de após-guerra. As gerações que surgiram
então encontraram tudo destruído. Sentiram necessidade de fazer algo pela
criação de um mundo novo, para substituir aquele que, melancolicamente, se
esboroava. Daí romperem, como conseqüência natural, as correntes renovadoras,
inclusive na literatura.
O movimento não era endereçado, de maneira
direta, a nenhuma escola literária. Atingia a todas aquelas que estavam comprometidas
com os padrões tradicionalistas.
Quais foram os pródromos do Modernismo?
Segundo o ensaísta e poeta Gilberto
Mendonça Teles, "desde que, em 1905, Pablo Picasso se encontrou com
Apollinaire, pintores e poetas — entre estes Max Jacob, André Salmon, Cendrars,
Reverdy e Cocteau — começaram a integrar uma frente única, a vanguarda que, em
1909, já era conhecida pelo nome de Cubismo, na pintura, e, a partir de 1917,
também na literatura".
Apollinaire (1880-1918) é o mais importante
poeta do Cubismo, ou da literatura francesa da 1ª Guerra (Guillaume
Apollinaire).
Em 20 de fevereiro de 1909, " e
Figaro" publicou o primeiro manifesto futurista de Filippo Tommaso
Marinetti (1876-1944), "criando ruidosamente o movimento artístico mais
famoso entre o simbolismo e a grande guerra".
Exerceu, ele, grande influência em quase
todas as literaturas modernas, com seus inúmeros (mais de trinta) manifestos
sobre literatura, pintura, escultura, música, arte mecânica, mulher, moral,
luxúria, etc., conforme depoimento de Gilberto Mendonça Teles. Isto sem contar
"com suas conferências e suas polêmicas, além de ruídos e escândalos em
torno de sua pessoa (inclusive no Brasil)".
Marinetti nasceu no Egito, mas pode ser
considerado um italiano de formação cultural francesa. Estudou na Sorbonne,
"freqüentando as boêmias intelectuais e fazendo grandes amigos entre
decadentes e simbolistas empenhados na teoria do verso livre, de que logo se
fez adepto".
O "Manifesto Técnico da Literatura
Futurista" foi publicado em Milão, a 11 de maio de 1912. Em 11 de agosto
do mesmo ano, Marinetti publicou o Suplemento desse Manifesto.
O Futurismo, de acordo com o Manifesto de
11 de maio de 1912, fazia recomendações alucinantes, dentre as quais se
salientavam: o combate à tradição acadêmica, com o uso do verso livre e
liberdade da palavra, sem respeito à gramática e à estética. Abolição da
sintaxe, do adjetivo, do advérbio e da pontuação. O máximo de desordem nas
imagens. Renunciar a ser compreendido. Odiar as bibliotecas e os museus,
preparando os povos para odiarem a inteligência. O início do reino mecânico.
Absoluto repúdio ao passado. O culto da força e da belicosidade. E a mais
incrível das recomendações: "É preciso cuspir cada dia no Altar da
Arte".
A revolução, como vimos antes, alcançou as
artes, bastando dizer-se que, na música, resolveu desconhecer a harmonia e a
melodia!!!
Os futuristas, tendo à frente Marinetti, diziam:
"Não nos compreendem porque a nossa arte se antecipa, é precoce. Poucos
são os "eleitos", que podem atingir o nosso vôo".
Regressando da França, em 1912, Oswald de
Andrade se fez, no Brasil, o primeiro importador do Futurismo, "de que
tivera apenas notícia no Velho Mundo".
Os "modernistas", pelo menos os
primeiros do Brasil, não gostavam muito de ser chamados futuristas, cuja
"etiqueta" pressupunha sentido pejorativo.
Muitos afirmam que o Modernismo (ou
Futurismo) teve origem no Simbolismo de Rimbaud, cujos símbolos seriam tão difíceis
de compreender, que obrigavam a distinguir, pensar, tirar conclusões.
Outros movimentos de renovação surgiram,
ainda, na Europa e na América, todos verberando contra o
"passadismo", contra o "academicismo".
Afora o Futurismo, vieram à cena outros
movimentos destinados a destruir todas as formas culturais existentes.
Mencionamos, além do "Cubismo", já citado: o
"Cubofuturismo" (1913), com Maiacovsky, na Rússia; o
"Dadaísmo" (1916 — Zurique, Suíça embora o "Manifesto Dadá"
tenha a data de 1918), com Tristan Tzara, poeta francês de origem romena; e o
"Surrealismo" (1924). com André Breton, muito prestigiado por
Apollinaire, que já anunciara o movimento em 1917.
E houve mais uma série de
"ismos", que apontamos a seguir, sem entrar no mérito de cada um:
"imagismo", "unanimismo". "vorticismo",
"verismo", "ultraísmo", "criacionismo",
"expressionismo", "existencialismo",
"concretismo", etc.. Nenhum deles entretanto, tem qualquer valor real,
comparado ao "romantismo", "parnasianismo", ou
"simbolismo".
*
No Brasil, a "Semana de Arte
Moderna", realizada em São Paulo Paulo, no ano de 1922, marcou,
formalmente, o início, entre nós. do movimento modernista. Mário de Andrade,
Oswald de Andrade, Graça Aranha, deram começo ao movimento. em ambiente
conturbado.
Segundo Gilberto Mendonça Teles, "a
idéia de nossa Semana de Arte Moderna foi simplesmente copiada da idéia de um
"Congré de l'Esprit Moderne", programado um ano antes para março de
1922, por André Breton, e que foi a causa da briga de Breton com Tzara e
conseqüente desaparecimento do "Dadaísmo".
Com o "modernismo caboclo"
aconteceu o mesmo que sucedera com o romantismo, relativamente ao que este
possuía de sentimento nacionalista ou jacobino. Desde o princípio do século XX e
desde muito antes, em todos os ramos de atividade, sobressaiu-se o
nacionalismo, que acabou por atingir o apogeu no embrião da nova escola
literária. Não era um ideal pioneiro, mas perfeitamente válido. E, à sua
sombra, no campo da literatura, rompeu, enfim, bastante forte, a insurreição
contra os parnasianos e simbolistas, mais contra os primeiros. Algo novo se
prenunciava de maneira avassaladora; e, dessa força incontrolável, nasceu o
Modernismo.
Mais adiante, onde estudamos "O Soneto
brasileiro através dos Movimentos Literários", há, naturalmente, um
capítulo dedicado ao modernismo, em nosso país. Aí, a par de muitos outros
relatos e observações, oferecemos listas possivelmente exatas dos poetas de
todas as fases do movimento modernista, até os dias atuais. Os próprios
modernistas são as nossas fontes.
E, no mesmo capítulo, publicamos quase
setenta sonetos de poetas modernistas. Todos obedecendo às exigências do modelo
tradicional.
*
São muitos os que se queixam de que, no
Brasil, faltam grandes poetas e, mais grave ainda, falta a verdadeira poesia.
O jornalista mineiro Álvares da Silva, da
"Folha de Minas" e da "Rádio Inconfidência", de Belo
Horizonte, já escrevia em 1941:
— "O delírio do movimento renovador da
poesia, que teve fases verdadeiramente loucas, está passando. Pode-se dizer até
que já passou. Ainda existem alguns abencerragens que cultivam uma poesia
misteriosa e incompreensível, semelhante aos logogrifos, porém, sem chaves para
a decifração". (....) "Convenhamos que estas duas virtudes — beleza e
clareza — nunca estiveram tão juntas como na poesia clássica. Muitos sonetos de
Olavo Bilac são um milagre de beleza e clareza. Não é preciso um segundo de
pensamento para receber a mensagem de "Maldição", pois no soneto há
sentimento e compreensão".(....) "Existe inquietude para encontrar a
verdadeira poesia e o verdadeiro modo de dizê-la. Não resta dúvida que a forma
há de ser a antiga, não levada ao extremo; e a essência, essa será a única e
eterna, porém, com a experiência moderna".
Antônio Olinto, defensor do modernismo, e
ele próprio modernista, escreveu em "O Globo", edição de 18 de março
de 1974, entre desencantado e realista:
"Que dilemas poderá a poesia
brasileira estar enfrentando neste primeiro trimestre de 1974? Veja-se que a
Semana chegou a 52 anos, a geração de 45 vai fazer trinta, o concretismo entra
na faixa dos vinte. Para os mais jovens, tudo isso que parece moderno se passou
há muito. As palavras de ordem, os "slogans", as medidas de salvação
da poesia, nada valeu. Com o tempo, cada um descobre que só vale a conquista
pessoal de um poeta, seja qual for o movimento e/ou a seita a que se tiver
filiado". (....) "Então, repita-se a pergunta: haverá no momento uma
direção específica, uma bandeira, a conduzir poetas brasileiros a determinado
tipo de feitura? E, se tal existe, que obras vem provocando? Nada impede que o
poeta rompa os modismos da hora e siga em frente, no seu rumo".
*
Na verdade, não se pode afirmar,
honestamente, que o movimento modernista, quer no Brasil, quer fora dele, já
esteja definido.
Por outro lado, não será justo negar toda a
arte modernista, porque também é viável, desde que equilibrada e autêntica, a
poesia que não obedeça aos cânones da tradição. "A poesia — diz Povina
Cavalcanti — é livre como o vento... Há, entre os modernistas, poetas,
artistas, escritores sinceros".
*
Ao concluirmos este capítulo, vamos remover
as divagações obre poesia clássica e poesia moderna, para fazermos uma pergunta
que não deixa de ser necessária: qual o
destino da Poesia?
Estará, mesmo, a Poesia, em declínio? Terá,
ela, perdido sua essência, com o quase abandono a que o poeta de hoje submete
os velhos temas imutáveis, como eternidade, Deus, amor, natureza, sentimento?
A abolição do metro, do ritmo, da rima e da
própria mensagem poética, decretada pelos modernistas do século XX, contribuiu
para melhorar, ou piorar, o nível da Poesia?
Será que os poetas, privilegiados aparelhos
de captação, perderam sua capacidade para reconquistá-la? Por que a poesia não
se expande com toda a força de sua beleza criadora?
Será que a Ciência, com o seu ciclópico
desenvolvimento, conseguiu nulificar a cultura artística, o poder da
imaginação, a fantasia, o sonho, a fidelidade ao Belo — em suma, as principais
armas do poeta?
Será que a realidade terrível da vida
sufocou o devaneio, a busca do infinito? Será que a mais recente era da
máquina, o primado da tecnologia e os assombrosos prodígios nucleares substituíram
os mitos criados pela poesia? Será que, corroídos pela fúria materialista, os
homens deixaram de perceber que, à frente e em redor, é sempre azul o horizonte
de seu espírito?
Há crise de poesia? Há crise de poetas? Por
que são omitidos ou, pelo menos, pouco ouvidos, grandes poetas, neste fim de
civilização?
Existe quem afirme que a poesia está em
decadência, e quem assegure que já morreu... Como? Não é, a poesia, o reflexo,
o espelho da alma imortal?
Admitamos que, por motivos circunstanciais,
rareiam, hoje, os poetas de alto porte ou, melhor dizendo, de vôo longo. Mas,
temos poetas excelentes, nos diversos quadrantes do país, assinalando suas
presenças com o brilho costumeiro da poesia brasileira de todos os tempos. Não
há por que se retraírem nos longes anônimos, nos sacrários fechados de seus
ermos interiores.
Para
satisfazermos nossa sede de Poesia, não devemos exigir novos Virgílios, novos
Homeros, novos Petrarcas, novos Dantes, novos Shakespeares, novos Camões,
novos Tassos, novos Miltons, novos Victor-Hugos...
Poetas de ontem, Poetas de hoje, Poetas de
amanhã. Grandes ou "menos grandes", existiram e existirão, porque a
Poesia não morre. É a rotina, que jamais se interrompeu. A Poesia está sempre
no seu Altar Luminoso. Sempre!
Paulo Bomfim, príncipe dos poetas paulistas
e eleito Intelectual do Ano de 1981, falando à revista"Veja", de 10
de março de 1982, declarou:
— "Hoje, mais do que nunca, o poeta é
uma figura incômoda, porque é, ao mesmo tempo, a consciência mística do passado
e o contemporâneo do futuro. Traz uma centelha de fogo que o gelo procura
apagar". (....) "Poesia é como um petróleo mental: nossas vivências,
inesperadamente, rompem do subsolo. Há poesia de circunstância, como a poesia
social, de indignação, protesto, que é navegação costeira, mas há também aquela
transatlântica".
Morrer a poesia? Não! A poesia está em
todos nós, como esteve bem viva desde o Paraíso, quando o primeiro homem se
deslumbrou diante da primeira alvorada e do primeiro poente. E, ao seu lado, já
se encontrava a mulher, fonte perene de poesia, manancial inesgotável dos
sonhos que nasceram no próprio dia da criação do mundo.
*
Voltemos, porém, à pergunta: qual o destino
da Poesia? E a resposta não pode ser outra: o destino da poesia é o mesmo
destino do perfume, que enche de misticismo as flores. O mesmo destino da luz,
sem a qual não se poderia, sequer, contemplar as maravilhas do universo. O
mesmo destino da alma, que é eterna. O mesmo destino do coração, que marca, não
só o ritmo da vida do homem, mas o próprio ritmo do verso.
(Das páginas 27 a 57 de "O Mundo
Maravilhoso do Soneto",
de Vasco de Castro Lima)
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