SONETO
Sânzio
de Azevedo
Já
que buscas um sonho e não o alcanças,
pastor
de enganos, cala a tua avena!
Foram-se
todas as ovelhas mansas
que
conduzias na manhã serena...
Da
tua terra fértil mas pequena
tirou-te
um dia a sede das andanças!
Partiste,
então; mas nessa idade amena
tangias
um rebanho de esperanças!
Hoje,
nas tardes tristes e vermelhas,
andas
a apascentar outras ovelhas,
e
estás perdido de intranqüilidades...
Buscas
(não vês?) um bem que não existe;
e
nem percebes que vagueias, triste,
conduzindo
um rebanho de saudades...
SE
PROCURO...
Sânzio
de Azevedo
Para José Valdivino
Se
procuro no cérebro as imagens
que
em meu olhar, há tempos, embebi,
ouço
o ranger de dentes de engrenagens
a
triburar os sonhos que perdi...
O
que é que vim fazer nestas paragens?
Que
tempestade me arrojou aqui?
Por
que não me lancei noutras viagens
Já
que deixei a terra onde nasci?
Tive
a ambição dos nômades nos olhos!
Hoje,
nem sei, cercado por escolhos,
que
tempestade me arrojou aqui!
E
vivo agora assim, perdido e absorto,
entre
a saudade do primeiro porto
e
a tentação das terras que não vi!
MEMÓRIA
III
Sânzio
de Azevedo
Para
Carlos Augusto Vianna
Outro
longe, mais perto mas não tanto:
era
São Paulo; há luz em cada canto
na
noite azul de frio e de garoa
molhando
sonhos. De repente ecoa
uma
sirena. O céu é um vasto manto
que
reflete os anúncios. Como um pranto
de
desespero, cai a chuva, e troa
o
trovão, que ribomba e que reboa!
Turitando
de frio, o forasteiro
vê
que se escoa mais um ano inteiro
sem
saber se algum dia voltará.
São
Paulo agora é sonho, é névoa, é vento
a
soprar leve, sob um céu cinzento
que
promete chover no Ceará.
SONETO
PARA O POETA FRANCISCO DE CARVALHO
Sânzio
de Azevedo
Dos
tempos de menino te ficaram
as
tardes de sol quente onde os lamentos
dos
velhos bois que a morte ruminavam
se
esvaíam nas túnicas dos ventos.
Na
gleba de teu pai ainda há frutos
das
árvores regadas pelos sonhos;
os
alpendres, porém, e os altos muros
não
deixaram vestígios nem escombros.
Mas
tens o verso, com que todo dia
fazes
viver um mundo de utopias
com
a antiga crença de um profeta hebreu.
E
vês que a hora do poema é a hora da lavra
em
que ficas à espreita da palavra
que
há de queimar como o êxtase de Deus.
O
REALEJO
Sânzio
de Azevedo
O
papagaio traz no bico a sorte
do
transeunte da cidade grande;
dragões
de ferro andam semeando a morte,
mas
o realejo em música se expande.
Fanhoso,
ele renasce a velha valsa
que
sobe com o barulho da avenida.
Juntas
as vozes se afigura falsa
alguma
delas na manhã perdida...
Saias-balão,
casacas e cartolas
misturam-se
aos «blue-jeans» e mini-saias;
gemem
sirenas, rangem grafonolas,
cresce
o edifício em meio às samambaias.
Rugem
motores de hoje antigamente
ou
cantam flautas de ontem no presente?
(Fortaleza, 1967)
Sânzio
de Azevedo
é professor, poeta, contista, ensaísta, ficcionista e crítico literários. Doutor em Letras pela UFRJ do Rio de
Janeiro. Um dos mais importantes
estudiosos da literatura cearense e membro da Academia Cearense de Letras, com inúmeros
títulos publicados, abarcando a poesia no Ceará, a sua própria e a de outros
autores, bem como estudos críticos sobre os movimentos literários, notadamente
o Parnasianismo (2004). Foi de sua responsabilidade o volume dedicado ao Parnasianismo, de uma série de 15 volumes editados a partir de 2007 pela Editora Global sobre a
Literatura Brasileira.
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