O Parnasianismo

Os Parnasianos eram chamados "cinzeladores", pelo apuro da linguagem poética, pelo seu requinte excessivo na metrificação, pela tortura da forma.

Há quem atribua ao livro "Fanfarras", publicado em 1882, por Teófilo Dias, sobrinho de Gonçalves Dias, o marco inicial do Parnasianismo no Brasil.
Na verdade, porém, Teófilo deve ser arrolado entre os poetas simbolistas, ou seja, entre aqueles da escola que veio logo após. Conforme diz Andrade Muricy, a obra desse poeta interessou muito a Cruz e Sousa.

O mesmo acontece com Vicente de Carvalho, que, ora é apontado como parnasiano, ora como simbolista, ora como romântico. O Romantismo, o Parnasianismo e, mais tarde, o Simbolismo, entre nós, tiveram vidas tumultuadas, sem definições exatas no que se refere à fixação da categoria literária dos poetas. Não se pode levar em conta, apenas, a época em que cada um viveu.
Aliás, os nossos poetas ainda não desligados do Romantismo já demonstravam pendores para o movimento parnasiano. A rigor, a novidade francesa, ao ser lançada neste país, perdeu algo de sua impassibilidade. Os adeptos daqui não se divorciaram, por completo, do Romantismo. Tanto que, mesmo atendendo às exigências da métrica, da linguagem e do estilo do parnasianismo, onde imperava o espírito objetivista, não sacrificavam aquela sensibilidade natural que sempre os caracterizou.

Péricles Eugênio da Silva Ramos acha que "o parnasianismo. no Brasil, não foi o resultado de imitação direta, mas já estava constituído quando lhe aplicaram o nome".

De acordo com as publicações da época, o vocábulo "parnasianismo" só começou a ser empregado a partir de 1886.
Segundo o depoimento de Péricles, foi o escritor português Fialho de Almeida quem, no prefácio da 2ª edição de "Sonetos e Rimas", de Luiz Guimarães Júnior, publicada nesse mesmo 1886,  classificou o poeta como parnasiano.

Esse rótulo foi imposto, mas já então o nosso parnasianismo estava definido como obra: "Canções Românticas", de Alberto de Oliveira, havia saído em 1878, "com matizes parnasianos"; e o livro "Meridionais", do mesmo poeta, saíra em 1883, com sério comprometimento junto à corrente. "Sinfonias", de Raimundo Correia, publicado em 1883, era claramente parnasiano, em sua primeira parte. Grande porção das poesias de "Ocidentais", de Machado de Assis, já havia sido publicada em revistas, em 1880. E nesse mesmo 1880, Luiz Guimarães Júnior publicara a 1ª. edição de "Sonetos e Rimas".

"Várias causas — é ainda Péricles quem o recorda —influíram para a formação do estilo parnasiano em nossa terra, entre as quais seriam de assinalar principalmente duas: uma, vanguardista, de Artur de Oliveira (que conhecera na França os poetas e os escritores do dia, como Leconte de Lisle, Théophile Gautier, Catulle Mendès, Villiers de L'Isle Adam); a segunda, crítica e doutrinária, de Machado de Assis".

O horror ao verso frouxo, o apego à rima perfeita, a escolha de temas bizarros, a própria estrutura do verso, eram exigências do parnasianismo francês. Nem sempre, entretanto, foram seguidas à risca pelos nossos poetas, mais amantes do lirismo.

Alberto de Oliveira, em entrevista concedida a Prudente de Morais Neto e publicada em 1926, na revista "Terra Roxa e Outras Terras", do modernismo paulista, afirmou:

"O chamado parnasianismo saiu das calças inglesas de Artur de Oliveira. Conheci Artur de Oliveira logo que cheguei ao Rio, em agosto de 1877. Nós nos reuníamos, num café que havia ali na Rua do Ouvidor, Fontoura Xavier, Teófilo Dias, Francisco Antônio de Carvalho Júnior, Artur Oliveira, eu às vezes e ainda outros. O Artur lia Gautier, Banville, Sully-Prudhomme, Baudelaire e empolgava-nos com o seu entusiasmo".

Não deixa de causar espécie a posição de certos poetas parnasianos no Brasil. O próprio Alberto de Oliveira já afirmara, em 1916, quando recebeu a Goulart de Andrade na Academia Brasileira de Letras: "Entre nós nunca houve Parnasianismo. Houve, sim, um influxo deste, um desvio da corrente poética que, engrossada, a princípio, dos melhores cabedais românticos, rolava ultimamente rasa e desfalecida... Não se procurou abafar à poesia o seu sentimento... "
E esclareceu, em outra oportunidade, que os princípios de sua geração se reduziram ao combate ao "desleixo da forma e à pieguice romântica".

Olavo Bilac era da mesma opinião: não tinha havido escola parnasiana alguma, mas simplesmente uma "disciplina de bom gosto". E falou, em 1917, um ano antes de sua morte. em discurso proferido para homenagear Alberto de Oliveira: — "Nunca houve uma escola parnasiana, nem aqui, nem na Europa, se nesta designação quisermos exprimir uma revolução poética, trazendo invenções de novidade". (....) "Os corifeus do parnasianismo nada inventaram, como nada tinham inventado os românticos". (....) "Aos chamados poetas parnasianos também se deu outro nome: "impassíveis". Quem pode conceber um poeta que não seja suscetível de padecimento? Ninguém e nada é impassível: nem sei se as pedras podem viver sem alma. Uma estátua, quando é verdadeiramente bela, tem sangue e nervos. Não há beleza morta: o que é belo vive de si e por si só".

A Interessante e válida é, também, a observação feita, a respeito, por Bilac e Guimarães Passos, em seu "Tratado de Versificação": "Os nossos parnasianos, depois de uma curta fase em que se cingiram, com rigorosa fidelidade, aos preceitos de Banville, deram liberdade à sua inspiração, e ficaram sendo excelentes líricos: e o que em boa hora lucraram, com esse estágio no parnasianismo, foi a preocupação da forma".

E igualmente interessantes são estas palavras de Manuel Bandeira: — "Como caracterizar a poesia dos nossos parnasianos? Será fácil discerni-la nos poemas escritos em alexandrinos. Mas nos outros metros tradicionais na língua portuguesa, e sobretudo nos decassílabos, o que separa um parnasiano de um romântico aproxima-o dos clássicos".

Não nos podemos esquecer de que o parnasianismo, já em 1871, havia sido anunciado através das "Miniaturas", de Gonçalves Crespo. Esse poeta nasceu no Brasil, em 1846, mas, por motivo de saúde, mudou-se para Portugal aos 14 anos de idade. Lá, casou-se, e morreu em 1883. Nunca negou sua condição de brasileiro. Por isso e pelo fato de ter, realmente, influído no movimento, pode e deve ser considerado um dos precursores do nosso parnasianismo. muito embora seu nome figure, também, na literatura portuguesa. Afrânio Peixoto escreveu que "na sua obra poética ficaram sempre visíveis as duas feições do seu estro: a feição brasileira e a feição portuguesa: aquela porventura mais intensa, mais característica do que esta".

Repetimos que o parnasianismo marcou a época de ouro do soneto brasileiro. Sonetistas dos maiores da nossa poética militaram nas suas hostes.

E é oportuno relembrarmos, neste ponto, agora com Jayme de Barros: "O invencível lirismo da nossa poesia influiu poderosamente para impedir os exageros com a preocupação da forma, com os efeitos musicais dos versos, que ficam cantando ao ouvido e nada dizem à sensibilidade e ao espírito".

Como muitos parnasianos continuaram fiéis à sua escola, podem ser chamados neoparnasianos aqueles que escreveram após o ano de 1893, quando Cruz e Sousa publicou o livro "Broquéis", inaugurando o simbolismo no Brasil. Bilac e outros parnasianos os consideravam novos.

Aliás, é de se notar que, graças ao prestígio de Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac, o Parnasianismo chegou até, praticamente, os nossos dias, fazendo concorrência literária ao Simbolismo. Alberto de Oliveira, falecido em 1937, pontificou enquanto viveu, ou seja, pelo Modernismo a dentro. E Hermes Fontes foi Parnasiano e Simbolista em sua grande obra.

Ao incluirmos, neste livro, os poetas pertencentes ao Parnasianismo, corrente da maior importância na literatura nacional, adotamos, ainda, a classificação feita por Péricles Eugênio da Silva Ramos:

Parnasianos — Machado de Assis, Luiz Guimarães Júnior, Gonçalves Crespo. Luiz Delfino, Artur Azevedo, Silva Ramos, Afonso Celso, Alberto de Oliveira, Valentim Magalhães, Raimundo Correia, Adelino Fontoura, B. Lopes, João Ribeiro, Vicente de Carvalho, Rodrigo Otávio, Augusto de Lima, Filinto de Almeida, Olavo Bilac, Guimarães Passos, Zeferino Brasil, Júlio Cesar da Silva, Emílio de Menezes, Francisca Júlia, Júlia Cortines, Vitor Silva, Alberto Ramos, Pedro Rabelo, Júlio Salusse. (Quanto a Teófilo Dias, Péricles inclui entre os simbolistas.)

Neoparnasianos — Magalhães de Azeredo, Amadeu Amaral, Afonso Schmidt, Bastos Tigre, Goulart de Andrade, Gustavo Teixeira, Olegário  Mariano, Humberto de Campos, José Albano, Martins Fontes, Luís Carlos.


*

Transcrevemos, a seguir, sonetos dos principais poetas parnasianos e neoparnasianos do Brasil:


Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis), nascido e falecido no Rio de Janeiro, de onde nunca se ausentou (1839-1908), contemporâneo da segunda geração romântica. Além de ser o nosso maior e mais completo escritor, "o maior homem de letras do Brasil", segundo Agripino Grieco, tornou-se um dos precursores do parnasianismo nacional, ao lado de Gonçalves Crespo. Mais do que isto, não se pode desprezar o seu valor inestimável nessa escola.

Alberto de Oliveira, quando do centenário de nascimento de Machado de Assis, confirmou, na Academia Brasileira de Letras, que o poeta de "Círculo vicioso" transformou-se num dos iniciadores do parnasianismo no Brasil, muito embora não lhe tivesse sido inteiramente fiel.
Ele e Joaquim Nabuco foram, em 1897, os principais fundadores da Academia Brasileira de Letras. Machado de Assis, aliás, foi o primeiro Presidente da Academia, sucessivamente reeleito enquanto viveu.

Antes de publicar seu primeiro livro de versos, já era um parnasiano entusiasta, empregando imagens significativas, riqueza métrica, expressões exatas. Mas, comungando com a opinião de muitos estudiosos, escreveu Jayme de Barros a respeito dos versos de Machado de Assis: "Nota-se neles aquela mesma frieza de alma que lhe caracteriza a incomparável obra de romancista". ( ....) “Era um dissecador de almas".

Humilde de origem, fez-se um extraordinário autodidata. Serviu à Secretaria de Viação, onde chegou a Chefe da Contabilidade.

Seu soneto "Círculo vicioso" está incluído no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro. O soneto "À Carolina" é um dos mais conhecidos e mais puros em toda a literatura brasileira:

Querida! Ao pé do leito derradeiro,
em que descansas desta longa vida,
aqui venho e virei, pobre querida,
trazer-te o coração de companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
que, a despeito de toda a humana lida,
fez a nossa existência apetecida
e num recanto pôs um mundo inteiro...

Trago-te flores — restos arrancados
da terra que nos viu passar unidos
e ora mortos nos deixa e separados;

que eu, se tenho, nos olhos mal feridos, 
pensamentos de vida formulados,
são pensamentos idos e vividos.



Luiz Guimarães Júnior (Luiz Caetano Pereira Guimarães Júnior), jornalista; advogado e diplomata (1845-1898), é, desde os fins do século XIX, um dos nomes mais citados e mais queridos dentre os poetas brasileiros. A poesia romântica no caminho do parnasianismo tem, nele, um elo precioso e inesquecível.

Nasceu na antiga Província do Rio de Janeiro e faleceu em Lisboa. Fialho de Almeida, prefaciando a edição de seu livro "Sonetos e Rimas", escreveu que Luiz Guimarães havia trocado a "poesia do coração pelo culto da perfeição plástica".

Sonetista de inspiração peregrina e senhor de técnica segura, produziu páginas imortais, como "Visita à casa paterna", que transcrevemos no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro. Foi, realmente, sonetista dos mais espontâneos da língua.

Oferecemos, de início, aos leitores, o seu soneto "O filho":

A vida dele era uma gargalhada,
a vida dela um pranto. Ela chorava
sob o cruel trabalho que a matava,
ele ria na tasca enfumaçada.

Jamais nos lábios dela a asa dourada
de um sorriso passou; jamais na cava
e horrenda face dele resvalava
sequer de um pranto a pérola nevada.

Mas Deus, que deu à entranha de Maria
o Redentor dos homens, Deus lhes fez
uma esmola: Deus fê-los pais um dia;

e, enfim, beijando ao filho os níveos pés,
pela primeira vez ela sorria,
e ele chorou pela primeira vez.


Um outro excelente soneto seu, "A voz das árvores":

Enquanto os meus olhares flutuavam,
seguindo os vôos da erradia mente,
sob a odorosa cúpula fremente
dos bosques, onde os ventos sussurravam,

ouvi falar. As árvores falavam:
a secular mangueira fielmente
repetia-me o branco idílio ardente
que dois noivos, à tarde, lhe contavam;

a palmeira narrava-me a inocência
de um puro e mútuo amor — sonho que veste
dos loiros anos a feliz demência;

ouvi o cedro, o coqueiral agreste,
mas, excedia a todas a eloqüência
de uma que não falava: era o cipreste.


Ressaltamos, desse grande poeta, "A primeira entrevista":

Ela não tarda. Disse-me que vinha.
Mas quem sabe! Se acaso acontecesse
qualquer cousa imprevista, e não viesse!
Ó Deus do céu! que situação a minha!

E este relógio vil que não caminha!
E o tempo! uma hora apenas, e parece
noite fechada já! Ah! se chovesse!...
Mas, não: alguém tocou à campainha,

alguém subiu veloz a minha escada:
ouço um rumor de seda machucada
e uns miudinhos, uns nervosos passos...

Duvido ainda! Espreito, delirante:
Abro a tremer — e toda palpitante
 ela cai a sorrir entre os meus braços.


E este belo soneto "O beijo da morta":

Cresce a invernosa noite, um frio intenso
morde-me as carnes: — lívido, gelado, 
no leito me ergo... e escuto o desolado
uivo do Inverno, atroz, convulso, imenso...

Tento dormir. Em vão! Escuto e penso.
Penso na eterna Ausente... Ah! se a meu lado
ela estivesse! um beijo perfumado!
um só! me fora ardente e ideal incenso...

Abre-se, então, de leve, a minha porta:
É Ela! Entrou. Na palidez da morta
uma aurora de beijos irradia:

Caminha... chega e diz-me num segredo:
— "Une teu rosto ao meu, não tenhas medo!
Venho aquecer-te: — a noite está tão fria!"


Finalmente, "O coração", um dos mais populares sonetos de Luiz Guimarães Júnior:

O coração que bate neste peito
e que bate por ti unicamente,
o coração, outrora independente,
hoje humilde, cativo e satisfeito;

quando eu cair, enfim, morto e desfeito,
quando a hora soar lugubremente
do repouso final — tranqüilo e crente
irá sonhar no derradeiro leito.

E, quando um dia fores, comovida,
— branca visão que entre os sepulcros erra —
visitar minha fúnebre guarida,

o coração, que todo em si te encerra,
sentindo-te chegar, mulher querida,
palpitará de amor dentro da terra!



Gonçalves Crespo (Antônio Cândido Gonçalves Crespo), nascido na antiga Província do Rio de janeiro e falecido em Lisboa (1846-1883), foi, como vimos, elemento de grande influência na implantação do parnasianismo no Brasil.

Machado de Assis chamava-o "talentoso patrício nosso". Fez carreira no jornalismo e na política. Viveu em Portugal grande parte de sua vida.

São palavras de sua mulher, a escritora portuguesa Maria Amália Vaz de Carvalho, ao analisar a beleza íntima dos versos do poeta: "Admira-se a pureza impecável do seu verso, mas ama-se a alma que dentro dele palpita".

Em relevo um de seus mais belos sonetos, "Mater Dolorosa":

Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.

Dos céus a curva era tranqüila e pura:
das gementes alcíones o bando
via-se ao longe, em círculos, voando
dos mares sobre a cérula planura.

Nas ondas se atufara o sol radioso,
e a lua sucedera, astro mavioso,
de alvor banhando os alcantis das fragas...

E aquela pobre mãe, não dando conta
que o sol morrera, e que o luar desponta,
a vista embebe na amplidão das vagas...


Outro soneto seu é "Fervet amor", de grandiosa simplicidade:

Dá para a cerca a estreita e humilde cela
dessa que os seus abandonou, trocando
o calor da família ameno e brando
pelo claustro que o sangue esfria e gela.

Nos florões manuelinos da janela
papeiam aves o seu ninho armando;
vêem-se ao longe os trigos ondulando...
Maio sorri na pradaria bela.

Zumbe o inseto na flor do rosmaninho:
nas giestas pousa a abelha ébria de gozo:
zunem besouros e palpita o ninho.

E a freira cisma e cora, ao ver, ansioso,
do seu catre virgíneo sobre o linho
um par de borboletas, amoroso.


Gonçalves Crespo deixou o Brasil aos 14 anos, naturalizando-se português. Por ter feito toda a carreira literária em Portugal, o seu nome apareceu, como vimos, no capítulo "A alma errante do Soneto".



Luiz Delfino (Luiz Delfino dos Santos), catarinense, falecido no Rio de Janeiro (1834-1910), começou a versejar no romantismo e depois incursionou pelo parnasianismo e até pelo simbolismo. Conseguiu, pois, ser o poeta de três gerações diferentes, em quase 50 anos de atividades poéticas.

Representou seu Estado natal, como Senador ao Congresso constituinte.

Foi grande e fecundo poeta, copioso, torrencial, tendo produzido sonetos em quantidade enorme. Sua produção ficou espalhada por jornais e revistas, só começando a ser editada ultimamente, já alcançando mais de dez volumes.

Sílvio Romero considerou-o, "pela variedade e extensão de sua obra, o maior poeta do Brasil". Aliás, encontrou no soneto a forma ideal para sua sensibilidade.

Até 1864, Luiz Delfino não escrevera ainda nenhum de seus sonetos lapidares. No Rio de Janeiro, fizera-se médico e, com a notícia de que ele desperdiçava o tempo fazendo versos, quase toda a clientela se afastou. Se não conseguisse "regenerar-se", perderia, por certo, o que lhe sobrou de clientes...  E, assim, deixou de publicar poesias, embora continuasse a produzi-las em grande escala, guardando-as.

Passada a "crise", os jornais e revistas voltaram a estampar suas páginas imorredouras. O poeta desfrutava de imenso prestígio entre os novos, que repetiam seus versos por toda parte.

O soneto "Cadáver de Virgem" é um dos mais estimados e conhecidos de sua vasta obra e que Osório Duque Estrada dizia ser "um tratado de poética e uma exemplificação magistral de quanto vale a simplicidade". Está transcrito no capítulo deste livro "Os sonetos brasileiros mais populares".

Vamos realçar este belíssimo soneto seu, "Depois do Eden", que Pardal Mallet, embora um tanto avesso à poesia, conseguiu decorar e declamava sempre, meio desajeitado:

Quando a primeira lágrima, caindo,
pisou a face da mulher primeira,
o rosto dela assim ficou tão lindo
e Adão beijou-a de uma tal maneira,

que anjos e tronos, pelo espaço infindo,
— como uma catadupa prisioneira —
as seis asas de luz e de ouro abrindo,
rolaram numa esplêndida carreira...

Alguns, pousando à próxima montanha,
queriam ver de perto os condenados
 de dor transidos, na agonia estranha...

E, ante o fulgor dos beijos redobrados,
todos pediam punição tamanha,
ansiosos, mudos, trêmulos, pasmados...


Admirável é, também, este outro, "Jesus ao Colo de Madalena", que, desde sua apresentação, até hoje, vem sendo considerado a obra-prima desse mestre do soneto:

Jesus expira, o humilde e grande obreiro.
Sobem já, pela cruz acima, escadas;
e nos cravos varados no madeiro
os malhos batem, cruzam-se as pancadas.

Soluça o choro em torno; as mãos primeiro,
inertes, caem no ar dependuradas.
O rosto oscila, verga o torso inteiro
nos braços das mulheres desgrenhadas.

Soltam-se os pés... aumenta o pranto e a queixa.
Só Madalena ao ouro da madeixa
limpa-Lhe a face que de manso inclina.

E, no meio da lágrima mais linda,
com o dedo abrindo a pálpebra divina,
busca ver se Ele a vê, beijando-O ainda.


Alberto de Oliveira e Luiz Murat, entre outros também grandes poetas, recitavam os versos de Delfino nas rodas literárias.

E Bilac — recitador de primeira água, além de glorioso poeta gostava de dizer os formosíssimos versos deste soneto, "Pendent", dirigido ao último homem:

Daqui a uns anos mais, que mais esperas?
Há de incender-se o céu de estrelas de ouro;
pelas curvas azuis as primaveras
espalharão o seu cabelo louro...

As covas se abrirão como crateras;
berços e ninhos se encherão de choro,
e à noite irão nas asas das quimeras
os sorrisos e as lágrimas em coro...

Os dias, esfolhando as ígneas rosas,
— bem como um bando de águias luminosas —
varrerão a amplidão dos céus tristonhos...

E Deus, no entanto, sonolento, calmo,
verá surgir a treva, palmo a palmo,
sobre a nossa existência e os nossos sonhos!...



Artur Azevedo, maranhense, falecido no Rio de Janeiro (1855-1908), já lograra nomeada na imprensa, no teatro e no conto. E, apesar de freqüentar uma roda em que cada poeta era um ourives da forma, conseguiu, também, justa fama em poesia. Segundo Bilac, houvesse Artur Azevedo se dedicado somente ao verso, "seria um dos maiores poetas brasileiros". Fez nome, principalmente, com o seu humor sadio, de que é exemplo o soneto " Arrufos ", que incluímos no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares".

Outra prova de seu notável humorismo é este soneto "Impressões de teatro":

Que dramalhão! Um intrigante ousado,
vendo chegar da Palestina o conde,
diz-lhe que a pobre da condessa esconde
no seio o fruto de um amor culpado.

Naturalmente, o conde fica irado:
— "O pai quem é?" — pergunta. —"Eu", lhe responde
um pajem que entra. — "Um duelo!" — "Sim!" — Quando?" “Onde?”
No encontro morre o amante desgraçado.

Folga o intrigante... Porém surge o mano
e vendo morto o irmão, perde a cabeça,
crava um punhal no peito do tirano.

É preso o mano; mata-se a condessa;
endoidece o marido... e cai o pano,
antes que outra catástrofe aconteça...


O forte de Artur Azevedo foi o humorismo e, por isso, não nos dispensamos de assinalar mais o soneto "Velha anedota", um freqüentador assíduo de antologias poéticas:

Tertuliano, frívolo peralta,
que foi um paspalhão desde fedelho,
tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
tipo que, morto, não faria falta;

lá num dia deixou de andar à malta,
e indo à casa do pai, honrado velho,
a sós na sala, em frente de um espelho,
à própria imagem disse em voz bem alta:

— "Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso?

Penetrando na sala, o pai sisudo,
que por trás da cortina ouvira tudo,
serenamente respondeu : — " juízo!"


Finalmente, o soneto "As estátuas", mostrando outra face de seu talento poético:

No dia em que na terra te sumiram,
eu fui ver-te defunta sobre a eça,
fechados para sempre — ó sorte avessa!
aqueles olhos que me seduziram...

À luz do sol, uma janela abriram,
e o jardim avistei onde, ó condessa,
uma noite perdemos a cabeça,
e as estátuas de mármore sorriram...

Saíste por aquela mesma porta
onde outrora os teus beijos me esperaram,
cheios do amor que ainda me conforta.

Quando o jardim saudoso atravessaram
seis homens com o esquife em que ias morta,
as estátuas de mármore choraram!



Silva Ramos (José Júlio da Silva Ramos), pernambucano, falecido no Rio de Janeiro (1853-1930), excelente sonetista de sabor camoniano, conheceu, durante sua estada em Coimbra, onde foi estudar leis, grandes vultos literários, entre os quais João de Deus, Gonçalves Crespo, Macedo Papança, Guilherme de Azevedo e Guerra Junqueiro. Professor de Português no Colégio D. Pedro II, do Rio.

É de sua criação este soneto "A partida":

Tenho-a presente, como agora, aquela
dura noite da triste despedida;
a aragem levemente arrefecida
da lancha enfuna a desfraldada vela.

Distante, como em fundo de aquarela,
some-se a mansa vila adormecida,
e a branda luz dos astros refletida
no rio, as águas límpidas estrela.

Cena viva que a mente me descreve,
dos amigos em grupos pelo cais
vozes perpassam num sussurro leve;

trocam-se as doces, expressões finais...
E, enquanto os lábios dizem: "até breve",
os corações murmuram: "nunca mais!"



Afonso Celso (Afonso Celso de Assis Figueiredo júnior, Conde de Afonso Celso), mineiro, falecido no Rio de Janeiro (1860-1938), romancista, teatrólogo, politizo, jornalista, jurisconsulto, historiógrafo. Poeta de estro sugestivo e gracioso, é o feliz artífice de um dos mais belos sonetos brasileiros, "Anjo enfermo", que inserimos no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares".

José Veríssimo afirmou que no seu livro "Telas Sonantes" Afonso Celso "balbucia pela primeira vez o parnasianismo aqui". É fato que sofreu a influência de Gonçalves Crespo.

Oficial da Legião de Honra da França. Agraciado pelo Santo Padre, com o título de Conde.

Salientamos. a seguir, outro bonito soneto seu, "Porto Celeste":

Andei em longas excursões distantes:
vi palácios, sacrários, monumentos,
focos da indústria, artísticos portentos,
praças soberbas, capitais gigantes.

Mas lia, em toda parte, nos semblante,
Dores... lutas... idênticos tormentos...
— Onde a pátria dos risos?! Desalentos
colhi apenas, mais cruéis que dantes.

Achei, enfim, num pequenino porto,
crenças, consolações, calma, conforto,
tudo o que anima, enleva e maravilha:

ninho de encantos, que a inocência habita, 
promontório do céu, plaga bendita,
é junto ao berço teu, ó minha filha.


"Minha Nossa Senhora" é um soneto de devoção sentimental, que representa muito bem a arte delicada e respeitosa desse poeta:

"Minha Nossa Senhora!... "o povo exclama,
e esta frase, sem dúvida incorreta,
exprime, da maneira mais completa,
teu prestígio sem par; que o mundo aclama.

És minha só, minha alma é que Te chama
para aplacar-lhe a agitação secreta;
mas és nossa também, pois, meiga e reta,
teu favor sobre todos se derrama.

Minha Nossa Senhora, em Teu regaço,
acolhe, compassiva, o meu cansaço,
recebe o coração que em Ti se aninha;

mitiga as dores, o amargor adoça
do mal de todos nós, Senhora nossa,
deste sofrer só meu, Senhora minha!



Alberto de Oliveira (Antônio Mariano Alberto de Oliveira), nascido na antiga Província do Rio de janeiro e falecido no Estado do mesmo nome (1859-1937), sempre considerado um dos grandes poetas do parnasianismo, dividia seus louros com Olavo Bilac e Raimundo Correia, formando, esses três, todos famosos mestres do soneto, a chamada "trindade parnasiana".

Há como que uma curiosidade que não se pode deixar de citar: segundo a maioria da crítica, nenhum deles era um "parnasiano", no sentido histórico da palavra, pois faziam restrições ao culto da Forma. E, aliás, eles próprios tinham a mesma opinião pessoal.

Machado de Assis, já em 1879, escrevia que Alberto "era dos melhores poetas que possuímos, lírico dos mais reputados". Proclamou-o Bilac, em 1905, "o mais brasileiro de todos os poetas do Brasil".

Fausto Barreto e Carlos Laet, em sua "Antologia Nacional", escreveram que Alberto de Oliveira ocupou vários cargos, mas todos transitórios, porque ele "foi simplesmente poeta, poeta a vida inteira". E mais: "O poeta foi moço a vida toda, porque sua obra de velhice não cede o passo à da mocidade, em paixão e vigor, em brilho e opulência nem na breve malícia, na grácil ironia ou no donaire ingênito".

Dele disse o acadêmico Aloísio de Castro: "Nunca, entre nós, voz de poeta deu maior esplendor ao idioma".

Para João Luso, "a inspiração entrava nele e os versos dele saíam como, em relação a qualquer de nós, entra e sai a respiração. Para ele a poesia formava um envolvimento vital. Era a atmosfera de sua alma".

Pertencendo a uma família numerosa em que quase todos os irmãos foram literatos, Alberto escreveu o primeiro soneto sentimental, de certo, aos 14 anos: "Nasce em verde botão a linda rosa"...

Grande cantor da natureza, romântico admirável, patriarca da poesia nacional.
Tinha o apuro da linguagem, zelo pelo estilo; porém, não era o que se poderia chamar um parnasiano convicto e fiel, à maneira dos franceses.
Seu rimário era modesto. Só acidentalmente apresentava rimas rebuscadas, pois não se preocupava com a sua escolha.

 Afonso Celso achava em Alberto um encanto especial em dar ao seu estilo "um leve perfume de cousas antigas".

Fundador da Academia Brasileira de Letras. Professor de Português e Diretor-Geral da Instrução Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Sucedendo a Bilac, Alberto de Oliveira foi eleito "príncipe dos poetas brasileiros", num concurso promovido pela revista "Fon-Fon".

Seu soneto "A vingança da porta" está transcrito no capítulo “Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro.

Vamos reler, com emoção, o seu belíssimo soneto "O caminho do morro":

Guiava à casa do morro, em voltas, o caminho,
até lhe ir esbarrar com as orlas do terreiro;
dava-lhe o doce ingá, rachado ao sol, o cheiro,
e um rumor de maré o cafezal vizinho.

Quanta vez o subi, buscando a um guaxe o ninho,
ou, saltando, o desci com o regato ligeiro,
para voar num balanço, embaixo, o dia inteiro,
e ver girar, zonzando, as asas de um moinho!

De setembro até março, uma colcha de flores
tapetava-o. Reluz-lhe em poças de água o céu;
das folhas sobre o saibro os orvalhos escorrem...

Mas morreram na casa, em cima, os moradores,
morreu, caindo, a casa, o moinho morreu,
o caminho morreu... Até os caminhos morrem!


"Vaso Chinês" é um dos mais expressivos sonetos do grande vate fluminense:

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
casualmente, uma vez, de um perfumado
contador sobre o mármor luzidio,
entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
nele pusera o coração doentio,
em rubras flores de um sutil lavrado,
na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
quem o sabe?... de um velho mandarim
também lá estava a singular figura;

que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
sentia um não sei quê com aquele chim
de olhos cortados à feição de amêndoa.



Distinguimos este soneto, "Beijos do Céu":

Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
— Vi-te no céu; e, enamoradamente,
de beijos, a falange resplendente
dos serafins, teu corpo inteiro ungia...

Santos e anjos beijavam-te... Eu bem via,
beijavam todos o teu lábio ardente;
e, beijando-te, o próprio Onipotente,
o próprio Deus nos braços te cingia!

Nisto, o ciúme — fera que eu não domo —
despertou-me do sonho; repentino
vi-te a dormir tão plácida a meu lado...

E beijei-te também, beijei-te... e, ai! Como
achei doce o teu lábio purpurino,
tantas vezes assim no céu beijado!


"Choro de vagas" é bem uma outra amostra inconfundível da inspiração de Alberto de Oliveira:

Não é de águas apenas e de ventos,
no rude som, formada a voz do oceano:
em seu clamor ouço um clamor humano;
em seu lamento, todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos,
estes gemidos, este aiar insano.
Agarrados a um mastro ou tábua ou pano,
vejo-os varridos de tufões violentos.

Vejo-os, na escuridão da noite, aflitos,
bracejando ou já mortos e de bruços,
largados das marés, em ermas plagas.

Ó! que são deles estes surdos gritos!
Este rumor de preces e soluços
é o choro de saudade destas vagas!


Um dos pontos altos da poesia de Alberto de Oliveira é o seu soneto "Floresta convulsa":

Floresta de altas árvores, escuta:
Em minha dor vim conversar contigo;
como no seio do melhor amigo,
descanso aqui de tormentosa luta.

Troncos da solidão intata e bruta,
Sabei... Ah! que, porém, como um castigo
vos estorceis, e o som do que vos digo
vai morrer longe em solitária gruta.

Que tendes, vegetais?... Remorso?... Crime?... 
Açoita-vos o vento, como um bando
de fúrias e anjos maus, que nós não vemos?

Mas explicai-vos ou primeiro ouvi-me,
que a um tempo assim braceando, assim gritando,
assim chorando não nos entendemos...



Oferecemos, afinal, o soneto "Crescente de Agosto", desse poeta imperecível:

Alteia-se no azul aos poucos o crescente,
o ar embalsama, os cirros leva, o escuro afasta; 
vasto, de extremo a extremo, enche a alameda vasta
e emborca a urna de luz nas águas da corrente.

Na escumilha da teia, onde a aranha indolente 
dorme, feita de orvalho, uma pérola engasta.
Faz aos lírios mais branca a flor cetínea e casta, 
mais brancos os jasmins e a murta redolente.

Faz chorar um violão lá não sei onde...  (A ouvi-lo, 
na calada da noite um não-sei-quê me invade).
Faz que haja em tudo um como estranho espasmo e enlevo;

faz as coisas rezar, ao seu clarão tranqüilo,
faz nascer dentro em mim uma grande saudade,
faz nascer da saudade estes versos que escrevo.

______
NOTA — Alberto de Oliveira, por um escrúpulo muito natural, não incluiu, na memorável coletânea "Os cem melhores sonetos brasileiros", nenhum que fosse de sua autoria. Entretanto, em edições póstumas, o Editor houve por bem colocar cinco sonetos do grande poeta. E, na edição, revista e atualizada por Edgard Rezende, aparece mais um, perfazendo a soma de seis, nenhum deles numerado, "a fim de não afetar a numeração dos demais, estabelecida pelo Autor ". Desses seis sonetos, "Vaso chinês" e "Floresta convulsa" figuram, como vimos, nas páginas de nossa obra, valorizando-a sobremaneira.



Valentim Magalhães (Antônio Valentim da Costa Magalhães), nascido e falecido no Rio de Janeiro (1859-1903), foi, segundo Massaud Moisés, "uma espécie de agitador de idéias e de campanhas", sobretudo através da 'revista "A Semana", que fundara e dirigia. "Talvez, o jornal literário mais bem feito que temos possuído", na opinião do Prof. Eugênio Werneck.

Novelista, poeta e romancista. Mas, ele próprio explicava: absorvido pela prosa, foi "passando de moda como poeta".

Apresentamos, aqui, o seu soneto "A nau da vida":

Veleja a nau da vida... De repente:
— "Mais um!" brada Saturno, e às ondas lança
o cadáver de um ano... Docemente
desliza o barco ao sopro da Esperança.

Canta na tolda a Juventude ardente;
chora a Velhice e inválida descansa;
e a Morte — Nuvem negra — indiferente,
por sobre as águas pérfidas avança.

— "Mais um!" repete o nauta apavorado;
como um fúnebre pêndulo, oscilando
 na Dúvida, que o punge e que o tortura;

e enquanto o sol da Vida, rutilando,
lhe aquece e beija o crânio atordoado,
vai-se-lhe abrindo aos pés a sepultura.



Raimundo Correia (Raimundo da Mota Azevedo Correia), nascido a bordo do vapor "São Luiz", na costa maranhense, e falecido em Paris (1860-1911), completa, com Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, o "trio de ouro" do parnasianismo brasileiro; mas, apesar disso, e também como os outros dois, adotava uma certa liberdade em relação ao credo de sua escola. "Coube-lhe trazer forte nota pessoal ao parnasianismo" — registra Jayme de Barros.

Professor de Direito, Magistrado e Diplomata. Seus restos mortais foram transferidos para o Brasil, em 1920. Embora cultivando uma poesia não raro eivada de pessimismo, seus versos são coloridos, sonoros, embebidos de sensibilidade e singeleza.

Certa vez, pintou-o assim Machado de Assis: "Figura pensativa, que sorri às vezes, ou faz crer que sorri, e nem sei se sorri nunca". Era avesso às "igrejinhas" e às boêmias de seu tempo.

Tradutor impecável, mereceu de Agripino Grieco os maiores encômios pelas suas interpretações poéticas, que se incorporam às coisas de nossas letras".

Manuel Bandeira assim se manifestou: "Certamente é o maior do verso que jamais tivemos". D. João da Câmara escreveu e 'Raimundo Correia é dos primeiros poetas brasileiros; é, portanto uma glória portuguesa".

Seus sonetos "As pombas" e "Mal Secreto", este demonstrando a filosofia amarga de um poeta de apenas 22 anos, estão transcritos no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares”.

Escreveu, ainda, um punhado de sonetos antológicos, como intitulado "O monge":


"O coração da infância — eu lhe dizia —
é manso". E ele me disse: — "Essas estradas, 
quando, novo Eliseu, as percorria,
as crianças lançavam-me pedradas... “

Falei-lhe, então, na glória e na alegria;
e ele — alvas barbas longas derramadas
no burel negro — o olhar somente erguia
às cérulas regiões ilimitadas...

Quando eu, porém, falei no amor, um riso
súbito as faces do impassível monge
iluminou... Era o vislumbre incerto,

era a luz de um crepúsculo indeciso
entre os clarões de um sol que já vai longe
e as sombras de uma noite que vem perto!...


A poesia parnasiana, com seus recursos estéticos, esplende neste soneto, "Banzo":

Visões que na alma o céu do exílio incuba,
mortais visões! 'Fuzila o azul infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
o Niger... Bramem leões de fulva juba...

Uivam chacais... Ressoa a fera tuba
dos cafres, pelas grotas retumbando,
e a estralada das árvores, que um bando
de paquidermes colossais derruba...

Como o guaraz nas rubras penas dorme,
dorme em ninhos de sangue o sol oculto...
Fuma o saibro africano incandescente... 

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme
do baobá... E cresce na alma o vulto
de uma tristeza, imensa, imensamente...



"A Cavalgada" é um dos mais belos e mais conhecidos sonetos desse poeta:

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
o som longínquo vem se aproximando
do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando
e as trompas a soar vão agitando
o remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta,
a lua a estrada solitária banha...


Não queremos deixar sem registro mais uma faceta interessante da poesia de Raimundo Correia. Era sua veia humorística, que podemos sintetizar no soneto "No salão do Conde", a seguir transcrito, e no qual, como assegura Manuel Bandeira, o caricaturado é o poeta Rosendo Muniz Barreto:

É noite. Muita luz. Salão repleto
de gente... — "Ó gentes! Pois ninguém recita?
Recite alguma coisa, seu Barreto!..."
a voz do Conde, entre outras vozes, grita.

Este Barreto é um homem de bonita
cara, suíças e bigode preto.
Quanto ao nariz... se eu falo, ele se írrita;
nem cabe tal nariz em tal soneto!

É alto; ama o pão mole e o verso duro;
já um braço quebrou, saltando um muro;
sofre do peito e faz canções à lua.

Soa o piano. Sua o bardo.
A fria mão leva à testa; tosse, principia:
— “Era no outono, quando a imagem tua"...


Finalmente, estampamos este extraordinário soneto intitulado “Saudade":

Aqui outrora retumbaram hinos;
muito coche real nestas calçadas
e nestas praças, hoje abandonadas,
rodou por entre os ouropéis mais finos...

Arcos de flores, fachos purpurinos,
trons festivais, bandeiras desfraldadas,
girândolas, clarins, atropeladas
legiões de povo, bimbalhar de sinos...

Tudo passou! Mas dessas arcarias
negras, e desses torreões medonhos,
alguém se assenta sobre as lájeas frias;

e em torno os olhos úmidos, tristonhos,
espraia, e chora, como Jeremias,
sobre a Jerusalém de tantos sonhos!

Filho de magistrado, andou, na juventude e parte da mocidade, por várias Províncias, porém não o fascinavam as cidades grandes.

Órfão de mãe quando ainda criança, e fisicamente débil, seu pensamento dolorido ficou pregado na infância triste do seu velho Maranhão.

Em 1883, foi nomeado promotor público de São João da Barra, onde permaneceu um ano e meio.
Justamente naquele pacato lugarejo sucedeu o caso que tem sido narrado por diversos de seus biógrafos.
Desta vez, quem vai contá-lo é o ensaísta Waldir Ribeiro do Val, autor de "Vida e Obra de Raimundo Correia" (1960):
"Ao chegar à pequena cidade, o poeta é recebido pelo chefe político do local, que lhe faz as honras da casa. O promotor é muito jovem ainda, nos seus vinte e quatro anos. O político recomenda-lhe muita cautela, a cidade é pequena, os mexericos nascendo por qualquer coisa. Raimundo tranqüiliza-o: podia ficar descansado, não era homem de dar motivo a que falassem dele. Despedem-se, é feita ao promotor ainda uma última recomendação:

— Cuidado, doutor! Olhe que a cidade é pequena...  Raimundo não pensou mais no caso, entregou-se ao trabalho da promotoria.

Passaram-se alguns dias. Eis que, uma tarde, encontraram-se novamente. O chefe político diz-lhe, meio sem jeito, entre surpreso e incrédulo:

— Eu não disse, doutor, que falavam?
— De mim?! falaram de mim?! — pergunta Raimundo, espantado.

— Não se assuste, doutor, a gente daqui é assim mesmo... Mas pode crer, eu não acreditei, essa gente fala demais...

Raimundo não se podia conter. Falavam então dele, conspurcavam-lhe a honra, ele que não fazia mais que cuidar dos autos, ele que tinha uma vida ilibada!
O "coronel" procurava acalmá-lo:
— Não se zangue, Dr. Raimundo, cidade pequena...

Raimundo perguntava-lhe, pedia-lhe que lhe dissesse, pelo amor de Deus, qual a acusação que lhe faziam, qual a infâmia que lhe lançavam ao rosto.

— Coisa sem importância — atalhava o homem.
Mas o jovem promotor não podia conter-se diante das murmurações. Não ficaria tranqüilo enquanto não soubesse do que se tratava, para provar que tudo não passava de invencionice de algum inimigo gratuito. Ameaçava arrumar as malas e ir-se embora, se não soubesse a verdade.

O chefe político não teve outra alternativa:
— Eu não acreditei, doutor, dou-lhe minha palavra. Mas se o senhor quer saber mesmo: andam dizendo por aí que o senhor é poeta!"


Adelino Fontoura (Adelino Fontoura Chaves), nascido na antiga Província do Maranhão e falecido em Lisboa (1859-1884), foi sonetista de grande valor. Jornalista, trabalhou ao lado de Lopes Trovão e Artur Azevedo.

O seu soneto "Celeste" está mencionado no capítulo deste livro "Os sonetos brasileiros mais populares".

Trazemos, agora, "Atração e repulsão", também muito conhecido nas rodas literárias:

Eu nada mais sonhava nem queria
que de ti não viesse, ou não falasse;
e, como a ti te amei, que alguém te amasse
coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via,
nesta vida, os passos me guiasse,
e tinha fé, cuidando que encontrasse,
após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
este encantado e deleitoso engano,
que o bem, que achar supus, já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano;
se fui té junto a ti de sonho em sonho
voltei, de desengano em desengano.



B. Lopes (Bernardino da Costa Lopes), nascido na antiga Província do Rio de Janeiro e falecido no Rio (1859-1916), foi poeta parnasiano e, mais tarde, simbolista, sem repudiar o parnasianismo. Jornalista, colaborou em vários jornais e revistas.

Gostava da palavra brilhante, sonora, e do verso colorido, destacando-se sempre pela sua imaginação maleável e graciosa. Seu prestígio já estava firmado antes de Cruz e Sousa, sagrando-se através de sonetos admiráveis.

Marques Rebelo registra da seguinte maneira as tendências literárias de B. Lopes. "Figura singular de nossas Letras, propriamente não foi um simbolista e sim parnasiano, muito embora tenha ganho notoriedade como integrante da vanguarda simbolista".

Manuel Bandeira o inclui em sua "Antologia dos poetas brasileiros da fase parnasiana", esclarecendo que "as notas simbolistas são de fato escassas e superficiais em B. Lopes: na grande maioria, os seus poemas revelam indisfarçavelmente o gosto da perfeição formal parnasiana".

Sílvio Romero, no estudo "A Literatura”, Livro do Centenário (1900), diz: "De tudo evidencia-se não dever ser o lugar do poeta dos "Brasões" entre os simbolistas. É apenas transição para eles; seu posto mais exato deverá ser entre os parnasianos".

Péricles Eugênio da Silva Ramos o inclui em duas as Antologias de poetas parnasianos e simbolistas, embora realce os mais fortes pendores do poeta para o estilo parnasiano, na maior parte de sua obra. Péricles lembra mesmo que "há na geração parnasiana algumas figuras de posição multivalente, como Luís Delfino ou B. Lopes", acrescentando, a respeito deste último: "Foi corifeu simbolista, um dos integrantes (1891) do grupo da "Folha Popular", onde era a figura de maior evidência a par de Cruz e Sousa". (....) "Não repudiou, contudo, o parnasianismo: sua obra final é uma demonstração de convivência pacífica das duas correntes, como se pode ver em "Helenos" e "Plumário", volumes nos quais o parnasianismo até que predomina, sendo seu livro mais tipicamente simbolista "Val de Lírios"; "Brasões", na parte final, também era simbolista, assim como essa coloração dominava em "Sinhá Flor". "Dona Carmen" oscila entre as duas diretrizes".

De outro lado, Ronald de Carvalho, na "Pequena História da Literatura Brasileira", classifica B. Lopes entre os simbolistas".

Andrade Muricy, no "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", insere B. Lopes entre os simbolistas. E diz: "Esse extraordinário mestiço, pachola e glorioso, foi no simbolismo brasileiro uma espécie de alegre patriarca". (....) "E quando o simbolismo teve o seu primeiro gesto exterior decisivo, vemo-lo enfileirado com aqueles três outros (Oscar Rosas, Cruz e Sousa e Emiliano Perneta), dando o brado de guerra contra o rígido naturalismo acadêmico, contra os cânones estreitos do parnasianismo".

Nada há de mal citarmos, aqui, sem qualquer intenção de menosprezo ao poeta, o seguinte comentário de Péricles Eugênio da Silva Ramos:
"B. Lopes conheceu ampla notoriedade em vida: diz-se que seus "Brasões" desapareceram das livrarias em duas semanas, na tiragem de 2.000 exemplares, o que para a época era extraordinário. Isso não impediu que morresse ridicularizado, por causa de um soneto laudatório em que chamava Hermes da Fonseca de "cheirosa criatura".

Casou-se com Cleta Vitória de Macedo, "a quem abandonou — diz Andrade Muricy — deixando-lhe o encargo de criar os cinco filhos do casal".
Arrasou-lhe, logo após, a vida, uma paixão sem eco que teve por "Sinhá Flor", casada, com filhos e netos, divorciada, a "esguia mameluca", cujo nome verdadeiro era Adelaide Uchoa Cavalcante. Um dos seus livros de sonetos tem, aliás, esse nome: "Sinhá Flor" (1899).

Gonzaga Duque descreve o B. Lopes dessa época: "Entra o poeta, espalhafatoso no seu vestuário, uma camisa azul, enorme laçaria de seda creme presa sob as pontas largas dum colarinho branco, calças de xadrez dançando nas pernas, polainas de brim, um pára-sol de fular amarelo, um chapéu de palha branco, e na lapela do jaquetão um buquê, verdadeiramente um buquê. Nada menos de três cravos vermelhos e duas rosas "telas de ouro" ".

B. Lopes atravessou uma vida de glórias literárias, mas teve um fim doloroso e melancólico, pois andou internado em um hospício, por alcoolismo.

É muito justo e válido o grito de Carlos Chiacchio: "É preciso reabilitar o homem pela obra".

Seu soneto "Berço" está transcrito no capítulo deste livro "Os sonetos brasileiros mais populares".
Tocante, também, é este soneto "Quando eu morrer", de B. Lopes:

Quando eu morrer, em véspera tranqüila,
num pôr-de-sol de goivos e saudade,
da velha igreja, que a Madona asila,
o sino grande a soluçar Trindade;

quando o tufão do mal que me aniquila
soprar minha alma para a Eternidade,
todas as flores dos jardins da vila,
certo, eu terei da tua caridade.

E, já na sombra amiga do cipreste,
há-de haver uma lágrima piedosa,
a edênea gota, a pérola celeste,

para quem desfolhou, terno, e a mãos cheias,
o lírio, o bogari, o cravo e a rosa
pelas estradas brancas das aldeias.


Ë, igualmente, de B. Lopes este esfuziante soneto "Esmeralda" onde o poeta mostra a sua faceta de simbolista:

Esmeraldas no heráldico diadema,
no lóbulo da orelha cor-de-rosa;
o colo — arde na luz maravilhosa
de um tríplice colar da mesma gema.

No peito, aberto céu de alvura extrema,
entre nuvens de tule vaporosa,
verde constelação, na forma airosa
de principesca e recortada estema. 

Agrilhoa-lhe o pulso um bracelete,
glaucas faíscas desprendendo; ao cinto
um florão de esmeraldas por colchete;

nos dedos finos igual pedra espalda...
Mas deixam todo esse fulgor extinto
os seus dois grandes olhos de esmeralda!


E, enfim, este "Paraíso Perdido", em que B. Lopes, segundo observação de Péricles, "não esconde seu caráter biográfico":

Outro, não eu, que desespero, ao cabo
de, em pedrarias de arte e versos de ouro,
ter dissipado todo o meu tesouro,
como os florins e as jóias de um nababo;

outro, não eu, que para o chão desabo, 
esquecendo-te as culpas e o desdouro,
e a teus pés de marfim, como o rei mouro,
em torrentes de lágrimas acabo;

outro conspurca-te a beleza augusta,
cujo anseio de posse ainda me custa
como um verme faminto andar de rastros.

E mais deploro este meu sonho falso
ao recordar que andei no teu encalço
pelo caminho rútilo dos astros!



Vicente de Carvalho (Vicente Augusto de Carvalho), Desembargador, jornalista e político, nascido e falecido em Santos (São Paulo), um dos mais inspirados, queridos e talentosos poetas brasileiros (1866-1924), e aquele que, segundo opinião geral, pode juntar-se à trindade formada por Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo Correia, dentro do parnasianismo.

A princípio, Vicente de Carvalho não era um parnasiano convicto, mas acabou por dedicar-se à escola, dizendo-se, no prefácio de seu livro "Versos da Mocidade" (1912), "convertido a essa concepção da poesia, certo de que na obra de arte, que é um luxo, a perfeição da forma é uma necessidade".

Lírico de delicada emoção, cantor de grande força dramática e épica, sublime pintor do mar, enamorado. das rosas, é o autor de uma das mais belas coleções de poesias em nossa língua "Poemas e Canções" (1908).

Seu soneto "Só a leve esperança em toda a vida...”  (I do "Velho tema") está incluído em "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro. E não nos furtamos ao prazer de reproduzir, aqui. os outros quatro sonetos do "Velho tema":


II (do "Velho tema")

Eu cantarei de amor tão fortemente,
com tal celeuma e com tamanhos brados,
que afinal teus ouvidos, dominados,
hão-de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
não andrajoso e mendigando agrados,
mas tal como é: — risonho e sem cuidados,
muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
do que merece: eu te amo, e o meu desejo
apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
e vou, de olhos enxutos e alma leve,
à galharda conquista do teu beijo.



III (do "Velho tema")

Belas, airosas, pálidas, altivas,
como tu mesma, outras mulheres vejo:
são rainhas, e segue-as num cortejo
extensa multidão de almas cativas.

Têm a alvura do mármore; lascivas formas;
os lábios feitos para o beijo;
e indiferente e desdenhoso as vejo belas,
airosas, pálidas, altivas...

Por quê? Porque lhes falta a todas elas,
mesmo às que são mais puras e mais belas,
um detalhe sutil, um quase nada:

falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
e entre os encantos de que brilham,
falta o vago encanto da mulher amada.



IV (do "Velho tema")

Eu não espero o bem que mais desejo:
sou condenado, e disso convencido;
vossas palavras, com que sou punido,
são penas e verdades de sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
pois nem se esconde, nem procura ensejo,
e anda à vista naquilo que mais vejo:
em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
ao meu amor desamparado e triste
toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,
põe-se a sonhar o bem que não existe.



V (do "Velho tema")

—"Alma serena e casta, que eu persigo
com o meu sonho de amor e de pecado,
abençoado seja, abençoado
o rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
e assim possa morrer, morrer comigo,
este amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
uma ventura obtida com teu dano,
bem meu, que de teus males fosse feito".

Assim penso, assim quero, assim me engano...
Como se não sentisse que em meu peito
pulsa o covarde coração humano!...



Augusto de Lima, nascido na antiga Província de Minas Gerais e falecido no Rio de Janeiro (1860-1934); não obstante a divergência dos críticos, ao classificarem sua poesia, era ele, afinal, um parnasiano de imaginação peregrina. "Um de seus deuses — lembra Péricles Eugênio da Silva Ramos — era Leconte de Lisle, que também queria integrar a ciência na poesia, para que a primeira servisse à segunda".

Araripe Junior dizia que estávamos diante de "um espírito que pensa quando sente e que sente quando quer". E Sílvio Romero encaixava-o na "corrente realístico-social". José Veríssimo classificava-o como parnasiano.

Nos últimos anos de vida, sua poesia assumiu acentuado refino religioso. Dele disse Edison Lins: "Com esse poeta, a sua juventude literária, a sua saúde espiritual, surgiu na velhice".

Seu soneto "Serenata" consta do capítulo deste livro "Os sonetos brasileiros mais populares".

Este soneto, "De tarde", é tipicamente parnasiano:

Eu vi voando caminho do Ocidente,
o bando ideal de minhas ilusões;
do sol, um raio trêmulo, dormente,
dourava-as com seus últimos clarões.

Para longe corriam doidamente
a crença, o amor, meigas aspirações...
Creio até, que entre as aves, tristemente,
iam partindo os nossos corações.

Além, além... e os pássaros risonhos,
foram-se todos. Vênus lacrimosa
brilhou. No mais, deserta a imensidade.

Não! No ocaso do sol e de meus sonhos,
ficou, ainda a pairar, triste e formosa,
a ave formosa e triste da saudade.


Muito expressivo é, também, o seu soneto "Almas paralelas":

Alma irmã de minha alma, espelho vivo
de outro espelho fiel que te retrata,
alma de luz serena e intemerata,
cujo influxo de amor me tem cativo!

Bem sinto que em mim vives e em ti vivo;
no entanto (e eis o desgosto que me mata!)
do amor a doce vaga me arrebata,
e não posso atingir teu vulto esquivo.

O mesmo curso têm nossos destinos:
do gozo o mel, da dor os desatinos,
a um nada inspiram, sem que ao outro inspirem.

Mas, triste sorte! ó bela entre as mais belas!
Eles são como duas paralelas:
próximos correm, sem jamais se unirem!....



Rodrigo Otávio (Rodrigo Otávio de Langard Menezes), paulista, falecido no Rio de Janeiro (1866-1944), Consultor Geral da República, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Delegado Plenipotenciário do Brasil em Conferências como a de Paz, de Paris (1919), onde assinou o Tratado de Versalhes.

Como poeta, mereceu os maiores elogios de Machado de Assis, e devemos-lhe o soneto "Ouvindo Beethoven":

Quando os teus dedos hábeis, do teclado
ebúrneo arrancam as celestes notas
dessa música estranha, eu sou levado
de um triste sonho às regiões ignotas:

Deixo o mundo; só tu vens a meu lado,
tu somente, e, deixando em baixo grotas,
serras, cidades — fujo, ascendo, alado,
da fantasia pelas ínvias rotas;

e vejo um sol na tela purpurina
do ocaso, e subo ainda, penetrando,
alfim, do céu no páramo profundo;

e então escuto, pávido, a argentina
voz das estrelas trêmulas, falando
sobre as coisas tristíssimas do mundo...



Filinto de Almeida (Francisco Filinto de Almeida) era português naturalizado brasileiro (1857-1945). Veio para o Brasil com dez anos de idade. Fundador da Academia Brasileira de Letras. Dirigiu "O Estado de São Paulo" e escreveu na "Semana", de Valentim Magalhães.

Foi casado com a escritora Júlia Lopes de Almeida, com quem escreveu, em colaboração, o romance "A Casa Verde" (1932).

Poeta de lírica suave, nem por isso deixou de ser, também, um cético, como neste seu verso que se tornou famoso:
"Bela demais para mulher honesta"


Aqui, o seu soneto "Último apelo":

Não mais a minha Musa me obedece
como sempre, contente, obedecia;
de tudo que eu suplico ela se esquece,
como jamais outrora se esquecia.

E eu, que lhe peço? Apenas que não cesse
de me florir os campos da Poesia,
de me acender a chama que me aquece
para os estos da minha Fantasia.

Faço-lhe agora um último pedido:
é que me assista, quando o fim chegar
deste seu velho Poeta combalido;

que, quando a Morte me vier buscar,
com voz me encontre, plácido, estendido,
sobre um leito de nuvens a cantar!




Olavo Bilac (Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac), nascido e falecido no Rio de Janeiro (1865-1918). Foi tão grande, Bilac, a predestinação de poeta, que o seu nome completo ma um verso alexandrino. Professor, jornalista, cronista, orador, esplendoroso conferencista, notável prosador, e, acima de tudo,grande poeta. Formou, com Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, a tríade imortal da velha nobreza parnasiana.

Seus versos são de "uma elegância sem preciosismo e perceptível timbre retórico", diz Péricles, que acrescenta: "De um modo geral, sua expressão é equilibrada, sem os desníveis que os outros parnasianos apresentam, mesmo os grandes como Raimundo Correia ou Alberto de Oliveira, e essa continuidade confere-lhe caráter profundamente representativo".

No mínimo durante vinte anos, Bilac foi combatido pelos modernistas", mas, hoje, eles próprios o compreendem e o respeitam como um dos grandes poetas da nossa literatura. Emílio de Menezes dizia que ele era "rei na prosa e imperador no verso".

Estudou medicina, mas cursou apenas até o 4º  ano.

Esteve foragido em Minas Gerais, face à sua posição na revolta de 1893. Regressando ao Rio, esteve preso na Fortaleza de Laje, durante cinco meses.

Foi Inspetor Escolar do Distrito Federal e fundador da Academia Brasileira de Letras.

Como jornalista, defendeu as causas do nacionalismo e, também, da abolição. Mas, suas maiores campanhas foram a que realizou em favor do serviço militar obrigatório e a que empreendeu contra o analfabetismo.

Como ele próprio lembrou, nasceu "quando o Brasil vibrava entre a batalha do Riachuelo e a batalha de Tuiuti". E, em Buenos Aires, quando participou da comitiva do Presidente Campos Sales, em 1900, assim se expressou à revista “Caras y Caretas":
 "Nasci quando argentinos, paraguaios e brasileiros andavam batalhando e morrendo. A estrela que presidiu ao meu nascimento era vermelha como o sangue. Apesar disso, sou um homem pacífico; somente uma décima parte de minha alma pertence a D. Quixote; as outras nove décimas partes pertencem a Sancho Panca".

Mas, a despeito das aparências, Bilac viveu uma vida acidentada.

Abordou, com mestria, com grandeza, todas as facetas da literatura; na verdade, porém, foi como poeta que se imortalizou.

Bilac era um insatisfeito. Não se pode afirmar que se tenha realizado como poeta. Ao contrário, não se duvida de que morreu sem haver concretizado o seu maior sonho: o de escrever um grande poema. Seu livro "Tarde" parece formado de trechos, de estrofes, de idéias, que, concatenados, poderiam, talvez, constituir a base do seu poema.

Ele mesmo confessa algo a respeito, nas "'Últimas conferências e discursos":
—"Sonho às vezes, à noite, quando fico sozinho, com meus pensamentos, com a inquietação de minha alma, com meus sustos e minhas esperanças de brasileiro, um grande poema, o poema que um grande poeta escreverá daqui a cem ou duzentos anos, sobre o Brasil. A nossa pátria, a nossa língua, a nossa raça terão um dia sua epopéia definitiva, complemento dos "Lusíadas" ".

Bilac inspirou-se em Gautier, para escrever sua "Profissão de Fé". Na realidade, porém, o verdadeiro Bilac nunca foi um Parnasiano fiel aos padrões franceses, nunca foi um escravo da frieza parnasiana, muito embora tivesse chegado a depurar esplendidamente o seu estilo.

Amante da Forma, como o tinham sido Flaubert, Herédia e Leconte de Lisle, ele gostava da correção da linguagem e da métrica; todavia, não se devotava aos requintes da rima. E os seus temas não se limitavam às exigências ditadas pelo parnasianismo.

Sua vida foi um rosário de espectros, de dramas, de desejos irrealizados, de emoções empolgantes, de insatisfações desesperadas. Muitas vezes quase chegou a desanimar, porque não podia alcançar — ele que já era um grande poeta a altura inacessível de seu ideal.

Um dia, escreveu, desencantado:
— "Poeta é Homero, que eterniza a vida heróica; Dante, que humaniza o amor divino; Shakespeare, que revolve o mundo moral; Camões, que imortaliza a conquista dos mares tenebrosos; Cervantes, que fixa, num tipo sublime, as ambições e as loucuras; Vitor Hugo, que junta, no mesmo canto apaixonado, o horror da decadência e a fulguração das esperanças".

Sua obra apresenta os aspectos mais diversos, realçando, inclusive, uma comovedora alma patriótica. Autor de versos lapidares, seria, em qualquer língua, dos maiores poetas do mundo.

Por fim, como aconteceu com Herédia, o nosso Bilac só escrevia sonetos. Sonetos maravilhosos, que honram não só o Parnasianismo, como a própria poesia brasileira e portuguesa.

Sem dúvida, foi o maior poeta do seu tempo e, talvez, de de todos os tempos, no Brasil. Chegou a assistir à sua própria glorificação.

Preso aos grilhões de um outono melancólico, Bilac envelheceu prematuramente. Envelheceu sem realizar o seu sonhado poema, embora tenha escrito  inúmeros poemas de augusta beleza.

Através de um concurso promovido pela revista "Fon-Fon", Bilac sagrou-se o primeiro "príncipe dos poetas brasileiros".

Foi autor de uma obra equilibrada, encantadora e formosamente humana, da qual se destacam muitos sonetos que, hoje, enriquecem nossa língua, como "Ouvir estrelas" e "Virgens Mortas”, mostrados no capítulo deste livro "Os sonetos brasileiros mais populares”; ou como este, "Música brasileira":

Tens, às vezes, o fogo soberano
do amor: encerras na cadência, acesa
em requebros e encantos de impureza,
todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
dos desertos, das matas e do oceano:
bárbara poracé, banzo africano,
e soluços de trova portuguesa.

És samba e jongo, chiba e fado, cujos
acordes são desejos e orfandades
de selvagens, cativos e marujos:

e em nostalgias e paixões consistes,
lasciva dor, beijo de três saudades,
flor amorosa de três raças tristes.


Ou "Criação":

Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.

É um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra, aflito;
rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.

Deus transmite o seu hálito aos amantes;
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;

porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em glorificações, enchendo o espaço!


Ou, ainda, como este, "Nel mezzo del camin":

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
e triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
da vida: longos anos, presa à minha
a tua mão, a vista deslumbrada
tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
nem o pranto os teus olhos umedece,
nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
vendo o teu vulto que desaparece
na extrema curva do caminho extremo.


E agora, um de seus melhores sonetos, "Velhas árvores", de comovida simplicidade:

Olha estas velhas árvores, mais belas
do que as árvores novas, mais amigas;
tanto mais belas quanto mais antigas,
vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
vivem, livres de fomes e fadigas;
e em seus galhos abrigam-se as cantigas
e os amores das aves tagarelas. 

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! Envelheçamos
como as árvores fortes envelhecem:

na glória da alegria e da bondade,
agasalhando os pássaros nos ramos,
dando sombra e consolo aos que padecem!


Maldição", é um dos mais perfeitos e apreciados sonetos do excelso poeta:

Se por vinte anos, nesta furna escura,
deixei dormir a minha maldição,
— hoje, velha e cansada da amargura,
minha alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
sobre a tua cabeça ferverão
vinte anos de silêncio e de tortura,
vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...


Com grande orgulho, trazemos, para esta página, o soneto "Pátria", que traduz, magistralmente, o seu exaltado sentimento de brasilidade:

Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde
circulo! e sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho!
E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde,
e subo do teu cerne ao céu, de galho em galho!

Dos teus liquens, dos teus cipós, da tua fronde,
do ninho que gorjeia em teu doce agasalho,
do fruto a amadurar que em teu seio se esconde,
de ti — rebento em luz e em cânticos me espalho!

Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes, 
no alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto!
E eu, morto — sendo tu cheia de cicatrizes,

tu, golpeada e insultada —, eu tremerei sepulto:
e os meus ossos no chão, como as tuas raízes,
se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!


Olavo Bilac, grande amigo de Alberto de Oliveira, freqüentava-lhe a casa, em Niterói (uma chácara na Engenhoca), juntamente com jornalistas, escritores e poetas de evidência na época, dentre os quais Paula Nei, Pardal Mallet, Raimundo Correia, Luiz Delfino, Artur Azevedo, José do Patrocínio, Filinto de Almeida, Guimarães Passos, Lúcio de Mendonça, Salvador de Mendonça, Valentim Magalhães, Raul Pompéia.

Bilac, o mais destacado de todos, apaixonou-se por Amélia de Oliveira (1868-1945), irmã de Alberto de Oliveira e, também, poetisa. Cortejou-a, chegando a ficar noivo dela. O romance, porém, por circunstâncias diversas, inclusive pela objeção de um dos irmãos de Amélia, não teve longa duração. Bilac desapareceu da casa.

Amélia, tempos depois, ainda esperançosa de revê-lo, exprimiu seus sentimentos neste soneto:

Talvez já tudo tenhas esquecido:
aquela casa e as árvores frondosas
da entrada do caminho e as brancas rosas
e o coqueiral, altivamente erguido.

O bando de aves tímidas, saudosas,
a desferir seu canto enternecido,
e aquele céu azul, indefinido,
cheio de sóis, de estrelas luminosas.

Quanta mudança encontrarás se um dia
ali fores!... Tristonhos, tumulares,
o arvoredo, o rosal... O espaço mudo.

E só, errante, a soluçar, sombria,
a saudade acharás se ali voltares.
Mas... Talvez tenhas esquecido tudo!


Rompido o noivado, houve, da parte da Musa e do Poeta, uma troca de sonetos. Se o de Amélia, que a seguir transcrevemos, é matizado de suavidade dolente, o de Bilac, transcrito logo após, é uma verdadeira obra-prima e lá está no seu livro "Tarde". Ambos morreram solteiros, ela sobrevivendo 27 anos ao grande cantor.


Eis o mais belo e mais doloroso soneto de Amélia de Oliveira, intitulado "Prece", e escrito, segundo Elmo Elton, sob o pseudônimo de Emília da Paz:

Não te peço a ventura desejada,
nem os sonhos que outrora tu me deste,
nem a santa alegria que puseste
nessa doce esperança já passada.

O futuro de amor que prometeste,
não te peço! Minha alma angustiada
já te não pede, do impossível, nada,
não lembra aquilo que esqueceste!

Nesta mágoa sofrida ocultamente,
nesta saudade atroz que me deixaste,
neste pranto que choro ainda por ti,

nada te peço! Nada! Tão-somente
peço-te, agora, a paz que me roubaste,
peço-te, agora, a vida que perdi!


E, primoroso, o soneto-resposta do grande poeta, com o mesmo título, "Prece", um soneto em que há, a um tempo, beleza, perfeição, humildade, arrependimento, remorso e desespero:

Durma, de tuas mãos nas palmas sacrossantas,
o meu remorso. Velho e pobre, como Jó,
perdendo-te, a melhor de tantas posses, tantas,
malsinado de Deus, perdi... Tu foste a só!

Ao céu, por teu perdão, a minha alma, que encantas,
suba, como por uma escada de Jacó!
Perdi-te... E eras a graça, alta entre as altas santas, 
a sombra, a força, o aroma, a luz... Tu foste a só!

Tu foste a só!... Não valho a poeira que levantas, 
quando passas. Não valho a esmola do teu dó!
— Mas deixa-me chorar, beijando as tuas plantas,

mas deixa-me clamar, humilhado no pó:
Tu, que em misericórdia as Madonas suplantas, 
acolhe a contrição do mau... Tu foste a só!



Guimarães Passos (Sebastião Cícero de Guimarães Passos), nascido na antiga Província de Alagoas e falecido em Paris, tuberculoso (1867-1909). Situou-se entre os mais fulgentes e apreciados poetas do parnasianismo, possuidor que era de uma inspiração graciosa e ondulante. Não perdia para os maiores boêmios do Rio de Janeiro e pertenceu à famosa roda de Olavo Bilac.

Participou da revolução de 1893; malograda esta, para não ser preso, exilou-se na Argentina, onde esteve 18 meses.

Seus restos mortais foram trasladados para o Brasil, em 1921. O célebre soneto "Teu lenço" está inserido no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares".

Leiamos o soneto "Sempre", de sua autoria:

Se eu não te disse nunca que te amava,
perdoa-me, mulher, sou inocente;
eu vivia de amar-te unicamente,
unicamente em teu amor pensava.

Se os meus lábios calavam-se, falava
o meu olhar apaixonadamente,
porque, se o lábio oculta o que a alma sente,
conta o olhar o que o lábio não contava.

Meu rosto triste, meu cismar constante,
meu gesto, meu sorrir, tudo exalava,
tudo exprimia um coração amante.

Em tudo o meu amor se denunciava,
via-te em toda a parte e a todo o instante,
se estavas longe, se contigo estava.


Também é da autoria de Guimarães Passos este lindo soneto "Non ragionar de lor":

Era mútuo o desejo; no entretanto,
quando ela me buscava eu lhe fugia;
queria um beijo, porém não queria
que alguém nos visse, para ter encanto.

Afastei-me dos homens que alegria!
Estamos sós, buscamo-nos, e enquanto
em prelúdio sorrimos, com que espanto
o sol, como um olho enorme, nos espia.

A noite espero... Enfim tudo adormece...
Beijo-a; beijando-me ela a vida esquece
e a vida esqueço, porque a estou beijando. 

E descuidados, quando a vista erguemos,
a noite (por que tal fizemos?)
com mil olhos de fogo nos olhando...



Zeferino Brasil (1870-1942), nasceu e faleceu no Rio Grande Sul. “Foi o maior poeta parnasiano do sul do país", segundo Manuelito de Ornelas, embora sua arte tenha tido muito de simbolista. Recebeu a láurea de "príncipe dos poetas do Rio Grande do Sul”.

Em seus próprios poemas, dizia querer a Forma "de mármore brilhante e de cedro lavrado"... "e leve como um dourado raio brando de sol, leve e luminosa como uma gota d'água em um cálix de rosa”. Dizia querer a rima "límpida, clara, serena como uma pena de garça".

Evoquemo-lo neste grande soneto:

Mãe Natureza, grande e poderosa,
tu que a existência fazes e a desfazes;
que dás vida à matéria e vida aos gases;
que és boa e má; que és treva e luz radiosa;

por que não me fizeste, ó Mãe piedosa,
da mesma argila de que tudo fazes,
em vez de homem, que preso à angústia trazes,
um cedro altivo da floresta umbrosa?

Homem, matéria vil, a morte um dia
virá, cedo talvez, e, desgraçado,
ao nada voltarei da terra fria.

E, cedro, eu morto inda seria, entanto,
talvez um berço, um leito de noivado,
ou quem sabe se a imagem de algum santo!...


E, também, neste alexandrino:

Ser pedra! Não sofrer nem amar, que ventura!
Excelsa aspiração que merece um poema!
Ser pedra e ter da pedra a consistência dura,
que resiste do tempo à corrupção extrema!

Alma! Sopro de luz que me anima e depura,
antes tu fosses pedra: um diamante, uma gema, 
não te seria a vida esta insana loucura,
esse eterno aspirar à perfeição suprema!

Homem, não mudarás! És homem, serás homem; 
lama vil animada, onde vive e onde medra
a venenosa flor das mágoas que consomem.

Homem sempre serás, imperfeito e corruto...
E melhor é ser pedra e viver como pedra,
que ser homem assim e viver como um bruto!



Júlio Cesar da Silva (1872-1936), nascido em Xiririca (SP) e falecido em São Paulo, advogado, irmão de Francisca Júlia, foi poeta de versos cristalinos e sonoros. Vicente de Carvalho classificava sua linguagem de "riqueza sem pompa".

Pedro de Alcântara Worms revela-nos: "Bacharel avesso à advocacia, pensou em ser padre, mas a vida boêmia fascinava-o. Poeta, sempre se mostrou indeciso entre o parnasianismo e o simbolismo".
Aliás, acrescentamos nós, sua irmã Francisca Júlia, de quem trataremos logo a seguir, cultivou a mesma indecisão.

De Júlio Cesar da Silva, oferecemos aos leitores dois impecáveis sonetos, sob o título "A Taça do Rei de Tule":


Trêmulo, as barbas úmidas de choro,
no fim da vida, o Rei de Tule, um dia
tirou a taça pela qual bebia
do cofre onde guardava o seu tesouro.

Era essa a jóia de maior valia;
e, ante os nobres e gentes do seu foro,
ao mar lançou a linda taça de ouro...
E, minutos após, o Rei morria.

Se essa taça continha algum arcano,
hoje somente é o mar quem lho devassa,
porque ela jaz no fundo do oceano.

Beija-a, somente, arfando, a água que passa...
E hoje ninguém, lábio nenhum profano,
o vinho prova por aquela taça...


II

Quando me chego a ti, por mais que faça
por domar dentro em mim este alvoroço,
sinto que sou, sem reino e embora moço,
o rei de Tule, e tu, a minha taça.

Dos teus lábios ninguém hoje devassa
o fundo senão eu; e, enquanto posso
no mel que eles contêm os meus adoço...
Mas, por fim, tudo cansa e tudo passa.

Não poder, como o rei, no fim da vida,
ante os meus cortesãos, jograis e sábios,
lançar-te ao mar também, taça querida,

para que ninguém mais sinta os ressábios
dessa bebida por mim só bebida
pela taça vermelha dos teus lábios!



Francisca Júlia (Francisca Júlia da Silva Munster), que nasceu em Xiririca (SP) e faleceu em São Paulo (1874-1920), foi uma das figuras mais impressionantes do parnasianismo, entre nós.

Aos 21 anos, em 1895, publicou seu livro de estréia, "Mármores", prefaciado por João Ribeiro, que comparou-a a Leconte de Lisle. Foi festejado, com euforia, pelo público e pela crítica, “prenunciando — conforme registra, judiciosamente, a Grande Enciclopédia Delta Larousse — o sucesso da autora, que seria mais tarde considerada a maior poetisa do parnasianismo no Brasil".

Continua a Delta: "Professando a arte pela arte, procurou realizar os ideais estéticos parnasianos, especialmente o da impassibilidade. Sua temática não foge à preconizada pela escola a que se filiou: elegendo a natureza como fonte inspiradora, cantou-a objetivamente, impondo-se o descritivismo, mas realizando poemas de superior qualidade formal. A influência de José Maria de Herédia, influência consentida e, segundo Mário de Andrade, por vezes até superada, constituiu fator preponderante em sua poesia".

Péricles Eugênio da Silva Ramos escreveu: "Para aqueles que tinham do parnasianismo uma concepção plástica e sonora, e reduziam o poema à descrição objetiva de um quadro, de uma cena, de um objeto, a corrente, no Brasil, contou com uma intérprete notável, capaz de escrever uma poesia "máscula", isto é, que nem parecia feita por mulher, de produzir sonetos de um ritmo amplo, grave, coleante, nos quais muitos viram perfeita adequação à linha de Herédia".

Enéas de Moura, autor da "Coletânea de Poetas Paulistas", descreve como aconteceu o despontar desse grande nome da literatura:
 "Francisca Júlia teve a sua glória e o seu infortúnio. Conta Max Fleiuss que, certa vez, chegou à redação da "Semana" um belo soneto intitulado "Musa impassível", assinado por Francisca Júlia da Silva. Era tão perfeito, que João Ribeiro o considerou uma mistificação. Seu autor só podia ser Raimundo Correia. Lendo-o, também, o poeta meneou a cabeça. Era uma pena, não era seu, devia ser de Olavo Bilac; somente ele faria esse soneto. Mas, o autor da "Via-Láctea" afirmou que não era seu também; que, não sendo de Raimundo Correia, só podia ser de Alberto de Oliveira, que estaria usando um pseudônimo. O outro mestre da poesia brasileira, entretanto, afirmou que era a primeira vez que via tal soneto. E o "mistério" continuou por muito tempo a intrigar, até que um dia foi "desvendado" por Valentim Magalhães. Francisca Júlia não era um pseudônimo. Era o nome da irmã do poeta Júlio Cesar da Silva. O incrédulo João Ribeiro, mais tarde, prefaciou o seu primeiro livro, "Mármores", terminando com estas palavras: "O caráter predominante da sua poesia é, talvez, o amor da beleza clássica, tal qual a ideavam os helenos de Péricles".

Péricles Eugênio da Silva Ramos procura esclarecer um ponto confuso e controvertido em torno da morte de Francisca Júlia:
“... Com a doença do marido, começou a afirmar que jamais poria o véu de viúva; no dia do falecimento de Filadelfo (Filadelfo Edmundo Munster), em 31 de outubro de 1920, adormeceu para não mais acordar, apesar de todos os esforços médicos, uma vez que tomara, por engano ou deliberadamente, excessiva dose de narcótico. Não passa de lenda, sem fundamento, a versão de que morreu sobre o caixão do marido, ao despedir-se do corpo. Faleceu no dia do sepultamento de Filadelfo, antes do saimento do corpo (1º  de novembro de 1920), e foi sepultada no dia de finados, no Cemitério do Araçá".

Não menos compreensível e, até, aceitável, embora tão dolorosa quanto à outra, é a versão que nos transmite Enéas de Moura:
"Decorridos alguns anos, correu a notícia de que a poetisa havia tentado o suicídio, por questões sentimentais, tendo, para atingir o fim, se utilizado de um frasco de álcool. Não morreu. mas, restabelecida, entregou-se ao vício da embriaguez, que carregou até às proximidades da morte. Não obstante, casou-se com o abnegado Manoel Ferreira Munster, que tudo fez para curá-la, não o tendo conseguido, entretanto. De manhã era um anjo e à noite um demônio. Um dia seu marido adoeceu gravemente e o milagre se operou. Francisca Júlia da Silva conseguiu esquecer a ingratidão há tanto tempo sofrida, e curou-se. Toda desvelos, cuidou do marido como a melhor das enfermeiras. Na madrugada de 2 de novembro de 1920, Munster pede água. Francisca Júlia corre a atendê-lo. Quando chega ao leito do enfermo, só lhe resta fechar-lhe os olhos; ele morria. Francisca Júlia, a incomparável representante do parnasianismo em nossa terra, termina, também, ali mesmo, ao lado do marido, seus dias de glória e de tortura".

Repare-se na divergência de nomes do marido da poetisa, citados nas duas versões: para Péricles era Filadelfo Edmundo Munster, e para Enéas era Manoel Ferreira Munster.

É o seguinte o soneto "Musa impassível", de Francisca Júlia, e a respeito do qual fizemos referência linhas atrás:

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho, e diante
de um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma angüiforme de Dante,
ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio de ouro, a imagem atrativa,
a rima cujo som, de uma harmonia crebra,
cante aos ouvidos da alma; a estrofe limpa e viva;

versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
ora o surdo rumor de mármores partidos!


De acordo com o que observa Péricles Eugênio da Silva Ramos, “não foi a parnasiana, contudo, a feição definitiva da poesia de Francisca Júlia, que propendeu para uma poesia simbolista e mística, e afinal veio a "aborrecer" sua primitiva produção. O seu simbolismo era bastante antigo, anterior mesmo à publicação de “Mármores"”.


Recordemos mais este soneto seu, "Os argonautas":

Mar fora, ei-los que vão, cheios de ardor insano.
Os astros e o luar — amigas sentinelas,
lançam bênçãos de cima às largas caravelas,
que rasgam fortemente a vastidão do oceano.

Ei-los que vão buscar noutras paragens belas
infindos cabedais de algum tesouro arcano...
E o vento austral que passa, em cóleras, ufano,
faz palpitar o bojo às retesadas velas.

Novos céus querem ver miríficas belezas;
querem também possuir tesouros e riquezas,
como essas naus, que têm galhardetes e mastros...

Ateiam-lhes a febre essas minas supostas...
E, olhos fitos no vácuo, imploram, de mãos postas, 
a áurea bênção dos céus e a proteção dos astros.



Emílio de Menezes, nascido na antiga Província do Paraná e falecido no Rio de Janeiro (1867-1918), foi um boêmio inveterado e, segundo José Schiavo, "o mais famoso poeta satírico brasileiro depois de Gregório de Matos". Raimundo de Menezes, em seu livro "Emílio de Menezes, o último boêmio", recorda, com felicidade, as peripécias da vida irregular, desordenada e alegre do poeta.

Também foi um dos mais autênticos parnasianos, pela sua perfeição artística e lavor da forma cuidada. De outra parte, deu mostras de sua inspiração delicada e romântica, como no soneto "Noite de insônia", que inscrevemos no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro.

Emílio de Menezes "grava os seus versos a buril", segundo afirmação do antologista Eugênio Werneck.

Destacamos o seu soneto "No lago de Genesareth":

Nau da Fé! por que, em ti, tornas o incenso em fumo?
Por que, de um porto bom, para outro porto zarpas? 
Nau da Esperanças em ti, já os sonhos não resumo:
teu porto se antolhou de abrolhos e de escarpas!

Desarvorada Nau da Caridade! as harpas
do teu velame, já se não ouvem, presumo,
pois as cordas sutis aos vendavais esfarpas
e lá segues também sem velas e sem rumo!...

E a humanidade toda, entre queixas e mágoas, 
entre as fúrias do mar e a cólera celeste,
fere e arpoa dos bons a alma em ardentes fráguas.

Mas Cristo surge e diz, por entre as ondas: "Este 
manto de que me dispo e estendo sobre as águas,
é uma nau que resume as três naus que perdeste!...


É do poeta satírico este soneto, "O. L." (Oliveira Lima):

De carne mole e pele bambalhona,
ante a própria figura se extasia.
Como oliveira — ele não dá azeitona,
sendo lima — parece melancia.

Atravancando a porta que ambiciona,
não deixa entrar, nem entra. É uma mania!
Dão-lhe, por isso, a alcunha brincalhona
de pára-vento da diplomacia.

Não existe exemplar, na atualidade,
de corpo tal e de ambição tamanha,
nem para intriga igual habilidade.

Eis, em resumo, essa figura estranha:
tem mil léguas quadradas de vaidade
por milímetro cúbico de banha.


Júlia Cortines (Júlia Cortines Laxe), nascida na antiga Província do Rio de Janeiro e falecida no Rio de Janeiro (1868-1948), foi uma das três Júlias famosas da época, ao lado de Francisca Júlia e  Júlia Lopes de Almeida. Talvez, a maior poetisa fluminense.
Fausto Cunha acha que, com o seu segundo livro, "Vibrações”, Júlia Cortines adquiriu "um tom lento e austero, um quase andamento fúnebre para sua poesia elegíaca".

Poetisa de vôos largos, pessimista, perpetrou alexandrinos inestimáveis, muitos deles dignos de figurar ao lado dos sonetos de Francisca Júlia, como este "O lago":

Um pouco d'água só, e, ao fundo, areia ou lama. 
Um pouco d'água em que, no entanto, se retrata
o pássaro que o vôo aos ares arrebata,
e o rubro e infindo céu do crepúsculo em chama.

Água que se transmuda em reluzente prata, 
quando, do bosque em flor, que as brisas embalsama,
a lua, como uma áurea e finíssima trama,
pelos ombros da Noite a sua luz desata.

Poeta, como esse lago adormecido e mudo,
onde não há, sequer, um frêmito de vida,
onde tudo é ilusório e passageiro é tudo,

existem, sobre um fundo, ou de lama ou de areia, 
almas em que tu vês, apenas, refletida
a tua alma, onde o sonho astros de ouro semeia.



Victor Silva (1865-1922) nasceu no Rio de Janeiro e faleceu em Porto Alegre. Araripe Júnior via, nele, alguém que parecia "destinado a arquitetar em brasileiro um livro no gênero dos "Troféus" de Herédia".

Péricles disse que "a poesia de Victor Silva é em grosso parnasiana, mas dela ressumam também tons de exceção, macabros, decadentes, a denunciar a influência de Poe e Baudelaire".

Está inserto, abaixo, um de seus mais fortes sonetos, "O Farol":

Na amplidão do mar alto entre as vagas se apruma 
o vulto do Farol como uma sentinela;
estardalhaça o vento, e a rugir se encapela
a água negra do mar em turbilhões de espuma.

Enche a trágica noite, atroa e se avoluma
um insano clamor nas asas da procela;
é a morte! E ao temporal que as vagas atropela
rodopiam as naus na escuridão da bruma.

Mas súbito um clarão a espessa treva inflama, 
acende o mar bravio, ilumina os escolhos
e guia o rumo às naus contra os parcéis da morte

É a vida! É o Farol que, escancarando os olhos,
vira e revira em torno as órbitas de chama,
ora ao Norte, ora ao Sul, ora ao Sul, ora ao Norte...



Pedro Rabelo (1868-1905). Nasceu e morreu no Rio de Janeiro. Em sua geração desfrutou de grande prestígio, tendo sido, inclusive, fundador da Academia Brasileira de Letras. Como jornalista, foi companheiro de Bilac em "A Cigarra" e na “Gazeta de Notícias".

É o autor de um soneto que se tornou antológico, "Morte de Halza", que, a seguir, mostramos:

 Fora há um brusco rumor, Ergo-me e digo:
—"Bendita Halza que em meu encontro acode!"
 Abro. Ninguém. — "Que é que este ruído pode 
motivar?" — penso em tênebras, comigo.

E de súbito o trêmulo postigo
uma pancada, rápida, sacode...
—"Quem é — pergunto — que em tal noite pode
vir com ar inimigo a um lar amigo?"

Abro. Ninguém. Deserta a rua, fora
dorme a casa entre as árvores. Distante,
morre uma estrela solitária e fria...

Ah! que o não possa eu ver senão agora!
Naquele lúgubre e fatal instante,
Halza, distante, pálida, morria... 



Júlio Salusse (Júlio Mário Salusse), nascido na antiga Província do Rio de Janeiro e falecido no Rio de Janeiro (1872-1948), conquistou a celebridade com o soneto "Cisnes", que estampamos no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro.

Foi um poeta de técnica perfeita, de lirismo admirável, autor de páginas encantadoras, repassadas de ternura, desilusão, mágoa, êxtase, solidão, amor platônico, paixão, mas tudo formando raros instantes de grande sensibilidade.

Nilo Bruzzi, que conviveu com ele, escreveu um livro significativo, "Júlio Salusse, o último Petrarca". Segundo Bruzzi, o poeta escreveu o soneto célebre "impressionado com a beleza de Laura, filha do Conde de Nova Friburgo, pela qual concebeu amor platônico, e que se casou com outro".

Mais que septuagenário, Salusse escreveu este sentido soneto:

 — Vi passar num corcel a toda a brida,
nuvens de poeira erguendo pela estrada,
um gigante, impassível como o nada,
indiferente a tudo — à morte e à vida!

Tão bela, como a Bela Adormecida,
tinha nos braços uma loura fada:
lindos cabelos de ilusão dourada,
pálidas faces de ilusão perdida...

Assombrado, gritei para o gigante:
—"Quem és tu? Essa deusa é tua amante?"
E o Cavaleiro, o Tempo, respondeu:

— "Eu sou tudo e sou nada nos espaços,
e esta Mulher que levo nos meus braços
é a tua Mocidade que morreu!


O soneto que se segue, segundo Nilo Bruzzi, foi a última produção de Júlio Salusse:

A minha vida é a planta que as procelas
sacudiram, torcendo-lhe a raiz...
Tive ambições e a mais ardente delas
foi a da glória e a glória não me quis!

Vi, como sombras, poéticas donzelas,
sombras que se apagaram, como o giz...
Os sonhos meus eram batéis sem velas!
Perdi-os todos. Fui, talvez, feliz!

Sempre o destino olhei com tédio e medo,
pois vim ao mundo muito tarde ou cedo...
Rosas plantei e a flor do mal colhi!

Ainda que pudesse, eu não quisera
voltar à mocidade, à primavera
de um tempo que passou, mas não vivi!





Magalhães de Azeredo (Carlos Magalhães de Azeredo), nascido no Rio de janeiro e falecido em Roma (1872-1963), foi o primeiro dos neoparnasianos (1898). Daí por que revelou, desde logo, ambições renovadoras, adotando os "metros bárbaros" praticados, com êxito, por Carducci, na Itália.

Embora jamais olvidasse a pátria, passou a maior parte de sua vida em países estrangeiros, no exercício da carreira de Diplomata. Serviu em vários lugares, principalmente na Santa Sé, onde esteve, com três interrupções, durante 40 (quarenta) anos.

Falecido em Roma, seus restos foram trasladados para o Rio de Janeiro.

Escritor, prosador e poeta, foi sempre um valor brilhante em suas atividades literárias. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Divulgamos, adiante, o seu soneto "O beijo":

Coisa tão simples, afinal, o beijo!
Simples como um olhar, como um aceno;
mas que precioso vinho benfazejo
nele se bebe, ou que mortal veneno!

Quanto ele diz, em rápido lampejo!...
Leves carícias de um amor sereno,
insistentes reclamos de desejo,
triunfante expressão de gozo pleno...

E ora o sangue nas veias eletriza,
ora as almas eleva e diviniza,
num sagrado esplendor de preces mudas.

Beijo de mãe, beijo de irmã confiante,
beijo faminto e cálido de amante...
Mas há também o beijo vil de Judas!


É, igualmente, muito expressivo este belíssimo e sentido soneto “Dante”:

Sempre anda só, no exílio de Ravena,
Dante, o Poeta. O seu perfil agudo
de águia doente, o fosco olhar, que o estudo
gastou, dizem a um tempo orgulho e pena.

Em vão, nas ruas, pela tarde amena,
crianças brincam, moças riem. Mudo,
 ele prossegue, indiferente a tudo,
salvo à dor incurável, que o envenena.

Se, torvo, envolto em rubro-escuro manto,
um fantasma o julgais, seu iracundo
e triste aspecto não vos cause espanto;

quem, depois de sofrer o ódio profundo
da Pátria, viu o Inferno, e chorou tanto,
já não é criatura deste mundo.



Amadeu Amaral (Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado), paulista (1875-1929), professor, jornalista e poeta, teve uma inclinação simbolista, mas acabou adotando o estilo parnasiano, “com seus versos coleantes e conceituosos".

Agripino Grieco assinalou que ele foi "um artista e, nos melhores momentos, a sua fronte era de um pensador que quis aclarar o problema do destino".

No capítulo deste livro "Os sonetos brasileiros mais populares", vamos encontrar o extraordinário "Sonho de amor".

E aqui colocamos um outro participante de sua coleção de sonetos líricos:

Sonhos, sonhos de amor... Enganosa miragem
do deserto... fulgor de insidiosa lagoa
a sorrir e a tremer sob a fresca ramagem,
na aparência feliz da água límpida e boa...

Castelo de fumaça a embalar-se na aragem
e que de brusco rola e no azul se esboroa...
Rútila espumarada oceânica... paisagem
que vista ao longe encanta e que de perto enjoa.

Borboletas ao sol... íngreme e dura serra,
que na luz do horizonte afunda as amplas cristas,
lembrando uma região de paz dentro da terra... 

Paisagem, borboleta, águas, espumaradas!
Ilusório clarão das cousas entrevistas!
Passageiro esplendor das cousas desejadas!



Afonso Schmidt (1890-1964). Paulista. Não foi um grande cultivador da poesia, mas seu estilo não fugia ao parnasianismo dominante, enquanto escreveu versos. Seu livro de estréia saiu quando tinha 15 anos incompletos: "Lírios Roxos". Em apenas um ano, obteve três prêmios da Academia Brasileira de Letras. Também pertencia à Academia Paulista de Letras.

"Sua contribuição mais séria ao neo-parnasianismo diz Péricles — foi a retomada da poesia social". Em destaque, o seu soneto "Loucura Verde":

Nas longas noites em que eu me enveneno,
cigarro a espiralar sobre cigarro,
traz-me a saudade o teu perfil bizarro,
que eu não sei mais se é louro ou se é moreno.

Não é bem um perfil, mas um pequeno
alvoroço de névoas, um desgarro
de linhas onde, surpreendido, esbarro
com o teu olhar a me sorrir, sereno...

Depois teu vulto se dilui aos poucos,
mas teus olhos heris, como os dos loucos,
ficam parados, mortos, ante os meus...

— Verdes, curvos cristais, por onde eu vejo
monstros verdes passando num cortejo,
sob um sol verde como os olhos teus.



Bastos Tigre (Manoel Bastos Tigre), nascido na antiga Província de Pernambuco e falecido no Rio de Janeiro (1882-1957, a exemplo de vários outros parnasianos, cultivou a poesia humorística e satírica, como Artur Azevedo ou Emílio de Menezes. Mas Bastos Tigre se destacou dentre todos eles, no gênero. Martins Fontes denominou-o "príncipe dos poetas cômicos". Agripino Grieco depois de apontá-lo como "poeta sempre disposto a praticar a matemática do riso através de uma disciplina quase científica do sarcasmo", acrescentou: "Bastos Tigre, sem figurar entre os parasitas do epigrama que almoçam, jantam e ceiam na casa de Rivarol ou Chamfort, sabe ser espirituoso à brasileira".

Engenheiro, jornalista, poeta, esteve ligado à roda boêmia de sua geração literária, tornando-se conhecido com a pseudônimo de D. Xiquote, que empregou não só na imprensa como nos livros que publicou. Também escreveu " peças e revistas teatrais. E foi bibliotecário no Museu Nacional e na Universidade do Brasil.

Um de seus sonetos típicos é "Voz interior":


Quem sou eu? De onde venho e onde, acaso, me leva
o Destino fatal que os meus passos conduz?
Ora sigo, a tatear, mergulhado na treva,
ou tateio, indeciso, ofuscado de luz.

Grão, no campo da Vida onde a morte se ceva?
Semente que apodrece e não se reproduz?
De onde vim? Da monera? Ou do beijo de Eva?
E aonde vou, gemendo, a sangrar os pés nus?

Nessa esfinge da Vida a verdade se esconde;
o espírito concentro e consulto a razão
e uma voz interioz, sincera, me responde:

—"Quem és tu? Operário honesto da nação.
— De onde é que vens? De casa — Onde é que estás? [No bonde.
— Para onde vais? Não vês? Para a Repartição".


Poderíamos exibir sonetos do Bastos Tigre "neoparnasiano", tão bons como os melhores de poetas filiados ao movimento. Mas, preferimos alardear outra preciosa jóia bem do estilo que o tornou famoso e querido.
É "Contrição":

"Lembrai-vos, meus irmãos, de que sois cinza e nada!"
Assim começa o cura o seu velho sermão.
Colombina relembra a pândega passada,
traça uma cruz na testa e reza uma oração.

— "Nunca mais! Nunca mais em samba e batucada 
cairei!" — diz, num sincero ato de contrição —
"Foi traiçoeiro Satã que me armou a emboscada. 
Pequei, Senhor, pequei! Suplico-te perdão!"

Confessa-se, comunga, e o seu pecado espia.
Só pureza em sua alma, agora, se contém.
Colombina é, de novo, a Filha de Maria.

Volta à casa, a pensar nas delícias do Além,
e, cuidadosa, vai guardar a fantasia,
que inda pode servir no Carnaval que vem...



Goulart de Andrade (José Maria Goulart de Andrade), nascido na antiga Província de Alagoas e falecido no Rio de Janeiro (1881-1936), engenheiro, professor e jornalista, foi um cultor não apenas do soneto, mas, também, de outras formas fixas, como o canto real, a balada, o rondó, o vilancete.

Ostentamos, aqui, o seu soneto "A uma pecadora", que lhe deu renome:

Fez Caim o mais vil dos atentados.
Deus, por castigo, enegreceu-lhe a face,
de tal maneira que, por onde andasse,
tivesse os passos logo assinalados...

Creio que Deus também te castigasse,
pois os olhos possuis de roxo orlados,
como indelével marca dos pecados
de tua carne em flor, quente e vivace.

Passas em bacanais noites inteiras...
Pecas... e a mancha roxa das olheiras
mostra o delito, bela criminosa!

Há, porém, nisso, um fato extraordinário:
ficou feio Caim; tu, ao contrário,
— tanto mais pecas, quanto mais formosa!



Gustavo Teixeira, paulista (1881-1937), segundo suas próprias palavras, via as rimas “sacudindo as asas cor de chama" e desejava a estrofe soando "como um clarim de prata".

Era um poeta de inspiração privilegiada. Um cinzelador de versos. Um soberbo criador de imagens, através de expressões vigorosas. Um artista de alma cantante, repleta de claridades e melodias.

Vicente de Carvalho prefaciou-lhe o livro de estréia, "Ementário".

Autor deste soneto, "Cleópatra", pequena obra-prima do gênero:

Sob o pálio de um céu broslado de cambiantes,
a galera real, de tírias velas tesas,
avança rio a dentro, arfando de riquezas,
cheia de um resplendor de pedras coruscantes.

Sob um dossel de bisso, entre espirais ebriantes
de incenso, a escultural princesa das princesas
cisma... Remos de prata, à flor das correntezas,
deixam móbeis jardins de bolhas trepidantes...

Soluçam harpas de ouro às mãos de ancilas belas;
branda aragem enfuna a púrpura das velas
e à tona da água alveja um espumoso friso.

E a Náiade do Egito, ao ver a trota ingente
de Marco Antônio, ri, levando, unicamente,
contra as lanças de Roma a graça de um sorriso...


Do seu "Último Evangelho", em que denota maior beleza e mais simplicidade, é este soneto "As Bodas de Caná":

Entre bênçãos, na paz da habitação modesta,
o amor entoa a sua eterna melodia!
Celebra-se um noivado. É gente pobre e honesta
que amassa com suor o pão de cada dia.

Entre os convivas, dando excelso encanto à festa, 
esplende lirialmente a imagem de Maria.
E Ela, ao ver que de vinho um púcaro não resta, 
apresenta a Jesus uma ânfora vazia.

Seis talhas de água, então, Jesus transforma em vinho
que suplanta o de Cós das ceias de Tibério,
e desperta um desejo, uma ânsia de carinho!

Abrasa os corações dos noivos a bebida!
— Sangue de rosas, seu perfume é um beijo etéreo! 
Deste vinho se bebe uma só vez na vida...


Finalmente, exaltamos, de Gustavo Teixeira, o soneto "O Retrato de Jesus". É uma bela e fiel descrição do Mestre, que o poeta fez com base nas opiniões abalizadas e insuspeitas de Santa Brígida e Nicéforo:

Quase alto. Nem redonda a face, nem comprida.
Não sendo musculoso, é de vigor dotado.
Lábios vermelhos e não grossos. Consolado
sente-se quem o vê — das mágoas desta vida.

Nem muito levantada a testa, nem caída,
mas direita; o nariz igual, proporcionado;
liso o louro cabelo até a orelha, e ondeado
 para baixo, e, como este, a barba repartida.

A face de um tom róseo e docemente cheia;
os olhos garços entre verdes. Belo, alteia
o corpo escultural, sem mancha, alvo, lunar.

Feições da Virgem, porte augusto e olhar profundo.
Não foi visto sorrir nem uma vez no mundo! 
Mas quanta vez se viu Nosso Senhor chorar!



Olegário Mariano (Olegário Mariano Carneiro da Cunha), nascido em Pernambuco e falecido no Rio de Janeiro (1889-1958), "o poeta das cigarras" não foi, apenas, parnasiano, mas, desde o primeiro livro, temperou sua poesia com tonalidades simbolistas. Seguiu-o sempre uma constante sombra de Samain. Poeta delicado, sentimental e, acima de tudo, popular.

Teimava em ser um "lírico incorrigível", enquanto contava, outrossim, com a admiração dos parnasianos Alberto de Oliveira e Olavo Bilac,  e do simbolista Mário Pederneiras, o que provava o ecletismo de suas diretrizes poéticas.

Manuel Bandeira falava que sua poesia era "espontânea, cantante, desalterada — como a água corrente". Em concurso promovido pela revista" Fon-Fon" , foi eleito, em 1938, "príncipe dos poetas brasileiros", sucedendo a Alberto de Oliveira.

Além de tabelião de notas e oficial do Registro de Imóveis, no Rio, foi Deputado Federal, Ministro Plenipotenciário nos Centenários de Portugal (1940) e Embaixador no mesmo país (1953-1954). Pertenceu à Academia Brasileira de Letras e à Academia de Ciências de Lisboa.

O soneto "Desalento" é, sem dúvida, uma de suas mais belas páginas:

Envelheci três anos em três dias!
Tenho a alma a transbordar! O sofrimento
fez das minhas maiores alegrias
folhas que leva como faz o vento...

Transmudou-se-me a vida, num momento,
em tardes silenciosas e sombrias...
A minha voz tornou-se um som nevoento
e tenho as mãos constantemente frias...

Sou a sombra que uma árvore projeta
num chão de folhas... Árvore formada
para a fascinação doida de um poeta.

Mas o contraste sempre em tudo existe:
cantam pássaros no alto da ramada,
a árvore é linda, mas a sombra é triste.


Seu soneto "Renúncia" é uma gema de raro valor, que merece ser guardada num escrínio de ouro:

Renunciar. Todo o bem que a vida trouxe,
toda a expressão do humano sofrimento.
A gente esquece assim como se fosse
um vôo de andorinha em céu nevoento.

Anoiteceu de súbito. Acabou-se
tudo... A miragem do deslumbramento...
Se a vida que rolou no esquecimento
era doce, a saudade inda é mais doce.

Sofre de ânimo forte, alma intranqüila!
Resume na lembrança de um momento
teu amor. Olha a noite: ele cintila.

Que o grande amor, quando a renúncia o invade, 
fica mais puro porque é pensamento,
fica muito maior porque é saudade.


"O enterro da cigarra", de sua autoria, figura, neste livro, entre "Os sonetos brasileiros mais populares". Mas, página igualmente enternecedora, de nímia beleza, lírica e mansa como a própria alma do poeta, é "A toca da cigarra em Teresópolis":

Minha vida de música se banha
e aos pássaros e às flores alma empresta,
nesta casinha simples e modesta
que estende o alpendre no alto da montanha.

De frente é a arquitetura da floresta;
um regato murmura ao fundo e, estranha,
pelas estradas largas me acompanha
a orquestração dos pássaros em festa.

Longe do mundo, o meu pequeno mundo
repousa sob um céu calmo e profundo.
Entanto, à luz do luar, na noite morta,

ouço passos lá fora no caminho,
passos que vão e vêm devagarinho.. .
É a Saudade que ronda à minha porta.



Humberto de Campos, nascido na antiga Província do Maranhão e falecido no Rio de Janeiro (1886-1935), notabilizou-se como prosador e cronista, mas foi, ainda, um excelente poeta, tido em nosso neo-parnasianismo como um "ourives do verso". Também conquistou fama com o pseudônimo de Conselheiro XX, publicando vários livros de cunho humorista. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras.

Péricles Eugênio da Silva Ramos recorda muito bem o amargor dos últimos dias de Humberto de Campos: — "Em 1934-1935, suas crônicas eram esperadas ansiosamente, todos os dias, por um público intensamente comovido com o drama pessoal do poeta, que se sabia condenado à morte próxima por doença inexorável, e resignado com isso". Há fontes que indicam 4 ou 5 de dezembro de 1934 como data de sua morte.

Realçamos este seu belo soneto "Beatriz":

Bandeirante a sonhar com pedrarias,
com tesouros e minas fabulosas,
do Amor entrei, por ínvias e sombrias
estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
selvas, o ouro encontrei, e o ônix, e as frias
turquesas, e esmeraldas luminosas...

E por eles passei. Vivi sete anos
na floresta sem fim. Senti ressábios
de amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
com o rubi palpitante dos seus lábios
e os dois grandes topázios dos seus olhos!


Outro soneto muito deleitável de Humberto de Campos é "O irapuru":


Dizem que o irapuru, quando desata
a voz — Orfeu do seringal tranquilo
o passaredo, rápido, a segui-lo,
em derredor agrupa-se na mata.

Quando o canto, veloz, muda em cascata,
tudo se queda, comovido, a ouvi-lo:
o canoro sabiá susta a sonata;
o canário sutil cessa o pipilo.

Eu próprio sei quanto esse canto é suave.
O que, porém, me faz cismar bem fundo
não é, por si, o alto poder dessa ave.

O que mais no fenômeno me espanta,
é ainda existir um pássaro no mundo,
que se fique a escutar quando outro canta!...


Salientamos, de Humberto de Campos, o soneto  “Envelhecer", de dorida beleza:

Na manhã da existência, ouvindo o peito,
que previa teu vulto no caminho,
dentro em minha alma levantei teu ninho,
e, nesse ninho, preparei teu leito.

Desceu a tarde, e ainda me viu sozinho.
Murcham as flores, que, de leve, ajeito;
de novas rosas tua colcha enfeito,
e o travesseiro, novamente, alinho.

Cai, tristonho, o crepúsculo, na estrada.
Alongo os olhos, atirando um beijo
à forma vaga do teu corpo... E nada!

Recomponho as palavras que não disse.
E, apagando a candeia do Desejo,
adormeço na noite da Velhice...


Desde os primeiros decênios do Brasil, os franceses passaram dominar a Capitania do Maranhão, criada em 1532, como as demais.

Portugal tentou evitar esse domínio e, por duas vezes, mandou pequenas frotas, que nada puderam fazer porque, desconhecendo as dificuldades do local, submergiram perto da "Ilha do Maranhão". Assim, Portugal, praticamente, abandonou aquelas terras.

Em 1612, logicamente, os invasores ali se estabeleceram com mais firmeza, fundando a "França Equinocial" e dando à ilha o nome de São Luiz, em homenagem ao rei francês.

Mais tarde, quando Gaspar de Souza governava o Brasil, foi entregue a Jerônimo de Albuquerque o comando de uma esquadra (1613). A França também mandou reforços, porém, em 1615, os portugueses, com Albuquerque à frente, expulsaram os franceses, com magnífica vitória. O encontro decisivo, entre colonos e invasores, ficou conhecido com o nome de batalha de Guaxenduba. Em 1624, foi criado o Estado do Maranhão e Grão-Pará (incluindo o Piauí e o Amazonas), subordinado diretamente à Metrópole. Foi relembrando essa heróica batalha que Humberto de Campos escreveu o altaneiro' soneto "O milagre de Guaxenduba", abaixo transcrito. O Padre José de Morais, no seu livro “História da Companhia de Jesus na Província do Maranhão", anota, à pág. 62, capítulo VIII: — "Foi fama constante (e ainda hoje se conserva por tradição) que a Virgem Senhora fora vista entre os nossos batalhões, animando os soldados em todo o tempo do combate". O soneto:

Minha terra natal, em Guaxenduba:
Na trincheira, em que o luso ainda trabalha,
a artilharia, que ao francês derruba,
por três bocas letais pragueja e ralha.

O leão dè França, arregaçando a juba,
saltou. E o luso, como um tigre, o atalha.
Troveja a boca do arcabuz, e a tuba
do índio corta o clamor e o medo espalha. 

Foi então que se viu, sagrando a guerra, 
Nossa Senhora, com o Menino ao colo,
surgir, lutando pela minha terra.

Foi-lhe vista na mão a espada em brilho...  
(Pátria, se a Virgem quis assim teu solo,
que por ti não fará quem for teu filho?)



José Albano (José d'Abreu Albano) nasceu na antiga Província do Ceará e faleceu na França (1882-1923). Gostava de exprimir-se de acordo com o classicismo quinhentista e camoniano. Segundo Alberto de Oliveira, seus sonetos tinham "um leve perfume de coisas antigas no estilo". Conhecia a fundo diversos idiomas modernos e antigos e foi professor de latim no Ceará.

Sobressai-se, dele, o terceiro dos "Dez Sonetos Escolhidos pelo autor":

Amar é desejar o sofrimento
e contentar-se só de ter sofrido,
sem um suspiro vão, sem um gemido,
no mal mais doloroso e mais cruento.

É vagar desta vida tão isento
e deste mundo enfim tão esquecido,
é pôr o seu cuidar num só sentido
e todo o seu sentir num só tormento.

Ë nascer qual humilde carpinteiro,
de rudes pescadores rodeado,
caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho e sem agrado,
é ser enfim vendido por dinheiro,
e entre ladrões morrer crucificado.


Seu lirismo é o mesmo lirismo dos clássicos portugueses dos primeiros tempos, como neste soneto místico:

Mata-me, puro Amor, mais docemente,
para que eu sinta as dores que sentiste
naquele dia tenebroso e triste
do suplício implacável e inclemente.

Faze que a dura pena me atormente
e de todo me vença e me conquiste,
que o peito saudoso não resiste
e o coração cansado já consente.

E como te amei sempre e sempre te amo,
deixa-me agora padecer contigo
e depois alcançar o eterno ramo.

E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor, escuta que eu te chamo,
Divino Amor, espera que eu te sigo.



Martins Fontes (José Maria Martins Fontes), paulista (1884-1937), era do grupo de Bilac, e por este considerado "o maior dos novos". Forjador de vocábulos e de expressões, sua poesia é colorida, exuberante, sensual e cheia de rimas ricas. Figura exponencial do movimento neoparnasiano, escreveu poemas fulgurantes e sonetos de grande valor, como este "Beijos mortos":

Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos do passado.

Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.

Choro. O remorso os nervos me sacode.
E, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.

E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.


E ainda como este "Crepúsculo":

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança. 
Paira no ar um langor de mística esperança
e de doçura triste, inexprimivelmente.

À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
e marmórea, no céu curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite desce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando...

E, na torre do peito, em plácidas batidas, 
melancolicamente, o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.


 O sentimento materno, em Martins Fontes, não poderia deixar de proporcionar à poesia deste eleito das Musas e à própria poesia brasileira, um momento de tanta grandeza como o de seu soneto "Minha mãe":

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
para me abençoar e proteger.
Teu puro amor o coração me acalma;
provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
olho, analiso, linha a linha, a ver
se em mim descubro um traço da tua alma,
se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
pela sua clareza, me desperta
um grato enlevo, que jamais senti:

quer dizer Mãe — este M tão perfeito,
e, com certeza, em minha mão foi feito
para, quando eu for bom, pensar em ti.


A cidade de Santos vibrava com o sentimentalismo de Martins Fontes. O poeta-médico, eterno amante das mulheres e das flores, todas as manhãs, quando se dirigia aos seus afazeres profissionais, parava, na vizinhança, frente a certa casa ajardinada, e ali punha-se a recitar, a atirar beijos, a "namorar" uma bela e florida macieira. Macieira que, possuidora de alma, como todas as árvores, devia sentir-se feliz por haver conquistado o amor puro e tão singelo de um poeta. Houve, até, "casamento festivo"...



Luís Carlos (Luís Carlos da Fonseca), nascido e falecido no Rio de Janeiro (1880-1932). Engenheiro, exerceu funções de relevo na Estrada de Ferro Central do Brasil. Escreveu inúmeras páginas poéticas, que Alberto de Oliveira classificou de "análises do sentimento das coisas, divagações filosóficas, intimidades, afeições domésticas".

Seus versos foram lidos, por Augusto de Lima, em 1917, na Academia Brasileira de Letras, na qual ingressou pouco mais tarde.

O soneto "O Canhão", de sua autoria, acha-se no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares".

Foi um poeta inspirado e sonoro, como demonstra neste soneto 'Exortação":

Sofre, mas não declines da confiança
que, sereno, puseste no futuro!
Se és bom, tens o caminho mais seguro:
o bem é uma subida que não cansa.

Sofre, que o sofrimento é uma esperança
em quem deseja revelar-se puro.
Que fora o claro se não fora o escuro?
Sem sofrimento, a glória não se alcança.

Não te assustem pedradas. Olha o mundo
com os olhos virgens dos relances da ira.
Vê que o solo, ferido, é mais fecundo.

E se tens na alma o Céu, por que temê-las?
As pedras que o homem contra Deus atira,
ao contato do Céu, tornam-se estrelas!







(Das páginas 571 a 634 de “O Mundo Maravilhoso do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)




Um comentário:

  1. esse estudo sobre o Soneto é de tirar o fôlego. maravilhoso... muitas outras pérolas ficaram de fora, com certeza, mas o colar não cabia mais... esplêndido estudo.

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