José Manuel Cabrita Neves

Vendas Novas, Alto Alentejo, Portugal (1943-    )


A MARESIA
José Manuel Cabrita Neves

Absorvo junto ao mar a fresca brisa,
Com um sabor a sal, da maresia…
Sensação que deleita, que extasia;
Afago que no rosto enfim desliza!

Dá uma paz que acalma e delicia!
Um conforto que o ego realiza…
Aquela breve pausa que é precisa,
Para retemperar do dia-a-dia!

Na massa de água imensa, estendo o olhar,
Deixando o subconsciente imaginar
O que fica pra lá do pensamento…

Há, no fundo, mistérios infinitos ,
Fazendo adivinhar monstros e mitos,
Enquanto as ondas brincam com o vento!…

  

José Manuel Cabrita Neves

Molda-se-me o peito, no tempo que passa!
Solta-se-me o pranto, no olhar aflito,
Que a surdez do mundo, não ouve o meu grito
De dor, de lamento, de tanta desgraça!

Em atroz silêncio, pondero e medito:
No luar de Agosto, no sol na vidraça…
No calor amigo de quem nos abraça!
Ou no paraíso que em sonhos habito!

Por entre destroços, há cenas de horror;
Há perdas humanas, há restos de amor…
Há vidas desfeitas, há órfãos crianças!

Porque há, tristemente, gente desumana
E pérfida e louca, que do mal se ufana,
Dos actos sangrentos, das suas vinganças!...

Carnaxide, 31-07-2016

  

A VIDA QUE SONHEI
José Manuel Cabrita Neves

A vida que sonhei, me desprezou!
Me fez seguir caminhos bem diferentes…
Caminhos por atalhos, decorrentes,
De alguma vida errante que os trilhou…

A vida que sonhei, tinha latentes
Alegrias que a mente ambicionou,
Mas que o Destino torto não deixou
E como um rio segui outras correntes…

A vida que sonhei, quando inda em flor,
Tinha a ilusão de um mundo com amor,
Onde tudo eram beijos e abraços…

Agora, já passados tantos anos,
Feitos de adversidade e desenganos,
Vejo um sucesso feito de fracassos!...



AMIGO É…
José Manuel Cabrita Neves

Amigo é quem nos mata a solidão!
É quem nas horas tristes nos abraça!
É quem conforta o nosso coração!
É quem, de nos ouvir, nunca se maça…

Amigo é quem as mangas arregaça
E nos dá uma ajuda, uma mão
Amigo é também quem ultrapassa,
Divergências de ter ou não razão…

Ter um amigo é ter tudo na vida,
É ter um ombro amigo pra chorar,
É ter a sua alma repartida…

Não há maior tesouro pra guardar,
Do que a cumplicidade sã e unida,
De alguém em quem podemos confiar!...

  

AUDÁCIA
José Manuel Cabrita Neves

Há sempre um salutar quê de loucura,
Que à mente nos ocorre em pensamento!
Um certo esgar, um certo atrevimento,
Um certo ver na vida uma aventura…    

Ao inventar-se à toa um argumento,
Para levar avante a compostura,
Quando o convencimento se afigura,
Confirma a invenção do fundamento…

É preciso arriscar, seguir em frente!
Ser atrevido,audaz, surpreendente!
Espírito jogador de crença forte…

Pelo caminho ficam os medrosos:
Cépticos, Indecisos, cautelosos,
Que chegam a afastar a própria sorte!...

  

AMOR É…
José Manuel Cabrita Neves

Amor é vibração, abraço, beijo!
É sentir-se voar sem asas ter!
É estranha sensação, louco prazer!
É imaginação feita desejo!

Amor é estar-se preso por querer,
É ter de mil vontades o ensejo,
Sorrir sem ter ouvido algum gracejo,
Falar, falar, sem nada pra dizer…

Amor é sentimento de altruísta,
Que se dá, se recebe, se conquista!
É insatisfação, saudade imensa…

Amor é sofrimento assaz gostoso,
É nessa dor que sente, sentir gozo,
É uma idolatria, cega, intensa!...

Carnaxide, 11-06-2016



 AVAREZA
José Manuel Cabrita Neves

Nariz adunco, olhar desconfiado…
Sinistro ar, maléfica figura!
Corpo corcunda, estranha criatura…
O rosto seco escuro e encovado!

Adepta da poupança e da usura,
Tem normalmente aspecto escanzelado…
Pois prefere não comer e ter guardado,
O dinheiro com forte fechadura…

Incapaz de condoer-se por alguém,
Que pede pra comer, que nada tem!
Porque é fria, insensível à pobreza!

Vive no egoísmo e na indiferença,
Amealhando uma fortuna imensa,
E morre miserável a Avareza!...



ERVAS DANINHAS
José Manuel Cabrita Neves

Há mais ervas daninhas do que trigo!
Há mais gente maldosa que sincera!
Há mais realidade que quimera!
Há mais quem seja falso do que amigo!

Há mais quem aja a quente e não pondera…
Há mais quem não calcula ou mede o perigo!
Há mais quem faça crimes sem castigo!
Há mais quem não converse, vocifera…

Não se constrói a paz sobre a contenda…
Não se fazem jardins em terra agreste…
Não se faz a verdade sobre a lenda…

Quem não tem sentimentos, quem não preste,
Quem só pratique o mal e não entenda,
É como erva daninha, é uma peste!...



ILUSÃO DE VIDA
José Manuel Cabrita Neves

Nesta fugaz passagem pela vida,
Fica-nos na memória o desalento,
De não aproveitar cada momento,
De não sentir que foi missão cumprida!

Os dias são velozes como o vento
E a nossa história, em sonhos presumida,
Teve em cada sol-pôr a despedida,
De tudo o que era esp’rança em pensamento…

O coração, pedia o paraíso!
A mente, cautelosa, aponta o siso,
Deixando cada sonho em meias-águas…

O tempo foi gastando as ilusões,
E tudo o que eram justas ambições,
Hoje são só tristeza, apenas mágoas!...

Carnaxide, 27-07-2016

  

NOITES  DE DEZEMBRO
José Manuel Cabrita Neves

Noites de Dezembro, frias invernosas!
Assobia o vento nas frestas das telhas…
O ranger das portas, dessas casas velhas,
Mas contando histórias lindas, amorosas…

Cabelos de prata, brancas sobrancelhas…
Concentra-se o orvalho nas plantas viçosas,
Que ao sol brilhando são pérolas preciosas
E o velho agasalha no gorro as orelhas…

Noites de Dezembro, histórias de entreter,
Juntos à lareira com o madeiro a arder,
Já fumega a sopa que há-de ser a ceia!

Lembra-se o passado, pensa-se o futuro!
Porquê o caminho tão penoso e duro?
Porquê sermos pobres?- vem-nos à ideia!...

  

 O TEMPO
José Manuel Cabrita Neves

O tempo que não tem princípio e fim,
Assiste a ver passar cada segundo,
No carcomido banco de um jardim,
Olhando na distância o fim do mundo…

Deixou pelo caminho algo de mim,
Desse eu que em mim existe e em mim abundo…
Mistura de diabo e querubim,
Um pobre aristocrata  vagabundo…

Passou por mim, nos sonhos de criança,
Que apenas foram sonhos, foram esperança!
De quem ingenuamente acreditou…

Deixou marcas nas mãos e no meu rosto!
Foi alegria, lágrima e desgosto…
Foi tempo desta vida que passou!

  

SONHOS DE VERÃO
José Manuel Cabrita Neves

Sonhos que se arrastam nos ventos de outono,
São folhas caídas, que ao verão sucumbiram!
São verdes de esp’rança, jardins que floriram!
São ais e lamentos, de um reino sem trono…

São juras, promessas, que esquecem, que espiram!
São vãos devaneios, de noites sem sono…
São paixões vadias, como cães sem dono…
Pobres corações, que de amor suspiram!

São harpas e liras, que deixam no espaço:
Os sabores do beijo, no calor do abraço…
Desejos contidos, continuamente!

São nuvens que passam, ofuscando a luz,
Dos nossos anseios, do que nos seduz,
Que o olhar suplica e a ilusão consente!...

Carnaxide, 09-08-2016  



José Manuel Cabrita Neves

Com olhos de poeta que ama a vida
E um louco mas sensível coração,
Fito as pedras imóveis pelo chão,
Que piso de alma terna e condoída…

Depois os animais, o gato e o cão!
A terra matizada e colorida
De plantas e de flores de côr garrida!
As nuvens, o relâmpago, o trovão!

Tudo me prende o olhar e me fascina,
Desde as fontes de água cristalina,
Até aos sentimentos de pureza!

A chuva, o sol, a lua, o frio, a neve,
Vão passando por mim, qual sonho breve,
Olhando a extasiante Natureza!...

(10-08-2016)




ABRIL
José Manuel Cabrita Neves

Abril é mês de flores, de Primavera!
Paira no ar das gentes felicidade,
Tem um sabor à doce liberdade,
Que já foi n’opressão, uma quimera…

Abril abriu prisões, falou verdade!
Abriu na escuridão uma cratera,
De onde saiu a luz da nova era,
Era de paz, amor, fraternidade!

Abril é um sorriso de criança!
É um cravo vermelho na lembrança,
Dum povo que não esquece o que sofreu…

Abril é, à medida que se avança
Uma luta constante que não cansa,
Porque, garante o povo, Abril é seu!...

(Carnaxide, 23-04-2016)



DESESPERANÇA
José Manuel Cabrita Neves

Quando o olhar de lágrimas se inunda,
Porque há um coração em sofrimento!
Quando nos falta o chão e o alento
E a nossa confiança mais se afunda!

Quando não temos já discernimento,
Quando o nosso horizonte é uma rotunda…
Quando a esp’rança se arrasta moribunda
E o amanhã acorda mais cinzento…

Precisamos de um ombro bem amigo,
Que nos afague a alma e dê abrigo,
Que traga o sol e leve a tempestade!

Que de sábios conselhos nos anime,
Aliviando a dor que nos oprime,
Mostrando amor, solidariedade!...



ESPERANÇA
José Manuel Cabrita Neves

Como quem espera, olhando o horizonte,
Um novo dia feito de esplendor,
Assim a noite cai, junto ao sol-pôr,
Sem nada que a perturbe ou amedronte!

Há sempre um amanhã em cada alvor!
Há sempre água a correr em cada fonte!
Há sempre uma colina além do  monte!
Há sempre no porvir, algo melhor…

Há um sonho constante em cada dia,
Que alimenta o futuro na magia,
Em q’ ansioso o coração balança…

Há uma força interior, estranha, profunda,
Que de estrelas e luzes nos inunda,
Que nos dá vida, alento, fé e esperança!...

(5/01/2016)



LOUCURA SAUDÁVEL
José Manuel Cabrita Neves

Gosto de gente fora do normal,
Gente que tenha um pouco de loucura,
Que faça desta vida uma aventura,
Uma festa constante, um arraial!

Gosto de quem se ri da desventura
Com  ar descontraído e jovial…
De quem desvaloriza o que está mal,
Tendo sempre o remédio para a cura…

Ser sempre concordante, consensual:
É, como alguém já disse, um pão sem sal!
Quiçá, um zé ninguém, fraca figura…

Ser  perspicaz, empático, frontal,
É para a discussão fundamental!
Gosto de gente assim: louca mas pura!...

(Carnaxide, 6-02-2016)



MOMENTOS ESCALDANTES
José Manuel Cabrita Neves

Com a passividade de quem ama,
Deixas que te desnude lentamente…
E a tua pele macia, doce e quente,
Vai despertando em mim fogosa chama!

Os nossos corpos se unem suavemente,
Num desejo fremente que os inflama
E em mútua rendição caem na cama,
Dando largas ao que um e outro sente…

Envoltos na volúpia dos sentidos,
Soltamos sons arfados e gemidos,
Entre meigas palavras de doçura…

As caricias, os beijos, os abraços,
Entre dois pensamentos bem devassos,
São o auge do êxtase, a loucura!...

(25/02/2016) 



O DESTINO… 
José Manuel Cabrita Neves

A sensação, em cada adeus, vivida,
É já saudade, é já um nó no peito,
De quem acena o lenço à despedida,
De coração em lágrimas desfeito…

Se quem parte vai de alma constrangida!
Quem fica, fica preso ao parapeito,
A recordar momentos da partida,
E um vazio deixado no seu leito…

Cada hora que passa, o sofrimento,
Se alonga, na incerteza das promessas,
Que vivem martelando o pensamento…

Por fim, tranquilizando estas cabeças,
Trouxe as boas notícias pelo vento,
O destino, por portas e travessas!...

(Carnaxide, 07-03-2016)



OS POETAS E O MUNDO
José Manuel Cabrita Neves

Fala de amor, de raivas, sofrimentos
D’injustiças, loucuras, gente má,
Esse poeta que sou e aqui está,
Gritando a sua dor aos quatro ventos!

Ninguém, outra atitude, lhe verá,
Enquanto à sua volta houver lamentos,
Houver lágrimas, dor, guerras, tormentos,
Jamais a sua voz se calará!

O mundo está tão podre, está tão louco,
Que a voz de um só poeta será pouco,
Para vencer tão árdua batalha…

A espada dos poetas é a escrita,
Que denuncia, acusa e acredita,
Que unidos vencerão essa canalha!...

(Carnaxide, 13-06-2016)



POETA
José Manuel Cabrita Neves

Tu que tens um olhar mais perspicaz,
Que vê mais do que a própria vista alcança…
Que tens na alma a fonte da esperança!
Que tens um coração que se desfaz…

Tu que és instigador duma aliança,
Que de unir este mundo era capaz,
Tornando em coisas boas, coisas más;
Transformando em amor, ódio e vingança…

Tu, príncipe dos sonhos encantados,
Confidente dos ais silenciados,
Fonte de alento, sol, palavra amiga:

Diz no papel o que essa alma sente,
Nesses teus versos feitos docemente,
Para acalmar a dor que nos fustiga!...

(23/10/2015)



SOLIDÃO
José Manuel Cabrita Neves

Entre quatro paredes, nuas, frias,
Com cheiro a história, a mofo, a humidade,
Há um silêncio imenso, uma saudade,
De tempos idos, risos, alegrias!

Há uma nostalgia, uma vontade,
De pôr um fim aos anos e aos dias,
Alimentando ideias doentias,
Que o desespero atroz a mente invade!

Há sonhos que ficaram p’lo caminho,
Antes de envelhecer, de estar sozinho
E de sobreviver de compaixão…

Farrapo que hoje sou e ninguém quer,
Habito o desalento de viver,
Em total abandono e solidão!...

(5/09/2016)



SONHO
José Manuel Cabrita Neves

Sorriso rasgado, cabelos ao vento!
Corrias, saltavas, pelos campos fora…
Eras a menina, já quase a senhora,
Eras sol radioso, num céu pardacento…

Fiquei a olhar-te por mais de uma hora!
Flutuavas, dançando no meu pensamento,
Com tanta leveza, com tal movimento,
Qual linda princesa, doce, sedutora…

Tão embevecido, tão embasbacado,
Que de felicidade, estava inebriado,
No rosto, estampado, semblante risonho…

Mas eis que desperto sem querer acordar,
Ali fico em transe, contigo no olhar,
A pedir aos deuses que não fosse um sonho!...

(21/10/2015)



TEMPO DE VIVER
José Manuel Cabrita Neves

Antes que o tempo passe e eu envelheça.
Antes que o meu olhar perca a esperança.
Antes que tudo seja uma lembrança.
Antes que a vida ande mais depressa,

Tenho de aproveitar esta bonança,
Que após a tempestade inda mereça…
Tenho de ser feliz antes que esqueça
De utilizar a força e a pujança!

Por ser tão curta a vida e tão fugaz,
Ficam sonhos e ensejos para trás,
Porque o tempo não pára de correr!

Quem dera poder ter uma outra vida,
Que fosse mais pacata e mais comprida,
Em que eu tivesse tempo de viver!...


(21/07/2015)


  

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