Sânzio de Azevedo

Fortaleza, CE, 1938


SONETO
Sânzio de Azevedo

Já que buscas um sonho e não o alcanças, 
pastor de enganos, cala a tua avena! 
Foram-se todas as ovelhas mansas 
que conduzias na manhã serena...

Da tua terra fértil mas pequena 
tirou-te um dia a sede das andanças! 
Partiste, então; mas nessa idade amena 
tangias um rebanho de esperanças!

Hoje, nas tardes tristes e vermelhas, 
andas a apascentar outras ovelhas, 
e estás perdido de intranqüilidades...

Buscas (não vês?) um bem que não existe; 
e nem percebes que vagueias, triste, 
conduzindo um rebanho de saudades...



SE PROCURO...
Sânzio de Azevedo

Para José Valdivino

Se procuro no cérebro as imagens
que em meu olhar, há tempos, embebi, 
ouço o ranger de dentes de engrenagens 
a triburar os sonhos que perdi...

O que é que vim fazer nestas paragens? 
Que tempestade me arrojou aqui? 
Por que não me lancei noutras viagens 
Já que deixei a terra onde nasci?

Tive a ambição dos nômades nos olhos! 
Hoje, nem sei, cercado por escolhos, 
que tempestade me arrojou aqui!

E vivo agora assim, perdido e absorto, 
entre a saudade do primeiro porto 
e a tentação das terras que não vi!



MEMÓRIA III
Sânzio de Azevedo

  Para Carlos Augusto Vianna

Outro longe, mais perto mas não tanto:
era São Paulo; há luz em cada canto
na noite azul de frio e de garoa
molhando sonhos. De repente ecoa

uma sirena. O céu é um vasto manto
que reflete os anúncios. Como um pranto
de desespero, cai a chuva, e troa
o trovão, que ribomba e que reboa!

Turitando de frio, o forasteiro
vê que se escoa mais um ano inteiro
sem saber se algum dia voltará.

São Paulo agora é sonho, é névoa, é vento
a soprar leve, sob um céu cinzento
que promete chover no Ceará.



SONETO PARA O POETA FRANCISCO DE CARVALHO
Sânzio de Azevedo

Dos tempos de menino te ficaram
as tardes de sol quente onde os lamentos
dos velhos bois que a morte ruminavam
se esvaíam nas túnicas dos ventos.

Na gleba de teu pai ainda há frutos
das árvores regadas pelos sonhos;
os alpendres, porém, e os altos muros
não deixaram vestígios nem escombros.

Mas tens o verso, com que todo dia
fazes viver um mundo de utopias
com a antiga crença de um profeta hebreu.

E vês que a hora do poema é a hora da lavra
em que ficas à espreita da palavra
que há de queimar como o êxtase de Deus.



O REALEJO
 Sânzio de Azevedo

O papagaio traz no bico a sorte
do transeunte da cidade grande;
dragões de ferro andam semeando a morte,
mas o realejo em música se expande.

Fanhoso, ele renasce a velha valsa
que sobe com o barulho da avenida.
Juntas as vozes se afigura falsa
alguma delas na manhã perdida...

Saias-balão, casacas e cartolas
misturam-se aos «blue-jeans» e mini-saias;
gemem sirenas, rangem grafonolas,

cresce o edifício em meio às samambaias.
Rugem motores de hoje antigamente
ou cantam flautas de ontem no presente? 
                                                       
(Fortaleza, 1967)




Sânzio de Azevedo é professor, poeta, contista, ensaísta, ficcionista e crítico literários.  Doutor em Letras pela UFRJ do Rio de Janeiro.   Um dos mais importantes estudiosos da literatura cearense e membro da Academia Cearense de Letras, com inúmeros títulos publicados, abarcando a poesia no Ceará, a sua própria e a de outros autores, bem como estudos críticos sobre os movimentos literários, notadamente o Parnasianismo (2004). Foi de sua responsabilidade o volume dedicado ao Parnasianismo, de uma série de 15 volumes editados a partir de 2007 pela Editora Global sobre a Literatura Brasileira.


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