Para
onde vai a Poesia? Qual o seu destino?
Estará, mesmo, a
Poesia, em declínio? Terá, ela, perdido sua essência, com o quase abandono a
que o poeta de hoje submete os velhos temas imutáveis, como eternidade, Deus,
amor, natureza, sentimento?
A abolição do metro,
do ritmo, da rima e da própria mensagem poética, decretada pelos modernistas do
século XX, contribuiu para melhorar, ou piorar, o nível da Poesia?
Será que os poetas,
privilegiados aparelhos de captação, perderam sua capacidade para
reconquistá-la? Por que a poesia não se expande com toda a força de sua beleza
criadora?
Será que a Ciência,
com o seu ciclópico desenvolvimento, conseguiu nulificar a cultura artística, o
poder da imaginação, a fantasia, o sonho, a fidelidade ao Belo — em suma, as
principais armas do poeta?
Será que a
realidade terrível da vida sufocou o devaneio, a busca do infinito? Será que a
mais recente era da máquina, o primado da tecnologia e os assombrosos prodígios
nucleares substituíram os mitos criados pela poesia? Será que, corroídos pela
fúria materialista, os homens deixaram de perceber que, à frente e em redor, é
sempre azul o horizonte de seu espírito?
Há crise de poesia?
Há crise de poetas? Por que são omitidos ou, pelo menos, pouco ouvidos, grandes
poetas, neste fim de civilização?
Existe quem afirme
que a poesia está em decadência, e quem assegure que já morreu... Como? Não é,
a poesia, o reflexo, o espelho da alma imortal?
Admitamos que, por
motivos circunstanciais, rareiam, hoje, os poetas de alto porte ou, melhor
dizendo, de vôo longo. Mas, temos poetas excelentes, nos diversos quadrantes do
país, assinalando suas presenças com o brilho costumeiro da poesia brasileira
de todos os tempos. Não há por que se retraírem nos longes anônimos, nos
sacrários fechados de seus ermos interiores.
Para satisfazermos
nossa sede de Poesia, não devemos exigir novos Virgílios, novos Homeros, novos
Petrarcas, novos Dantes, novos Shakespeares, novos Camões, novos Tassos, novos
Miltons, novos Victor-Hugos...
Poetas de ontem,
Poetas de hoje, Poetas de amanhã. Grandes ou "menos grandes",
existiram e existirão, porque a Poesia não morre. É a rotina, que jamais se
interrompeu. A Poesia está sempre no seu Altar Luminoso. Sempre!
Morrer a poesia? Não! A poesia está em todos nós, como
esteve bem viva desde o Paraíso, quando o primeiro homem se deslumbrou diante
da primeira alvorada e do primeiro poente. E, ao seu lado, já se encontrava a
mulher, fonte perene de poesia, manancial inesgotável dos sonhos que nasceram
no próprio dia da criação do mundo.
Voltemos, porém, à
pergunta: qual o destino da
Poesia? E a resposta não pode
ser outra: o destino da poesia é o mesmo destino do perfume, que enche de
misticismo as flores. O mesmo destino da luz, sem a qual não se poderia,
sequer, contemplar as maravilhas do universo. O mesmo destino da alma, que é
eterna. O mesmo destino do coração, que marca, não só o ritmo da vida do homem,
mas o próprio ritmo do verso.
Quanto aos poetas modernistas
(principalmente aqueles que, no após 45, começaram a conjeturar processos
abstrusos), os seus nomes se apagarão talvez antes mesmo que os próprios olhos
se apaguem para a contemplação das belezas que não conseguem louvar. Só os
imortalizaria a poesia clássica, ou uma poesia original que fosse equilibrada e
honesta, que realmente fosse grande e capaz de substituir a poesia de métodos
tradicionais. A antiga e esplendorosa literatura clássica teve uma força tão
soberana que, depois de se olumbrar, por imposições de caráter histórico,
durante os mil anos da Idade Média, foi, como vimos, redescoberta e voltou a
luzir, ressuscitando as maravilhosas belezas greco-latinas. Foi o moderno
clássico renascentista. E voltou, mais uma vez, com força renovada, no século
XVIII, o século do Arcadismo. Era o neoclassicismo, que apareceu nobre e
sobriamente, substituindo o Barroquismo do Século XVII.
Não ficou, apenas, nestas vitórias
cristalinas, pois o classicismo, mesmo furtivamente, figurou, sempre, como
fundo musical, em inúmeras obras de todos os movimentos literários, até o
Simbolismo.
É preciso que, mais uma vez, renasça —
estamos escrevendo a sério — o classicismo! Só a arte eterna pode transformar
os poetas em nomes iluminados no caminho azul da história da literatura. A
poesia não deve ser um tombo no abismo. Deve ser um voo para as estrelas.
Entretanto,
há esperança de que os ventos venham a soprar favoravelmente.
De tempos para cá, muitos modernistas,
deixando de parte os abusos estonteantes de concretistas e pós-concretistas,
vêm reconhecendo a necessidade de modificar seus métodos. Já procuram, dentro
de sua poesia, nova na forma e no conteúdo, uma interpretação mais real dos
sentimentos humanos.
Já têm mais cuidado com a métrica, com a
música e o ritmo do verso. Há modernistas fazendo sonetos, no seu modelo
clássico.
A poesia só não morre graças ao milagre
obtido por alguns eleitos. O panorama da poesia contemporânea não é dos mais
prazenteiros, porque, invadindo o seu território ideal, punhados de
"inventores" resolvem impingir o nome de arte nova a uma enxurrada de
poemas herméticos, que não passam de criações puramente artificiais.
Temos de aceitar esta realidade, inclusive
dando razão a Povina Cavalcanti: "O que se verifica na poesia modernista é
a falta da própria substância poética".
Escrevendo sobre a evolução do modernismo,
Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima) empregou estas palavras:
— "E em torno das velhas quatorze
barras petrarquianas, em que há sete séculos tantos ginastas têm feito as suas
acrobacias, ia travar-se não digo uma batalha, mas uma estranha e original
reconciliação".
Javme de Barros, em seu livro "Poetas
do Brasil", publicado em 1944, classificou Menotti del Picchia como
"participante do movimento modernista, que acabou renegando", para
afirmar, agora, que, "na poesia o povo quer mesmo é ler Bilac e Vicente de
Carvalho", no que não deixa de ter razão".
Poesia "modernista"... adjetivo
que nada significa! O "modernismo" sempre existiu. A "corrente
dos moços" nunca deixou de ser o "modernismo". Mas, nos dias de
ontem e de hoje, a partir de 1922, acha-se quase esquecida esta verdade
indestrutível: em todos os tempos, a arte tem sido a união de três importantes
elementos — a Idéia, a Emoção e a Forma. Fora disto, não existe arte.
Principalmente, não existe Poesia!
(Extraído do livro “O Mundo
Maravilhoso do Soneto”,
de Vasco de Castro Lima, editado em 1987)
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