A Literatura e o Soneto

Idéias Gerais da Literatura a Partir da Idade Média
O Soneto


Palavras preliminares


Não temos a presunção de escrever, no capítulo inicial desta obra, uma História da Literatura.
Nosso assunto é o Soneto, inventado no século XIII,  e a Literatura — no princípio, forçosamente, muito rudimentar — subsiste desde quinze séculos antes de Cristo, e foi revelada pelos hindus, povo de raça indo-ariana, que falava o sânscrito e habitava o noroeste das Índias.

Por outro lado, estaríamos laborando em erro se nos dispuséssemos a considerar os fatos sucedidos na antiguidade oriental, cudos povos foram os primeiros a conceber documentos históricos: hindus; chineses; egípcios; assírios e babilônios; fenícios; hebreus; e persas. Esse período terminou com as Guerras Pérsicas (ou Médicas), do século V a.C., vencidas pelos atenienses que, por três vezes, derrotaram os invasores do império persa, então no seu apogeu: na primeira guerra, o Imperador Dario I, em Maratona (490 a.C.); na segunda, Xerxes, em Salamina (480 a.C.), Platéias e Mícale (479 a.C.); e, na terceira, quando os persas foram obrigados a aceitar o tratado de paz de Címon (449 a.C.). A paz de Címon foi a vitória de Atenas.

Tampouco teria sentido rememorarmos os cânticos e os epinícios do velho classicismo, durante o qual a Grécia usufruiu eras de esplendor, criando uma estética de linguagem que se imortalizou e será citada enquanto viverem homens de pensamento sobre a terra. Igualmente, não viríamos trazer à baila a arte de escrever dos romanos, que, também grandes clássicos, brilharam intensamente, até a queda de seu poderoso império ocidental, em 476 depois de Cristo. Nem nos tocaria abranger, com minúcias, toda a história da Idade Média, de 476 até a queda do Império Romano no oriente, em 1453, data em que os turcos tomaram Constantinopla, comandados por Mahomet II, reinando Constantino como Imperador Romano.

A Idade Média, ou Idade Escura, durou mil anos. Ao redescobrirem os clássicos, esquecidos por tantos e tantos anos, os Renascentistas chamaram o extenso período de "médio", ou trevoso. Não existia razão para se dar, como se deu, um significado pejorativo à palavra "medieval", pois, se é verdade que houve, naquele milênio, muitas trevas, não é menos verdade que surgiram fortes jactos de lucidez entremeando as guerras de conquista, longas e continuadas. E tudo se transformou com a nova luz da Renascença, que emergiu no espaço, derramando deslumbrantes auroras na linha imaginária dos horizontes. Bastar-nos-ia mencionar os descobrimentos marítimos e as grandes invenções (da pólvora, da bússola, do papel e da imprensa).

Este livro, repetimos, não nasceu para louvar a antiguidade mais remota. Nasceu para, em largas pinceladas, cantar algo a partir dos importantes sucessos literários do final da Idade Média, que produziu páginas indeléveis da poesia. O verso rejuvenesceu e o próprio Soneto é fruto dessa época.

Sabemos que a literatura de um povo é, dentre as artes, aquela cuja vitória mais contribui para torná-lo imperecível. Por isso, rendemos nossa primeira homenagem a todos os povos que permaneceram, ilesos, na memória dos séculos, revividos em suas obras literárias.

No relógio da eternidade, cada geração tem, figuradamente, apenas um momento de vida. Mas, esse momento, que é como o rastro de um meteoro, poderá continuar fulgindo no correr dos tempos, se deixar, atrás de si, uma literatura que seja respeitável.

O majestoso castelo de ouro que uma geração conseguiu edificar será contemplado, com embevecimento e orgulho, pelos seus descendentes, que o cobrirão de louros imarcescíveis.

Acreditando muito na força de nosso ideal, caminhamos de olhos fitos no termo da estrada, onde entrevemos o alvo pretendido, que é o esplêndido clarão da Poesia.

Em matéria de Soneto, perlustramos boa porção dos séculos XIII e XIV, bem como a fase da idade moderna (de 1453 até a Revolução Francesa, em 1789) e, depois, os eventos congêneres da idade contemporânea, de 1789 até nossos dias.

Na medida em que abordamos os ciclos literários e suas conseqüentes escolas e tendências, nós o fazemos de maneira racional, inclinando-nos, como parece lógico, para os campos de ação das línguas neolatinas.

Enfim, nosso escopo é situar, através de seus sete séculos de existência, o Soneto, cuja continuidade é uma das maravilhas da literatura mundial.

Quanto à denominação dos mais importantes movimentos literários, em geral, escolhemos o paradigma proposto pelo emérito ensaísta, Professor Hênio Tavares, de Belo Horizonte, autor de uma categorizada "Teoria Literária".



Escolas gerais

Hênio Tavares assim pensa: — "A rigor, haveria apenas duas escolas gerais: a clássica, apolínea e unitária, na qual os artistas são mais ou menos fiéis a certos modelos, e dão aos seus estilos uma certa unidade; e a romântica, dionisíaca e multiforme, na qual os artistas se individualizam na procura de processos pessoais e dão aos seus estilos independência nitidamente subjetiva".



Escolas principais, ou maiores

Evidentemente, seria esta uma classificação por demais simplista. Assim, Hênio Tavares vai um pouco mais longe: "Na história da literatura universal podemos destacar três grandes ciclos: o oriental, o clássico e o ocidental".

No oriental, inclui as literaturas mais antigas, a que já nos referimos. No clássico, encontra a antiguidade greco-latina, também citada e que serviu de "modelo ao clássico moderno renascentista e ao neoclássico do século XVIII ". E no ocidental, estão as "literaturas ocidentais (como o próprio nome diz), incluindo-se o período medieval, que foi como um hiato histórico entre o clássico antigo e o clássico do Renascimento”.

Finalmente, Hênio se decide: "As escolas principais, ou maiores, sob o ponto de vista rigorosamente estético, são: a Clássica, a Romântica, a Realista, a Simbolista e a Modernista."

Quanto ao Parnasianismo, movimento, sem dúvida, dos mais importantes da literatura ocidental, Hênio, cuja opinião respeitamos — inclusive por terem o mesmo pensamento outros grandes historiadores e teoristas literários — não o considera uma escola, mas uma notável tendência do Realismo. Nas mesmas condições estariam o Naturalismo e o Impressionismo.

O ensaísta não deixa de ter em boa conta outras "variadas tendências que cada uma dessas escolas apresenta". Dentre elas está, como vimos, a fase anteclássica, ou medieval (período arcaico), que, cronologicamente, deve abrir o pequeno histórico deste capítulo.

Antes, porém, vamos transcrever algumas palavras de Hênio Tavares, sobre o relacionamento artistas-escolas literárias:
... “O artista se filia, consciente ou inconscientemente, a uma delas. De fato, o artista é livre na escolha. No âmbito da literatura nem sempre é fácil rotular  ou classificar certos autores dentro de uma escola, pois há alguns que, colocando-se acima dos princípios normativos das escolas, mostram-se fundamentalmente independentes." (....) "Outros há que apresentam características de diversas escolas e tendências... Como um Manuel Bandeira, cuja versatilidade artística fá-lo tradicional e modernista". (....) "As escolas não podem ser vistas em divisões estanques e nem estão rigorosamente jungidas ao tempo ou às datas. Por isso, há artistas que podem ser classificados em muitas escolas, independente da época em que eles vivem e da época em que elas despontam. Assim, pode haver um clássico (no sentido específico) ou um romântico em plena época modernista". (....) "Nossos parnasianos o foram quase sempre na forma, e muitas vezes românticos no conteúdo. Goethe foi um clássico no estilo, sem deixar de ser romântico, sob outros aspectos". (....) "Disso tudo torna-se fácil concluir não ser a escola que valoriza a criação artística ou o artista, mas sim este que valoriza a arte ou a escola".

A arte é uma só, em sua essência. O que vale é a mensagem do artista. E este, segundo a judiciosa conclusão de Hênio Tavares, "preso ou não a uma determinada escola, será grande se grande for sua obra".



Fase anteclássica, ou medieval
(ou período arcaico)

O período anteclássico, ou medieval, "o primeiro das literaturas ocidentais", abrange, em Portugal, os séculos XII a XV, antes, portanto, da descoberta do Brasil.

Foi, aliás, por essa época, que nasceu o Soneto, o único poema de forma fixa que conseguiu vencer o perpassar do tempo. Não o conheceram, pois, os gregos e os latinos da antiguidade clássica.

Vamos encontrar, na fase anteclássica, a poesia de inspiração provençal (Escola Trovadoresca, com as "cantigas de amor", as "cantigas de amigo" e as "cantigas de maldizer"); e a poesia de influência espanhola (Escola Palaciana, assim chamada porque a poesia popular, já no século XV, começou a decair, passando a viver mais nos palácios e nas cortes).

A Escola Trovadoresca, surgida na Provença, condado ao sul da França, constituía-se de poetas-cantores e músicos, nos séculos X até o XIII.

A poética desse tempo era chamada "gaia ciência".

Segundo muitos historiadores, inclusive Marques da Cruz, existiam o "jogral", o "segrel", o "menestrel" e o "trovador".

O "jogral", uma espécie de "bobo da corte", tinha, também, por profissão, divertir os reis, os grandes senhores e o público, com suas chalaças e momices. Cantava, tocava instrumentos, principalmente a viola e o alaúde. Ainda executava acrobacias e era domador de serpentes. Os jograis iam de terra em terra, de castelo em castelo. cantando e recitando. Não produziam as poesias que interpretavam. Boêmios, viviam da generosidade dos senhores nobres, deles recebendo dinheiro, roupa e alimentos. Conta-se que Eduardo I, rei da Inglaterra (de 1272 a 1307), chegou a contratar cerca de 450 jograis para realçarem a festa de casamento da princesa Margareth, sua filha. Ao lado do jogral, não raro, se apresentava a "jogralessa", de qualidades artísticas semelhantes às do seu parceiro.

Os franciscanos diziam-se "jograis de Deus".

O "segrel", também profissional, era o cantor que acompanhava um nobre ou um eclesiástico. Uma espécie de jogral da corte. Havia, porém, o segrel instruído, às vezes, mesmo, um ex-eclesiástico. capaz de compor as cantigas.

O "menestrel" era o músico e cantor ambulante dos tempos da antiga cavalaria, vivendo, como profissional, agregado aos trovadores fidalgos. Fazia versos e cantava pelos castelos, sempre envolto em grande popularidade. Acompanhava, com seu instrumento, os cantos dos senhores. Quando de origem clerical e, portanto, com qualidades intelectuais, exercia papel saliente nas cortes, onde organizava divertimentos e espetáculos artísticos. Jean de Froissart (1337-1410) foi menestrel. Homem culto, cônego, secretário da rainha da Inglaterra.

O "trovador" estava acima do jogral, do segrel e do menestrel. Compunha as próprias cantigas, mas entregava a parte da música e da execução aos jograis e aos segréis, que mantinha para esse fim.

Os trovadores, homens ilustres, nobres e até reis, participavam da arte da poesia, ao lado de burgueses de comprovado talento. Seu tema principal era o amor, baseado numa teoria platônica, embora de quando em quando, se tratasse de paixão verdadeira. Bernard de Ventadour (1140-1195), diga-se de passagem, foi o único poeta provençal que, sem o manto da hipocrisia, manifestou livremente sua paixão...

Há quem distinga os trovadores dos troveiros, que, a rigor, não passam de formas diferentes da mesma idéia. Os trovadores (do provençal "troubadours"), falavam e escreviam na "langue d'oc" (sul da França). Os troveiros (do francês "trouvère"), usavam a "langue d'oil" (norte da França).

Importantes trovadores provençais ("langue dóc") foram: Bernard de Ventadour, já citado, o mais "moderno" de todos; Arnaut Daniel (1150-1189), inventor da "sextina"; Girard de Bourneuil (1150-1220), tido, por muitos, como o inventor do soneto; Bertrand de Born, que foi fidalgo do Périgord (antiga região da França) e morreu frade em 1210; Peire Vidal (1150-1210); Peire d'Auvergne (século XII); Peire Cardenal, nascido em 1210 e morto no fim do mesmo século; Guiraut Riquier (1250-1294); Rambaldo de Vaqueiras (1180-1207); Guilherme de Aquitânia (Guilherme IX), conde de Poitiers e duque de Aquitânia e de Gasconha (1071-1127), um dos mais antigos poetas em língua românica. Diz-se que foi o primeiro trovador.

Na França ("langue d'oil"), foram troveiros de algum relevo (século XIII): Conon de Bèthune; Colin Muset; Philippe de Nanteuil; Gace Brulé; Jean Bodel, que deixou Arrás, sua terra natal, em 1202, por estar leproso; Thibaud IV (1201-1253); Blondel de Nesles; Adam de la Halle, rico burguês, chamado "o Corcunda", e que foi exilado de sua terra natal (também Arrás), em 1269, por questões políticas. Eram, quase todos, cavaleiros, nobres, senhores; e os seus poemas, líricos. Entre eles, contava-se Ricardo Coração de Leão (1157-1199), que foi rei da Inglaterra (1189-1199).

As atividades trovadorescas, dentro da Provença, diminuíram muito nos séculos XII e XIII, mas adquiriram cores novas e novo alento em outros países.

Na Alemanha medieval, os próprios compositores cantavam: eram chamados "Meistersingers" (mestres cantores) e "Minnesingers" (cantores de amor). Os principais: Spervogel, morto em 1180, pioneiro de "uma segunda linha de evolução das formas líricas"; Dietmar von Aist, que fez uma boa aliança da canção popular com a arte da lírica provençal; Friedrich von Hausen (1150-1190), amigo do imperador Frederico Barba-Roxa; Heinrich von Morungen (1150-1222), conforme Fritz Martini, "o primeiro que elevou a canção alemã a um alto grau de perfeição"; Reinmar von Hagenau (1160-1205), poeta de renome, na corte do duque Leopoldo, em Viena; Walther von der Vogelweide, possivelmente de origem austríaca (1170-1230), de acordo com Martini, "o maior trovador da Idade Média Alemã e um dos grandes líricos de sempre". Com Frederico II, partiu Walther para a Sexta Cruzada (1228-1229). Escreveu Klabund: "Ele odiava os padres e o falso Deus que se achava em Roma. Queria ver face a face o Deus verdadeiro. Entoou para os cruzados a canção da cruzada". Disse mais Klabund: "Ainda na morte queria honrar seu nome: seu túmulo deveria ser um prado para as aves".

Os trovadores, na Itália, em especial ao norte, empregaram, inicialmente, a língua da Provença.
O Cancioneiro castelhano, por excelência, é o de Baena, compilado por Juan Alonso de Baena, que morreu em 1445. Nesse Cancioneiro encontram-se poesias de mais de 40 poetas da corte de D. João II de Castela.

É claro que as criações dos trovadores não tinham a estrutura do que hoje chamamos trova, ou seja, uma estrofe de quatro versos setissílabos rimados (o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto). Eram pequenos poemas sem limite de versos, para serem declamados ou cantados.

Consta que o primeiro trovador a cultivar a quadra em ver-sos de sete sílabas, como a fazemos atualmente, foi Afonso X, de Leão e Castela, o "rei-sábio", também cognominado o "Astrônomo".

Não obstante haver adotado o castelhano como língua oficial, ele compôs as "Cantigas de Santa Maria", em louvor à Virgem, em galaico-português (língua catalã muito ligada ao provençal), contendo 420 poemas musicados, entre os quais um número superior a 200 trovas. (Em 1961, a Universidade de Coimbra reeditou essa obra.)
Cerca de 30 outros poemas que produziu, na maioria satíricos, de conteúdo moral e político, estão incluídos nos Cancioneiros da Vaticana e da Biblioteca Nacional, a que aludiremos logo adiante. Afonso X nasceu em 1221 (Toledo), reinou de 1252 até 1282, quando foi deposto por seu filho D. Sancho IV. Morreu em .1284 (Sevilha).

Em 1128, Portugal se desmembrou de Leão (Leon) e se transformou em reino.

D. Dinis (1261-1325), o grande rei-trovador, que subiu ao trono português em 1279, chamado o "Lavrador", ou o "Trovador", compôs centenas de cantigas. Em seu reinado, a trova brilhou intensamente. Antônio Ferreira, um "clássico moderno", assim se referiu a ele: "honrou as musas, poetou e leu".

D. Dinis escreveu as "Baladas e Pastorelas", "Cantares de amigo" e "Cantigas de amor", pontos altos dos cancioneiros medievais. Sua poesia trovadoresca, diz Marques da Cruz, "tem o traço inconfundível da poesia provençal: é ingenuamente amorosa e espontânea, brotando da alma como a água brota da fonte".
Aliás, não podemos esquecer os Grandes Cancioneiros Portugueses (1198-1354). Portugal tornou-se, inclusieve, um admirável celeiro de trovadores.

Tais produções se acham reunidas em três "Cancioneiros": o "Cancioneiro da Ajuda", com 310 canções; o "Cancioneiro da Vaticana", pertencente à Biblioteca do Vaticano, com 1.205 cantigas, de cerca de 130 poetas da Espanha (inclusive D. Afonso X), e de Portugal, entre estes D. Pedro (Conde de Barcelos) e D. Dinis (rei de Portugal); e o "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa" (antiga "Colocci Brancuti"), com 1.647 composições, das quais 1.100, aproximadamente, repetidas do "Cancioneiro da Vaticana".

No "Cancioneiro da Ajuda" encontra-se a famosa "cantiga de amor", "A Ribeirinha", de Paio Soares de Taveirós, composta em 1189, e que Carolina Michaëlis de Vasconcelos considera o mais velho texto conhecido de poesia portuguesa. Cantiga dedicada à favorita de D. Sancho I, D. Maria Pais Ribeiro, mais conhecida como "a Ribeirinha". Todavia, há fontes que indicam como autor da mesma o próprio D. Sancho I, também trovador, e primeiro rei-poeta de Portugal.

Por curiosidade, transcrevemos um pequeno trecho da cantiga, em rimas consoantes:

No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vay
ca ia moiro por vos — e ay
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraya
quando vos eu vi en saya!


A Escola Palaciana teve sua produção reunida no chamado "Cancioneiro Geral", obra bilíngüe, que o fidalgo-poeta Garcia de Resende (1470-1536) compilou e o rei D. Manuel I de Portugal (1469-1521), mandou publicar em 1516. São mais de 1.000 produções, de 286 poetas portugueses dos séculos XV e XVI, escritas em espanhol e em português, já revelando influência erudita. Aí é evidente a feição nova da poesia castelhana, mais perto do "dolce stil nuovo" de Florença, do que da corte de Afonso III e de D. Dinis, seu filho.

No "Cancioneiro Geral" encontram-se produções poéticas de Gil Vicente, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro, D. Pedro (Condestável de Portugal), Jorge de Aguiar, Diogo Brandão, além do próprio Garcia de Resende.

O colecionador do "Cancioneiro Geral" foi secretário particular do monarca português D. João II (1455-145), que reinou de 1481 a 1495.


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Escola Clássica

A Escola Clássica foi um reflexo das literaturas grega e latina, ressurgida, de certa forma, no Humanismo, movimento cultural italiano do século XIV, que se propagou pela Europa, onde predominou a partir dos séculos XV e XVI. A riqueza cultural greco-latina, então descoberta, estivera, durante a Idade Média, guardada, heroicamente, nos conventos, pelos eruditos e pelos monges de Constantinopla ("nova Roma"), verdadeira capital do Império Bizantino. Registra Afrânio Peixoto que "os bizantinos foram os bibliotecários do gênero humano".

A "Grande Enciclopédia Delta Larousse" define assim o Humanismo: "Doutrina que coloca o homem no centro do universo e das preocupações filosóficas e outras. Tendência filosófica e social que se orienta conforme ideais puramente humanos, em oposição aos interesses religiosos".

Depois de confirmar que o humanismo, como movimento intelectual, surgiu, mesmo, na Itália, no século XIV, a referida Enciclopédia esclarece: "Mas esse acontecimento (a queda de Constantinopla, em 1453) não significa, de maneira alguma, o começo do movimento humanista. Este tem seus precursores nas universidades medievais, no século XII, homens como John of Salebury e, mais tarde, o bispo Orésmio, físico 'e economista. Como primeiro humanista costuma-se isolar, no séc. XIV, a grande figura de Petrarca, em que coexistem, porém, com os elementos humanísticos, os medievais. O grande século do humanismo italiano é o XV (“quattrocento"): Filelfo, Poggio Braccialini, Biondo, Pico della Mirandola, Pontano, Sannazaro, e tantos outros lançaram os fundamentos da filologia clássica e foram, em parte, notáveis historiadores e poetas, sempre em língua latina".

No século XVI, confunde-se com o movimento artístico da Renascença. A Inglaterra foi o primeiro país, ao norte dos Alpes, que adotou o humanismo, com Thomas Morus e Colet. Ainda a Delta Larousse: "Os humanistas ingleses tiveram papel importante na formação pessoal do holandês Erasmo de Rotterdam, o maior humanista do séc. XVI, cuja influência se tornou internacional".

Como movimento, o humanismo, que "acabou antes do fim do séc. XVI", deu projeção a vários grandes nomes na Alemanha (Celtis e Amerbach); na França (Budé e Montaigne); na Espanha (pensadores e filólogos de Salamanca); e em Portugal (onde a figura destacada foi Diogo do Couto).

Da campanha dos Humanistas surgiu, pois, o "Renascimento", ou "Renascença".

Marques da Cruz recorda que a "época clássica" abrangeu os séculos XVI, XVII e XVIII (Idade Moderna) e explica que assim se chama porque os Jesuítas, cuja ordem apareceu no século XVI, fundaram colégios para o ensino dos jovens, adotando, para uso das "classes", livros de grandes escritores gregos e romanos. O escritor usado na "classe" era, então, chamado "clássico". E acrescenta que "hoje a palavra "clássico" passou a ter uma significação mais ampla, designando-se com ela o escritor cujo estilo é puríssimo e que exerceu larga influência nas letras".

Diz-nos Hênio Tavares: "A realidade clássica é uma transfiguração da realidade, que, muito embora calcada no mundo real, estabelece um critério ideal: — o paradigma, o modelo, deve ser superior ao que existe". ("A função do artista clássico é de recriar a realidade no que ela tem de universal, de verdade moral e estética para a razão".

Especulou-se muito, nos meios literários, em torno de uma exploração estulta, no que diz respeito às imagens, e até versos praticamente inteiros, que os clássicos modernos escreviam, "copiando" os velhos clássicos. Em verdade, não se caracterizava o plágio servil. Na maioria dos casos correntiamente citados, existiu, apenas, uma imitação, até proposital, de pensamentos, uma transposição de temas antigos que, por sua vez, eram, já, repetidos de poetas mais antigos ainda. Hênio Tavares chama a isso "acomodação da experiência artística dos antigos à realidade contemporânea".

Fedro e La Fontaine imitaram Esopo. Virgílio, Tasso e Camões imitaram Homero. Esses gênios não precisavam plagiar, é óbvio. Procederam assim, conscientemente. Idéias semelhantes repostas em expressões não raro melhoradas. Salomão estava certo quando disse que "não há nada de novo sob o sol" ("Nihil novum sub sole").

E, a propósito, eis aqui uma definição de Aristóteles: "A arte é a imitação das coisas como elas deveriam ser". Os clássicos modernos não copiam os clássicos antigos. Imitam-nos, e nisto não há demérito, porque, "em arte, não há invenção, mas criação", confirma Hênio Tavares.

Quanto à identificação do tricentenário classicismo moderno, Marques da Cruz escreveu e Hênio Tavares ratificou:

— o quinhentismo (século XVI);
— o seiscentismo (século XVII) — barroquismo;
— o setecentismo (século XVIII) — arcadismo.

Sobre esse assunto, vale a pena transcrevermos a opinião de Clóvis Monteiro: "A rigor, o Classicismo, em Portugal, exerceu maior influência "da terceira década do século XVI, quando regressa Sá de Miranda da Itália (1526), à terceira década do século XIX, quando sai a lume o poema "Camões", de Almeida Garret (1825)".

O nosso querido Portugal atingiu no século XVI — era do quinhentismo —, o seu ápice político, marítimo, literário  e artístico. Ressalta Marques da Cruz. "O século XVI constitui a idade de ouro da literatura portuguesa. É o século de Camões, o maior épico das literaturas modernas".

"A língua da época medieval — então quem fala é Hênio Tavares — passa por consideráveis transformações, devido à influência do espanhol, buscam agora os seus cultores defendê-la; e um dos processos dessa defesa, foi o de sua "latinização". Os escritores latinizantes, se bem que rompendo a evolução natural do idioma, buscavam no léxico latino e, não poucas vezes, no grego, elementos para o aperfeiçoamento vernáculo. Antônio Ferreira foi o mais decidido paladino de tal campanha".

Devem ser destacados os seguintes escritores e poetas quinhentistas portugueses: Bernardim Ribeiro, Gil Vicente, Antônio Ferreira, Francisco de Sá de Miranda, Diogo Bernardes, Luís Vaz de Camões. João de Barros.

O Brasil, recém-descoberto, ainda não possuía — nem era possível — uma literatura própria, embora aqui tivessem nascido ou vivido, naquela época, muitos escritores e poetas, entre os quais José de Anchieta (1533-1597) e Bento Teixeira (1560-1618).


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Passemos ao seiscentismo (século XVII) cuja fase mudou muito, em relação à forma e ao conteúdo da poesia do século anterior.

A literatura lusa acompanhou a nação (dominada de 1580 a 1640), submetendo-se ao estilo de Luís de Góngora, que foi bastante criticado pelos próprios contemporâneos, em face da maneira preciosista e extravagante de sua poesia. Deleitava-se com as frases vestidas de ouropéis, cheias de palavras retumbantes e comparações arrojadas, de metáforas e hipérboles, achando que, com afetação e descomedimento de imagens, passaria por original e sutil.

Era o "gongorismo", que, também, se denominava "cultismo", ou "culteranismo", seja, o culto do som e da forma literária (Espanha e Portugal).

Ao lado dos excessos do "culteranismo", surgiu outra manifestação literária algo semelhante em seus objetivos fundamentais: o "conceptismo", ou "conceitismo", em que havia rebuscamento de raciocínios, em que havia, também, sofismas, sem, contudo, tantos exageros.

Francisco de Quevedo (1580-1645), poeta e escritor espanhol de grandes qualidades, foi um "conceptista".

A verossimilhança de pormenores, literariamente infrutífera, entre o culteranismo e o conceptismo, deu origem ao Barroco.


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Conforme esclarece a Grande Enciclopédia Delta Larousse, o período em que se desenvolveu o Barroco foi posterior ao Renascentismo (do qual se tornou, apenas, uma evolução) e anterior ao neoclassicismo — e "compreende a maior parte da produção artística e literária ocidental entre meados do século XVI e o final do século XVII, embora em alguns países se tenha estendido até o século XVIII". Teria sido, neste caso, o "barroco tardio".

O Barroco "é conhecido, aliás, sob diversas designações: "conceptismo" e "culteranismo", na Espanha e Portugal; "marinismo", na Itália de Giambattista Marino; "gongorismo", do poeta espanhol Luís de Góngora; "eufuísmo", na Inglaterra, através da obra "Euphues", de John Lily; "silesianismo", na Alemanha do poeta Ange-lus Silesius".

"Uma das constantes do espírito barroco é a religiosidade, contida não só na literatura, como nas artes plásticas". Tivemos os exemplos de El Greco na Espanha e do Aleijadinho no Brasil. E na música, como são os casos de Bach e Hendel, na Europa, e do Padre José Maurício (1767-1830), a maior figura musical brasileira do período colonial.

Na literatura portuguesa, o barroco histórico (do seiscentismo) apresentou grandes valores de todas as artes. Na literatura, brindou-nos com os nomes de Antônio Vieira, Manuel Bernardes e Francisco Rodrigues Lobo.

"O mais importante de todos os cancioneiros de poesia barroca (ou seiscentista) de língua portuguesa — registra a Delta Larousse — foi a "Fênix Renascida" ou "Obras Poéticas dos Melhores Engenhos Portugueses". Foi publicado em cinco volumes, e teve duas edições: a primeira em 1716-1728 e a segunda em 1746, e nele se entrecruzam as mais variadas tendências poéticas".

Acrescenta a mesma Enciclopédia:
"Publicada por Matias Pereira da Silva, a "Fênix Renascida" conta, como seus poetas mais importantes, Antônio Barbosa Bacelar, Jerônimo Baía, Francisco de Vasconcelos, Jacinto Freire de Andrade, Manuel Pinheiros Arnaut, Antônio da Fonseca Soares, Diogo Camacho (ou Diogo de Sousa) e Tomás de Noronha".

A Delta Larousse destaca o seguinte: "Um tema sério, de natureza não religiosa, mas ética, perpassa ao longo de todo o cancioneiro: a soberanamente barroca preocupação com a precariedade da vida humana, com a fugacidade das coisas e, portanto, a reflexão sobre a vaidade, isto é, a vacuidade da vida, os enganos e desenganos da fortuna".

O barroco literário, que dominou nas literaturas européias do século XVII, "caiu diante do classicismo francês, vindo, entretanto, a ser reabilitado no século XX": na Inglaterra, ressurgiram Donne e Shakespeare, este com a segunda fase de sua obra; na Espanha, foram reabilitados Góngora e Quevedo; na Alemanha, Gryphius: na França, com resistências, Pascal, Racine e La Bruyère.


Durante o século XVII, não apenas o barroquismo se opôs ao então chamado mau gosto do cultismo. Também ressurgiram as velhas Academias, que foram relembradas como capazes de expurgar as línguas daquele defeito. Aliás, o barroquismo ofereceu uma boa recepcão ao espírito associativo do velho-novo movimento.

A vida fascinante das chamadas Academias floresceu na antiguidade clássica. Platão, célebre filósofo grego (429-347 a.C.), era discípulo e amigo de Sócrates (468-400 a.C.). Após a morte do mestre, empreendeu uma série de viagens ao Egito e à Itália e, de volta a Atenas, formou um ambiente maravilhoso ao seu redor. Em respeito à memória do herói ateniense Academo, os lacedemônios liberaram a terra que lhe havia pertencido. Foi ela, então, transformada em jardim, o "Jardim de Academo", de onde se originou o nome de Academia, dado à escola de Platão. Nesse local, à sombra das árvores, Platão, a partir de 387 a.C. e durante quarenta anos, até morrer, reunia seus discípulos, aos quais transmitia sábios e transcendentais ensinamentos. Um de seus discípulos foi Aristóteles (384-322 a.C.).

Mais tarde, voltaram elas com o Renascimento, aparecendo primeiro na Itália. Foi uma epidemia que grassou pelos principais países do mundo: Inglaterra, Espanha, França, Alemanha, Portugal... Na Itália (Florença), existiram a Academia Platônica (1470) e a Academia Crusca (1582). Na França, foi inaugurada a Academia do Palácio (1570).


Vamos abordar algumas grandes Academias de marca oficial e até portadoras de selos Reais ou Governamentais que emergiram no ocidente europeu. Entre essas entidades de vida longa e edificante, merecem destaque: a "Academia Francesa", criada em 1635, por cartas régias de Luís XIII, a pedido do Cardeal Richelieu; a "Sociedade Real de Londres" (1660); a "Academia Real das Ciências de Paris" (1666); a "Academia Real das Ciências da Prússia" (1700); e depois, seguindo as suas pegadas, a "Academia Real Espanhola" (1714); a "Academia Real da História Portuguesa" (1720), fundada por decreto de D. João V; a "Academia Real de Ciências de São Petersburgo" (1725), fundada pelo Czar Pedro, o Grande; a "Academia Real das Ciências de Lisboa" (1780), com seus estatutos aprovados pela rainha D. Maria I.

Por outro lado, houve, em Portugal e no Brasil, aquelas que tacharíamos de "Academias particulares", custeadas ou patrocinadas por inúmeros Mecenas ressuscitados nos séculos XVI até XVIII.

Respeitamos suas intenções, porém, com poucas e honrosas exceções pessoais, não passaram, essas academias, de grupos irrisórios e grotescos, preocupados com o vezo dos elogios mútuos e o endeusamento exageradíssimo das autoridades de elite, suas protetoras. Basta olhar para os próprios nomes de algumas, para se chegar a essa conclusão desfavorável.

Em Portugal, estiveram em moda, no tempo do rei D. João III (1502-1557), aclamado em 1521. Não obstante, a tradição começou a guardar suas memórias somente nos séculos XVII e XVIII. A primeira a surgir foi a "Academia dos Generosos", fundada em 1647, por Antônio Álvares da Cunha; depois, a "Academia dos Singulares" (1663). E, no século XVIII, as Academias dos " Aplicados " , dos  “Obsequiosos", dos "Ilustrados", dos "Ambientes", dos Problemáticos", dos "Anônimos", depois chamada dos "Ocultos".

E no Brasil, com vida efêmera, funcionaram a Academia Brasílica dos Esquecidos (1724); a Academia dos Felizes (1736); a Academia dos Seletos (1752) ; a Academia Brasílica dos Renascidos (1759). Nenhuma delas fez qualquer coisa de notável e duradouro.

Pode-se explicar que as manifestações academicistas, no Brasil daquela época, eram divididas em três grupos distintos, embora interdependentes: a "Academia" propriamente dita, associação literária ou cultural, com objetivos fixados em estatutos adequados; o "ato acadêmico”, ou seja, um certame, ou sessão, ou tertúlia literária, com temário prefixado, para funcionar com público seleto, em homenagem a um mandatário poderoso; e os "festejos públicos",  constantes de atos religiosos, iluminárias, cavalhadas e representações teatrais, comportando às vezes "atos acadêmicos".


O influxo da literatura portuguesa tinha de estar, ainda, presente; mas, apesar de sua vida precária e produção medíocre, não se negará que as academias exerceram alguma influência benéfica no progresso das incipientes letras brasileiras.

Ronald de Carvalho é da seguinte opinião: "Já havia um certo orgulho em ser brasileiro, em mostrar que possuíamos, também, e com voz própria, uma literatura".

Entre os seiscentistas, grandes escritores e poetas foram: Francisco Rodrigues Lobo, Francisco Manuel de Melo, André Rodrigues de Matos, Diogo Camacho (ou Diogo de Sousa), Soror Violante do Céu, Frei Luís de Sousa, Padre Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Soror Mariana Alcoforado (todos de Portugal); e Gregório de Matos Guerra, Manuel Botelho de Oliveira (ambos do Brasil).


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Agora, a vez do setecentismo. O XVIII é citado como o século do Arcadismo.

Na metade da centúria, a arte barroca ainda persistia, em Portugal e no Brasil. Mas, acabou cedendo lugar ao Arcadismo que se transformou em um dos maiores movimentos literários deste lado do Atlântico.

Diz-nos Hênio Tavares: "A Arcádia já o nome indica, remonta à mítica Arcádia dos helenos, fruto da imaginação de Teócrito, cantada por Virgílio e pelos bucolistas renascentistas". (....) "A poesia arcádica pretende restabelecer o equilíbrio quinhentista rompido em seiscentos. Visa a dirimir a orgia ornamental e as sutilezas esotéricas do jogo dialético, pela volta da clareza e simplicidade". (....) "O gosto clássico reaparece na sua nobreza e sobriedade. É o neoclassicismo".

Filinto Elísio, como Antônio Ferreira no quinhentismo, desempenhou papel importante em prol da língua. Rebelou-se contra a influência classicista francesa (Boileau, Racine, Molière e La Fontaine), verberou os freqüentadores dos salões de Paris e da Corte de Luís XIV. Era de opinião extremadamente favorável à fonte latina. Queria voltar à imitação dos antigos clássicos. E, quanto à poesia, deveria aristocratizar-se, limitando-se aos iniciados:

"Poetas por poetas sejam lidos"


Em Portugal e no Brasil, o Arcadismo teve existência apreciável. Portugal, com a "Arcádia Lusitana" (1756) e a "Nova Arcádia" (1790); o Brasil, com a "Arcádia Ultramarina" (1780 ou 1783), e a "Sociedade Literária" (1786), ambas no Rio de Janeiro. Entretanto, o predomínio decisivo e histórico desse movimento pertenceu ao "Grupo Mineiro" (1750-1830). O Arcadismo, que foi o próprio neoclassicismo, tornou-se uma ponte pênsil ligando o Classicismo ao Romantismo.

Houve, antes do Romantismo, uma fase "pós-barroca", a que se atribuiu o nome de "rococó" (1720-1780). Diz Hênio: "É a época da elegância sofisticada, tempo de Luís XV, de danças leves e delicadas, corno o minueto".

Em capítulo distinto, mais adiante, oferecemos, além de uma história resumida do "Arcadismo", sonetos de excelentes qualidades, produtos da inteligência e da inspiração peregrina de árcades brasileiros de porte excepcional, como Cláudio Manuel da Costa, José Basílio da Gama, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga Peixoto.


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Ao concluirmos estes trechos sobre a Escola Clássica, cumpre-nos esclarecer que não só os escritores e poetas mencionados integram a brilhante galeria dos clássicos modernos.

Mesmo em relação a tempos muito mais recentes, poderíamos declinar outros, que foram modelos de arte e, portanto, dignos de ser apontados como autores clássicos.

Entre os brasileiros, deve haver, pelo menos, duas dezenas deles. Não nos arriscamos a apresentar uma lista pretendidamente completa.

Vamos, porém, citar os nomes de alguns, apenas dez, que, certamente, figurariam em qualquer relação porventura preparada por um estudioso, ou analista, de matéria tão importante, e até mesmo complexa. Ei-los: Machado de Assis, José de Alencar, Euclides da Cunha, Rui Barbosa, Coelho Neto, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde).

Um escritor, ou poeta, tem direito a essa designação, seja qual for a escola literária a que pertença.



Escola Romântica

... No entanto, estava a caminho o Romantismo. Este movimento, aliás, vinha sendo despertado por um grito de alerta que, no último quartel do século XVIII, surgiu de várias partes, e ao qual dá-se, hoje, o nome de pré-romantismo. Era como que o preâmbulo de um novo tipo de sensibilidade.

Suas primeiras manifestações marcaram presença na Alemanha.

Entre os mais conhecidos pré-românticos daquele país, mencionamos Johann Georg Hamann (1730-1788) ; Jacob Michael Reinhold Lenz (1751-1792); Friedrich Gottlieb Klopstock (1724-1803), o maior expoente do sentimentalismo da época; Christoph Martin Wieland (1733-1813); Matthias Claudius (1740-1815); Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que se afastou, evoluindo para certo estilo próprio de neoclassicismo.

O Romantismo visava à originalidade subjetiva, substituindo as regras estéticas do classicismo. Caracterizou-se pelo renascimento do lirismo, pela preponderância da imaginação e da sensibilidade sobre a razão e, muito especialmente, pelo individualismo.


Esses anseios encontraram seu símbolo na "flor azul", espécie de Graal moderno, de Novalis (Friedrich, barão Von Hardenberg, conhecido pelo pseudônimo "Novalis"), poeta alemão (1772-1801). que seguiu o rumo da exaltação mística, após a morte de sua noiva. Sophie von Kühn, de quinze anos de idade.

August Wilhelm Schlegel (1767-1845) e seu irmão Friedric Schlegel (1772-1829), líderes intelectuais do primeiro grupo romântico (lena-Berlin), editaram, de 1798 a 1800, a revista "Athenáurn” ("Ateneu"), primeiro órgão do romantismo na Europa e no mundo. Nessa revista foram publicados manifestos da nova escola.

August era professor de literatura da universidade de lena. Rompeu com Goethe e Joahann Friedrich von Schiller (1759-1805), clássicos geniais, que, não obstante, acabaram sendo os maiores valores românticos na Alemanha.

Friedrich Schlegel era um espírito mais original que August. Escritor, crítico, pensador, de agilidade mental extraordinária, tornou-se o mais perfeito inspirador da estética romântica.

Foi muito importante na eclosão do Romantismo o movimentado círculo de Iena, onde se distinguiram os irmãos Schlegel, ao lado de Novalis e Tieck, além de Karoline Michaelis (1769-1809) — nome de solteira — casada com August e, mais tarde, em se-gundas núpcias, com o filósofo alemão Friedrich Schelling (1775-1854). Novalis, o maior poeta do grupo. Seguiram-se muitos outros, entre os quais os irmãos Grimm — Wilhelm (1786-1859) e Jakob (1785-1863); e Heinrich Heine (1797-1856), certamente o último romântico alemão, como poeta.

Escreve Fritz Martini, autor da "História da Literatura Alemã":
— "O sentido do infinito foi o órgão romântico da experiência do mundo. O Romantismo abrangia e misturava todos os domínios do espírito humano: a poesia e as artes plásticas, a história e as ciências da natureza, a psicologia e a sociologia, a filosofia e a medicina, a política e a religião. A vida que os clássicos pretenderam modelar em formas duradouras, de novo se converte em movimento individual e ilimitado fluir".

O Romantismo, da Alemanha comunicou-se à Inglaterra, onde se distinguiram, desde logo, como adeptos exponenciais, "lord" George Gordon Byron (1789-1824); Walter Scott (1771-1832) Sa-muel Taylor Coleridge (1772-1834); Percy Bysshe Shelley (1792-1822), amigo de Byron e um dos primeiros poetas líricos ingleses; e William Wordsworth (1770-1850).

Logo depois, alcançou a França, que ingressou na nova corrente literária, com Madame de Staël (1766-1817); Chateaubriand (1768-1848); Lamartine (1790-1869); Alfred de Vigny (1797-1863); Alfred de Musset (1810-1857); George Sand (1804-1876); Victor Hugo (1802-1885).

Os alemães, talvez por dificuldades lingüísticas, deram à nova escola a denominação de "Die Romantische Schule". Mas, os franceses, práticos, com sua língua bem mais maleável, sintetizaram aquela "expressão" em uma só palavra: "Romantisme". O neologismo foi aceito em todos os países.

Não há dúvida de que a Revolução Francesa (1789) destruiu os sistemas aristocráticos, dando lugar ao liberalismo político, com altos reflexos na literatura. O Classicismo sofreu, embora lentamente, golpe profundo e houve uma grande transformação mental no início do século XIX. A arte popular dos românticos substituiu a arte aristocrática dos clássicos.

Victor Hugo classificou o Romantismo como "revolução francesa transformada em literatura" .

Achamos algo rigoroso o tratamento que dá, ao Romantismo francês, Philippe Van Tieghem, autor da História da Literatura Francesa. Escreve ele: "Não há, em França, escola romântica, como não existira escola clássica. Formados por influências análogas, vários escritores excepcionalmente dotados deram ao prelo as suas obras, mais ou menos simultaneamente, entre 1820 e 1830. Todos eles apresentam características comuns — e são estas que constituem o Romantismo". (....) "Claro, houve mestres e discípulos, mas estes depressa dispensaram tutelas. Ou melhor, houve um mestre — Victor Hugo — que se impôs, não como chefe da escola, mas pelo esplendor do seu gênio".

Para Tieghem, só existiram quatro grandes poetas românticos, na França: Lamartine, Vigny, Hugo e Musset. Aos demais, dá-lhes a classificação de poetas secundários.


Na Itália, Ugo Fóscolo (1778-1827) e Silvio Péllico (1789-1854); e, na Espanha, José de Espronceda (1808-1842), foram os grandes renovadores.

Em Portugal, o ano de 1825 delimitou o encerramento do Classicismo, com a publicação do poma teatral "Camões", de Almeida Garret (1799-1854). Poema clássico na língua e no estilo, aproxima-se bastante do espírito romântico.

Antes, mesmo, do "Camões", Garret já rebuscava poemas com as tintas românticas, sob os influxos do Romantismo da França e da Inglaterra:

"Saudade! gosto amargo de infelizes,
delicioso pungir de acerbo espinho...”



Seguindo esse pioneiro do Romantismo, vieram Alexandre Herculano, Castilho, Rebelo da Silva, Júlio Diniz, Camilo Castelo Branco, Soares de Passos, João de Lemos, Mendes Lial, Tomás Ribeiro, João de Deus.

Na poesia do Brasil, o Romantismo nasceu com Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882), acompanhado de Araújo Porto Alegre (1806-1889) e, mais tarde, Gonçalves Dias (1823-1864). Mais tarde ainda, muitos outros cujos nomes e obras mostraremos em capítulo próprio.

Nossos poetas, por índole e por força do seu próprio sentimento, já guardavam, desde há muito, dentro de si, todas as características do Romantismo, inclusive o nativismo, o nacionalismo. Hênio Tavares observa, com muita propriedade: "O Brasil, na falta de uma "idade-média", tem no "indianismo" a recomposição estética e nacionalista de seu passado romanticamente concebido".

Outra explicação plausível para a expansão do romantismo no Brasil, foi o fato de esse evento coincidir, de certa maneira, com a sua independência política (1822).

E a continuidade do romantismo não aconteceu apenas no Brasil. Reflexão interessante, a respeito, é esta, da Delta Larousse: "Em certas literaturas (como na América Latina), acredita-se observar a sobrevivência, latente ou manifesta, do romantismo como elemento permanente".



Escola Realista

Na segunda metade do século XIX, surgiu, com grande veemência, um movimento de oposição ao espírito romântico: o Realismo. Hênio Tavares consigna, em destaque, algumas de suas características: "A realidade deve ser a realidade materialmente verdadeira; a existência deve ser encarada fria e objetivamente, sem intromissão do autor, levando vida própria as personagens; a preocupação do realista (contrastando com a evasão romântica) é fixar os sucessos da época, sendo ele, em relação ao seu meio ambiente, não espectador remoto e ausente, mas testemunha próxima e presente; o realismo dá particular atenção às feições estruturais, técnicas e formais da composição, conferindo, nesse detalhe, muita ênfase à tendência parnasiana (poesia), com sua obcecada paixão de esplendor formal; predomínio da razão e da observação sobre o sentimento e a imaginação; os fatos psicológicos não são fatos de ordem espiritual e transcendente, mas apenas manifestações da matéria, portanto subordinados aos fatos fisiológicos; criação dos romances analítico e psicológico".

É inegável que, como movimento estético, foi o grande acontecimento das últimas décadas do século XIX. Seus inovadores formavam a chamada "geração do materialismo". A geração que se julgava auto-suficiente.

O Realismo se afirmou, literariamente, na França, com Flaubert ("Madame Bovary", 1857), Balzac ("Comédia Humana"), e também com Stendhal, Renan, Merimée, Dumas Filho, Anatole France; na Inglaterra, com Charles Dickens, George Eliot; na Alemanha, com Schopenhauer; na Rússia, com Gogol, Dostoievski, Tolstoi. Em Portugal, Eça de Queiroz, Teófilo Braga, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão (prosadores); Antero de Quental, Guerra Jjunqueiro, Cesário Verde, Gomes Lial e, outra vez, Teófilo Braga poetas).

No Brasil, com Manuel Antônio de Almeida, Franklin Távora, Visconde de Taunay, Machado de Assis, Capistrano de Abreu, Joaquim Nabuco, Sílvio Romero, José Veríssimo, Araripe Júnior, Tavares Bastos (obras em prosa); Carvalho Júnior, Teófilo Dias, Afonso Celso, Bruno Seabra, Gonçalves Crespo, Martins Júnior, Castro Alves (em parte), Lúcio de Mendonça, Fontoura Xavier (poetas).

Ao lado da poesia realista propriamente dita, contam-se, também, no Brasil: a poesia filosófico-científica (com Sílvio Romero, Teixeira de Sousa, Prado Sampaio e, ainda, Martins Júnior); e a poesia socialista, com pequenos rasgos de eloqüência e de audácia (Castro Alves, Lúcio de Mendonça, Valentim Magalhães, Afonso Celso, Fontoura Xavier e mesmo Raimundo Correia).

Vimos, atrás, que o Realismo apresenta, entre suas tendências mais notáveis, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Impressionismo.

O NATURALISMO — Filosoficamente, é um "sistema que reduz tudo à própria natureza ou explica tudo pelos fenômenos e forças naturais". Em arte, foi um movimento autônomo ou definido, corporificado nas idéias materialistas de Taine, Augusto Comte, Haeckel, Sainte-Beuve, Claude Bernard, Emílio Zola, Maupassant. E de Teixeira de Queiroz e Abel Botelho (estes em Portugal); e Aluízio Azevedo, Júlio Ribeiro, Inglês de Souza, Domingos Olímpio e Adolfo Caminha, além do poeta Augusto dos Anjos (no Brasil).

O PARNASIANISMO — Conta-nos Phillippe Van Tieghem: "Os poetas a quem cabe, com mais ou menos precisão, o nome de Parnasianos, começaram a agrupar-se por volta de 1860. É claro. já havia frequentes discussões literárias nos cafés da margem esquerda do rio Sena, local que significa a vida literária, com o seu pitoresco e a sua boêmia peculiares; mas, o que neles havia de comum parecia reduzir-se por então à condenação de certa poesia. O historiador, logo adiante, esclarece estar se referindo "à poesia tal como fora concebida e praticada por Lamartine, Musset ou Béranger".

Com seu ideal delineado, os poetas parnasianos franceses, no ano de 1861, concentraram-se em torno da "Revue Faritaisiste", de Catulle Mendès, então com dezenove anos incompletos; o mesmo fazendo, quatro anos depois, em 1865, ao redor da revista " L'Art". de Xavier de Ricard. Por fim, reuniram alguns de seus poemas em três coletâneas, a que deram o nome de "Le Parnasse Contemporain" (1866, 1871 e 1876), publicadas pelo editor Lemerre. O nome da antologia tripartida deve sua inspiração ao monte Parnan (Grécia), antigo monte da Fócida, onde os gregos situaram a rnorada de Apolo e das Musas.

À frente do grupo estavam Théophile Gautier, Leconte de Lisle, Théodore de Banville e Charles Baudelaire. E seus principais membros eram, entre outros, José Maria de Herédia, Sully Prudhomme, Catulle Mendès, François Coppée, Paul Verlaine e Stéphane Mallarmé. Verlaine e Mallarmé não constaram do terce-volume da coletânea, vindo, mais tarde, a abraçar a escola simbolista.


Théophile Gautier foi, na verdade, quem deu início à reforma parnasiana. Sua doutrina era "a arte pela arte", consubstanciada num livro que publicara em 1852, "Esmaltes e camafeus".

Herédia e Lisle, no consenso unânime da crítica, foram os mais notáveis parnasianos da França.

O parnasianismo se notabilizou pelo culto da forma. Os princípios consagrados eram: impersonalidade, impassibilidade, realismo, verdade e beleza. Nem todos, porém, se libertaram da musicalidade e do lirismo. Nem todos eram "impassíveis" de maneira absoluta, porque poucos dentre eles escaparam à arte como expressão do sentimento.

Eça de Queiroz disse que "a arte dos parnasianos pertence mais à joalharia do que à poesia, que antigamente a poesia brotava da Emoção, e hoje está canalizada numa fonte de mármore".

De qualquer modo, surgiu uma inspiração mais intelectualizada. No verso, havia preocupação pela rima rebuscada, pela expressão polida, pelos vocábulos seletos; e uma preferência acentuada pelos poemas de forma fixa, destacando-se o soneto.
Aliás, foi no decurso do parnasianismo que se fixou, verdadeiramente, a "época de ouro do soneto".

Em Portugal, pouco apareceu o parnasianismo, que apenas se fez sentir, debilmente, em João Penha, Antônio Feiió, Guilherme de Azevedo, Guilherme Braga e no brasileiro Gonçalves Crespo, radicado naquele país.

No Brasil, foi Artur de Oliveira quem primeiro o fez surgir, trazendo, até nós, a novidade literária. Podemos anotar, como principais poetas parnasianos: Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo Bilac, Vicente de Carvalho, além de inúmeros outros que, oportunamente, teremos o prazer de apresentar.

Na prosa, destacaram-se Coelho Neto, Xavier Marques, Machado de Assis (em parte), Silva Ramos, Afonso Celso, Raul Pompéia, Alcides Maia, Humberto de Campos, Paulo Barreto (João do Rio).

O IMPRESSIONISMO — que foi a derradeira fase do realismo e também a fase preparatória da nova escola que a ele se seguiria — o Simbolismo — é assim definido por Hênio Tavares:
— "O que releva no impressionismo é o instantâneo, as sensações por ele provocadas em dado momento. A realidade não é reproduzida tal como é vista, mas como é vista e sentida no momento em que se produziu a impressão no espírito do artista".

Depois de pressentido por Flaubert, Rimbaud, Baudelaire e Verlaine, infiltrou-se no final do século XIX e penetrou no século XX, através das obras de Proust, os irmãos Goncourt, Pierre Loti, Daudet, Henry James, Thomas Wolfe, Katherine Mansfield e outros.
Na pintura, veio com Manet, Degas, Renoir. Na escultura, com Rodin. Na música, com Ravel, Debussy.

Impressionista, em Portugal, foi Fialho de Almeida.

No Brasil, nenhum poeta se destacou, mas na prosa podemos citar os nomes de Adelino Magalhães, Raul Pompéia (em parte), Euclides da Cunha, Graça Aranha, Eduardo Prado, Araripe Junior, Oliveira Lima, João Ribeiro (este na crítica) e, mais modernamente, José Américo de Almeida, Alcântara Machado, Plínio Salgado, Oswald de Andrade, podendo ser incluído, de certa maneira, Mário de Andrade, com o seu "Macunaíma".


Escola Simbolista

Reagindo à estética realista, começou a surgir, timidamente, em 1880, ainda através da França, o Simbolismo, a princípio chamado de "decadentismo".

Antes disso, as obras literárias de tintas novas dos ex-parnasianos Verlaine e Mallarmé, bem como as de Rimbaud e Baudelaire, eram pouco conhecidas, não só do grande público, como da maioria dos homens cultos. Verlaine, em 1884, divulgou, em "Les poètes maudits" ("Os poetas malditos"), os mestres da estética nova: Rimbaud, Tristan Corbière e Mallarmé. E, no mesmo ano (1884), publicou "Jadis et naguère" ("Outrora e agora"), contendo sua "arte poética". Nessa obra, propõe-se, numa segunda experiência, lançar a nova poesia — diz Thieghem — "mais musical que visual, mais etérea que realista, mais sugestiva que descritiva, mais matizada que colorida, desdenhosa da rima brilhante, e bastante fluida para transmitir o movimento da alma e o desenrolar da vida".

Os artistas boêmios se reuniam em cafés e cabarés de Paris, ora no Bairro Latino, ora em Saint-Michel, ora em Montmartre. Despontaram revistas literárias, de vida efêmera, e foram espalhadas dezenas de manifestos, publicações geralmente confusas, pois cada qual era especializada num aspecto do Simbolismo. Dentre as revistas, podem ser salientadas apenas duas: a "Revue Wagné.- rienne", de Edouard Dujardin (1885), cujo colaborador mais importante foi Mallarmé; e "Revue Independant", a princípio dirigida por Dujardin e Wyzewa (1885), e depois por Gustave Kahn (1888), esta última "tornando posição definida em favor do ideal simbolista".

Enquanto isso, os poetas também freqüentavam dois salões literários: o de Madame de Ricard e o de Nina de Callias."

Paul Bourget, à guisa de crítica, atribuiu o nome de "decadentes" aos seguidores da nova escola, ou seja, aos sequazes fiéis de Verlaine, ressaltando o "aspecto mórbido de suas criações, repassadas de pervertido misticismo, satânico e morfinomaníaco".

Jean Moréas (poeta francês de origem grega, nascido em Atenas, em 1856), respondendo a Paul Bourget, em 18 de setembro de 1886, publicou no "Figaro" o estrepitoso manifesto em que 'aparece — diz Phillippe Van Tieghem — "o termo de Simbolismo, para definir com exatidão as verdadeiras tendências da nova poesia". Fala-se já de "Escola Simbolista", que, aliás, engloba os decadentes, e cujos mestres são Verlaine e Mallarmé".

O jornalista Jules Huret publicou, no "Écho de Paris", de 3 de março a 5 de julho de 1891, a "Enquêt sur l'evolution littéraire". Arremata Van Tieghem: "Em oitenta e quatro respostas, emanadas, quer das autoridades literárias mais abalizadas, quer de principiantes audaciosos, tal inquérito dá a conhecer ao público a vastidão e a importância do movimento poético até então quase desconhecido".

Aos simbolistas, Rabelais deu também a alcunha pejorativa de "nefelibatas", do grego "nephèle" (nuvem) e "bátee" (que anda), significando, portanto, "que anda nas nuvens". A intenção era dizer que os simbolistas não passavam de pessoas que falavam em linguagem incompreensível, pessoas que "andavam nas nuvens".

As impiedosas críticas de oposição dos parnasianos, ainda ligadas aos reflexos do neo-romantismo, meteram em brios os simbolistas, que partiram, resolutos, para atingir a consciência de sua arte e tornar realidade as suas intenções revolucionárias.

Mallarmé escreveu, no seu livro "Divagations" (1896): "Referir-se a um objeto pelo seu nome é suprimir as três quartas partes da fruição do poema, que consiste na felicidade de adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o que sonhamos. É o uso perfeito desse mistério que constitui o símbolo"...

Rimbaud discreteia: "... Invenções verbais capazes de transformar a vida" (.....) "A palavra é a realidade concreta, colorida pelas suas vogais, animada pelas consoantes. Introduzir o mistério na palavra...

"Verlaine: ... "Nem a idéia clara, nem o sentimento preciso, mas o vago do coração, o claro-escuro das sensações, o indeciso dos estados de alma".

Para René Ghil, a poesia deve exprimir "o mundo, espontaneamente, e em imanência, através dos sons que falam".

De Gustave Khan: "Renovação das formas envelhecidas. Cada poeta deve, de cada vez, em cada poema, em cada elemento de um poema, criar o seu ritmo particular".

Para Baudelaire, "as imagens não são um ornamento poético, mas uma revelação da realidade profunda das coisas".

O nosso Raul Machado assevera que "simbolizar é objetivar idéias, dar corpo às imagens, vida real ao sonho. Símbolo é carne do pensamento, forma concreta' da noção abstrata". (....) "O episódio mais expressivo não vale a queda lenta de uma lágrima ou o significado trágico de uma cruz, fincada sobre um sepulcro"...

Na França, o simbolismo contou, desde logo e mais tarde, em suas hostes, com Stéphane Mallarmé (o patriarca da Escola), Arthur Rimbaud (considerado o seu iniciador), Jean Moréas (o seu "porta-estandarte"), Villiers de L'Isle, Paul Verlaine, Charles Baudelaire, Albert Samain, Jules Laforgue, Edouard Dujardin, Gustave Kahn, René Ghil, Stuart Merril, Henri de Régnier, Paul Claudel, Francis Jammes, Paul Valéry, Remy de Gourmand, Paul Fort; mais Guillaume Apollinaire (nascido na Romênia, neo-simbolista, e depois futurista e criador da poesia francesa moderna); e, ainda, André Gide, que iniciou sua brilhante carreira como poeta; além dos belgas Verhaeren. Maeterlink e Rodenbach, cuja poesia foi composta em língua francesa.

A importância maior da Escola consistiria na sua difusão internacional.

Na Inglaterra, surgiram Rossetti, Yeats, Wilde, Morris, Swinburne. — Na literatura de idioma germânico, o austríaco Rainer Maria Rilke. — Na Escandinávia, Ibsen. — Na Rússia, Block, Annenski, Briussov. — Na Tchecoslováquia, Brezine. — Na Itália, D'Annunzio. — Na Espanha, Villaespesa, Ramon Timenez. — Na língua hispano-americana, Rubén Dario. — Em Portugal, Eugênio de Castro, Camilo Pessanha, Antônio Nobre, Guerra Junqueiro, Mário de Sá-Carneiro, Cesário Verde, Augusto Gil, Júlio Brandão, Luís de Montalvor, Antônio Feijó, Florbela Espanca (poetas); e Malheiro Dias, Antero de Figueiredo, Raul Brandão, Teixeira Gomes. João Grave (na prosa).

O Simbolismo, que, no Brasil, começou, realmente, com Cruz e Sousa ("Broquéis" e "Missal", 1893), era constituído por um grupo literário unido e firme, que possuía doutrina e plataforma definidas, e que, inclusive, criou um vocabulário próprio, com vistas à formação de unia literatura digna de seus elevados ideais.

Não foi, apenas, um produto de importação. Foi mais do que isto, pois estava baseado, também, em fatores políticos, sociais e artísticos de origem local (abolição, república, etc.).

Entre os muitos poetas: Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens, e uma constelação preciosa de artistas cuja presença marcante esplende em páginas que exibiremos num capítulo especial.
E, entre os prosadores: Nestor Victor (crítico do movimento). Farias Brito, Tristão da Cunha, Rocha Pombo, Gonzaga Duque, Virgílio Várzea, Araripe Júnior, Álvaro Moreyra, Lima Campos, Colatino Barroso, Adelino Magalhães, Euricles de Matos, Coelho Neto (misto de parnasiano e simbolista), Graça Aranha ("Canaan” é um romance simbolista), João Ribeiro, Ramiz Galvão, e, também, Cruz e Sousa.

Não se pode esquecer que o soneto, no Simbolismo, viveu dias de magnificência.

Não obstante tudo o que realizou, o simbolismo brasileiro, a exemplo do que aconteceu na França, amargou a incompreensão, o descaso e até a ridicularização de muitos. Dentre estes, citamos, com pesar, os nomes de duas figuras de proa: Sílvio Romero e José Veríssimo, que o omitiram em suas obras específicas, às quais ambos deram o mesmo título: "História da Literatura Brasileira".

Nestor Victor escreveu a brilhante biografia "Cruz e Sousa", em 1896, mas foi publicada somente em 1899, após a morte do "Cisne Negro".

O simbolismo — não tememos dizê-lo — foi uma realidade válida e, mesmo, histórica. Pena que de curta duração. Cansou-se no caminho mal começado, e entregou, de graça, ao modernismo, os troféus de ouro de suas vitórias. Não é preciso ir longe, para constatá-lo: só a conquista de colocar ritmos novos em padrões velhos conferiu-lhe méritos inextinguíveis. Àquela altura, no próprio ventre, já se desenvolvia uma vida nova, a do pós-simbolismo.

A prática do verso livre, entre nós, talvez tenha dado início ou, pelo menos, facilitado o desmoronamento da escola. Isto veio acontecendo com Adalberto Guerra Duval ("Palavras que o Vento Leva", 1900), Mário Pederneiras ("Histórias do Meu Casal", 1906), Hermes Fontes ("Apoteoses", 1908) e, depois, com Gilka Machado, Eduardo Guimaraens, Homero Prates, Murilo Araujo, Onestaldo de Pennafort.

Em seu cerne já latejava, portanto, o germe da libertação métrica, base e princípio do futurismo e do modernismo.

Um dos opositores dos simbolistas, Jules Lemaitre, em "Les Contemporains", assim se expressou, segundo Andrade Muricy:
"É divertido observá-los: são, na realidade, primitivos selvagens — mas selvagens no final duma velha civilização e com nervos muito delicados". (....) "Devemos assistir com simpatia a esta invasão de bárbaros requintados: porque talvez seja o último impulso original de uma literatura a findar, e talvez depois deles não haja mais nada — nada mais".

Os gritos de reação de Lemaitre perderam-se no espaço, porque jamais desaparecerá, para sempre, nenhuma literatura digna desse nome. As escolas, as tendências, as correntes literárias, vêm e vão. Chegam precedidas de entusiasmos e festas, e partem afugentadas pelo ardor de outras escolas, outras tendências, outras correntes. Partem, mas não morrem. Permanecem conservadas na memória dos pósteros. A literatura dos povos, mais precisamente, a poesia dos povos, não se dilui no vórtice do negativismo artístico.

O espírito de Jules Lemaitre, iluminado pelas estrelas de outro mundo, que certamente existe, deve estar tranqüilo em relação ao seu vaticínio errôneo. O simbolismo não foi a última escola. E nenhuma das que o antecederam, ou que o sucederem, terá esse destino irreversível. Os movimentos literários cumprirão, como sempre cumpriram, as suas rotinas esplendorosas.


*

Quando o simbolismo, pelo menos "oficialmente", passou o trono da Poesia ao movimento modernista, que o sucedeu, havia, no Brasil, poetas do mais alto nível, cujos nomes valorizavam as publicações literárias.

Dali para cá, não deixaram de existir outros poetas tradicionalistas, ligados, pelo pensamento e pela técnica, às diversas escolas "antigas".

Mas, os veículos de divulgação da cultura fecharam-lhes, solenemente, as portas. E estas, ao contrário, abriram-se e abrem-se, ainda hoje, aos chamados poetas modernos, com impressionante liberalidade, com inexplicável constância. Em particular, aquelas portas movidas por forças misteriosas, de poder inaudito, que nenhum ser equilibrado compreende como aparecem, que não se sabe, ao certo, como funcionam. Forças enigmáticas em cujo redor voam e revoam revoadas de inocentes úteis da poesia atual — estabele-endo, assim, uma discriminação que se pode chamar, no mínimo, de injusta.


No capítulo final desta obra, exibimos uma coletânea de sonetos "contemporâneos do modernismo". Desta forma procedemos, para mostrar que o soneto, apesar de tudo, continua mantendo a posição de realce adquirida em seus sete séculos de existência.

Na opinião dos modernistas, o soneto morreu com o Simbolismo. Mas, a sua própria vida exuberante já é, para eles, uma resposta persuasiva.



O Modernismo — movimento inspirado no Futurismo


O movimento Modernista apareceu no princípio deste século XX, após a Grande Guerra Mundial (1914-1918). A sucessão dos fatos históricos que mudaram a face da Humanidade teria de influir, logicamente, na mudança do universo estético.

Na Europa, com maior ênfase na França e na Itália, o movimento modernista foi típico de após-guerra. As gerações que surgiram então encontraram tudo destruído. Sentiram necessidade de fazer algo pela criação de um mundo novo, para substituir aquele que, melancolicamente, se esboroava. Daí romperem, como conseqüência natural, as correntes renovadoras, inclusive na literatura.

O movimento não era endereçado, de maneira direta, a nenhuma escola literária. Atingia a todas aquelas que estavam comprometidas com os padrões tradicionalistas.

Quais foram os pródromos do Modernismo?

Segundo o ensaísta e poeta Gilberto Mendonça Teles, "desde que, em 1905, Pablo Picasso se encontrou com Apollinaire, pintores e poetas — entre estes Max Jacob, André Salmon, Cendrars, Reverdy e Cocteau — começaram a integrar uma frente única, a vanguarda que, em 1909, já era conhecida pelo nome de Cubismo, na pintura, e, a partir de 1917, também na literatura".

Apollinaire (1880-1918) é o mais importante poeta do Cubismo, ou da literatura francesa da 1ª Guerra (Guillaume Apollinaire).

Em 20 de fevereiro de 1909, " e Figaro" publicou o primeiro manifesto futurista de Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), "criando ruidosamente o movimento artístico mais famoso entre o simbolismo e a grande guerra".

Exerceu, ele, grande influência em quase todas as literaturas modernas, com seus inúmeros (mais de trinta) manifestos sobre literatura, pintura, escultura, música, arte mecânica, mulher, moral, luxúria, etc., conforme depoimento de Gilberto Mendonça Teles. Isto sem contar "com suas conferências e suas polêmicas, além de ruídos e escândalos em torno de sua pessoa (inclusive no Brasil)".

Marinetti nasceu no Egito, mas pode ser considerado um italiano de formação cultural francesa. Estudou na Sorbonne, "freqüentando as boêmias intelectuais e fazendo grandes amigos entre decadentes e simbolistas empenhados na teoria do verso livre, de que logo se fez adepto".

O "Manifesto Técnico da Literatura Futurista" foi publicado em Milão, a 11 de maio de 1912. Em 11 de agosto do mesmo ano, Marinetti publicou o Suplemento desse Manifesto.

O Futurismo, de acordo com o Manifesto de 11 de maio de 1912, fazia recomendações alucinantes, dentre as quais se salientavam: o combate à tradição acadêmica, com o uso do verso livre e liberdade da palavra, sem respeito à gramática e à estética. Abolição da sintaxe, do adjetivo, do advérbio e da pontuação. O máximo de desordem nas imagens. Renunciar a ser compreendido. Odiar as bibliotecas e os museus, preparando os povos para odiarem a inteligência. O início do reino mecânico. Absoluto repúdio ao passado. O culto da força e da belicosidade. E a mais incrível das recomendações: "É preciso cuspir cada dia no Altar da Arte".

A revolução, como vimos antes, alcançou as artes, bastando dizer-se que, na música, resolveu desconhecer a harmonia e a melodia!!!

Os futuristas, tendo à frente Marinetti, diziam: "Não nos compreendem porque a nossa arte se antecipa, é precoce. Poucos são os "eleitos", que podem atingir o nosso vôo".

Regressando da França, em 1912, Oswald de Andrade se fez, no Brasil, o primeiro importador do Futurismo, "de que tivera apenas notícia no Velho Mundo".

Os "modernistas", pelo menos os primeiros do Brasil, não gostavam muito de ser chamados futuristas, cuja "etiqueta" pressupunha sentido pejorativo.

Muitos afirmam que o Modernismo (ou Futurismo) teve origem no Simbolismo de Rimbaud, cujos símbolos seriam tão difíceis de compreender, que obrigavam a distinguir, pensar, tirar conclusões.

Outros movimentos de renovação surgiram, ainda, na Europa e na América, todos verberando contra o "passadismo", contra o "academicismo".

Afora o Futurismo, vieram à cena outros movimentos destinados a destruir todas as formas culturais existentes. Mencionamos, além do "Cubismo", já citado: o "Cubofuturismo" (1913), com Maiacovsky, na Rússia; o "Dadaísmo" (1916 — Zurique, Suíça embora o "Manifesto Dadá" tenha a data de 1918), com Tristan Tzara, poeta francês de origem romena; e o "Surrealismo" (1924). com André Breton, muito prestigiado por Apollinaire, que já anunciara o movimento em 1917.

E houve mais uma série de "ismos", que apontamos a seguir, sem entrar no mérito de cada um: "imagismo", "unanimismo". "vorticismo", "verismo", "ultraísmo", "criacionismo", "expressionismo", "existencialismo", "concretismo", etc.. Nenhum  deles entretanto, tem qualquer valor real, comparado ao "romantismo", "parnasianismo", ou "simbolismo".


*

No Brasil, a "Semana de Arte Moderna", realizada em São Paulo Paulo, no ano de 1922, marcou, formalmente, o início, entre nós. do movimento modernista. Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha, deram começo ao movimento. em ambiente conturbado.

Segundo Gilberto Mendonça Teles, "a idéia de nossa Semana de Arte Moderna foi simplesmente copiada da idéia de um "Congré de l'Esprit Moderne", programado um ano antes para março de 1922, por André Breton, e que foi a causa da briga de Breton com Tzara e conseqüente desaparecimento do "Dadaísmo".

Com o "modernismo caboclo" aconteceu o mesmo que sucedera com o romantismo, relativamente ao que este possuía de sentimento nacionalista ou jacobino. Desde o princípio do século XX e desde muito antes, em todos os ramos de atividade, sobressaiu-se o nacionalismo, que acabou por atingir o apogeu no embrião da nova escola literária. Não era um ideal pioneiro, mas perfeitamente válido. E, à sua sombra, no campo da literatura, rompeu, enfim, bastante forte, a insurreição contra os parnasianos e simbolistas, mais contra os primeiros. Algo novo se prenunciava de maneira avassaladora; e, dessa força incontrolável, nasceu o Modernismo.

Mais adiante, onde estudamos "O Soneto brasileiro através dos Movimentos Literários", há, naturalmente, um capítulo dedicado ao modernismo, em nosso país. Aí, a par de muitos outros relatos e observações, oferecemos listas possivelmente exatas dos poetas de todas as fases do movimento modernista, até os dias atuais. Os próprios modernistas são as nossas fontes.

E, no mesmo capítulo, publicamos quase setenta sonetos de poetas modernistas. Todos obedecendo às exigências do modelo tradicional.


*

São muitos os que se queixam de que, no Brasil, faltam grandes poetas e, mais grave ainda, falta a verdadeira poesia.

O jornalista mineiro Álvares da Silva, da "Folha de Minas" e da "Rádio Inconfidência", de Belo Horizonte, já escrevia em 1941:
— "O delírio do movimento renovador da poesia, que teve fases verdadeiramente loucas, está passando. Pode-se dizer até que já passou. Ainda existem alguns abencerragens que cultivam uma poesia misteriosa e incompreensível, semelhante aos logogrifos, porém, sem chaves para a decifração". (....) "Convenhamos que estas duas virtudes — beleza e clareza — nunca estiveram tão juntas como na poesia clássica. Muitos sonetos de Olavo Bilac são um milagre de beleza e clareza. Não é preciso um segundo de pensamento para receber a mensagem de "Maldição", pois no soneto há sentimento e compreensão".(....) "Existe inquietude para encontrar a verdadeira poesia e o verdadeiro modo de dizê-la. Não resta dúvida que a forma há de ser a antiga, não levada ao extremo; e a essência, essa será a única e eterna, porém, com a experiência moderna".

Antônio Olinto, defensor do modernismo, e ele próprio modernista, escreveu em "O Globo", edição de 18 de março de 1974, entre desencantado e realista:
"Que dilemas poderá a poesia brasileira estar enfrentando neste primeiro trimestre de 1974? Veja-se que a Semana chegou a 52 anos, a geração de 45 vai fazer trinta, o concretismo entra na faixa dos vinte. Para os mais jovens, tudo isso que parece moderno se passou há muito. As palavras de ordem, os "slogans", as medidas de salvação da poesia, nada valeu. Com o tempo, cada um descobre que só vale a conquista pessoal de um poeta, seja qual for o movimento e/ou a seita a que se tiver filiado". (....) "Então, repita-se a pergunta: haverá no momento uma direção específica, uma bandeira, a conduzir poetas brasileiros a determinado tipo de feitura? E, se tal existe, que obras vem provocando? Nada impede que o poeta rompa os modismos da hora e siga em frente, no seu rumo".


*

Na verdade, não se pode afirmar, honestamente, que o movimento modernista, quer no Brasil, quer fora dele, já esteja definido.
Por outro lado, não será justo negar toda a arte modernista, porque também é viável, desde que equilibrada e autêntica, a poesia que não obedeça aos cânones da tradição. "A poesia — diz Povina Cavalcanti — é livre como o vento... Há, entre os modernistas, poetas, artistas, escritores sinceros".


*

Ao concluirmos este capítulo, vamos remover as divagações obre poesia clássica e poesia moderna, para fazermos uma pergunta que não deixa de ser necessária: qual o destino da Poesia?

Estará, mesmo, a Poesia, em declínio? Terá, ela, perdido sua essência, com o quase abandono a que o poeta de hoje submete os velhos temas imutáveis, como eternidade, Deus, amor, natureza, sentimento?

A abolição do metro, do ritmo, da rima e da própria mensagem poética, decretada pelos modernistas do século XX, contribuiu para melhorar, ou piorar, o nível da Poesia?

Será que os poetas, privilegiados aparelhos de captação, perderam sua capacidade para reconquistá-la? Por que a poesia não se expande com toda a força de sua beleza criadora?

Será que a Ciência, com o seu ciclópico desenvolvimento, conseguiu nulificar a cultura artística, o poder da imaginação, a fantasia, o sonho, a fidelidade ao Belo — em suma, as principais armas do poeta?

Será que a realidade terrível da vida sufocou o devaneio, a busca do infinito? Será que a mais recente era da máquina, o primado da tecnologia e os assombrosos prodígios nucleares substituíram os mitos criados pela poesia? Será que, corroídos pela fúria materialista, os homens deixaram de perceber que, à frente e em redor, é sempre azul o horizonte de seu espírito?

Há crise de poesia? Há crise de poetas? Por que são omitidos ou, pelo menos, pouco ouvidos, grandes poetas, neste fim de civilização?

Existe quem afirme que a poesia está em decadência, e quem assegure que já morreu... Como? Não é, a poesia, o reflexo, o espelho da alma imortal?

Admitamos que, por motivos circunstanciais, rareiam, hoje, os poetas de alto porte ou, melhor dizendo, de vôo longo. Mas, temos poetas excelentes, nos diversos quadrantes do país, assinalando suas presenças com o brilho costumeiro da poesia brasileira de todos os tempos. Não há por que se retraírem nos longes anônimos, nos sacrários fechados de seus ermos interiores.

 Para satisfazermos nossa sede de Poesia, não devemos exigir novos Virgílios, novos Homeros, novos Petrarcas, novos Dantes, novos Shakespeares, novos Camões, novos Tassos, novos Miltons, novos Victor-Hugos...

Poetas de ontem, Poetas de hoje, Poetas de amanhã. Grandes ou "menos grandes", existiram e existirão, porque a Poesia não morre. É a rotina, que jamais se interrompeu. A Poesia está sempre no seu Altar Luminoso. Sempre!

Paulo Bomfim, príncipe dos poetas paulistas e eleito Intelectual do Ano de 1981, falando à revista"Veja", de 10 de março de 1982, declarou:
— "Hoje, mais do que nunca, o poeta é uma figura incômoda, porque é, ao mesmo tempo, a consciência mística do passado e o contemporâneo do futuro. Traz uma centelha de fogo que o gelo procura apagar". (....) "Poesia é como um petróleo mental: nossas vivências, inesperadamente, rompem do subsolo. Há poesia de circunstância, como a poesia social, de indignação, protesto, que é navegação costeira, mas há também aquela transatlântica".

Morrer a poesia? Não! A poesia está em todos nós, como esteve bem viva desde o Paraíso, quando o primeiro homem se deslumbrou diante da primeira alvorada e do primeiro poente. E, ao seu lado, já se encontrava a mulher, fonte perene de poesia, manancial inesgotável dos sonhos que nasceram no próprio dia da criação do mundo.


*

Voltemos, porém, à pergunta: qual o destino da Poesia? E a resposta não pode ser outra: o destino da poesia é o mesmo destino do perfume, que enche de misticismo as flores. O mesmo destino da luz, sem a qual não se poderia, sequer, contemplar as maravilhas do universo. O mesmo destino da alma, que é eterna. O mesmo destino do coração, que marca, não só o ritmo da vida do homem, mas o próprio ritmo do verso. 







(Das páginas 27 a 57 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto",
de Vasco de Castro Lima)


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