Coletânea de 232 Poetas Sonetistas fiéis ao Soneto



Coletânea de 232 poetas brasileiros 
não incluídos nas Escolas Literárias 
e que escreveram sonetos até 1922;
e, também, poetas pós-1922,
 alheios ao movimento modernista.


No começo do segundo decênio do século XX, alguns poetas e escritores, candidatos a "novos", perceberam que os parnasianos entravam numa espécie de marasmo. Resolveram aguardar os acontecimentos, olhos voltados e ouvidos espichados para as bandas da Europa. E, afinal, após o brilho meteórico, embora fascinante, do Simbolismo, aderiram à novidade literária: o "modernismo", ou "futurismo", como foi chamado na primeira hora.

Ao modernismo ajustou-se como luva uma cômoda posição: a prática do verso livre, que vinha sendo aplicada por vários grandes poetas do movimento anterior. Mas, os faiscadores da "mina de ouro" não conseguiram encontrar qualquer pepita de valor real. Poucos escaparam ilesos da inusitada faina; poucos poetas se salvaram: alguns remanescentes das escolas antigas.
Não atinamos com o progresso, a contribuição, que o modernismo teria trazido à poesia. Ao nosso ver, o modernismo, ou o “pós-modernismo", nenhum deles veio para somar.

Alberto de Oliveira escreveu: "Reconheço que toda essa ânsia de liberdade, de independência, de autonomia, nos moços, é justa. À mocidade fica bem um grão de irreverência. Depois, é da história de todas as literaturas esse esforço de libertação".
É. Mas, o grande parnasiano morreu em 1937 e, praticamente, "não viu nada". Hoje, o pretenso gigante não vai além de um colosso de pés de barro. Tentando, em vão, andar sozinho, continua mostrando, muito agravadas, as indecisões, as estrepolias, os tropeços dos primeiros tempos, como se engatinhasse ainda.
A poesia moderna haverá de se conter, e não perseverar no ridículo da libertação total e indiscriminada. Terá de rever certos comportamentos mais recentes, que contribuem para aumentar a erosão de suas bases, pode-se dizer, medíocres.
Não é admissível que tenham sonhado o que anda por aí.


Para a poesia realizar-se, não pode viver senão num clima de sentimento, formando o binômio inteligência-afetividade. Ninguém deve imaginar processos incompatíveis com a sensibilidade humana.
A personificação do verso tem de ser o reflexo de sua virtude musical, tanto na Poesia Clássica, como, também, na Poesia Moderna. A Poesia é, portanto, uma só, dependendo sua qualidade do talento com que é concebida.
Diz T. S. Eliot que "somente um mau poeta poderia aclamar o verso livre como uma libertação em relação à forma". Acha ele que o verso livre foi "uma preparação para uma nova forma, ou uma renovação da antiga".


*

Pensamos que há exagero quando se diz que o poeta já nasce poeta. Ousamos afirmar que não se nasce poeta, como não se nasce orador, músico, pintor, etc. A virtude da Poesia talvez seja um hábito. Horácio escreveu que "o esforço de nada valeria sem uma veia fértil, como de nada valeria o gênio sem a cultura".
E mais: "Para obtermos o sucesso desejado nas competições, sujeitamo-nos, desde a infância, às fadigas e ao sofrimento, arrostamos o calor e o frio, abstemo-nos do amor e do vinho. O tocador de flauta, que se exibe nos jogos píticos, começou aprendendo e obedecendo a um mestre".
Tinha razão, Horácio. O poeta "em potencial", que deseja vencer, deve submeter-se a uma longa disciplina. Terá de tornar-se um artista da linguagem. Seu êxito, como o do dançarino, ou do pianista clássico, dependerá de esforço continuado. A espontaneidade só existirá na aparência.
A expressão própria, aliada ao estado poético, faz o poema. Recorda Claudel que "a inspiração, apenas, não bastaria para fazer um desses poetas de gênio".

Assim também pensa Mikel Dufrenne: "A inspiração não é senão o apelo da obra por fazer". Aceitamos, como ponto pacífico, que o artesanato é circunstância essencial para a elaboração da Poesia. Esta razão, além de muitas outras, leva-nos a crer que a Poesia se sente melhor entre os poetas tradicionalistas.
E, dos poemas de metro clássico, aquele que mais se adapta à alma e ao coração é, sem dúvida, o Soneto — o Soneto que, pelas  suas características, pelo seu poder magicamente compacto, perpassou, sereno e intangível, sobre todas as Escolas. Conservador na forma, ou algo modernizado em seus objetivos, é o mesmo poema de todos os tempos, desde sua criação. 

Os teoristas da Semana de Arte Moderna chegaram bradando que a poesia tradicional, o Soneto à frente, estava com os seus dias contados. O alarido foi grande, os insultos levianos se multiplicaram, os mosqueteiros da nova era o perseguiram. Contudo, nada de grave aconteceu. O Soneto se levantou mais uma vez. Não sucumbiu, como nunca havia sucumbido no fragor de outras batalhas. Ao contrário, volveu triunfante, como sempre. Como sempre, cercado de admiração e carinho.
Ainda hoje, os poetas que não se dispuseram a adotar o "modernismo", escrevem à sombra de qualquer escola do passado, de acordo com suas tendências.
Numerosos deles, alheios à renovação de 1922, permanecem fiéis ao Classicismo, ao Romantismo, ao Parnasianismo, ou ao Simbolismo. Continuam a trabalhar o verso, "como se trabalhassem uma jóia", no dizer de Jayme de Barros.
O "modernismo" havia construído, às pressas, um jardim fechado e estranho, onde plantou arbustos que deram, apenas, folhas amarelas. E estas caíram, substituídas por magníficas rajadas de flores. Flores bonitas. Cada qual com quatorze pétalas coloridas.


*

Diz Afrânio Peixoto: "A forma é disciplina, mas é, também, simetria, equilíbrio, ordem, perfeição". Essas qualidades, o Soneto as possui.
"A vocação artística — declara Hugo Wast   "é uma dignidade que devemos aceitar, humildemente, como um dom gratuito de Deus, e exercer como um sacerdócio".

*

Em capítulos anteriores, oferecemos, traduzidos, sonetos dos maiores poetas do mundo; e, lógico, sonetistas brasileiros ligados, de perto ou menos de perto, às diversas escolas literárias.
Se parássemos por aí, não teria qualquer sentido o nosso trabalho; porque as produções de forma tradicional ficariam restritas, no tempo, às cercanias do arranco inicial do advento modernista. Em outras palavras, passaríamos uma certidão de óbito do Soneto. . . com data de 1922!
Não deveríamos sustar o passo à vista do disfarce literário. Nem relegar ao esquecimento pelo menos alguns de nossos poetas anteriores àquela época e que, por motivos inexplicáveis, não figuram nas clássicas listas, pisadas e repisadas. Nem mesmo omitir, na reta final do livro, poetas que vêm escrevendo bons sonetos, de 1922 para cá.


Apresentamos 232 poetas brasileiros (carinhosa "solidariedade" ao intelectual, amigo, Pedro de Alcântara Worms, autor da antologia "232 Poetas Paulistas"). Todos com um soneto. Poderíamos optar pela inclusão de menor número, cada qual com vários sonetos.
E o nível de seus valores seria mais alto. Fugiríamos, porém, ao nosso intuito, que é dar a conhecer maior quantidade de cultores desse molde de poesia. Aliás, são em número superior, aqui, os poetas nascidos depois de 1922.
Não estamos fazendo uma antologia, e sim a história do Soneto, ilustrada por sonetos. Desse modo, parece justo o nosso critério.
Muitos chegam, talvez, bem próximos da perfeição. Um ou outro soneto, na opinião de críticos rigorosos, deixaria a desejar, em parte, mas, ainda assim, esperamos mereça crédito a nossa escolha. Lembremo-nos de que os gostos são diferentes. Segundo um provérbio chinês, "sobre qualquer questão, há sempre três pontos de vista: o teu, o meu e o correto".
Dada a expressiva quantidade de sonetistas e levando-se em conta naturais empecilhos de fácil compreensão, tivemos de omitir biografias. Colocaremos os nomes dos poetas, em ordem alfabética, bem como os títulos e textos de suas produções.

Para se ter uma idéia do esdrúxulo método seguido pelos encarregados de bitolar as Escolas Literárias, basta dizer que, injusta e lamentavelmente, foram arredados — e agora, de certa maneira, procuramos redimi-los — inumeráveis poetas de valor e de renome, entre os quais: Adelmar Tavares, Agripino Grieco, Ana Amélia, Aristêo Seixas, Áurea Pires da Gama, Belmiro Braga, Carmen Cinira, Colombina, Corina Rebuá, Corrêa Júnior, Djalma Andrade, Enrique de Rezende, Fernando Burlamaqui, Frankíin Magalhães, Gomes Leite, Heitor Lima, Hermeto Lima, Jorge Jobim, J. G. de Araújo Jorge, Judas Isgorogota, Leopoldo Braga, Lia Corrêa Dutra, Lúcio de Mendonça, Luiz Guimarães Filho, Luiz Pistarini, Maria Eugênia Celso, Maria Sabina, Mário de Lima, Modesto de Abreu, Nilo Aparecida Pinto, Nilo Bruzzi, Osório Dutra, Palmira Wanderley, Pascoal Carlos Magno, Paulo Gustavo, Pedro Saturnino, Prado Kelly, Raul Machado, Renato Travassos, Ricardo Gonçalves, Rosalina Coelho Lisboa, Theoderick de Almeida, Úrsula Garcia, Venturelli Sobrinho, Vespasiano Ramos, Zalina Rolim, Zito Batista...

Vamos, agora, aos sonetos! Afinal, não há como fugir, o Soneto é o Coração da Poesia.




SONETO  CORAÇÃO DA POESIA!
(Poetas, por ordem alfabética)




A

AMOR QUE NÃO TEM PREÇO
Adélia Victória Ferreira

Depois que te perdi, só depois, mãe querida,
notei que me fugira um bem que não tem preço,
o maior bem do mundo, o melhor desta vida,
e, se um dia existiu igual, não o conheço.

Ternura ardente e casta, oculta em manto espesso
de preocupações, quando não, diluída
nesse olhar, cujo certo e único endereço
é seu filho, que a fez vaidosa ou mais sofrida.

Depois que te perdi, só depois... (como forço
o espírito a afastar a constante tortura!...)
é que a mente me invade um dorido remorso

de não ter, junto a ti, quando então me fitavas,
com mil beijos provado esta minha ternura,
num reflexo do amor imenso que me davas!



COVARDIA
Adelmar Tavares

Se ela bater de novo à minha porta,
arrependida, para o meu amor,
hei de dizer-lhe tudo quanto corta
minha alma, como um gládio vingador!...

O que vier desse gesto, pouco importa!
Não se fez cega e surda à minha Dor?!
Pois bem, nem mesmo se hoje a visse morta,
dar-lhe-ia a reverência de uma flor...

Mas, ai! batem de leve na janela.
Entram na sala... Sua voz... É tarde
para fugir de vê-la! Enfrento-a... É ela!

Hesito... Tremo... E sôfrego... aturdido,
caio nos braços seus como um covarde,
e me ponho a chorar como um perdido! 



ASCENSÃO
Affonso Lopes de Almeida

Não será sempre esta melancolia,
este morno cansaço, esta torpeza...
A modorra enevoada da tristeza
há de esvair-se aos raios da alegria!

Hei de agitar a imóvel natureza,
ao vendaval da minha fantasia;
nas minhas mãos a estátua da beleza
deixará de ser muda e de ser fria!

Hei de subir ao píncaro do monte,
vencedor de procelas e escarcéus!
E lá, sozinho, ao centro do horizonte,

em manhã clara, e límpida, e sem véus,
o sol da glória há de dourar-me a fronte,
e eu hei de resplender subindo aos céus!

("Fon-Fon", 23.12.1915)


LÁGRIMA DE CAVEIRA
Afonso de Carvalho

Eu vi uma caveira. Branca e fria,
em úmida caverna a sós ficara.
Não sei por qual motivo a sorte ignara
fizera-a triste, quando outrora ria.

Quanto mais a fitava, mais a via,
banhada em pranto com a terrível cara,
cheia de verme e areia, olhando para
o risonho espetáculo do dia.

Por que chorava? Como então pudera
arrancar desse crânio funerário
essa lágrima, trêmula, sincera?

Foi então que notei... Uma goteira,
vindo do teto em líquido rosário,
abria em pranto os olhos da caveira... 



COPO DE CRISTAL
Agripino Grieco

Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo, estirado numa rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,

esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco o ardor da sede.

Conta-se que esse copo pertencera,
outrora, a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele, muita vez bebera.

E ainda hoje a extravagar cabeça louca!
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca...



NÚPCIAS
Alcy Ribeiro Souto Maior

Num jarro esguio e rubro, a rosa pura,
esquecida de sua timidez,
sente do jarro o abraço de ternura
que envolve a sua angelical nudez.

Enquanto a noite espalha a formosura
que para os noivos, caprichosa, fez,
a rosa e o jarro entregam-se à ventura
do amor que vem pela primeira vez.

Quando surge, por fim, a madrugada,
a rosa, sobre a mesa, desfolhada,
recorda, ainda, o beijo nupcial.

E o jarro, desolado, rubro e esguio,
é, ante o espelho indiferente e frio,
uma lágrima rubra de cristal!



SONATINA XII (do livro "Treva Branca")
Alda Pereira Pinto

É bom que eu viva ao léu, pois me acostumo
à solidão que assusta a quem não crê,
pois se de algum receio eu sou mercê,
passeio, canto e ando, rio e fumo.

Num certo dia que virá, presumo,
não tendo amigos nem sequer você,
talvez que eu me lamente, só porque
a sorte não nos pôs no mesmo rumo.

E, se ao chegar a hora em que se apaga
a luz da vida, uma saudade vaga
quiser velar na minha soledade,

ouvidos não darei ao seu alento,
porque saudade é sempre sofrimento
por mais que seja alegre uma saudade.



PRANTO E RISO
Alfredo de Assis

No pranto da criança não diviso
mágoa nenhuma: é todo luz e encanto.
Tem, nuns restos de céu, de paraíso,
toda a doçura matinal de um canto.

Mas de um velho, num rápido sorriso,
mágoas profundas eu percebo, entanto.
No pranto da criança, há quase um riso;
no sorriso do velho, há quase um pranto.

Um velho ri: — é um pôr-de-sol que chora;
chora a criança: — é como se uma aurora
um chuveiro de pétalas abrisse.

E tem muito mais luz, mais esperança,
a lágrima nos olhos da criança
que o sorriso nos lábios da velhice.



HORAS IGUAIS
Alice de Paula Moraes

Outono... As andorinhas friorentas
em bandos já desertam dos beirais...
São mais tristes as tardes macilentas
e as rosas já desmaiam nos rosais...

O meu outono! As horas passam lentas,
cheias de nostalgias, sempre iguais!
Ó coração, por que é que te atormentas?
Estanca o pranto, não soluces mais!

Depois verás, mais triste e mais cansado,
quando as nuvens, em forma de novelos,
rolarem pelo céu, em fins de agosto,

verás sim, coração desconsolado,
que estão muito mais brancos meus cabelos
e as rugas são mais fundas no meu rosto!



CÂNTICO DO NORDESTE
Aline Britto Soares

Já não ouvem as palmas dos coqueiros
doces palavras vindas de além-mar;
não lhes sussurram cânticos brejeiros
trêfegos ventos vindos de ultramar.

Onde andarão os vendavais arteiros
que suas folhas vinham estalar,
pelas noites sem fim, dias inteiros,
nuvens de areia levantando ao ar?

Já outras nuvens que, rolando ao léu,
bailavam, céleres, no azul do céu,
não sombreiam os belos coqueirais.

O árido solo de cuidados urge.
Torna-se agreste a cada sol que surge.
Secam-se os rios nos mananciais!




TORMENTO AZUL
Almeida Cousin

Partiste. A noite é calma e o luar mavioso
dos silêncios da luz. Noite tão pura
como se Deus abrisse a mão na altura,
todo bênçãos de paz ao mundo ansioso.

Crise de nervos quebrantou-me — e o gozo
do meu sofrer acerba-se em tortura:
a noite é como o cálix de amargura,
que um anjo azul me vem trazer, piedoso...

Perdi-te! Nunca mais! — A lua, entanto,
como a entender-me, em desconsolo infindo,
chora nas folhas pérolas de pranto...

E pelos céus, no meu fatal delírio,
vejo as estrelas, quatro a quatro, abrindo
braços de cruzes para o meu martírio!...




CANTA!
Amélia Tomás

Encarcera em teu verso, a cantar, tudo quanto
te cerca: — a luz, o som, a flor que o aroma encerra.
E celebra, em glorioso e sempiterno canto,
o céu, a noite, o sol, o luar, o campo e a serra.

Que o riso estue e vibre, e guaie e gema o pranto
dentro do verso teu como dentro da Terra!
Haja nele, da tarde ao pôr-do-sol, o encanto,
e haja o heróico clangor das trombetas da guerra!

Guarda do vento a raiva e as queixas merencórias.
Prende a sua expressão dentro da rima escassa,
desde o sopro da brisa à vergasta de Bóreas!

E canta o teu Amor num surto honesto e terso:
Celebra-o! Exalta-o! pois que Deus te fez a graça
de saberes cantar a tua mágoa em verso!




VENCIDO
Américo Falcão (e não Facó)

Há longos anos, num pontal vivia,
firme, na areia, intrépido coqueiro,
alto, esbelto, soberbo... e resistia
todo rigor do rígido pampeiro.

Depois, frágil, sem vida se sentia,
pois, lentamente, o velho mar traiçoeiro
todo o seivoso pé lhe carcomia,
para vê-lo cair como um guerreiro!

E numa tarde lúgubre de agosto
fê-lo tombar exânime, na areia,
envolto na penumbra do sol-posto.

Houve uma cena trágica e sublime.
Chorava, de saudade, a maré cheia...
De certo o mar, se arrependeu do crime.




O BAMBUAL
Ana Amélia

A brisa passa e o bambual murmura...
Porém tão mansamente que parece
um gemido, uma súplica, uma prece,
esse murmúrio cheio de ternura.

Subitamente a brisa em vento cresce.
Tolda-se o céu, um raio já fulgura.
Então o bambual ruge, em tortura;
a chuva torrencial sobre ele desce.

Enroscam-se os bambus convulsamente,
varrendo o chão ao peso da torrente.
Enorme vegetal! Domado agora,

tem os uivos de dor de um leão ferido;
mas eu leio, através do teu rugido,
que tens um coração que pulsa e chora.




CREPUSCULAR
Antonieta Borges Alves

No silêncio da tarde azul de fevereiro,
o horizonte irradia esplendor de cristais!
Até um sabiá que mora no coqueiro
suspendeu, enlevado, os ritmos tropicais...

Tanta calma faz crer que, sob o céu fagueiro,
as almas sem amor já não existem mais,
que a paisagem deslumbra e, pelo mundo inteiro,
todos sabem sentir amenos vesperais!

Mas, enquanto lá fora as nuvens do poente
põem limalhas de céu no espelho da lagoa
e põem no entardecer primícias de arrebol,

tu vais sem perceber o espaço reluzente,
sem prever que não é, não pode ser à-toa
que existe fevereiro e existe a luz do sol!...




ALEGRIA DE VIVER
Antônio Siqueira

Deixo a inquietude da constante lida,
em busca de beleza e de esplendor;
e, assim, de alma liberta, nesta vida,
para os teus braços corro, meu amor!

É a ventura que, agora, me convida
a desfrutar a primavera, em flor,
dos teus carinhos que me dão guarida
e dos teus beijos, onde há mais sabor!

Nunca é tarde demais para querer,
quando se tem o coração sorrindo
na sublime alegria de viver.

E, em te querendo, como sempre quis,
nessa felicidade me iludindo,
sou, dos mortais, o menos infeliz.




O PRESIDIÁRIO
Aparício Fernandes

Ó meu irmão, meu pobre irmão que choras
as lágrimas sentidas de um culpado,
se a lei dos homens te amargura as horas,
perante Deus ninguém é condenado!

Se a fé te anima e se contrito imploras
O suave amparo do Crucificado,
terás a luz de todas as auroras,
sobrepujando a mancha do pecado!

Não há prisão, nem há força que dobre
o coração que um dia se faz nobre
e tudo aceita sem guardar rancor!

Jesus perdoou Dimas, Madalena...
Assim, também, à tua amarga pena
abre os seus braços de infinito amor!




VELHO
Aristêo Seixas

Antes da minha trôpega velhice,
por onde a força do meu pulso andasse,
não sei de algema que se não quebrasse,
não sei de pedra que se não partisse.

Vinha-me aos pés o mar, por que eu o ouvisse,
e temia-me o vento que soprasse;
o próprio monte, que eu subir tentasse,
baixava o dorso, para que eu subisse.

E em mim, só resta a neve dos cabelos!
Fora de mim, a morte, com seu luto,
cheia de espectros e de pesadelos.

A árvore mesma, cujo amor assombra,
levanta as ramas e me esconde o fruto,
derruba as folhas e me nega a sombra!

  


NOVO ALENTO
Aristheu Bulhões

Encontrei-te na estrada do Destino,
e tuas mãos fidalgas me levaram
pelos campos do amor, num desatino
que meus próprios sentidos estranharam.

Novo horizonte, agora, descortino...
As paisagens sombrias se alegraram.
Sou, de novo, feliz, como em menino,
pois meus anseios já se realizaram.

Antes, na vida, conduzido a esmo,
compartindo o pesar comigo mesmo,
via o meu sonho transformar-se em pó.

Hoje, alentado pelo teu carinho,
tenho flores brotando em meu caminho,
e já não sofro e nem sorrio só!




O JAGUAR
Arnaldo Nunes

Acautelado, cheio de suspeita,
elástico e flexível, o Jaguar,
às encolhas, fareja tudo, à espreita
de quanto em torno possa se passar.

Investida segura, a mais perfeita
habilidade em troncos escalar,
escorrega, desliza e as garras deita
antes que a presa logre lhe escapar.

Belo felino, esse terror da mata
qualquer coisa há de ter bastante grata
que o instinto atroz não raro lhe atenua...

Pois é de vê-lo como às vezes fica,
nas clareiras, à luz que purifica,
extasiado, a contemplar a lua!




PEDINTES
Athos Fernandes

O pobre pede o pão. O nobre pede o trono.
O santo pede o altar, o crente pede a missa,
e quem das leis sociais sofre amargo abandono
ergue as mãos para o Céu, pedindo por justiça.

Quem ama pede amor. O insone pede o sono.
O mártir pede a cruz, e pede, o herói, a liça.
Pede o inverno o verão. A primavera o outono,
e o sábio pede a luz da verdade castiça!

Quem luta pede a paz. O enfermo pede a cura.
O verme pede a terra e a águia pede a altura
e quem sofre a opressão pede a mão que o redima.

E o Poeta, também, seguindo a mesma norma,
é um mendigo a pedir a pureza da Forma,
a beleza da Idéia e a riqueza da Rima!




MÃOS
Augusta Campos

Tenho saudade de umas mãos amigas,
mãos de silêncios doces e eloqüentes,
mãos que teciam versos e cantigas
na luz dourada e mística dos poentes.

Resta-me, agora, o peso das fadigas.
E, agora, em minhas mãos sós e frementes,
em vez da ardência das paixões antigas,
sinto horas frias de emoções ausentes.

Mãos amigas, amantes, namoradas,
mãos que embalaram ternas madrugadas
e acalentaram formas e segredos.

Em minhas mãos morreram primaveras.
E eu tenho, agora, inverno e vãs esperas
e saudades chorando nos meus dedos.




LIBERTA
Áurea Pires da Gama

Não volto mais! Irei por este mundo escuro
em busca de outro amor, de outra afeição mais nobre.
Adeus! Levo somente a lira e a cruz de pobre,
mas Deus me ajudará na estrada do futuro.

Levante-se minha alma e, rútila, desdobre
as asas da esperança. Eu parto... eu me aventuro
no vasto mar da vida. A estrela que procuro
verei brilhar um dia, embora além sossobre!

Porém, se a rosa branca e pulcra de meus sonhos
fanar-se no embrião, e a morte compassiva
finalmente acabar meus dias enfadonhos,

tu não finjas a dor de uma alma sensitiva,
não! Respeita a mudez dos túmulos tristonhos...
Ai! Não finjas à morta o que fingiste à viva!




LENITIVO
Aurora Motta

Ouvir-te a voz! Saber-te ainda vivo,
eis a maior de todas as benesses!
Abate-me o pesar rude, aflitivo;
e vibra-me a alma debulhada em preces.

Ouvir-te a voz! Supremo lenitivo
que de amara distância me ofereces!
Pulsa-me forte o coração cativo,
onde senhor e uno permaneces.

Do meu insano amor a chama pura
desejara calar — quanta ventura!
a tua voz num beijo prolongado.

... E transformar o fone indiferente
em braços que me abracem ternamente
e nunca mais se afastem do meu lado!




B

NOSSO EVANGELHO
Baptista Santiago

Antes que a noite desça e a sombra invada
o silêncio das quietas casuarinas,
descansemos à beira desta estrada
que com teus claros olhos iluminas...

Conversemos um pouco, se te agrada,
pois a grande ventura, que imaginas,
há de ser sempre assim — toda formada
destas felicidades pequeninas.

Pousa tua cabeça no meu ombro,
e no poema de Amor, que a medo abrimos,
ponhamos nosso olhar cheio de assombro...

Esse o livro dos símbolos supremos,
cujo maior encanto ainda não vimos,
cujas melhores páginas não lemos...




SONETO
Barreto Filho

O teu caminho é longo, e hás de, triste e cansada,
repousar num vergel que do fim muito diste.
É longo o meu caminho, e hei de, cansado e triste,
dormir onde não for ainda uma pousada.

No meu lento pendor eu tenho a alma fanada,
mas nessa luta vã meu coração resiste.
E tu, tu que a princípio aos álamos sorriste,
estás pálida assim ao meio da jornada.

Pelo mesmo caminho ambos juntos seguimos...
O teu trêmulo andar é um vôo de alegrias,
e enches cada rosal de carícias e mimos.

Tu não me olhavas nunca, e eu também não te olhava;
e, contudo, eu fiquei sabendo que sorrias,
e ficaste também sabendo que eu chorava.



CONSELHOS... CONSELHOS...
Barreto Sobrinho

Quando eu, aflito e desolado, faço
um fervoroso apelo, aos que andam rindo,
e peço apoio a um poderoso braço,
para acalmar o meu martírio infindo,

dão-me conselhos... e se vão fugindo...
—“Tenha calma (diz um), este embaraço
há de ter fim...” E alegre vai seguindo,
desfrutando a fortuna, a cada passo...

—“Seja forte (diz outro), tudo passa...”
E eu, a ficar aqui, nesta desgraça,
no mesmo estado, no feral castigo!...

Só minha mãe já não me dá conselhos!...
Vendo de pranto os olhos meus vermelhos,
inclina o colo e vem chorar comigo!...

  


CONTRIÇÃO
Beatrix dos Reis Carvalho

Meu Deus, eu sei. Eu sei, não merecia
esse bem que me dás em profusão.
Sofrer é justo como a luz do dia,
mas ser feliz é prêmio, é galardão!

Quase me acostumara à tirania
da vida que castiga, sem razão.
E, para mim, o amor como eu queria
era, longe, uma estrela na amplidão.

Não devia existir, e se existisse,
querê-la não passava de tolice,
que as estrelas não vêm à nossa mão...

Meu Deus! Puseste a estrela em meu caminho!
Por esse amor que é todo o meu carinho,
perdão se duvidei, perdão, perdão!





RISÁLIA
Belmiro Braga

Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
não são as aves festejando o dia:
— São os últimos gritos que te envia
meu triste coração, morto de amores...

Se sentires uns tépidos olores,
não penses que é o rosal que te inebria:
— É minha alma nas ânsias da agonia
que, só por te beijar, se muda em flores...

Se vires baloiçar as níveas gazas
do docel de teu leito, não te afoites,
nem te assustes, querida! São meus zelos

que vão, de leve, sacudindo as asas,
carinhosos, beijar, todas as noites,
teus olhos, tua fronte e teus cabelos...




O CAIS
Beni Carvalho

Quando te vejo, velho cais, em ruínas,
perscruto a tua vida secular:
— Manhãs radiosas em que te iluminas!
— Serenas noites de encantado luar!

Viste, partindo, ao canto das matinas,
velhas naus, brancas velas, pelo mar:
— Dourados sonhos, ilusões divinas,
ânsia de descobrir e conquistar!

Hoje, todo em tristeza, te esbarrondas;
mas uma voz oculta, dentre as ondas,
te diz: "A sorte não te foi tão má:

Terás, em ti, esta legenda impressa:
— Recolheste o sorrir do que regressa
e a saudade de quem não voltará".




ESCADA DA VIDA
Benjamim Silva

Julguei da vida haver galgado a escada,
essa escada de mármore polido,
que nos conduz à estância desejada
de um grande bem, raríssimo atingido.

Hoje vejo, porém, que quase nada
consegui, afinal, haver subido:
— ficou-me longe o termo da jornada
em que eu, exausto, me quedei vencido.

Pelos desvãos da escada mal me erguendo,
já sem noção e sem a fé que anima,
nem sei se vou subindo ou vou descendo...

Por isso, os seus extremos jamais acho:
vejo degraus olhando para cima,
vejo degraus olhando para baixo.




ILUSÃO
Berta Celeste Homem de Melo

Ilusão! sonho efêmero e falaz,
que nos seduz e embala o coração!
Sublime, terno enleio que nos traz,
de um bem sonhado, a doce sensação!

Bendita e vã, quimérica e fugaz,
dura, às vezes, tão pouco uma ilusão!
É um bem pueril que nasce e se desfaz,
qual uma frágil bolha de sabão!

Mas, enganosa e vã, fugace embora,
ai de quem segue pela vida afora,
sem que lhe cante na alma uma ilusão!

Uma ilusão que vá por seus caminhos,
piedosa e boa, a disfarçar espinhos,
despetalando flores pelo chão!...





C


SÓCRATES
Caio Maranhão

Sócrates, o mais justo e sincero dos sábios
do seu tempo, que é bom e sensato e erudito,
com o riso da inocência a transbordar dos lábios,
impassível, enfrenta o tribunal de Anito...

Depois — segundo consta em velhos alfarrábios —
condenado a morrer sem provas de delito,
com sublime altivez, sem ódios nem ressábios,
exproba a acusação iníqua de Melito!

E brada Apolodoro, em fúria, após a liça:
— “Já não suporto mais a dor que isso me custa!
É falso o veredicto! É torpe essa justiça!"

E Sócrates, divino, erguendo a fronte augusta,
profere esta lição esplêndida e castiça:
"— E queres que a sentença, acaso, seja justa?!...”



EVANGELHO DA VELHICE
Caio de Melo Franco

— "Quando a Velhice te bater à porta,
queres ouvir nosso Evangelho? — escuta:
Abre de manso e trêmula perscruta
aquela face que a tristeza corta.

Olha-a de frente... e uma alegria morta
verás em cada sulco que a labuta
deixou, fundo, ficar da insana luta,
que não nos confortou, nem nos conforta!...

Enxugarás o olhar inconsolado...
E ficarás pungentemente olhando,
de mãos postas, a orar para o Passado...

E assim, velhinha e triste, e eu triste e velho,
viveremos tremendo... mas rezando
a saudade sem fim desse Evangelho..."



ÚLTIMO SONETO
Carlos Guimarães

Este soneto — o último que faço —
põe um ponto final em nossa história,
que, hoje, termina de maneira inglória,
sem um beijo de adeus, sem um abraço.

Peço, apenas, que guardes na memória,
qual de nós teve culpa do fracasso;
quem primeiro deu mostras de cansaço,
reduzindo a farrapos nossa glória...

Pedes que eu parta e eu cedo. Indiferentes,
teus lindos olhos nem me seguirão...
Trilharemos caminhos diferentes,

porque temos Destinos desiguais:
— Tu vais feliz, em busca de ilusão,
e eu carregando um desengano a mais!




O ENTERRO DO SOL
Carlyle Martins

O sol empalidece entre a seda macia
de um leito de rubis e opalas recamado.
As montanhas, entoando o funeral do dia,
de aromas sem iguais vão perfumando o prado.

Há um pesar pela terra inteira, que dir-se-ia
tudo na escuridão já ficou mergulhado.
Ao longe na ampla várzea enlutada e sombria,
vagaroso  se arrasta, em fileiras, o gado.

Torpor e indecisão. Vai chegando a penumbra.
Nuvens fogem do céu. Nada mais se vislumbra
nas matas onde a treva está quase a envolvê-las.

A noite, como um duende, a estender-se por tudo,
atira sobre a terra um manto de veludo
e desfia, no espaço, um rosário de estrelas.



SER MULHER
Carmen Cinira

Ser mulher não é ter nas formas de escultura,
no traço do perfil, no corpo fascinante,
a beleza que, um dia, o tempo transfigura
e um olhar deslumbrado atrai a cada instante.

Ser mulher não é só ter a graça empolgante,
o feitiço absorvente, a lascívia e a ternura;
ser mulher não é ter na carne provocante
a volúpia infernal que arrasta e desfigura...

Ser mulher é ter na alma essa imortal beleza
de quem sabe pensar com toda a sutileza
e no próprio ideal rara virtude alcança...

É ter, simples e pura, os sentimentos francos,
E, ainda no fulgor dos seus cabelos brancos,
sonhar como mulher, sentir como criança!



VIAGEM DOLOROSA
Carolina Ramos

Enfrento, combalida, a jornada que assume
dimensões de montanha e nuvens de incerteza.
A dúvida recobre o intransponível cume.
A vida tumultua a própria correnteza.

Rochas por toda a parte... e flores sem perfume!
Por todo o lado a escarpa, o abismo sem beleza!
Por todo o tempo, a noite a se estender sem lume,
tornando negro o verde e o azul da natureza.

Mas, seguirei, ferindo as mãos pelos espinhos.
E seguirei, cortando os pés pelos caminhos,
sem temer empecilho e sem temer fracassos,

se souber que me espera apenas uma rosa!
E esta viagem, por fim, tão triste e dolorosa,
me der repouso e paz, no ninho dos teus braços!

  


MENDIGOS
Celso Vieira

Quantas vezes trilhamos, desgraçados,
da vida humana os ásperos caminhos:
vós, em busca de esmolas, fatigados,
eu, fatigado, em busca de carinhos!

Aos que tiveram sedas e brocados,
invejais a riqueza, ó, pobrezinhos!
E eu mais invejo ainda os namorados,
— aves que dormem no frouxel dos ninhos.

Como — de porta em porta —  sem abrigo,
Noite e dia seguis, aflito eu sigo,
de coração em coração, assim...

E assim, lastimo as esperanças mortas,
Pois, como para vós, fecham-se as portas,
Os corações se fecham para mim!




MANHÃ GLORIOSA
Cesídio Ambrogi

Cintila em ouro o sol pelos caminhos,
no esplendor da manhã que vem raiando;
ouve-se, além, o murmurar dos ninhos
e cruzam-se no espaço asas, noivando.

De em torno a um velho cocho, atropelando
inocentes e mansos cordeirinhos,
anda um poldro, a saltar. Passam riscando
o céu — flechas de neve — dois pombinhos.

E toda a terra que de luz se banha,
despe-se, enfim, das pérolas do orvalho,
para a luta da vida, intensa e estranha.

Obscuro e cruento o embate principia,
e tudo vibra à orquestra do trabalho,
na conquista do pão de cada dia...




MINHA SOMBRA
Cícero Acaiaba

Depois de te esperar inutilmente
na esquina desta rua abandonada,
eu volto mais sozinho e, lentamente,
marcam meus passos versos na calçada.

O coração, de súbito, se sente
liberto dessa angústia exasperada,
ao ver que minha sombra, obediente,
arrasta-se a meus pés, escravizada.

Ao menos, a que sempre me acompanha,
sombra fiel de tantas confidências,
mártir da mesma dor, do mesmo espinho,

ouve em silêncio minha voz estranha,
e vai beijando as longas reticências
das lágrimas que deixo no caminho. 




POENTE DA VIDA
Cidoca da Silva Velho

É impossível voltar ao tempo antigo,
com tudo começando novamente!
Mesmo assim, quero ser o teu abrigo,
nesta fase da vida de sol poente!

Quantas horas perdemos, meu amigo,
na escalada dos tempos, tristemente!
E passou a ilusão que hoje eu bendigo,
por ver-te em minha estrada, frente a frente.

Foge do vento frio dos caminhos!
Escondido nos galhos farfalhantes,
vê quanto amor existe pelos ninhos.

Há de florir em versos palpitantes
o nosso amor, só feito de carinhos,
num turbilhão de rimas delirantes...



CARNAVAL DE UM PIERRÔ
Ciro Vieira da Cunha 
(pseudônimo João da Ilha)
(São Paulo, 1897

Rio de Janeiro, 1976)

Carnaval! Carnaval! A turba louca
passa gritando pela rua em fora...
Nos "bars" e cabarés champanhe espoca
e a gente bebe até que venha a aurora...

Canta na rua um ébrio de voz rouca
versos canalhas que a ralé adora...
É quase madrugada... Em minha boca
amarga o sonho que meu peito chora...

Espero Colombina, alva de cal,
de olheiras de carvão e de olhos baços
que vem trazer-me ao quarto o Carnaval...

O doce Carnaval do meu desejo:
— As brancas serpentinas de seus braços
e o confete vermelho de seu beijo...




MOCIDADE
Cláudio de Cápua

Lindo tempo o do sonho e da vontade!
Sem palavra, sequer, que bem o exprima,
o pensamento a erguer-se bem acima
da montanha da vida em claridade!

Tempo feliz da nossa mocidade
que a luz do amor e da ilusão sublima,
quando tudo nos prende e nos anima
ao fio e à teia da felicidade!

Não há quem não conheça, e, conhecendo,
não dê tudo de si para que nunca
deste tempo de paz vá se esquecendo.

Mágoas? Feliz de quem puder vencê-las,
e ver que a mão de alguém seus passos junca
de pérolas, de rosas e de estrelas!

  

O LUAR DE MINHA TERRA
Colbert Rangel Coelho

Neste luar de minha terra vejo
matizes de saudade pelo espaço,
na evocação do meu primeiro beijo,
na timidez do meu primeiro abraço.

Este luar desperta meu desejo
e volto à juventude; e, passo a passo,
eis-me à beira do cais, no rumorejo
de um passado feliz que eu mesmo traço.

À tua espera, minha grande ausente,
pelo facho de luz que vem da serra,
vejo que surges como antigamente.

E, quando surges, neste mesmo cais,
revivem no luar de minha terra
noites distantes que não voltam mais.




ESSE AMOR...
COLOMBINA Adelaide (Ide) Schloenbach Blumenschein

Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua...
Cada dia é maior, é mais forte e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.

Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol — cada carícia tua!
E em meu verso, integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua...

Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias,
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.

Tardas... Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!




QUE INSÔNIA!
Corina Rebliá

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
Soa. Há passos na rua... E a ronda passa...

Não consigo dormir. Como demora
Esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
Chove. Há passos na rua... E a ronda passa...

Dormes? Não creio... Eu sei que estás velando,
Porque eu pressinto que, de quando em quando,
Vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas... Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa.

  


RECOMPENSA
Corrêa Junior

Tenho no teu afeto a recompensa
dos meus dias de pobre sonhador;
e, artista obscuro, sinto a glória imensa
de ser, entre os cantores, teu cantor.

Assim, no doce enlevo desta crença,
viverei pelo amor e para o amor,
sem que a antiga tristeza hoje me vença,
no meu castelo de ilusões em flor.

Velha raiz, anônima, esquecida,
pelo húmus dos teus beijos renascida,
subo, cresço do solo, enfeito o chão...

E, árvore nova, ramos no ar dispersos,
espalho, pelas flores dos meus versos,
todo o perfume do meu coração.



  
A ÁRVORE DO SÂNDALO
Cruz Filho

Em vão estendo para os céus os braços,
sem que possa atingir essas alturas
em que julgo entrever-te os leves traços,
deusa tão pura quanto as deusas puras!

Busco-te em vão! Há entre nós espaços,
abismos negros e amplidões escuras:
detém-me o teu orgulho os tíbios passos,
sempre que ao meu olhar te transfiguras.

Com as tuas mãos sacrílegas de vândalo
ceifas-me as ilusões, uma por uma;
mesmo assim, de perdões minha alma é cheia!

Este amor é como a árvore do sândalo,
que, ferida de morte, inda perfuma
o gume do machado que a golpeia...



D


IGARITÉS
Da Costa Santos

Densos bojos de breu como noites escuras,
partem, rubras de sol, ladeadas de mangue,
rompendo os escarcéus, que são negras molduras,
tisnando o azul do mar como nódoas de sangue.

Zarpam, velozes, tendo os céus pelas alturas,
— aves tontas de luz, a asa cansada e exangue,
e lá vão, muita vez, nas procelas mais duras,
em bordejos triunfais, na estranha tarde langue.

Velhas igarités, primitivos veleiros,
que, altivas, e a zombar do tufão que ressoa,
— tornais ao porto, à forte mão dos timoneiros.

Sou como vós: fitando a miragem dos astros,
minha nau sempre trouxe a Esperança na proa,
com bandeiras de glória a drapejar nos mastros!
  


SOL DAS ALVORADAS
David de Araujo

Partiste. E o teu adeus foi um aceno leve...
Mas diz-me o coração, em sonhos adivinho,
que estás, como eu, saudosa, e que a saudade deve
trazer de volta o amor que havia em nosso ninho.

Teimo em pensar que a tua ausência vai ser breve,
que vais voltar, quem sabe, um dia, de mansinho,
trazendo em tuas mãos mais puras do que a neve
as estrelas do céu e as flores do caminho.

Nesse dia feliz, seguindo de mãos dadas,
havemos de chegar, tranqüilos e risonhos,
aos bosques onde habita o espírito das fadas...

Com nossos corações abertos para os sonhos,
saudaremos, de lá, o sol das alvoradas,
deixando para trás crepúsculos tristonhos...



RESUMO
Delson Tarlé

Imenso mar de amor. Flutuo, em febre,
sobre ti. Temerário, me condeno
ao vendaval do teu corpo moreno,
em que talvez a minha nau se quebre.

Agora, ilha de paz. Sou ave, lebre,
nimbo e céu. Se teu beijo tem veneno,
tem hálito de flor... O olhar sereno
entra em mim como o luar por um casebre.

És raio, és onda, és fúria, és vendaval,
e és vôo, és flor, és luar, és paz sentida,
o que minha alma espera e o corpo quer.

Alma tão pura e carne tão sensual!
Céu e Terra, Alma e Corpo, Sonho e Vida
vêm resumir-se em ti, porque és mulher.



CALEIDOSCÓPIO
Dimas Guimarães

Outrora, foste a pérola mais pura
e mais bela dos mares do Japão,
messe dourada, fonte de ternura,
o tesouro encantado de Jasão.

E, sendo a mais perfeita criatura,
— flor adulta com ares de botão 
eras linda promessa de ventura,
gema rara da Líbia ou do Indostão.

Mas veio o outono... As folhas amarelas
lembram extintos sonhos de donzelas...
Sonhos que o tempo rápido esfumou...

E, em vão, procuro pelo teu encanto,
e reparo — olhos úmidos de pranto —
nem a pureza o tempo conservou...



MATER ADMIRABILIS
Djalma Andrade

Quando eu entrei naquela igreja, estava
Nossa Senhora ao pé de Jesus Cristo;
parecia que a Santa me fitava
como se nunca me tivesse visto.

— Não me conheces, Mãe? É que eu pecava,
e vim para te ver e me contristo:
o rosto do teu filho o vício cava,
Mãe, minha Mãe, eis o que sou — sou isto!

Mas noto em teu olhar um certo brilho...
Deixa que beije a fímbria do teu manto,
talvez tu reconheças o teu filho.

Talvez fosse ilusão tudo que eu via:
quando, de novo, olhei seu rosto santo,
Nossa Senhora, para mim, sorria.


E



LAVRADOR
Elton Carvalho

Nem bem surgiu o rubro da alvorada,
nem bem a noite se aquietou no monte,
já vai o lavrador levando a enxada
e se perde nos longes do horizonte.

E, após uma exaustiva caminhada,
antes mesmo, sequer, que o sol desponte,
rega a terra querida e abençoada
o suor que lhe escorre pela fronte!

Os que tratam da terra todo o dia
e fazem do trabalho uma alegria
têm a chama divina dos heróis.

Há centelhas de luz nos seus destinos:
lavradores são deuses pequeninos
que, da terra e do nada, criam sóis!



FASCINAÇÃO
Elza Capanema Leitão

Esculpi, com ternura, a musa inspiradora,
querendo dar meu sangue à pedra dura e fria...
Manejando o buril — ardente e inovadora,
de repente, aos meus pés, Apolo ressurgia!

Uma fascinação nasceu — devastadora,
e, enamorada, eu quis, num passe de magia,
dar vida ao seu perfil de estátua sonhadora,
na luta de um artista, amante, em euforia.

Nas formas divinais, loucamente, procuro
uma prova de amor — o que a minha alma anseia,
neste abismo total —, um desejo inseguro!

Porém, inutilmente, a estátua olha distante,
sem perceber a dor e a lágrima que alteia
esta fascinação estranha e apaixonante.



ANA MARIA
Enéas de Castro

No meu escrínio de eternais lembranças,
guardo uma foto e um nome: ANA MARIA!
Do tempo em que ainda éramos crianças,
e a vida, Primavera que sorria!

Foi ela o sol das minhas esperanças,
e o altar das preces que eu então fazia.
Crescemos. Ela moça, já sem tranças,
tornou-se a namorada que eu queria.

Ana Maria, meu amor primeiro!
Quem me dera saber teu paradeiro
e ouvir de novo aqueles risos francos!

... Se eu te encontrasse agora, tu ririas
destas extemporâneas fantasias
de um namorado de cabelos brancos!



A SUAVIDADE AZUL
Eno Teodoro Wanke

A suavidade azul do teu pijama
impõe-se para o lânguido arrepio
do gesto em minhas mãos, morno e macio,
a fim de haurirmos tudo o que nos chama...

E, enquanto nos teus olhos brilha a chama
do teu carinho longo, eu me extasio
na adoração... E sobe, lento, o rio
do nosso bem-querer que nos reclama...

Palpitam nossas veias, ao balanço
das ondas de torpor que, sem descanso,
deslizam sobre o nosso amor aflito.

Os lábios se aproximam. Nasce o beijo,
desatam-se as amarras do desejo,
e mergulhamos juntos no infinito!



ÚLTIMA CARTA
Enrique de Rezende

Envelheci... Na minha ingenuidade,
sem que eu jamais o percebesse um dia,
surpreenderam-me os anos... Em verdade,
não sou quem fui, não valho o que valia.

Sempre afeito, porém, à fantasia,
pois quem vive a sonhar não tem idade,
povoam-me a cabeça, na invernia,
os mesmos sonhos meus da mocidade.

Fluiu-me a vida, descuidosa e mansa,
por entre sonhos de ilusões refertos,
por entre poemas que, a sonhar, componho.

Vida de poeta — um sonho de criança.
— Mas se em vida sonhei, de olhos abertos,
é que eras tu a vida do meu sonho...



VIBRAÇÕES AMOROSAS
Eugênio de Freitas

Se te revejo, Amada, após algum vazio
estágio de abandono, em que te sinto ausente,
a paz me volta ao peito, iludo-me e sorrio,
de súbito a sonhar, no ardor de antigamente.

O sol da juventude, afugentando o frio
que aos poucos me fustiga o coração e a mente,
compensa, num minuto, as lágrimas a fio,
ocultas, que verti: de novo estás presente.

Remoço no momento em que, feliz, te abraço;
e a festa natural de meus sentidos prova
que, perto de nós dois, extingue-se o cansaço.

Comigo, esta afeição a levarei à cova;
pois vibra, toda vez que por teu vulto passo,
fortíssima atração, que sempre se renova.




OCASO
Evandro Moreira

Jovem parti, sequioso de aventura,
velas pandas, bandeira em altos mastros;
por instinto, tracei via segura,
conforme o vento e a posição dos astros.

Riquezas encontrei nessa procura.
Mas, cheios os porões com áureos lastros,
o barco da ilusão, em noite escura,
perdeu-se. Pobre e só, voltei de rastros.

Por pecados troquei a juventude,
ouro falaz que tanto nos ilude
e nos leva à velhice, que redime.

Talvez por isso eu sofra tão sereno,
certo de que o castigo é tão pequeno
quão pequeno eu julgava cada crime...



F


IRMÃ TEREZA
Fernando Burlamaqui

Irmã Tereza, a flor humilde e pura,
consagrada ao serviço do Senhor,
quando, entre as crianças, orações murmura,
recende aromas de um rosal em flor.

Tem ela no sorriso tal doçura,
tal meiguice na voz, tal esplendor,
que, como um refrigério, hoje a procura
este meu coração de pecador.

Gosto de ouvi-la quando um hino entoa,
ou, quando, humilde, as crianças abençoa,
fulgindo excelsa numa estranha luz!

E ela brilha ante mim com tal beleza,
que eu fico incerto se é a irmã Tereza,
ou se é Santa Tereza de Jesus.



É BOM SER BOM
Filgueiras Lima

Meu pai e meu amigo! eis-me a teu lado,
a rezar. Mas não ouves o que digo.
Eu tenho o coração despedaçado
de saudades, meu pai e meu amigo!

Fui, desde criança, todo o teu cuidado.
Cresci à sombra desse afeto antigo.
Afinal, era um só nosso passado,
porque, ó pai, envelheci contigo.

Sereno e justo, Deus te fez um forte,
ante as ingratidões de todo grau
que te feriram, sem mudar-te o norte.

Com a tua vida do mais puro tom,
tu me ensinaste quanto é mau ser mau
e me provaste quanto é bom ser bom!



CANÇÃO DA AGONIA
Flamínio Caldas

Quando o sangue parar em minhas veias
e cair sobre mim o véu da morte,
tu, que quebraste todas as cadeias
por nosso amor, sê corajosa e forte!

Possam meus olhos, no final transporte,
Ver-te os olhos enxutos. Rindo, creias,
eu cumprirei contente a minha sorte,
aliviado das lágrimas alheias...

Na hora extrema, não quero ver tristeza...
Fale a voz da alegria em cada canto,
nade na luz do sol a natureza!

Que venha, então, a deusa amortecida!...
Mas não chores, que foi todo de pranto
o caminho que fiz por esta vida!

  

VEJO EM TORNO DE MIM, DE LADO A LADO...
Francisco Pati

Vejo em torno de mim, de lado a lado,
a desigual justiça repartida:
tanto vício tão bem recompensado,
tanta virtude mal reconhecida.

Aqui o ímpio sorri, sendo aclamado,
chora, além, a bondade que é punida.
Templos ao ódio, tronos ao pecado,
que de pecados e ódios se enche a vida.

Fujo do abismo que aos meus pés se estende,
o ouvido fecho a esse rumor profundo,
e, alheio ao que se faz e ao que se diz,

no meu silêncio que ninguém compreende
gozo longe dos homens e do mundo,
o orgulho e a glória de não ser feliz.



QUERÊNCIA
Francisco Ribeiro

Querência é, para mim, o incêndio da alvorada,
os lances do Minuano, as cargas do Pampeiro;
a charla, o mate amargo, a carne chamuscada,
o pingo, a recolhida e o fogo do tropeiro!

Querência é, para mim, o estalo da queimada,
o tranco do boi manso, as manhas do tambeiro;
a cisma da tapera, o campo em flor, a estrada,
o pialo, a marcação e os "causos" do campeiro!...

Querência é, finalmente, o guasca bueno, guapo;
a china côr da terra, o rancho alevantado,
no topo da coxilha, em barro e santa-fé!

O chão que modelou o pulso do farrapo,
o mesmo que nos veio — e roto, e ensangüentado —
da ronda das Missões, do pó de Caiboaté!

  

AVES GORJEIAM NO VERGEL...
Franklin Magalhães

Aves gorjeiam no vergel... Murmura,
perto, um rumor de fonte cristalina...
O sol espreita do alto da colina,
e beija ao lago azul a face pura.

Que harmonia inefável desce a altura!
Cantam os anjos... Que manhã divina!
Por que sorri, tão cândida, a bonina?
Por que tão claro o sol no céu fulgura?

Por que cantam, com tanto amor, as aves?
Por que exalam perfumes tão suaves
as flores, hoje, desde o abrir da aurora?

Por que é que as borboletas giram tanto?
É que passeais, a rir, cheia de encanto,
cheia de graça, pelo campo afora...



ROUXINOL DE TRANÇAS
Frota Pessoa

Passas cantando, rouxinol de tranças,
essa eterna alegria gargalhando...
Canta! Tempo virá, que só lembranças
do passado feliz irás cantando.

Esses que vivem mágoas soluçando,
e que jamais cantaram de esperanças,
esses talvez que se aborreçam quando
passas cantando, rouxinol de tranças.

Mas eu, que tive os risos da ventura,
e cantei as cantigas que a ternura
costuma pôr na boca das crianças...

Quero-te bem por toda essa alegria,
que, com teus risos cheios de harmonia,
passas cantando, rouxinol de tranças.



 G


CÉREBRO E CORAÇÃO
G. Viana

Ao coração, o cérebro dizia:
— “Eu valho mais que tu. Eu represento
a força eterna que o Universo guia
às gloriosas conquistas do talento.

Eu sou quem tudo gera e tudo cria,
sou o claro farol do pensamento,
o sol que céus e terras alumia!"
Responde o coração:  —"És um portento

de graça e de saber! Não há na terra
nada que tu, ó cérebro, não venças;
mas virtude maior em mim se encerra,

pois na chama do amor o mundo inflamo:
Mais forte do que eu, és tu, que pensas!
Mais forte do que tu, sou eu, que amo!"



EU
Gastão Neves

Nasci na Grécia antiga, da odisséia,
dos templos e dos deuses imortais.
Os sete sábios tive por platéia
e fui o que pisou salões reais.

Vi os últimos dias de Pompéia
nas orgias febris das bacanais.
Fui ardoroso amante de Frinéia;
Praxíteles e eu fomos iguais.

Nasci na Grécia antiga — fui deus grego!
Quando nos braços teus tive aconchego,
fui tudo que na Grécia deslumbrou.

E atravessando os tempos, como esteta,
não sou mais que a ilusão de ser poeta,
sendo apenas um homem que sonhou!




NO ÚLTIMO ENCONTRO
Gentil Fernando de Castro

Custa-me muito te dizer, mas digo,
porque é preciso, de qualquer maneira:
do que era, e sempre foi, do bem antigo,
já quase nada resta, sem que eu queira.

Fundas mágoas, eu sei, trazes contigo
e não hás de sofrer a vida inteira.
O amor deve ser bênção, não castigo,
e ainda mais luz, talvez, quando é cegueira.

De tudo que passou, fique a saudade:
na sua silenciosa eternidade
os sonhos dos que amaram, viverão.

Toda saudade é uma segunda vida...
E, mesmo o amor que deixa uma ferida,
deixa um resto de sol no coração.



ASPIRAÇÃO
Gioconda Labecca

Se eu pudesse, morrer, morrer olhando,
daqui desta janela bem defronte,
o Céu, a Vargem, a Campina e o Monte,
e junto a mim a minha Mãe orando...

E a natureza toda me embalando
ao som de salmos, murmurando a fonte,
e o sol tépido e morno no horizonte
e sorrateiramente se escambando...

Ver meus irmãos em orações funéreas,
mandando aos Céus em espirais etéreas
a fumaça do incenso, espesso véu...

E eu, vendo a vida plena de esplendores,
dizer, sorrindo nos meus estertores:
— Que tarde azul para subir ao Céu!

  

AMOR BRUTO
Gomes Filho

Não é com mãos de arminho que te chamo,
mas com a força abismal do coração.
Nem segredo baixinho, mas proclamo,
alto e bom som, que és presa em minha mão.

Não é à luz da Lua que te amo
e sim à luz do sol do meu verão.
Rosa-de-Neve que tombou do ramo
para o leito de brasas do meu chão.

Se te aperto com os braços do meu sonho,
se te chego a bater com o meu ciúme,
se te faço chorar com o meu amor,

sinto que tens o coração risonho:
toda rosa dá beijos de perfume
ao colibri que despetala a flor.



ÁGUAS
Gomes Leite

Águas, turvas e claras há na terra,
estagnadas, correntes, borbulhantes:
água de mar, que oscila; água de serra,
que desce, argêntea, em córregos cantantes;

água quieta dos lagos; água que erra
sob o chão e que, apenas por instantes,
uma cisterna a Altura lhe descerra;
água altívola em cúmulos distantes...

Ah! mas uma água existe dentre as águas,
que, sendo a lava do vulcão profundo
da alma candente de paixões insanas,

é o maior lenitivo para as mágoas:
— Água do Céu, que surge neste mundo,
gotejando das pálpebras humanas!

  

MINHA CAMPA
Gotardo Neto

Quero-a entre moitas de rosais. Ao fundo,
triste cruzeiro humilde e suplicante,
onde venha pousar o mocho errante
cantando, à noite, a dor do moribundo.

E ao pé da lousa, como um ai profundo,
à luz crepuscular do céu, distante,
deixem cair o orvalho fecundante
dos olhos virgens que adorei no mundo.

Seja um soturno e calmo isolamento
onde, por noites longas de amargura,
soluce a treva ao palpitar do vento...

Junto — o cipreste um funeral cantando;
na lousa — o nome da saudade escura;
e um serafim de mármore chorando.



H

CORAÇÃO
Hecilda Clark

Não tenho culpa deste amor fremente
em seu ritmo ardoroso, acelerado...
Tudo em redor de mim, convulsionado,
e eu viva e amando o amor, tão loucamente!

Quando assomaste sonhadoramente,
o coração, que fora imunizado
contra todo o impossível; rebelado,
se apaixonou por ti, como um demente!

E nada o demoveu se, nem cansaço
sentiu, nesse correr vertiginoso
que nos conduz à morte a cada passo...

Vivo de amar-te, alucinadamente,
aos apelos do teu amor grandioso...
— Coração de Poeta é impenitente...



ASAS
Heitor Lima

O que torna mais triste o céu sangrento,
ao pôr-do-sol, são as partidas, são
os adeuses dos pássaros, ao vento,
numa incerta e fugaz palpitação.

Ah! Quantas vezes, no apressado ou lento
voejar de aves que vêm e aves que vão,
tocam-se duas asas um momento
e afastam-se em contrária direção...

Também os nossos corações, um dia,
se encontraram: no ocaso rubro ardia
o incêndio dos amores imortais.

E — asas, na tela acesa do sol-poente —
um no outro eles roçaram levemente,
para não se encontrarem nunca mais!

  

INVOCAÇÃO À NOITE
Heitor Lúcio de Oliveira e Silva

"Noite negra, de tétricos segredos,
Noite triste e avernal do meu agouro,
espalhando mistérios e bruxedos
no silêncio do caos imorredouro;

Noite funda e abismal onde erram tredos
fantasmas a girar, num fervedouro,
emergindo da entranha dos rochedos,
desafiando no espaço os astros de ouro;

vem a mim, com teus crepes funerários.
enfermeira dos pálidos ascetas,
noiva dos sonhadores legendários.

ah! vem fechar-me as pálpebras inquietas,
Noite, irmã dos boêmios solitários,
e mãe-virgem de todos os poetas!"




RECUERDO
Heitor Silva

Tempos de outrora... Uma cigarra... a voz
de um sino além, tangendo Ave-Maria...
Um pôr-de-sol que os cipoais tingia...
Paisagens mortas... e nós dois a sós...

A minha mão roçando a tua... e após
a noite de veludo que descia...
Noturnos de Chopin... e um céu que ria
abrindo as portas de ouro para nós...

Lembras-te? Eras assim como és agora...
Só eu mudei. E como esta alma chora
olhando o que lá vai, doce evangelho...

E que ficou? De tudo que é que existe?
Uma saudade langue... um moço triste...
Um moço triste? Ah! que mentira! Um velho!



FELICIDADE
Helena Collin

Por fazer-te feliz não me constranjo
em parecer-te excêntrica... ou vulgar.
Os meus tesouros de carinho esbanjo
sem prêmios nem louvores reclamar.

Sou capaz de ir ao céu na asa de um anjo
pedir a Deus a graça de perdoar
teus pecados de amor... E a lira tanjo
a teus pés, como um crente ao pés do altar!

Adivinho o que pensas e o que queres;
e, nesse amor, dando-te tudo, almejo
dar-te alto o amor de todas as mulheres.

E quando vier, um dia, a saciedade
apagar-te os incêndios do desejo,
terás de cada instante uma saudade!

  

O.M. (OLEGÁRIO MARIANO)
Helena Ferraz (“Álvaro Armando”)

Poeta, embora “imortal”. Produto fim de raça,
apesar de viver das rendas de um cartório
que o Getúlio lhe deu, justiça se lhe faça:
notário ele só foi, depois de ser notório.

Perpétuo sonhador. Soturno. Merencório.
Passam-se as gerações, mas seu verso não passa:
já nos tempos d'El Rei, soltando o palavrório,
recitava-o Sinhá, dos serões à luz baça.

Das cigarras é o dono, eterno e indiscutido.
Trata as ditas por tu, chama-as pelo apelido,
dos seus cantos de amor guarda-as no relicário.

Por isso é que o Adelmar pergunta, galhofeiro:
— Afinal, qual dos dois veio ao mundo primeiro,
a primeira cigarra ou o verso do Olegário?



BUCÓLICO
Heli Menegale

Rósea manhã de sol. Por essas matas,
neste noivado lírico em que estamos,
como duas crianças insensatas,
a sorrir, braços dados, nós entramos.

Tudo nos vinha dar lembranças gratas,
por onde quer que porventura andamos...
Ah! cicios de fontes e cascatas!
casquinadas de pássaros nos ramos!


Quanto amor! Quanto amor! Quantos extremos!
Quantas carícias mútuas, e o contrato,
as juras, os castelos que fizemos...

E cada beijo ardente que me deste
largava o aroma de uma flor do mato,
e tinha o gosto de uma fruta agreste.




FOLHA BRANCA
Hélio C. Teixeira

Olho-te atentamente, procurando,
no alvor de tua placidez tão fria,
o pensamento que me falta, quando
somente encontro uma expressão vazia.

Mas, folha branca, tudo revelando
ao meu olhar a solidão sombria,
nada me traz o bem que estou buscando,
nem consegue abrandar minha agonia.

De repente, no entanto, folha branca,
renasce e freme, novamente franca,
a inspiração que vem tornar-me aflito!

Pois, refletido em tua face, vejo
meu ser que vibra no maior desejo,
qual se fosses a porta do Infinito!




O MILAGRE
Hélio Chaves

Era inverno sem luz, sem vida e amor.
Uma tristeza imensa anoitecia,
como um sudário vivo de agonia...
Tudo chorava, tudo, até a dor!

Somente uma luzinha inda sorria,
acalentando a morte do esplendor.
Nem mesmo o mais alegre sonhador,
naquele inverno triste sonharia!

Inda sorria a pálida luzinha,
sobre a alva palidez da capelinha,
isolada no cimo de um outeiro!

E a luzinha cresceu... Lindo viveiro
de flores, de perfume e vida encerra!
São Francisco de Assis voltou à terra!




LEILÃO
Hermeto Lima

—"Ponho em leilão meu coração, senhores!
Quem dá mais? Quem dá mais?... Examinai-o:
ele está pleno de ilusões de Maio,
cobre-lhe a vida um estendal de flores.

Vede-o bem, fibra a fibra, perscrutai-o!
Nunca sentiu as truculentas dores,
pois dos ódios do mundo e dos amores
jamais na vida perpassou-lhe o raio.

Tem fé, tem crenças, tem bondade extrema...
Quem dá mais? Quem dá mais?... Vale um poema
a sua louca e nobre fantasia..."

— "Dou um beijo por ele". —"Feito o preço..."
E à mais formosa dama que eu conheço
assim vendi meu coração um dia.




GLÓRIA!
Honório Armond

Glória a quem sofre! Glória a quem padece
as torturas supremas do Ideal
e àquele que recolhe a ingrata messe
do Desespero atroz, do Ódio mortal!

Glória a quem, desprezando o rogo e a prece
que lhe possam trazer um Bem de um Mal,
não roga... não suplica... e nunca desce
do sólio do seu Eu — que é Sólio Real!

Glória a quem traz no coração sedento
de amor, esta Saudade indefinida
de Alguém que existe sem jamais se ver!

Glória a quem vai, no horror do isolamento,
ao Calvário, levando a Cruz da Vida
e a Coroa de Espinhos do Dever!

("Fon-Fon", 09.09.1916)



JÓIAS
Hugo Paulo

Numa vitrina de joalheria
cintilam jóias de beleza rara!
Trabalhos finos de ourivesaria,
pratas lavradas, pedraria cara!

Mas, o povo que passa, não repara
no ofuscante tesouro que atavia
o mostruário! E o joalheiro encara
sombriamente o azar daquele dia...

Dado momento, a moça do balcão
vai arrumar as jóias na vitrina
e, descuidada, inclina-se ao mister...

Já, frente à loja, há muita gente, então,
a entrever, no descuido da menina,
as mais sublimes jóias da mulher!...







I


A MORTE DO POETA
Idália Krau

De asas pandas, o pássaro da morte
rondava aquela noite de tristeza...
Implacável e frio, o vento norte
nossa casa açoitava com rudeza.

O corpo de meu pai, outrora forte,
jazia inanimado sobre a mesa...
Cada círio a queimar em seu suporte,
era a lágrima, a dor chorando acesa!

Finda-se a vida, mas, nem tudo finda,
e ao ler seu livro vi que existe ainda
o eterno coração de um grande esteta;

pois, sua alma cantando em cada verso,
é a doce afirmação, para o Universo,
de que é imortal a vida do Poeta...




CONVITE NOTURNO
Iéda Lage Passos Guaraná

Vem! Sigamos, pelo ermo das distâncias,
o destino da Noite! Entre as boninas,
desatemos em véus de seda, as ânsias,
no aconchego macio das neblinas!

Taça a taça, bebamos as fragrâncias
do amor celestial que me propinas!
Embriagados, sem voz e relutâncias,
no alvo leito de relva das campinas!

Como tochas de fogo, redentoras,
as estrelas, ardendo de desejos,
soltam murmúrios de almas pecadoras.

Vem! Que a aurora não brilhe nos espaços!
Quero ser machucada nos teus beijos,
quero ser esmagada nos teus braços!




FILOSOFANDO...
Inácio Moura

Tudo que vinha dos teus lábios era
uma ilusão perfeita, um puro engano,
pois o que dizes numa primavera
não podes repetir depois de um ano.

A vida é assim; o tempo degenera
e mata em pouco o sentimento humano:
se não nos alimenta uma quimera,
também não nos devora um desengano!

Ai de nós todos se, por nossa face,
como se a nossa dor fotografando,
constantemente a lágrima rolasse!

Mas, felizmente, a lágrima não corre,
não desce mais dos nossos olhos, quando
a dor persiste e quando a crença morre.




NÓS
Inocêncio Candelária

Brincávamos nós dois o dia inteiro:
Você, linda criança, eu pequenino,
num mútuo bem-querer, num verdadeiro
mundo de flores, plácido e divino!

Sempre juntos, você foi quem primeiro
ensinou-me, de um modo peregrino,
viver, amar, ser bom, ser altaneiro,
minha loura boneca de menino...

Depois fui para longe... A nossa dita
o tempo transformou. Deus assim quer!
Fiquei moço e você ficou mulher...

E mulher, mais mimosa, mais bonita,
você é ainda a mesma em meu destino,
minha loura boneca de menino!




MIRA
Isaac Cerquinho

—"Mira voltou!" — disseram-me sorrindo,
e eu fui, no mesmo instante, visitá-la.
Estava alegre na ridente sala
e os seus lábios de seda estavam rindo.

A doce voz, a delicada fala,
o espaço enchia de um prazer infindo.
E quem, no mundo, aquela voz ouvindo,
não desejava, em sonhos, adorá-la?

—"Mira morreu!" — disseram-me chorando,
e um sorriso divino soltou, quando
Jesus lhe abriu a sacrossanta porta.

Fui vê-la, embora morta, embora fria,
mas senti tanta dor, tanta agonia,
que, chorando, voltei sem vê-la morta.




FAZE DE CONTA...
Ivo dos Santos Castro

Faze de conta que eu jamais te disse
algo que te expressasse o meu amor;
faze de conta que, com tal meiguice,
de mim não mereceste um só louvor...

Faze de conta, enfim, que fiz tolice
em jamais exaltar o resplendor
da tua fascinante brejeirice,
que fez de mim um poeta, um sonhador...

Apaga da memória os meus lamentos!
Faze de conta que os meus sentimentos
calo-os por invencida timidez...

Embora saibas que és a minha amada,
faze de conta que eu não disse nada,
 ... e deixa-me dizer tudo, outra vez!





J


AS DUAS PALMEIRAS
Jacinto de Campos

Quando passo, buscando a humana lida,
a alma repleta de ilusões tão várias,
junto à velha choupana carcomida,
vejo duas palmeiras solitárias...

Uma a reverdecer... a outra caída,
num desmancho de palmas funerárias...
E, ao som da harpa do vento, a que tem vida,
saudosa plange salmodias e árias...

Ó tu, que me olvidaste no caminho,
meu coração deixando como um ninho
vazio e triste ao vento balouçando,

a saudade me diz, como em segredo,
que és a palmeira que morreu bem cedo
e eu sou aquela que ficou chorando...




GRATIDÃO
Jacy Pacheco

Eu te agradeço — e sem constrangimento—  
o bem que foste para mim: poesia,
rumor festivo em meu isolamento,
bravura ao coração que sucumbia.

Com a calma com que vejo, ao fim do dia,
o sol agonizar num céu sangrento,
também o teu silêncio eu pressentia:
eu esperava o teu esquecimento.

Um grande bem não dura a vida inteira,
hoje, voltando à antiga nostalgia,
desfeito o sonho da alma cancioneira,

posso te agradecer a caridade:
com as esmolas de amor que eu recebia
vivi momentos de felicidade.



GRANDE VERDADE
Jaime Ribeiro da Silva

Eu bem sei que não tenho esse direito
de olhar, sequer, para quem amo e adoro.
Meu amor tem o péssimo defeito
de ser mais puro que um cantar sonoro.

Estando juntos, sinto algo em meu peito
e, ao vê-la ir-se, vem o pranto e choro,
desesperado por não ser o eleito
de uma afeição que ao meu bom Deus imploro.

É uma loucura! Estou alucinado
só de julgar que ainda serei amado
por quem não pensa um só minuto em mim.

E, se tudo o que digo é uma verdade,
que haverá de esmagar-me até o fim,
guardo este amor só para ter saudade.



PÔR-DO-SOL
Jansen Filho

Resfolga a Natureza! Em convulsões tamanhas,
desce a gaze do céu envolvedora e fina...
O espaço esconde a luz da tarde nas entranhas
e sorve as emoções do dia que termina...

A cigarra desata um rasgo que fascina
entre as copas azuis das árvores estranhas!...
A tarde cede! O céu desmaia! O Sol declina
e tomba, ensangüentando a crista das montanhas!...

Espalham-se pelo ar as queixas mais sentidas
de bronzes a gemer na hora da Ave-Maria,
num dobre sepulcral de nênias repetidas!

Do côncavo do azul rola a sombra envolvente
e a grande procissão dos astros se inicia
para o enterro do Sol no mausoléu do Poente!



O TEMPLO
João Barreto de Menezes

Seja o templo qual for, diversa a crença,
um laço ignoto prende a humanidade.
Por mais que se mutile a liberdade,
mais brilha e surge com pujança imensa.

O direito, a razão não há quem vença,
por mais que o crime aos déspotas agrade...
Um homem tem horror à iniqüidade
e, apenas, luta, porque é livre e pensa.

Um galho em prol da lei faz-se floresta...
Esmagado um princípio, o homem protesta
e o protesto relâmpagos produz.

Há, no templo, esperanças e mistérios...
É que toda a riqueza dos impérios
não vale uma sandália de Jesus.




A PALMEIRA
João Dornas Filho

Sobre a areia escaldante e sob o sol a pino,
vagarosa lá vai pequena caravana...
Sopra ao longe, a bramir, o simum leonino,
ante a glória do céu azul de porcelana...

José guia o jumento amigo e pequenino,
que transporta Maria, a pálida betana...
A sorrir-lhe ao regaço, o Sagrado Menino
fita o céu sem travor dessa plaga africana...

Depois de palmilhar o intérmino deserto,
a caravana pára em descanso. Bem perto,
erguia uma palmeira o seu perfil hirsuto.

E Maria lhe diz, presa à fome e ao cansaço:
— "Vergai, ó tamareira, à altura do meu braço!"
E a palmeira vergou-se, ofertando-lhe o fruto...




MÃOS
João Rangel Coelho

As tuas longas mãos alvinitentes,
despetalando rosas ao luar,
são brancas, "como dois lírios doentes"
no lago emocional do meu olhar.

Meu triste amor!... Nas horas mais pungentes
da minha vidia boêmia e singular,
as tuas mãos de seda, transparentes,
teceram meu destino, a acarinhar.

Quando partiste, as tuas mãos esguias,
num derradeiro gesto de agonias,
tremularam de manso aos olhos meus

e, com saudade imensa e dolorida,
deixaram para sempre a minha vida
na balada tristíssima do adeus.



CÍRCULO
Joaquim Cardillo Filho

Primavera das flores, das canções,
de cantos a cobrir os laranjais,
em que bebem, sorrindo, os corações,
lindos sonhos em límpidos cristais...

O Verão dos ardentes madrigais
nas florestas... Cantigas de chorões
e cigarras; e tudo cresce mais
pelas tardes de lúcidos clarões...

Morno Outono das últimas lembranças,
em que os coqueiros aflam e as crianças
agitam e gemem hinos ao luar...

Tardo Inverno dos tristes e dos velhos,
em que os gritos de dor são evangelhos
no silêncio das noites a boiar...



PRISÃO DE AMOR
Jonathas Serrano

Não sei bem como foi, mas sei que um dia
tive do amor a prova esmagadora.
E, enfim, cheguei a ver o que não via,
e que eu julgava ser o que não fora.

Enquanto livre o coração sentia,
nele reinavas, única senhora;
e, se livre, gozava de alegria,
cativo, acho a prisão encantadora.

Eu me dizia, outrora, venturoso,
julgando só haver felicidade
da liberdade no supremo gozo.

Atinjo, agora, a derradeira meta;
esta prisão, que tira a liberdade,
torna a felicidade mais completa.

("Eu Sei Tudo", junho 1917)



ESSAS COISAS DA VIDA...
Jorge Azevedo

Essas coisas da vida a gente nunca esquece. ..
Um longo beijo ao luar... uma mentira linda...
Num suspiro de amor... num sussurro de prece,
guardar de toda boca uma saudade infinda...

E então quando se é moço e o ardor não arrefece,
goza-se a mocidade enquanto ela não finda...
Da vida bem vivida o ocaso recrudesce
a tristeza de não poder mentir ainda...

E a minha mocidade em beijos se avigora,
encontra em toda boca uma esplendente aurora
e em todo amor um sol em que, febril, se aquece...

E na efemeridade em que ela se resume,
o consolo é lembrar... lembrar... pois ao perfume
dessas coisas da vida a gente refloresce.




O LEQUE
Jorge Chaves Camacho

Toma este leque azul, de gaze fina,
todo enfeitado de mimosas flores,
e nessa tua estrada peregrina
leva-o contigo, amor, para onde fores.

Quando amanhã, por certo, outros amores
formarem, entre nós, densa cortina,
ele irá traduzir-te as minhas dores
e esta paixão fatal que me alucina.

Abre-o sempre, querida, e o vento brando
que ele roçar nesse teu rosto lindo,
como a querer dizer-te algum segredo,

será minha alma triste, soluçando,
acorrentada no deleite infindo
do nosso amor que se acabou tão cedo.



NOITE DE CONCERTO
Jorge Jobim

Esqueci-me de ti. Mas continua
viva a lembrança dessa noite fria:
Carros rodando, céleres, na rua...
Nem uma estrela no alto céu. Chovia...

Quase deserto o amplo salão. À tua
cinta uma rosa em fogo enlanguescia
sobre o rubro vestido. E alguém a crua
dor de Chopin, no piano, traduzia...

À saída, defronte ao claro espelho,
ajeitando ao toucado a echarpe, à antiga,
deste-me o lábio trêmulo e vermelho...

Vai tão longe essa noite! E eu te estou vendo
pelo meu braço, encantadora amiga,
as escadas de mármore descendo!...



SONETO
José Bartholota

À luz do claro sol americano,
sinto, no fundo de meu ser latino,
a tristeza de um jovem palestino,
atormentado pelo ideal humano.

Alma austera, meu pai, velho insulano,
de idéias claras e de gosto fino,
aclimatou-se em meu país, menino,
egresso do torrão siciliano.

Transfigurada pelo sofrimento,
minha mãe, luz dos sóis crepusculares,
lembra, no porte de rainha hebréia,

a força expressional e o sentimento
das imagens tranqüilas dos altares
e das santas mulheres da Judéia.


SAUDADE
José de Castro

Não digas, filho, que a saudade é linda.
Tampouco digas que essa bruxa é feia.
Viste, acaso, uma aranha, nova ainda,
tecendo fina e complicada teia?

Urdindo enredos, numa trama infinda,
ora desce, ora estaca, ora se alteia.
E nessa tessitura que não finda,
trança fios sutis e nos enleia.

A saudade, meu filho, também tece...
E, por tecer um aranhol perfeito,
é que ela com as aranhas se parece.

Com brando laço os corações aperta,
deixando uma tormenta em cada peito
e em cada peito uma ferida aberta!



O JUAZEIRO
José Firmo

Num desafio à cólera do vento,
à inclemência do sol, aos temporais,
ergue o juazeiro a fronde em movimento,
na ostentação das flores aromais.

Escalda a terra o sol do firmamento,
perdem folha por folha os matagais;
mas o juazeiro, heril, corno um portento,
mostra, virente, os ramos colossais.

Sob a fornalha do sertão ardente,
ele é, de tantas árvores, somente,
a que conserva a copa revestida.

Estanca as fontes d'água a seca infinda,
mas o juazeiro ostenta, em toda a vida,
o verde-louro da folhagem linda!



BOM-DIA, AMIGO SOL!
JG de Araujo Jorge

Bom-dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara!
Deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entra! Vem surpreendê-la quase nua!
Doura-lhe as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
que a sua carne é branca como a Lua!

Bom-dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho,
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito
de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!...




ELEGIA
José Milton Viana

Meu Deus, dizem que todos, nesta vida.
em meio a tanta dor, tanta amargura,
gozam, sempre, um instante de ventura
que lhes compensa toda a humana lida.

Esse momento, como essência pura,
no arder de uma lembrança — a mais querida —
perfuma a estrada em prantos percorrida,
e então nos segue até a sepultura.

Mas, e eu, Senhor?! Eu, neste sofrimento,
já sufocado em minha grande dor,
vivo esperando, em vão, esse momento.

Vejo passar, no olvido, a mocidade...
Eu morro, e Vos pergunto: e o meu, Senhor?
E o meu momento de felicidade?!


  
INSATISFEITO
José Nogueira da Costa

Lembro-me ainda. Quando, em meu caminho,
desabrochavam, ricas em essência,
as flores da meiguice e da inocência,
uma pessoa me inquiriu: — "Zezinho,

qual é teu ideal nesta existência?"
E ajeitando o cabelo em desalinho,
segredei-lhe no ouvido, de mansinho:
— “Crescer, ser forte, ter independência...”

E o tempo foi andando de carreira...
Cresci, sou forte, tenho autonomia...
Mas, se hoje ousassem me indagar: — "Nogueira,

podes dizer-me teu desejo ardente?...”
... Eu, com sinceridade, lhes diria:
— "Quisera ser menino novamente!"



A PAINEIRA DA FAZENDA
José Osvaldo de Araujo

Quando abril punha o pé florido na colina,
a paineira tomava o xale cor-de-rosa
e ficava a sorrir, imponente e garbosa,
com vaidades de moça e graça de menina.

Mas, em setembro, abria os casulos, ditosa,
e o vento lhe espalhava os flocos na campina...
Vinham, então, colher com zelo a paina fina
para a cama de alguém, que era alegre e formosa.

Ora, uma noite, ao luar, sentado no terreiro
da fazenda, depois de finda a rude faina,
cismava apaixonado um moreno campeiro...

E dizia baixinho, a chorar de emoção:
— “Quem me dera que eu fosse a almofada de paina,
para ouvir o que sonha a filha do patrão!...”



PRECE
José Pereira Marcondes

Senhor, meu Deus! Que, num deslumbramento,
meu espírito manso e cristalino,
purificado pelo sofrimento,
saiba sorrir às pedras do destino!

Meu Deus! Que eu possa, ao menos num momento,
sentir a luz de Vosso olhar Divino,
e que ela traga sempre um novo alento
a mim, que sou tão fraco e pequenino,

igual a um grão de areia no deserto,
como uma gota de água nos oceanos...
Por fim, para que eu siga o rumo certo,

da pátria azul da glória sempiterna,
cegai-me os olhos para os bens mundanos
e iluminai-os para a vida eterna!





A ESTATUETA
José Simões

Entre os almofadões do canapé, a um canto
da saleta, o marido, um velho obeso e alvar,
bocejando percorre uma gazeta, enquanto
a esposa juvenil borda ou fica a cismar...

No ambiente põe o lustre um leve tom de helianto.
Que contraste apresenta esse curioso par!
Da primavera em flor ela traduz o encanto,
ele a desolação de um inverno polar...

"Filha, vamos dormir". — Até que ele se mova,
se erga, e os óculos guarde, a esposa sonha... A alcova
não a atrai, nem seduz. Bate o relógio as onze.

No consolo, ao passar, vê o Apolo desnudo,
a fitá-la e a sorrir ao seu desejo mudo,
na beleza pagã dos músculos de bronze...





A ÁRVORE
Joubert de Araujo Silva

De um galho daquela árvore copada,
de larga sombra e tronco centenário,
foi feita um dia a grande cruz pesada
para o suplício ignóbil do Calvário!

Morto Jesus, nas sombras embuçada,
como se fosse um monstro solitário,
ela pediu a Deus, inconformada,
perdão para o seu crime involuntário!

E Deus, que é o grande Pai Onipotente,
Deus que é justo, que é bom, Deus que é clemente,
parece ter-lhe ouvido as preces mudas...

E viu-se na árvore, ao raiar do dia,
preso a uma corda, um corpo que pendia:
era o corpo sacrílego de Judas!



DIVINA MENTIRA
Judas Isgorogota

Pobrezinha da mãe que teve um filho poeta
e o viu cedo partir para as bandas do mar...
Nunca mais que ele volte à mansão predileta,
nunca mais que ela deixe, um dia, de chorar...

É como a água de um lago, inteiramente quieta,
a alma de toda mãe que vive a meditar:
o mais leve sussurro é-lhe um toque de seta,
a mais leve impressão basta para a assustar...

Eu, por sabê-la assim, quando lhe escrevo, digo:
— "Minha querida mãe, não se aflija comigo.
Eu vou passando bem... Jesus vela por mim...”

É que assim, ela  — a humana expressão da bondade —
contente por saber que vou sem novidade,
jamais há de pensar que eu vá mentir-lhe assim...



L 

IN SOLITUDINE
Leão de Vasconcelos

Quando o jardim se ensombra e a noite desce,
deste fogo, que em vão julguei sepulto,
sinto que a extinta chama reaparece...
E o incenso em espirais sobe a teu culto...

Desde que vi o teu sereno vulto,
vivo assim, de mãos postas, numa prece!
Mas, enquanto por ti anseio e exulto,
teu corpo — imenso lírio — alto, floresce.

Passaste em tua glória e não me viste,
e hoje até mesmo do meu ser prescindo
para rever-te o olhar sereno e triste.

E, por te desejar numa ânsia louca,
à noite sonho que tu vens, sorrindo,
povoar de beijos minha fria boca...



A ESTRADA DA MINHA ALDEIA
Lécio Gomes de Souza

A estrada que conduz à minha aldeia
é um festival de coros orquestrais:
desde manhã à noite vive cheia
de etéreos sons e ternos madrigais.

Na retesada cerca, que a margeia,
cinco fios são pautas musicais;
recurvos ramos, claves em cadeia;
e notas vivas, os botões florais.

Se o vento sopra, arpejos arrancando
das cordas tensas nos mourões cravados,
há sonatinas sob o céu pairando...

O concerto, em crescendo de harmonia,
invade os bosques, chega aos descampados
e se dilui em tênue melodia...



O SORRISO DA VIRGEM
Leonardo Henke

Quando ele, outrora, louco, em desatinos,
a perturbar as ruas do povoado,
cantando as percorria, embriagado,
zombavam dele todos os meninos.

Contam que o pobre, certa vez, guiado
pelo festivo badalar dos sinos,
na velha igreja entrou, onde aos divinos
mistérios assistiu, maravilhado...

A paz do templo, a terna luz dos círios,
suavizavam-lhe os íntimos martírios;
mas, quando o olhar à Mãe de Deus alçou,

vendo que a Virgem, meiga, lhe sorria,
em prantos, murmurou: — AVE, MARIA!
e, arrependido, nunca mais pecou.



A LOUCA
Leonete de Oliveira

... E ela ria e chorava, a pobre louca, e ria
apertando, com fúria, em seus braços mirrados,
o filhinho faminto, os olhos desvairados,
num abraço fatal como a própria agonia...

E ela, a doida, cantava, e a cantar não ouvia
do filho os tristes ais, de fome, angustiados,
e aperta-o mais e mais contra os seios fanados,
e ele frio e gelado em seus braços morria!

Num olhar onde o amor ainda solta lampejos,
olha a criança a sorrir, enche de doidos beijos
o seu rosto já frio e os seus olhinhos baços.

E inconsciente a esperar que ele acorde, baixinho
vai cantando a canção de amizade e carinho,
o cadáver do filho embalando nos braços!



GÓLGOTA
Leopoldo Braga

Subo, pausadamente, o Gólgota da vida,
e da turba em delírio o praguejar escuto.
Mas trago o riso à flor do lábio, e o olhar enxuto,
e o coração sereno, e a larga fronte erguida.

Se, às vezes, me fatiga o esforço da subida,
se a coragem fugaz me abandona um minuto,
flagela-me, impiedoso, açoite rijo e bruto
a alma, toda a sangrar numa rubra ferida!

E, ao fim, se alguns de vós as opulentas flores
desfolhardes, talvez, de espontâneos louvores,
sobre o ingrato estendal dos meus árduos caminhos,

mil novos fariseus, numa acerba lisonja,
hão de levar-me à boca a envenenada esponja
e cravar-me na fronte a coroa de espinhos!



MINHA IMAGINAÇÃO
Lia Corrêa Dutra

Minha imaginação é uma abelha doirada
zumbindo, ébria de luz e tonta de calor,
que, asas abertas na alegria da alvorada,
voa de sonho em sonho, em vez de flor em flor...

Minha imaginação é uma lira encantada
que, vibrando em canções de esperança e de amor,
vem banhar de harmonia a minha alma extasiada,
inundando de sons o meu mundo interior...

Minha imaginação é um livro de figuras,
contendo ilustrações magníficas, estranhas,
que eu viro, folha a folha, em doce encantamento.

Minha imaginação é a nuvem que as alturas
galga no espaço infindo, acima das montanhas,
e consegue atingir o azul do firmamento...



A CASA ONDE NASCI
Lilinha Fernandes

Era minha esta casa. Eu a conheço...
Janelas amplas... larga porta... a escada
por onde agora em pensamento desço
para ver como nasce uma alvorada.

O laranjal cheiroso, o mato espesso...
O poço onde era a roupa bem lavada.
No pátio, bem no centro, eu não me esqueço,
a amendoeira por meu pai plantada.

Dava guarda ao portão um jasmineiro
que de flor se vestia o ano inteiro
e hoje está triste e velho como eu.

Casa velha! deixaste de ser minha...
Assim, tudo que amei, tudo que eu tinha,
deixou, há muito tempo, de ser meu!



NATAL
Lindolfo Gomes

Nas noites de Natal, na minha infância,
tinha brinquedos nos meus sapatinhos,
que um Anjo transformava em doces ninhos,
iludindo-me a ingênua vigilância.

Do nosso lar na idolatrada estância,
a mesa cheia de iguarias, vinhos...
Minha alma respirava a sã fragrância
dessas flores silvestres dos caminhos.

Agora, no Natal desta velhice,
seguindo a vacilar por ínvios trilhos,
arrasto os sapatões, ao léu do fado...

Mas me revejo em plena meninice,
ao ver, nos sapatinhos de meus filhos,
meus brinquedos, meus sonhos, meu passado...

  

O SURDO-MUDO
Lola de Oliveira

Tu não ouves a voz da mãe querida,
a tua mãe humilde, pura e santa;
o uivar do vento, a música dorida,
nem o trinar do pássaro que canta.

Trazes a boca morta em plena vida
e o túmulo dos sons tens na garganta;
não tiveste a palavra proferida...
És mudo como a pedra, como a planta.

Será castigo o teu destino triste?
Quanta bondade no teu peito existe,
que vai morrer nessa garganta rouca!

És bem feliz, embora incompreendido!
Não ecoa a mentira em teu ouvido,
nem te sai a calúnia pela boca.



IPÊ-ROSA
Lúcia Fadigas

Belo ipê-rosa na colina impera...
É árvore fidalga e donairosa,
que se embelece na estação radiosa,
cobrindo-se de flor na primavera...

Mas, quando vem o outono, ela, saudosa
de seus enfeites, geme e se exaspera,
pois todo o colorido que tivera
é, agora, uma lembrança cor-de-rosa...

Também nossa alma se embelece em criança,
de uma viçosa copa de esperança,
sem prever, nessa vida, o desencanto.

Mas vem chegando o outono, indiferente...
E em nossos lábios resta, tão-somente,
o gosto amargo que nos vem do pranto.



O REBELDE
Lúcio de Mendonça

Ei-lo — é um lobo do mar: numa espelunca
mora, à beira do Oceano, em rocha alpestre;
ira-se a onda e, qual tigre silvestre,
de mortos vegetais a praia junca.

E ele, encarando como um velho mestre
o revoltoso que não dorme nunca,
recurva o dedo — garra forte e adunca —
sobre o cachimbo, único amor terrestre.

E então assoma-lhe um sorriso amargo...
É um rebelde também, cérebro largo,
que odeia os reis e os padres excomunga.

À noite dorme sem rezar: que importa?
Enorme cão fiel, guarda-lhe a porta:
— o velho mar soturno que resmunga.



PROCISSÃO DE VAGALUMES
Luiz Almeida Teixeira

Quando o sol adormece na distância
e no silêncio a tarde se esvazia,
cintila o vagalume em rutilância,
resplendendo de luz a ramaria.

Colhe da flor a cálida fragrância
e se incandesce em singular magia...
Lanterna acesa em doce vigilância,
até que acorde a aurora de outro dia.

Depois se esconde pela mata agreste
e, apagando a candeia azul celeste,
vai sonhar entre flores e perfumes.

Chegando a noite, a tarde empalidece,
e nascem luzes acendendo a prece
na procissão azul dos vagalumes...



O PERFUME DA MIRRA FAZ-ME MAL...
Luiz Guimarães Filho

O perfume da mirra faz-me mal...
Põe na minha alma um bem que estava ausente,
mas vem queimar-me o corpo, febrilmente,
como ao deitar a água sobre a cal...

E então, nesse momento, unicamente
a matéria me atrai... Como um chacal,
rujo, se o meu olhar, febril e ardente,
descobre, nu, um corpo sensual...

E é por isso, mulher, que eu sofro e choro!
É por te ver, ó meu ideal que adoro!
É por te ver em sonhos perfumados!

Mas, que ventura me perfuma o peito,
quando te aperto, no espaldar do leito,
ouço gemer dois pombos esmagados.




SUPREMA GLÓRIA
Luiz Otávio

Bem sei que com razão nós reclamamos
por tudo o que roubou de nós a Vida
— a Primavera sem florir os ramos...
e o Amor —, Ventura apenas pressentida...

Bem sei que muito tarde nos amamos,
mas com tal força e ardor, minha querida,
que as dores e as angústias que enfrentamos
tornam minha alma à sua mais unida!

Bem sei que, como poucos, nós sofremos
e que a Sorte tem sido tão mesquinha,
mas a Esperança é Luz que não morreu...

Nesta glória, em silêncio, guardaremos:
ninguém, no mundo, foi assim tão minha,
ninguém, na vida, foi assim tão seu...




À MINHA MÃE
Luiz Pistarini

Morta sublime! Ó minha Santa Morta!
Há quanto tempo já que te pranteio!
Que o teu carinho me não mais conforta,
nem mais me abrigas no teu casto seio!

Ah! lembro-me ainda bem! segundo creio,
pequenino, eu brincava ao pé da porta;
e, ao ver-te no caixão de flores cheio,
mãe! nem sonhava que estivesses morta!

Mas um dia passou... um mês... um ano...
e dois... e três... e mais... e, ó desengano!
nunca mais me beijou teu lábio amigo!

Não te vi nunca mais! E, na orfandade,
clamo, agora, nas trevas, com saudade:
— Mãe! por que foi que não morri contigo?...




SUAVE MILAGRE (lendo Eça de Queiroz)
Lyad de Almeida

Em um velho casebre abandonado,
débil mulher o filho pequenino,
pobre filho que, triste, em desatino,
ouve implorar de febre alucinado:

— "Minha mãezinha, estou esperançado...
Um mendigo nos disse que um Rabino
capaz de curar qualquer menino,
dar luz ao cego, alívio ao desgraçado.

Ah! Se a senhora fosse procurá-Lo"—
— "Mas, filho, como? Sétimo buscá-lo
por toda parte, em vão fez seus soldados

e assim, também Obé e os potentados"...
— "Então, onde Ele está, mamãe, diz onde?...
E Jesus lhe surgindo: — "Aqui!" — responde.



M

MEU FILHO
Márcia Valyna

Não esperes que a Vida te ofereça
em bandeja de prata, o talismã
que te eleve ao poder e te enalteça
na luta inglória, na conquista vã!

Nem permitas que o esforço te esmoreça!
Sobe aos céus, desce ao mar com o mesmo afã!
e, antes que a luz maior desapareça,
planta a flor para o trigo de amanhã!

Sonda, examina, escolhe os teus caminhos!
É sempre falsa a voz dos burburinhos
que na inércia e no tédio se consomem.

Escava a tua fonte em rocha viva,
prova o teu sal, acende a luz votiva
e sentirás o orgulho de ser Homem!



CANÇÃO DE QUERER-TE MEU
Maria da Conceição Pires de Mello (Manita)

Eu quero as tuas mãos queimando incenso,
para a aleluia dos meus braços nus;
quero-te todo e toda eu te pertenço,
quero os teus olhos para crer na luz.

Quero os teus passos no caminho imenso,
para aonde o sonho os passos meus conduz;
quero o que pensas, cada vez que penso,
quero os teus ombros para minha cruz!

Quero-te, sim, com tal intensidade,
e tem tanto este amor de eternidade,
quanto de ti eu sei que existe em mim;

quero o silêncio do que tu não dizes,
e quero a dor das tuas cicatrizes,
quero-te meu, até depois do fim!

  
MEU CÉU
Maria Eugênia Celso

És para alguns a fúlgida certeza
de outra vida vivida em perfeição,
uma esperança de compensação
ao velho mal de toda a natureza.

Felicidade, sem a atroz surpresa
do amanhã destruidor, eterna união,
recompensa, esplendor, paz e perdão,
luz sem ocaso em formosura acesa...

Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura
do sonho de ventura em que me assombro
e meu quinhão de glórias entesoura,

céu que um reflexo de saudades doura,
seria se, de novo, no meu ombro,
pousasses, filho, a cabecinha loura.


SONHO DE CRIANÇA
Maria Idalina Jacobina

Eu era bem pequena e,  em meus pedidos
que fazia, nas horas de orações,
rogava ao Deus que ampara os corações
fosse Ele, ao meu segredo, todo ouvidos!

Suplicava, do céu, as atenções
para os pequenos não compreendidos...
E me via, nos sonhos coloridos,
voando, como em plácidos balões...

Na doce prece que eu, então, fazia,
— tão serena e feliz, eu Lhe pedia
que pudesse o meu sonho realizar!

Criança que era, então — sem compreender,
eu queria uma noite só, viver
entre as nuvens banhadas de luar!

  
A UM INDIFERENTE
Maria José Aranha Rezende

Nesses teus olhos vagos, distraídos,
nesse teu ar distante, indiferente,
nessa apatia assim dos teus sentidos
que parecem dormir profundamente,

nessa frieza com que os teus ouvidos
ouvem o grito deste amor ardente,
nesses teus braços calmos, desprendidos,
que nunca me cingiram ternamente,

nessa ausência completa de desejo,
nessa boca que foge do meu beijo,
é que reside o teu maior encanto...

Se o teu amor ao meu amor viesse,
se essa felicidade eu conhecesse,
talvez... talvez não te quisesse tanto!

  
FANTASIA
Maria Nascimento Santos

Meu sonho era fazer versos um dia...
E quando, às vezes, triste me encontrava,
fingia que chorava de alegria,
quando era de tristeza que eu chorava!...

E percebi que até numa poesia,
que entre lágrimas tristes me brotava,
como um divino toque de magia,
mesmo sofrendo, assim, me reanimava!

Foi tudo em vão, porque, fazendo versos,
eu nem notei que os meus sonhos dispersos
transcendiam meu mundo pequenino.

E, na angústia de quem sempre sofreu,
então, pergunto a Deus por que me deu
um sonho bem maior que o meu Destino...


 MARINHA
Maria Sabina

Quando, na beira azul do Oceano infindo,
entre o coral e a concha nacarada,
pela primeira vez viste, sorrindo,
dos meus olhos a luz vaga e magoada;

tua tranqüilidade foi fugindo;
ficavas pensativo na amurada
e eu, presa ao teu olhar, num sonho lindo,
à meia voz cantava uma balada...

Depois, tu me esqueceste. E sobre a praia,
quando, ante o Oceano esplêndido e infinito,
vejo a espuma ligeira que se espraia,

fico a cismar, no sonho que me enleia,
que eu gravei o teu nome no granito,
que escreveste o meu nome sobre a areia...

  
CONTEMPLAÇÃO
Maria Thereza Cavalheiro

O céu hoje parece um campo aberto,
todo de ovelhas mansas pontilhado...
O vento pastoreia, rumo incerto,
o seu branco rebanho, leve e alado...

O firmamento tem mais luz, por certo,
nesse esplendor azul de que é tomado,
para dar a impressão de que está perto
de nós o Ser Criador por nós amado.

Quantos segredos, quantos, que a razão
dos homens não consegue desvendar:
o mar, o céu, as matas — amplidão!

Esplêndida, infinita de beleza,
pudéssemos um dia revelar
as misteriosas leis da natureza!
  

RECEITA PARA O AMOR
Marina Tricânico

Uma xícara cheia de alegria,
mais outra transbordante de esperança.
Um copo da mais pura simpatia
e uma colher de chá de confiança.

E para equilibrar a caloria,
tempere ao lado, assim esta aliança:
umas gotas, não tanto em demasia,
de malícia, inocência e desconfiança.

Do ciúme, acrescente uma pitada,
que não faz mal em dose limitada.
E um punhado de sonho e de doçura.

Na fôrma do seu rubro coração,
ponha tudo a cozer com devoção,
e sirva em taças quentes de ternura.

  
IMPOSSÍVEL
Mariná de Moraes Sarmento

Passaste como passa uma aventura,
ficaste como fica uma saudade;
irás como quem busca a eternidade,
guardei-te como sonho de ternura!

E que dizer do quanto de doçura
deixaste em mim com tal sinceridade?!
E que dizer de ti, se é só verdade
o quanto que me deste de candura?

Não te perdi, porque tu não viveste
o mundo de ilusão, que em mim prendeste,
e perderia se jamais guardasse

o que jamais de ti esqueceria;
e assim passando, nunca chega o dia,
que te esquecendo, teu amor voltasse!

  
IDEAL
Mário Augusto Barreto

Amor, eu só compreendo esse que nasce
sem a gente querer, sem ter razão;
o que se nota apenas pela face,
no sorriso, no olhar, numa expressão.

Amor, eu só compreendo esse que enlace
um coração com outro coração;
que faz com que na vida ninguém passe
pela amargura de viver em vão.

Amor, eu só compreendo esse que anseia
dar fruto e flor no afeto que semeia
pelas vidas que uniu na mesma estrada.

Amor, que fortaleça a Fé e a Crença,
que encontre em si a própria recompensa
de ser amor, um grande amor, mais nada...

   
A CASA DE MARÍLIA
Mário de Lima

Aqui morou, Julieta ouropretana,
Marília, a noiva do Romeu Gonzaga:
ontem, ninho de amor que se engalana;
hoje, um convento onde a paixão se esmaga.

De seus quartos e salas ainda emana
o doce eflúvio da afeição pressaga;
e em torno da roupeta franciscana,
um par de sombras carinhosas vaga.

Foste um convento, desde o dia triste
em que (preso Dirceu), na escura cela,
da mágoa a noiva carinhosa viste...

E, alheia à circunstante alacridade,
recolheu-se a sonhar Marília bela,
Freira do Amor no claustro da Saudade!

  
ESTALACTITES
Mário Mendes Campo

De gota em gota, como em urna de cristal,
a água que cai da gruta enregelada cresce,
e se solidifica, alastra, e, aos poucos, tece
a estalactite, flor do reino mineral.

E, nesse ambiente frio, a concreção floresce,
e, dia a dia, ganha um rebento floral;
e aumenta, avulta, brilha; ora sobe, ora desce,
no faiscante matiz de uma palheta irial...

Também no coração, que é gruta escura e fria,
o sonho sói tecer um véu de fantasia,
que forma a concreção cristalina do Amor...

É a estalactite dalma, a rútila miragem
que às vezes nos conduz e transforma a viagem
em plácido vergel a rebentar-se em flor!

("Fon-Fon", 30.09.1916)

  
VIAGEM NAS ASAS DO ÊXTASE
Mário Peixoto

Já nos vejo, querida, transportados
às alturas do amor, livre e sem peias,
despedaçando todas as cadeias,
de todas as reservas liberados.

Há torrentes de lava em minhas veias,
para tanger meus nervos encrespados;
e as chispas nos teus olhos irisados
fazem dos astros míseras candeias.

Gravitando no espaço onde os amantes,
mais puros e mais leves do que dantes,
conseguem sublimar a própria vida,

nós dois, mortais felizes e sedentos,
ao menos na explosão de alguns momentos,
teremos ido à Terra Prometida.

  
ARREPENDIMENTO
Miguel Russowsky

Um por um, os meus sonhos nesta vida,
despi no andar do tempo modorrento,
qual árvore esfolhada pelo vento
numa tarde outonal, entristecida.

Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida
à procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento,
destroços de minha alma enrijecida.

E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
tropeço em meus pedaços pela estrada,
com saudosa visão aqui e ali.

Não mais me iludo, e essa descrença atesta
que passarei o tempo que me resta
recolhendo os pedaços que perdi.

  
COROA DE ESPINHOS
Modesto de Abreu

Ei-lo, o Cristo que passa. A Via Dolorosa
vai palmilhando, ao peso ingente do madeiro;
vergastado, cuspido, escala o íngreme outeiro...
Sangra-o essa coroa. E a turbamulta goza!

Um caniço, ainda há pouco—irrisão afrontosa
na mão sustinha. E até o beijo derradeiro
proviera de um infame ajuste de dinheiro;
era indigno sinal de uma traição odiosa.

Beberá fel. Será pregado nessa cruz.
Vede: um rastro de sangue — uma esteira da luz
ficou, riscando a rubro a areia dos caminhos!

Perseguido do mundo, eu também vou na vida
arrastando uma cruz, e levo a alma ferida
dos rasgões que lhe abriu a coroa de espinhos.

   
SINOS DA TARDE
Murillo Fontes

São seis horas da tarde... são seis horas!
Vibram nos ares carrilhões divinos!
Por que sofres minh'alma, por que choras
pela tardinha, ao repicar dos sinos?

São seis horas... e eu sei... Tu não demoras...
Dentro em breve chegavas... mil violinos
cantavam no meu peito como auroras
a bendizer os nossos dois destinos!

São seis horas... meu Deus! Quanta harmonia,
duas vidas vivendo uma só vida
na glorificação de um grande amor!

São seis horas... eu rezo... morre o dia!...
Que saudades de ti, minha querida!
— Sinos da tarde, cessem por favor!



N

RECORDAÇÃO DA INFÂNCIA
Nabor Fernandes

Saí pela manhã... O sol se erguia
no píncaro do monte descalvado:
a brisa matutina sacudia
levemente o capim do verde prado.

Parei junto a uma casa: parecia
do tempo de menino descuidado,
ouvindo a juriti que desferia
seu canto doloroso e compassado.

Não posso definir o sentimento
que da alma se apossou, nesse momento!
Vi minha mãe, lembrei de seus carinhos,

vi meus irmãos, a casa, a relva, o monte,
o mesmo sol se erguendo no horizonte,
cantando no arvoredo os passarinhos!
  

ROSÁRIO DA SAUDADE (IV)
Nelson de Araujo Lima

Por que partiste, quando me chegava
esta felicidade fugidia,
que ingenuamente sempre eu procurava
e cheio de ilusões eu perseguia?...

O sonho deslumbrante, que eu sonhava,
guardava essa ilusão que me iludia.
Pois hoje eu sofro, mais do que sofria,
e choro muito mais do que chorava!...

A estrada longa é mais deserta, agora
que volto a ser aquele peregrino
de olhos profundos que encontraste outrora...

Fugindo sempre ao tédio que me assombra
corro sozinho para o meu destino,
abandonado pela própria sombra!

  
SÚPLICA
Nicolau Lopes de França

Horas mortas. Silêncio. Calma em tudo...
A terra dorme sob o firmamento,
à luz dos astros. Nem sequer o vento
sibila no arvoredo. O bosque é mudo.

E eu fico a meditar, e cismo e estudo,
e espreito, e vejo, enfim, que em tal momento,
só não dormem, talvez, meu pensamento
e as inúteis razões de que me ajudo!

Ó Criador desta existência aflita,
já que, assim, sob a cúpula infinita,
a própria Natureza tu confortas,

dá-me descanso, paz, sossego, calma,
para que, pelas noites de minha alma,
haja, também, algumas horas mortas.


TARDE DE AGOSTO
Nicolino Ferrari

Tarde morna de agosto. O céu, como um sudário,
parece de tristeza e de saudades feito.
Geme, distante, bem distante, um campanário...
Que hora de funda mágoa a nos cruciar o peito!

Estende-se à amplidão o olhar insatisfeito,
além, de aves vislumbra um bando solitário...
No ocaso, o rubro sol, em seu mortuário leito,
e um rubi jamais visto, imenso, extraordinário!

Nem sequer do arvoredo a esmaecida coma
balouça a brisa mais sutil e, em mansuetude,
adormece a floral campina policroma.

.....................................................................

Avança, agora, a noite em sua plenitude...
E, das trevas quebrando as algemas, assoma
a merencória lua espiando num açude!



CASA GRANDE
Nilo Aparecida Pinto

Minas Gerais (1917-1975)

A Casa Grande, na fazenda, eu via
abrindo ao sol, com modos patriarcais,
o alpendre, onde meu pai lia e relia
"A Morgadinha dos Canaviais"...

Ficava ao pé da serra, em que eu ouvia,
naqueles dias calmos e rurais,
a cachoeira que, a saltar, gemia,
como eu a dor do que não volta mais.

Meu pai envelheceu. Desfez-se a casa.
Nem ele mais sua bondade expande,
porque a morte o levou, num rufio de asa...

Mas, se o procuro — o seu amor me atrai —,
parece ainda maior que a Casa Grande
a sepultura estreita de meu pai!...

  
A VOZ AMIGA
Nilo Bruzzi

— “Tu que passaste a vida sem roseiras
que dessem flores para perfumá-la;
tu que tiveste sombras agoureiras
que emudeceram sempre a tua fala;

tu que desceste mudo as cordilheiras
de teu sonho — gigante cor de opala;
que sozinho choraste horas inteiras
por entre a pompa, a graça, o brilho, a gala;

toma o meu braço carinhoso e amigo
e caminhemos com tranqüilidade,
toma o meu braço e eu morrerei contigo...”

— Parei diante da sombra triste e esguia...
Era a voz compassiva da Saudade
que estas palavras mansas me dizia...

  
O PEQUENO JORNAL
Nóbrega de Siqueira

Sempre que abro e releio o livro do passado
aos meus olhos ressurge um pequeno jornal,
modesto e sem clichês, feio e mal paginado,
gazeta do interior, simples, dominical.

Nunca teve, de certo, um número esgotado;
sua circulação era apenas local.
Chamava de excelência o juiz e o delegado
e abria com um soneto a "crônica social".

Apesar disso tudo, é com grande saudade
que dele me recordo e também da cidade
bucólica e tranqüila, onde, há tempos, nasceu...

Ruas sem movimento, a escola, uma igrejinha,
a farmácia da esquina... A cidade era a minha!
A mais linda do mundo! E o soneto era meu...

  
NOVA ESPERANÇA
Noel Bergamini

Por que não vive, sempre, o mundo em festa,
lembrando as aves, ao romper do dia,
quando cantam no seio da floresta,
com o mesmo brilho de uma sinfonia?

Se houvesse, em nossa vida, mais poesia,
nunca seria, a vida, assim, funesta,
porém, uma cascata de alegria,
com toda a graça e a paz de uma seresta.

Desejando sorriso e não desgosto,
sem ver a dor, marcando tanto rosto,
eu deixo, à Humanidade, o meu adeus.

E ao descobrir, na Terra, o próprio Inferno,
e não sentindo, mais, o amor fraterno,
quero morrer para falar com Deus!...

  
CONVERSANDO COM ESTRELAS
Noemise Machado França Carvalho

Olhava andar no céu pequena estrela aberta,
no escuro azul remando o barco pequenino.
Foi quando, em mim descendo a rósea chama esperta,
a estrela entrelaçou ao meu o seu destino.

E vindo de tão longe, uma ilusão desperta:
Acreditei no amor, brinquedo de menino.
Quis ter a claridade em minha estrada incerta,
ter o meu andor, embora pequenino.

Viveu comigo a estrela, em noite côr-de-rosa,
em madrugada azul ou tarde mais chuvosa.
Comigo, não chorou o céu de onde descia.

Na vida fui feliz!... Chegando um certo dia,
a estrela disse adeus e em pranto me deixou...
Que posso mais fazer, se a vida se acabou?

  
SUBLIME LENITIVO
Nordestino Filho

Deixando o lar, em plena mocidade,
nessa quadra risonha e inesquecida,
partira em busca da felicidade
— sonho, ilusão, quimera inatingida...

Quanta luta, meu Deus! Quanta maldade
atapetando a senda percorrida!
Quanta surpresa má — fatalidade,
reservou-me o destino nesta vida!

Julgo-me às vezes, muito menos triste,
sinto menos a dor que me magoa,
quando me lembro, ó Mãe, que ainda existe,

distante embora, muito longe, enfim,
uma velhinha muito terna e boa,
que não se esquece de rezar por mim.

  
CORAÇÃO DE GELO
Nuto Sant’Ana

Chego. Beijo-te a mão. E volves-me o teu rosto
num gesto insultador que me abate e contrista.
Negas-me a tua voz e o teu olhar, composto
de brilhos de tristeza e brilhos de ametista.

E então, no íntimo ardor de um oculto desgosto,
fico a pensar em ti, que enches a minha vista
e enches meu coração de um sonho de conquista
que nasce de manhã e que morre ao sol-posto.

Alma transcendental! teu orgulho, no entanto,
hei de ainda domá-lo, hei de ainda vencê-lo,
ou por bem ou por mal, com beijos ou com pranto...

Hás de chorar ainda, arrependida e em zelo,
que eu tanto hei de fazer, hei de adorar-te tanto,
que um dia hei de aquecer-te o coração de gelo!

  
MINHA LEI
Octávio Venturelli

Venho de Zambi, Pai Onipotente,
e de Oxalá, o Rei maior da Umbanda,
e de meu Pai Xangô, do sol nascente,
da pedreira, e dos raios que comanda.

Sou filho dessa Oxum bela e potente,
faz do amor as armas da demanda.
Senhora universal da água corrente
sentada está no trono de Aruanda!

Para seguir tranqüilo a minha estrada,
levo também a proteção firmada
da Orixá do trovão, lansã querida.

A todos querer bem é minha sorte!
E assim eu hei-de ser até que a morte
venha mostrar-me o rumo de outra vida...
  

NO HOSPÍCIO
Oliveira Martins

Era uma doida alegre e descuidada.
Jamais a viram triste ou desgostosa.
Pendia-lhe dos lábios cor-de-rosa,
freqüentemente, a flor de uma risada.

Muias vezes, à luz já desmaiada
do sol do ocaso, tímida, medrosa,
sentava-se a cantar uma saudosa
cantilena de amor, doce e magoada...

Quem sabe o que ela fora antes de louca?
Nunca lhe pude ler sobre o passado,
nada logrei lhe ouvir da própria boca.

Sei que um dia, por entre o gradeado
desse hospício, chorava com voz rouca,
ao ver passar um carro de noivado...

  
NEVE
Oliveira e Silva

Hei de sentir uma ternura grave,
qualquer cousa de pausa na descida,
quando te surpreender compondo suave
a bela cabeleira embranquecida.

Talvez o outono seja a grande chave
perfeita e luminosa desta vida,
em que, mãos postas, murmuramos —  Ave,
Ventura, colho-te amadurecida!

Há, no outono, um sabor de cachos de uvas
que provamos tranqüilos, só de vê-los
rebrilhantes, lavados pelas chuvas.

Deve ser muito doce e manso, ainda,
sorridente, ao tocar os teus cabelos,
dizer-te: Como a neve te faz linda!

  
DERROTA
Orlando Cavalcanti

Caminheiro de aspérrimas jornadas,
deixei um dia a minha triste aldeia.
Tostei-me ao sol de todas as estradas,
ajoelhei-me ante o altar da lua cheia.

Às mentiras de luz das madrugadas,
da derrota beijei o pó e a areia.
Mas, nas surpresas das encruzilhadas,
uni a minha dor à dor alheia.

E eis-me, afinal, no píncaro do monte!
E a perscrutar na fímbria do horizonte
os roteiros incertos de meus passos,

só vejo a minha sombra comovida
acompanhando os funerais da vida
com o cadáver dos sonhos em seus braços!
  

TAPIR SELVAGEM
Osório Dutra

Deve correr dentro das minhas veias
o sangue puro de um tapir selvagem:
amo a tranqüilidade das aldeias
e a música do vento na ramagem.

Indiferente às intenções alheias,
bebo a luz policroma da paisagem,
e durmo sobre a colcha das areias,
tendo a lua, que sonha, por miragem.

Bendito seja este rincão fecundo,
que põe, assim, dentro de cada planta,
toda a harmonia de um pequeno mundo!

Sei que sou rude. A minha voz espanta,
mas o meu coração guarda no fundo
a doçura de um córrego que canta.

  
ROMANCE
Otavio Rocha

“Venha me ver, sem falta... Estou velhinha,
iremos recordar nosso passado;
a sua mão quero apertar na minha,
quero sonhar ternuras ao seu lado...”

Respondi, pressuroso, numa linha:
“Desculpe-me não ir... ando ocupado".
Amei-a tanto quando foi mocinha
e de tal modo também fui amado.

Passou a mocidade num relance...
Hoje  estou velho, velha está, suponho,
e perdeu da beleza os vivos traços.

Não quero ver morrer nosso romance:
— prefiro tê-la, jovem, no meu sonho,
do que. velha, apertá-la nos meus braços!

   
SE O RETRATO FALASSE...
Othon Costa

Talvez, já não te lembres, mas um dia
eu te encontrei beijando ardentemente
aquele meu retrato, confidente
dos teus raros momentos de alegria.

Comovido, vaidoso, compreendia,
nesse episódio simples e inocente,
que por certo eu vivia assim presente
no retratinho meu que te seguia.

Então, aproximei-me e, em galanteio,
disse, enquanto o retrato no teu seio
escondias, sorrindo jovial:

Se esse retrato, meu amor, falasse,
ainda há pouco talvez te aconselhasse
a beijar neste instante o original...
  

A LAGOA
P. de Petrus

Ia, às tardes, pescar, nos tempos de menino,
na lagoa esverdeada, e juntinho à Olaria,
onde eu mirava o Sol, que tristonho descia,
e, da Igrejinha, ouvia o bimbalhar do sino.

Alheio à própria vida, alheio ao meu destino,
eu pescava e, feliz, eu cantava, eu sorria,
e regressava ao lar, quando já escurecia, 
carregando ilusões no meu peito franzino...

O Tempo foi passando! E fui crescendo, tanto!
Hoje, a Saudade quis que derramasse o pranto,
ao voltar à lagoa — em que um jovem brincou.

Quanta amargura envolve a paisagem de agora: 
ainda é a mesma a lagoa esverdeada de outrora,
e o menino, meu Deus, quanto, quanto mudou!...
  

PITANGUEIRA
Palmira Wanderley

Termina Agosto... A pitangueira flora...
A umbela verde cobre-se de alvura;
e, antes que de Setembro finde a aurora,
enrubesce a pitanga... Está madura.

Da flor, o fruto é de esmeralda, agora...
Num topázio, depois, se transfigura,
e, pouco a pouco, um sol de estio a cora,
dando a cor dos rubis à carnadura.

A pele é fina, a carne é veludosa,
vermelha como o sangue, perfumosa
como se humana a sua carne fosse...

Do fruto, às vezes, roxo como o aspargo,
a polpa tem um travo doce-amargo,
— o sabor da Saudade, amargo e doce...
  

À MINHA MÃE
Paschoal Carlos Magno

A tua sombra é doce e comovida,
o teu destino de árvore tonteia...
A tua vida, que mais linda vida?
Toda de pássaros e ninhos cheia...

A sombra deu a tantos acolhida,
a árvore tudo dando pouco anseia:
cada vez mais cansada e envelhecida,
a ramaria para o chão arqueia...

Mas quando o vento vem rodopiando,
a árvore, cuja sombra é boa e doce,
abre os braços em súplica, chorando.

Choro de folhas! Alma dos caminhos...
Enche todos os Céus como se fosse
choro de mãe para embalar os ninhos...
  

TOLERÂNCIA
Paschoal Villaboim Filho

— Tolerância — cutelo que equilibra
as agressividades dessa gente
que traz uma tensão em cada fibra
sempre a pulsar descompassadamente.

— Quem na possui? — O homem que se libra
da serpente do orgulho, da serpente
que traz em cada anel o ego que vibra
como os prótons e os nêutrons da corrente.

A tolerância é fruto da paciência
e da meditação, da penitência,
regado pelas lágrimas da dor.

Mas para possuí-la, meu amigo,
planta-a em ti mesmo como o grão de trigo
que ao sol germina em florações de amor...

  
BEDUÍNO
Paula Achilles

Chega arquejando, tonto de cansaço,
o homem que vem de longe e que envelhece
olhando, a vida inteira, o mesmo espaço,
rezando, a vida inteira, a mesma prece.

Caminha para o rumo de um regaço
de sombras, pela estrada que anoitece;
ergue, contrito, em desespero, o braço
e ouve o silêncio que, soturno, desce.

Beduíno, penitente, ao fim tombado,
ei-lo que verga, como um roble ao vento,
pelas dobras do tempo amordaçado.

Ei-lo que chega, o olhar parado, absorto,
crucificando a vida, o pensamento,
sobre o deserto escancarado e morto!



NÃO ERA AMOR...
Paulo Fender

Não era amor aquele amor veemente,
que me trazia em êxtase profundo
e que causava inveja a toda gente,
como se fosse o amor maior do mundo.

Era, apenas, talvez, abismo fundo,
em que se rola involuntariamente,
coisa estranha, que um deus fero e iracundo
fez brotar no meu peito, de repente.

Não era amor, torno a afirmá-lo, e creio
que todo aquele insopitado anseio
por vê-la sempre a mesma, eterna e linda,

era simples loucura de criança,
porque hoje, velho, o coração não cansa
de me dizer que não amei ainda!




O ITABIRA
Paulo Freitas

Quando, nas plagas róseas do Oriente,
o sol dispersa a grande claridade,
a pedra do Itabira, altivamente,
perfila-se no azul da imensidade!

E quando a luz, nos braços do poente,
vai perdendo o fulgor e a intensidade,
a pedra sonha e pensa ternamente
num romance de amor e de saudade.

A noite vem, com suas mãos divinas,
estender sobre a terra o lindo véu
cintilante de estrelas vespertinas...

As águas rolam sobre as pedras frias,
refletindo o Itabira que, no céu,
parece namorar as três Marias...

  

ESQUECER
Paulo Gustavo

Se eu pudesse esquecer-te... Se eu pudesse
arrancar-te de vez do pensamento!...
E aos céus imploro, numa ardente prece,
a suave e eterna paz do esquecimento.

Talvez que alguma calma assim me viesse
a tanto desespero, ao meu tormento.
Mas a verdade é que ninguém se esquece
de um grande amor, de um grande encantamento.

E se alguém te disser que se esqueceu
do amor que, um dia, no seu peito ardeu,
não creias que jamais há de lembrar.

Quando o amor é como este, assim profundo,
o mais que se consegue neste mundo
é poder recordá-lo sem chorar!



ALMOÇO DE NOIVADO...
Pedro de Alcântara Worms

"Bom partido", daí dona Consuelo
dar banquete ao noivado de Tereza,
usando essa conversa já modelo:
— ... “a noivinha é quem fez a sobremesa...”

E que celebração!... Quanto desvelo!...
Foi tudo do melhor e com largueza,
não houve um só senão... um atropelo,
até aquele instante — que beleza!...

A hora do brinde, o noivo, empanturrado,
elogia, gentil, o lauto almoço:
— ... "mas eu nunca comi com tal agrado,

mesa assim nunca vi!...” E, num endosso,
diz o filho caçula ao convidado:
— ... "nós também nunca viu, assim, seu moço!...”




PRECE A N. S. DO PERPÉTUO SOCORRO
Pedro Gussen

Salve, Rainha, Mãe esplendorosa,
Redentora dos males desta vida!
Vós despargis ternura generosa,
e magna luz à mente entorpecida!

Vós, que remis a faina desditosa
dos fracos e dos fortes sem guarida,
livrai-nos da tristeza tenebrosa
e aclarai nossa estrada enegrecida!

Socorrei-nos nas horas de tortura,
e abreviai nossos dias de amargura
com vossa onipotência divinal!

Salvai-nos dos pecados desta vida,
e atendei nossa prece enternecida,
Mãe clemente, eterna, celestial!



PICA-PAU
Pedro Saturnino

Grimpando, tronco acima, altíssimo madeiro,
a árvore toda sonda, escruta, esgaravata...
E, qual pássaro algum possa existir que bata,
bate o bico no pau que treme todo inteiro.

A casca resistente, a fibra mais compacta
de “cabiúna" ou "marfim" cede ao golpe certeiro:
dir-se-ia algum perito e velho machadeiro
em pleno coração da retumbante mata.

Essa mesma cautela... Esse mesmo cuidado...
A pancada precisa... A madeira revessa...
A figura encardida... O topete encarnado...

É o próprio lenhador dentro da selva espessa,
manejando como um relâmpago o machado,
em mangas de camisa e lenço na cabeça.

  

ALUMBRAMENTO
Petrarca Maranhão

Sempre se há de encontrar consolo na Esperança,
e se há de achar encanto e graça, cada dia,
num vulto de mulher, num riso de criança,
na finura feliz das frases de ironia...

Na vida, há fontes sãs e puras de Poesia,
golfos, ilhas... visões divinas de bonança,
onde pode extasiar-se, arfante de alegria,
a alma estuante de sonho e ardente de pujança!

Há, dispersos pelo ar, sublimes de Beleza,
mil poemas de Deus, na imensa natureza,
no sol, no mar, no céu, na luz, no som, na cor!...

E há de sempre existir uma nova ilusão,
para quem bem souber buscar inspiração
nas paragens azuis e olímpicas do Amor!...




TIGRE E EUFRATES
Prado Kelly

Corre o Eufrates: ao sol, Babilônia irradia;
e a água branca do rio, ante grandeza tanta,
feita de prata, dentre as margens, se levanta
em confuso esplendor de ouro e de pedraria.

Corre o Tigre: e, no horror, que a amedronta e que a espanta,
Nínive, ante Sargon, sofre a guerra bravia:
e, na treva da noite e no incêndio do dia,
a água triste do rio, em seus lamentos canta.

Tigre e Eufrates! É o som de dois rios eternos!
O vento é suave, a terra é bela, o sol é brando.
E ambos vão, aos clarões tardos e vespertinos,

glória adiante, em clamor de vozeios supernos,
água murmúrea, vaga límpida, afrontando
o mistério do tempo e o correr dos Destinos.

  

LUZ DE CANDEEIRO
Raimundo Brasil

Buscando o Ocaso, em fúlgido crescente,
o luar... o doce luar, desaparece.
A noite em meio. O Céu, puro e silente,
recamado de estrelas, estremece.

Leio. O meu pensamento se embevece
nessa leitura e nesse luar poente.
Ah! se, das sombras, tua imagem viesse,
na asa de um sonho incontentado e ardente!...

E a noite avança, plácida e tranqüila.
Baixo o candeeiro. A luz, de quando em quando,
numa serena vibração, cintila.

E à proporção que vem nascendo o dia,
dentro do vidro a luz vai se apagando,
num frêmito azulado de agonia.



PÓSTUMA (depois da morte de Estela)
Raul Machado

Noite fechada, lúgubre, sombria.
Céu escuro, tristíssimo, nevoento.
Relâmpagos, trovões, água, invernia
e vento e chuva, e chuva e muito vento!

Abro um pouco a janela, úmida e fria,
e fico a ouvir e a ver, por um momento,
o rugido feroz da ventania
e o rasgar dos fuzis, no firmamento.

Quero vê-la no céu... e o céu escuro!
E, sem temer que chova e o vento açoite,
abro mais a janela... abro-a e murmuro:

"Ah! talvez acalmasse o meu tormento,
— se eu pudesse chorar, como esta noite!
— se eu pudesse gemer, como este vento!"

  

CONTEMPLAÇÃO
Reginaldo Pena

Vejo-te, ó Mãe, com o máximo respeito,
os seios fartos que o teu filho suga,
nesse apetite de uma sanguessuga,
feliz, aconchegado no teu peito:

— Fonte bendita, que jamais refuga
o pequenino ser insatisfeito,
e onde ele encontra o bálsamo perfeito
que o tranqüiliza e as lágrimas lhe enxuga.

Por eles, Mãe, é que tu dás, sorrindo,
a vida em seiva, exuberante ou exangue,
ao mimoso botão que está florindo;

e até darias, com o maior deleite,
tua alma inteira transformada em sangue,
todo o teu sangue transformado em leite!...



CANTILENA XV
Renato Travassos

Por muito que te esquives ou te escondas
entre os fiéis rochedos — vêm, no anseio
lascivo de beijar-te o ventre e o seio,
umas e outras após, lascivas ondas.

Buscam-te, num zeloso desenfreio,
multiplicadas em constantes rondas:
querem-te para o reino das Golcondas,
de louras ninfas e nereidas cheio.

És, afinal, de tudo a causadora:
Ah! sempre, quando vens à praia, quanto
furor marinho, que profundas mágoas!

É que, por certo, o mar, ao ver-te loura
e linda, cuida ver no teu encanto
alguma deusa que fugiu das águas!




MULATA
Renê Guimarães

Mulata! Flor estranha das senzalas,
rosa desabrochada nos mocambos!
Tens dilúvios de amor na voz, se falas,
incêndios de paixão nos olhos bambos.

Por tua fresca pele cor dos jambos
um cheiro quente de volúpia exalas.
Na cozinha, és mais fêmea, entre os molambos,
que as brancas entre sedas pelas salas.

Serva do amor, de carne hospitaleira,
esposa oculta a que ninguém dá nome!
Noiva da mocidade brasileira...

Trazes água e conforto à nossa rede,
Eva trigueira da primeira fome.
Samaritana da primeira sede!



AÇÃO DE GRAÇAS
René da Silva Velho

Gosto da minha casa! Adoro este meu lar,
onde vivem comigo os entes mais queridos,
junto às recordações dos anos já vividos
(fumaças do passado à luz crepuscular).

Moram no meu quintal, vivazes, coloridos.
passarinhos de Deus, felizes a cantar,
tão livres como o sonho, ou como o próprio ar,
uma dádiva ao Céu, aos olhos e aos ouvidos.

Amo as águas do rio, este cenário agreste,
e a tudo que me cerca envolve o mesmo amor.
Aqui penso viver a vida que me reste,

com a consciência em paz, sem ódio, sem rancor,
em meio à passarada — amigos que me deste —
e com eles, ó Deus, cantando em Teu louvor!

  

JEQUITIBÁ
Ricardo Gonçalves

Nesta chapada verde em que teu vulto impera,
hoje de cada moita uma voz se levanta
para cantar a vida; e a vida em cada planta,
a vida em cada arbusto, esplêndida, exubera.

Porém, tu já morreste. Em vão, a primavera
volta e, para saudá-la, a natureza canta.
Que importa se teu vulto a passarada espanta!
Que importa, velho rei, se o machado te espera?!

Morreste! Nunca mais, como nos tempos idos,
verás na primavera os teus galhos floridos,
terás, como tiveste, arvoredo copado.

E tu já foste rei de uma antiga floresta,
e hoje, inválido e só, nem ao menos te resta
um sabiá que te cante as canções do passado...



IDEAL DESFEITO
Roberto Damasceno Pinto

Hei de sonhar, agora e para a frente
os meus sonhos — não mais embevecido,
pois sempre um mal todos me têm trazido,
mesmo o que se mostrou muito inocente.

Todos os sonhos trazem na semente
um veneno cruel, despercebido.
Porém, mais tarde ele será sentido,
aniquilando as ilusões da gente.

A todo ingênuo, que de sonhos junca
seu coração incauto, lhe proponho:
e preferível não senti-los nunca!

Mais vale uma verdade ardendo em brasas
que a mais doce ilusão! Em todo sonho
há sempre um Ícaro perdendo as asas.



A ALMA DO SINO
Rocha Ferreira

A alma do sino é um misto de surpresa,
de pesar, de tortura, de agonia.
Tal se de um rio fosse a correnteza,
órgãos, fanfarras, tange com magia.

Ao dobrar a finados — que tristeza!
Um rosário de lágrimas desfia.
É o espelho refletor da Natureza,
desde que nasce até que morra o dia.

À Ave-Maria o sino chora tanto,
que às vezes penso que no triste canto
sua alma dolorida se espezinha.

Mas na Aleluia ri-se — que contraste! —
sem que ninguém desse prazer o afaste!
... A alma do sino, com certeza, é a minha!



INGENUIDADE
Rocha Lima (Carlos Henrique da)

Inda construo mundos sobre a areia,
pirâmides de pó, castelos brancos,
numa credulidade ingênua, cheia
de inocência, de fé, e sonhos francos.

Inda acredito em negros saltimbancos
que, mascarados pela noite feia,
assassinam nas trevas dos barrancos
lutam com o saci, que os não receia.

Inda creio nas lendas encantadas,
nas histórias de príncipes e fadas,
que a gente simples conta com emoção.

Inda creio no amor e na amizade,
inda guardo uns resquícios de bondade,
inda tenho no peito um coração!

  

A INCÓGNITA DO SER
Rodrigues Crespo

Viver, ou não viver? Que mais importa?
Que tem por fim a vida? A própria vida?
Entramos, ao nascer, por uma porta,
e só na morte achamos a saída...

Viver só por viver não nos conforta.
Falta-nos uma causa mais subida.
Mas, o que fica da carcaça morta?
Restará algo da expressão perdida?

Consola-nos a hipótese da alma.
Mas, por que sobrevive? Por que existe?
Só tem por meta uma existência calma?

Corpo ou alma, afinal, em que consiste
sua razão de ser? E sua palma?
Ah! Como a vida, na incerteza, é triste!



SE NÃO FORES...
Rômulo Cavalcante Mota

O instante da partida se avizinha...
Pensavas ir embora de surpresa;
sem dar adeus, ias talvez, sozinha,
deixando-me coberto de tristeza...

Já não és meu amor, já não és minha...
No entanto, o adeus faz parte da nobreza;
não podes esquecer que, em beijos, tinha
aos meus braços teu corpo de princesa...

No delírio nervoso dos lamentos
eu te ofereço, mesmo por momentos,
lírios divinos, bálsamos de amores.

Faço versos, sacio os teus desejos,
de nossas bocas nascerão mais beijos
e serei teu escravo... SE NÃO FORES...



CONFITEOR
Rosalina Coelho Lisboa

Meu coração, no caos da vida impura,
ermado de ilusões e amores, passa,
e o orgulho — que o resguarda, qual couraça —
de esperança e saudades o depura.

Luto, e na luta, em que meu ser se apura,
espero a morte sem temer-lhe a ameaça,
e prefiro a verdade da desgraça
à estulta falsidade da ventura.

Pisando espinhos pela vida em fora,
opondo a todo sonho o meu desdém,
forte no sacrifício, hora e mais hora,

recebo o alento que da dor provém,
— porque na dor minha alma se avigora
para a renúncia, que é o supremo bem.

  
REGRESSO
Rosalina Rosa Leite

Tu retornaste assim, tão de repente,
tão igualzinho como foste outrora,
e me estendeste a mão ainda tremente
pela emoção sentida nessa hora...

E o meu olhar no teu, foi surpreendente!
Incrédulo, retido na demora
de compreender que estavas tão presente,
como se nunca houvesses ido embora!

E assim ficamos nós naquela rua,
pasmados, reavivando e confundindo
tudo o que fora nosso no passado!

Depois, a minha mão longe da tua...
E aquele adeus, aos poucos, se diluindo,
como se nunca houvesses regressado!
  


PEQUENINO MORTO
Rosemar Pimentel

Morreu. Vestiram-no de branco e veio
entre outras crianças rútilas, mimosas,
dar o corpinho emagrecido e feio
à tristeza das tumbas dolorosas.

As mãozinhas em cruz, postas no seio,
como duas saudades silenciosas,
tornavam-se mais lívidas, no meio
das grinaldas, dos lírios e das rosas.

Eu, que encontrei o féretro na estrada,
penso na dor de quem ficou sozinho
e vejo, pela aldeia desolada,

que quando passa o corpo desse anjinho,
enquanto os outros pais não dizem nada,
o coração das mães chora baixinho!...



O RELÓGIO
Salomão Jorge

No meu quarto sem luz, sofro sozinho,
vendo-te, sombra pálida de alguém,
de alguém que é o meu consolo o o meu carinho,
única aspiração, único bem!

Estrela da manhã do meu caminho,
ninguém, como eu, te quer, ninguém, ninguém...
Sem ti não beberia o amargo vinho
da vida, rosa ideal que nunca vem!

E de ti como escalda a minha sede!
Tudo parece ter pena de mim,
mesmo o velho relógio da parede.

Relógio! — Ela virá? — Pergunto em vão.
o ponteiro seguindo diz que sim,
e o pêndulo chorando diz que não.
  


AMOR
Sebastião Noronha

Este frio, esta febre, este tormento
que tudo quanto vejo transfigura,
que me leva aos extremos da ternura
e aos desvarios de um furor violento;

esta ausência, em que fico desatento,
ou de felicidade ou desventura;
este enlevo, este anseio, que tortura,
mas não deixa de ser contentamento:

chama-se amor; e, quando vem, consiste
numa vontade alegre de ser triste:
uma intranqüilidade, um bem-estar,

um sonho, uma ilusão. porém tão boa,
que eu viveria rindo, rindo à-toa,
se não fosse a vontade de chorar!

  
CÂNTICO PAGÃO
Seleneh de Medeiros

Tu estás dentro em mim, dentro do beijo ardente
com que a boca te cinjo em doido frenesi...
Dentro do sangue meu, do peito que, fremente,
eu sinto no teu peito, a palpitar por ti!

Estás no meu passado, estás no meu presente,
nos sonhos que sonhei, no deus em que descri.
Nas frescas ilusões que tive, adolescente,
nas lágrimas de amor mais tristes que verti!

Quando, em longínqua infância, eu via, deslumbrada,
sóis em zênite, um poente, um raio de alvorada,
eras tu só que eu via, imenso de esplendor!

Hoje nas veias trago o estrépito das matas,
a cor do sol, a aurora, a voz das cataratas,
pois que meu sangue estua... e nele fez-se o Amor! ...



TERCEIRA ELEGIA A LASTÊNIA
Sílvio Júlio

Partiste a Deus, e a dor me faz ausente
de mim, que o peito sinto estrangulado,
pois se o passado morre sem presente,
o presente não vive sem passado.

Que faço aqui, não sei, nem qual o fado
que me resta cumprir, turvo e inclemente.
Meu presente é um soluço desolado.
Meu passado, saudade tão-somente.

Santificaste minha vida outrora,
que foste para mim lúcida aurora
pelos passos que eu dava em meu caminho.

E agora? É noite só por toda a Terra,
e este silêncio solitário aterra...
Não vês? Estou chorando e estou sozinho.



METEMPSICOSE
Soares da Cunha

Talvez, em outros dias, outra Idade,
numa vida passada que tivemos,
e da qual, muitas vezes, a saudade,
em horas de abandono, padecemos;

talvez (quem é que sabe da verdade?)
habitando outro corpo que perdemos.
— nalgum belo país da antigüidade,
foi que, primeiro, nós nos conhecemos.

Assim, por isso é que, depois, querida,
nas aventuras da presente vida,
ao te encontrar pelo primeiro dia,

cá dentro, qualquer coisa me falava
que, não sei de onde, já te conhecia,
e, desde não sei quando, já te amava...



REGATO
Solimar de Oliveira

Descem cantando as águas do regato,
e eu, nelas me espiando, então me entendo:
— vejo nelas gravado o meu retrato;
e assim também tristonho vou correndo.

E, coisa extravagante, até o recato
deste arroio tristíssimo estou vendo,
na alma, simples, sem glórias e aparato,
aparecendo e desaparecendo...

Até nos modos de viver cantando.
sem loucas ambições, por entre fráguas
de iguais destinos sobre nós pesando...

Veio amigo e feliz — nesta corrida,
vais te perder no turbilhão das águas,
— vou me perder no turbilhão da vida...



PRESSENTIMENTO
Suzanna de Campos

Na tarde clara e azul, envolvida em bonança,
foi que pensei em ti, desesperadamente...
Por que a Saudade vem e por que não se cansa
de ferir, de magoar o coração da gente?

Espero que virás, um dia, docemente,
trazer-me num sorriso a flor de uma esperança.
E então escutarei uma canção dolente:
— a mesma que embalou meus sonhos de criança...

Pressinto que hás de vir. Na tarde azul e calma
bem sei o que direi... o que dirá tua alma,
transbordante de amor e de terna emoção...

Extasiada e feliz, dar-te-ei o meu beijo
que te fará sentir esse ardente desejo
de ouvir, junto do teu, bater meu coração...


A PARTIDA
Swami Vivekananda

Lembro-me bem de quando foste embora,
o mar sereno e o calmo sol de estio...  
Um bando de gaivotas, erradio,
dizia coisas pelo céu em fora...

Dolente ondulação de um vento frio
beijava os lábios da manhã sonora;
porém, ao ver-te à tolda do navio,
penso no adeus... e tudo me apavora!

Eu te abracei, o coração gemendo,
os lábios macerados; mãos tremendo
estrangulavam-me profundas mágoas...

Um silvo agudo!... Colhem-se as amarras...
Há lenços brancos em torções bizarras...
E lá se foi a nau cortando as águas...



CRISTO DO CORCOVADO
Sylvio Miraglia

Bem alto, junto às nuvens das alturas,
tiveste um pedestal, o Corcovado,
de onde podes falar às criaturas.
Quisera te escutassem, Cristo amado!

Quando brilhas ao sol, às almas duras
chega um raio de luz santificado,
que consegue abrandar as amarguras
do nosso mundo, reino do pecado.

Mas tanta gente que não te acompanha
com os olhos d'alma o vulto luminoso,
não sente a sensação sublime e estranha

que atinge até o ser pecaminoso.
Tem piedade, Senhor! Dessa montanha
repete o teu sermão maravilhoso!





ILUMINURA CRISTÃ
Theoderick de Almeida

O homem de preto, que me parecia
o Rei Peste de Poe, teologalmente,
acendeu na capela da abadia,
na ara mais alta, o círio penitente.

À sua luz, a nave, então sombria,
ardeu do teto ao piso, de repente;
a sombra do meu corpo, Ave Maria!
recordava um demônio, à minha frente.

Encheu-se de fantasmas a capela:
os santos reviveram de alma acesa
à labareda que extinguia a vela.

E rezei pelo Artista — Deus sem nome,
que à luz da idéia, na ara da beleza,
como um círio de cera se consome.



UMA LEMBRANÇA
Úrsula Garcia

Eu quis levá-la ao cemitério, um dia,
mas em casa disseram: "Tão criança!
É tão longe!... É tão triste!..."Eu insistia:
"Não sabe o que é tristeza, ela, e nem cansa!"

A manhã é tão linda! O sol radia,
o ar é tão puro, a brisa fresca e mansa...
É apenas um passeio. Não faria
mal algum visitar quem lá descansa...

E eu pensava: — É melhor ir caminhando
com seus pezinhos, rindo, conversando,
voltar da cor das rosas que levou.

Não foi comigo... Mas lá foi levada
numa manhã de sol... — muda, gelada,
lívida, inerte... E nunca mais voltou.



QUERO-QUERO
Vargas Neto

Que é que tu queres, quero-quero? Implico
com teu grito que aos tímidos maneia,
pois vêem fantasmas, de que o pampa é rico,
quando tu gritas numa noite feia.

Aborrecido, quando te ouço, fico,
e uma grande saudade me esporeia,
porque dizem que gemem no teu bico
os gaúchos que morrem na peleia.

És a ronda do pampa com teu bando...
A noite toda passas denunciando
cruzada de viajante ou de índio vago.

E os mistérios das lendas entropilhas,
quando gritas na dobra das coxilhas,
sentinela perdida do meu pago.



NATAL DO ÓRFÃO
Vasques Filho

— "Mamãe, Papai Noel não veio ainda?
No ano passado, ele chegou tão cedo!... “
E a mulher, voz tremente, a tarde finda,
tenta encobrir o trágico segredo:

"Vai dormir, que ele vem... Não tenhas medo.
Olha as estrelas... como a noite é linda!...
Põe teu sapato ali, que o teu brinquedo
há de deixar, por certo... É cedo ainda...”

Dorme o garoto, e acorda com surpresa,
vendo vazio o gasto sapatinho!
"Ele não veio!..." — e logo o pranto vaza...

—"Sim, filhinho, não veio... Com certeza
não encontrou teu pai pelo caminho,
ou se esqueceu do número da casa!...”



SILÊNCIO E SOLIDÃO
Venturelli Sobrinho

Efêmera visão, foste a saudade
que, transmudada em esperança, um dia,
me trouxe a mentirosa claridade
da mais enganadora fantasia.

Tua lembrança já não me persuade
de que deva aspirar tua alma fria;
porém, no outono, ainda me exige a idade
ares de afeto, ambientes de alegria.

Em meu cérebro há um peso de universos;
carrego mundos mil, pisando escolhos,
pelo exíguo caminho dos meus versos...

E, insulado por entre os esquecidos,
há mágoas soluçando nos meus olhos,
há silêncios gemendo em meus ouvidos!



NOITE DE SAUDADE
Vera Milward de Carvalho

A tarde se despede e vem chegando
a noite, com seu manto de tristeza;
todo um passado lindo vou lembrando,
feito de amor, de sonho, de grandeza.

Eu ergo a vista. Para o céu olhando
encontro a lua — pálida princesa
que, ao séquito de estrelas dominando,
transforma a noite em quadro de beleza.

Ó doce confidente, tem piedade
e cura, para sempre, esta ansiedade
que me traz o teu fúlgido luar!

Envia a tua doce claridade
a alguém, para de mim sentir saudade,
esse alguém que jamais deixei de amar...



AO CRISTO
Vespasiano Ramos

Ó Sombra! Ó Essência! Ó Espírito! Ó Bondade!
Soberano de todos soberanos!
Esperança dos míseros humanos,
Jesus — Misericórdia e Caridade!

Cristo-Amor! Cristo-Luz! Cristo-Piedade!
Divino apagador dos desenganos!
Ó Tu que foste, há quase dois mil anos,
sacrificado pela Humanidade,

prometeste voltar! Não voltes, Cristo!
Serás preso, de novo, às horas mudas,
depois de novos e divinos atos.

Porque, na terra, deu-se, apenas, isto:
multiplicou-se o número de Judas
— e vai crescendo a prole de Pilatos.



SAUDADE
Vicente Guimarães

Da tarde apagam-se os clarões finais
e, longe de você, desventurado,
ouço o chilrear confuso dos pardais
e o zunido do vento alucinado...

Em conchas para o céu vejo os pinhais
E o capinzal movendo-se em bailado:
sinto do sol os últimos sinais
no horizonte cinzento-anacarado...

Hora suave de grande encantamento!
A natureza, num deslumbramento,
é toda inspiração a qualquer arte...

Porém, tudo que vejo está sombrio
e há no que ouço tristíssimo vazio:
falta você, querida, em toda parte.



O ROUXINOL
Vicente Paulo Gatti

No silêncio noturno do arvoredo.
ouvi cantar na Europa o rouxinol:
brando a princípio e cada vez mais ledo,
em melopéia do mais puro escol.

Depois, do Rio Negro no silvedo,
ouvi cantar o nosso rouxinol:
o seu canto mavioso vem mais cedo,
pois ao luar prefere o rubro sol.

Do primeiro os gorjeios em cascata,
pérolas brancas num colar de prata,
vêm da noite o veludo recamar,

enquanto o rouxinol amazonense,
dentro e fora da selva brasiliense,
canta feliz, em plena luz solar.



ALVORECER
Vidalino Torrano

Da Estrela Dalva o brilho se esmaece...
Insinua-se, em rosa opalescente,
a Luz da Aurora... Um cirro transparente,
de tule rendilhado, se enrubesce...

O Sol, no majestoso e renitente
encontro, beija a noite que arrefece;
enquanto o matizado reaparece
no alcândor do torrão resplandecente.


É impulsionada a cósmica oficina.
As folhas sintetizam a energia.
Arco-íris ornamentam as cachoeiras.

Sazonam-se as espigas na campina.
E as estradas, ao flux do albor do dia,
conclamam-nos às marchas timoneiras.



CARRO DE BOI
Vieira da Silva

Velho carro de boi, pesado, aos solavancos,
em busca do sertão, sem ter uma pousada,
de calhau em calhau por cima dos barrancos,
vagaroso lá vai... cantando pela estrada...

Velho, vai-se, quebrando aos últimos arrancos.
Não há sol, nem fadiga e nem mesmo invernada,
que lhe detenha o andar. Lento, caminha aos trancos,
pouco a pouco vencendo a penosa jornada.

Há vinte anos atrás, viveu num piquizeiro.
Cortaram-no sem dó. Sem paz e sem repouso,
hoje vive de andar pelo sertão inteiro...

Lento e triste, a rolar naquelas soledades...
Sempre, porém, cantando e cantando saudoso,
como quem canta só para matar saudades!...



DANÇA ÁRABE
Vinicius de Carvalho

Trazes no corpo a graça das palmeiras
e o esplendor do luar de Ramadã.
Vem: minha tenda, a esta hora da manhã,
possui, na sombra, o odor das tamareiras.

Esquece, na maciez do meu divã,
o cansaço das tribos caminheiras.
Não procures miragens traiçoeiras:
— toda procura, neste mundo, é vã!

Não faz mal que, no Livro do Destino,
nosso amor seja um conto pequenino
que a mão do Tempo, trêmula, marcou;

pois a história de amor mais comovida
é a que deita raízes pela vida
quando tudo, afinal, já se acabou.



PÁTIO DE ASILO
Virgílio Moojen

O pátio é largo e triste. Debruçadas
sobre as muralhas pálidas e frias,
velhas figueiras fartas e sombrias,
descansam calmas, quietas, arrumadas.

Há silêncio parado. Mas, em dadas
e curtas horas em tão longos dias,
nessas aléias mudas e vazias,
há sussurros de vozes e risadas.


É o alarido de infantis folguedos.
São meninos que brincam sem brinquedos
e que trazem nas almas cicatrizes

dos golpes já sofridos, inclementes.
Podem, contudo, rir, porque, inocentes,
talvez nem saibam que não são felizes.



MELANCOLIA
Vulmar Coelho

A gente morre um pouco todo o dia.
O tempo vai matando, devagar,
os sonhos, um por um, a fantasia,
essa ilusão ingênua de sonhar.

A vida é como o sol — nasce, irradia...
Depois vem vindo a luz crepuscular.
Despedem-se os prazeres, a alegria,
e só resta um consolo recordar.

O corpo cansa de viver. A estrada
fica deserta e triste. A caminhada
é mais penosa pelo anoitecer.

Fica-se abandonado ao léu da sorte,
e quando, finalmente, chega a morte,
a gente já tem pouco que morrer.




VIVER
Waldir Neves

Vamos, querida, pelo mundo afora,
mirar os lírios brancos dos caminhos...
Vamos beber a luz pura da aurora,
embalados nos cânticos dos ninhos.

Vamos de perto ver a flor que chora,
pela fonte levada em torvelinhos...
Vamos colher as rosas, sem demora,
antes que murchem — sem ligar a espinhos.

Vamos buscar o belo onde ele exista,
sempre a sonhar, sonhando noite e dia,
que é com sonhos que o belo se conquista.

Vamos criar a mística de crer
que a vida é bela... é amor... é fantasia...
e há que sonhar e amar... para viver!...




TAÇA
Walfredo Martins

Esta vazia taça que, ébrio, empunho,
e onde houve espuma de incendida fonte,
faz-me passar pela turbada fronte
legendas a evocar-lhe o testemunho...

Ergue-a Petrônio à saturnal defronte,
partindo-a, e a veia abrindo ao alvo punho;
e, ainda tonto do êxtase, estremunho
de um sonho em que bebi com Anacreonte...

Choram talados ídolos, primevas
estátuas rotas; mármores partidos
rolam com fragor surdo pelas trevas...

E como que ouço os báquicos adeuses,
e como que ouço os tumultuosos ruídos
da última noite em que beberam deuses!...



NATAL
Walter Siqueira

Cintilam astros e o Natal resplende:
— os sonhos concretizam-se, felizes,
o lume da bondade se reacende
e apagam-se labéus e cicatrizes...

Bimbalham sinos e Jesus atende
a cada rogo de almas infelizes:
— o réprobo a lição do bem aprende,
palmilhando mais sábias diretrizes.

Noite de amor... Renascem esperanças,
e o coração das gárrulas crianças
abriga a imagem de Papai Noel...

Quantas almas vivendo uma ventura:
— apenas eu, com laivos de amargura,
bebo ao Natal meu cálice de fel!...



QUANDO EU MORRER
Walter Waeny

No dia em que eu morrer, quero que seja erguida
minha estátua no mar irrequieto e vesano
e que ela mostre, ao mundo inteiro, o ardor insano
de quem soube lutar nos combates da vida!

A fim de que meu vulto exsurja sempre ufano
e seja sempre ufano o meu ardor na lida,
quero que, um dia, se erga, altiva e destemida,
minha estátua de bronze entre as ondas do oceano!

Eu quero que a expressão do meu olhar absorto
veja o oceano bramir em redor de um rochedo
por entre a escuridão das noites sem luar!

Quero meu corpo, em bronze, erguido num penedo,
para que, sem temor, mesmo depois de morto,
eu veja, bem de perto, a cólera do mar!



RUA DO SOL, 21
Xavier de Carvalho

Sonho, às vezes, que estou nesse sobrado.
Rua do Sol, 21... criança e feliz,
com seis irmãos alegres a meu lado,
brincando nos folguedos infantis...

De minha mãe o vulto imaculado,
tão cheio de promessas senhoris,
abençoa-me e ri, gesto sagrado,
que a gente não descreve e não se diz...

Seis da tarde... nós oito... falta o nono,
a casa é muda, à espera do seu dono,
prestes a regressar do seu labor...

Tudo fica em silêncio... Apresto o ouvido
e eis que no sonho escuto, na alma, o ruído
dos passos do meu Pai no corredor!



CAMPESTRE
Zalina Rolim

Longe da estrada, à beira do riacho
que molha os pés relvosos da colina,
vejo-lhe o teto enegrecido e baixo
e a cancelinha baixa e pequenina.

Da chaminé desprende-se um penacho
de fumo branco. Levemente inclina
a verde palma sobre o loiro cacho
do coqueiro frondoso a aragem fina...

Faísca o sol. Do terreirinho à frente,
galinhas, patos, debicando o milho,
batem as asas preguiçosamente.

Nem um rumor de pássaros palpita;
e a roceirinha, adormecendo o filho,
canta lá dentro uma canção bonita.



CICLO DO AMOR (IV)
Zalkind Piatigórsky

Vieram, com a primavera, as novas flores
e o bando de amistosos passarinhos.
E houve a festa do sol jogando cores
nas sombras preguiçosas dos caminhos.

E a meiga alacridade e os sons vizinhos
das folhas balouçadas nos verdores...
E o riso tagarela e a voz sem dores
talvez de igarapés e ribeirinhos.

O céu tornou-se azul. E de repente,
com ele a natureza e toda gente
tornou-se mais afável, mais cortês.

Tudo cantava. Terminara o inverno.
Somente o coração, num gelo eterno,
chorava ainda por ti mais uma vez.



CARNAVAL
Zito Batista

Põe a máscara e vai para a folia,
na afetação de uns gestos singulares,
esquecido dos íntimos pesares
que te atormentam todo o santo dia...

Homem doente, perdido nesses mares
tenebrosos, da dúvida sombria,
vê que há lá fora um frêmito de orgia,
mesmo através das coisas mais vulgares!

Põe-te a cantar, desabaladamente!
Vai para a rua, aos trambolhões, às tontas,
como se enlouquecesses de repente...

Agarra-te à alegria passageira:
olha que o que te espera, ao fim de contas,
é o triste carnaval da vida inteira...







(Das páginas 917 a 1045 de
"O Mundo Maravilhoso do Soneto", 
de Vasco de Castro Lima)






Um comentário:

  1. Vou colocar aqui um soneto de minha autoria, após ter lido tão lindos sonetos. Eik-lo:
    Universo Poético de Ialmar
    -
    IALMAR PIO SCHNEIDER
    Porto Alegre/RS
    -
    Soneto
    -
    Compus velhos sonetos como outrora;
    não me preocupa em ser original,
    quero viver feliz aqui e agora,
    pensando só no bem, nunca no mal...
    A quem me ler eu peço sem demora
    que siga seu caminho etc e tal,
    mas como alguém que um dia vai embora,
    levando para o Além a alma imortal.
    Existe uma certeza: a Evolução,
    para nós sermos mais aprimorados
    e próximos, enfim, à Perfeição.
    Preciso me encontrar nesta saudade
    que sinto vir dos meus antepassados,
    quando procuro ter felicidade…
    ============================

    Obrigado pela apreciação!

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