Bernardina Vilar

Crato, CE (1922-1997)


DISPARADA
Bernardina Vilar

Atarefadas nuvens pressurosas
Correm no céu, fugindo apressadas;
Correm as borboletas vaporosas
Sobre as flores, com asas agitadas.

Pirilampos, em noites pavorosas
Correm na mata. (Errante luz alada!)
Corre o rio em torrentes fragorosas
Atirando-se em louca disparada.

Pelo espaço, zunindo, corre o vento!
celeremente corre o pensamento
Sem destino, sem direção, sem norte.

Também nós, nesta vida de incertezas
Corremos por um mundo de surpresas,
Indubitavelmente para a morte.



A VOZ DA SAUDADE
Bernardina Vilar

Se cai a noite plácida, serena,
Tão branca de luar — doce magia...
A carícia da brisa torna a cena
Num requinte envolvente de poesia.

O azul do céu de uma beleza extrema
Povoado de estrelas irradia,
E qual o encantamento de um poema
Faz palpitar sutil melancolia.

No coração da mata um mocho pia
Rompendo a solidão num tom dolente,
Como um canto de amarga soledade.

E o coração da gente silencia
Porque mais alto que sua voz ardente
Fala a voz merencória da saudade.



SER E NÃO SER
Bernardina Vilar

Se disser que te odeio estou mentindo
Mas dizer que te amo não consigo;
Assim por esta vida vou seguindo
Sem compreender bem o que há comigo.

Se chegas ao meu lado vou saindo
Mas se voltas eu tenho de ir contigo;
De quem falar de ti eu vou fugindo
Se ninguém fala pra mim é castigo.

Se dizes que me amas me aborreço
Se não falas nem sei como padeço
Mergulhada na minha solidão.

Quanto mais te sentir distanciado,
Mais te lembro e te trago bem guardado
No mais perfeito amor de um coração.



SINOS
Bernardina Vilar

Quebrando a solidão do campanário
Tange o sino a vibrar festivamente
Agita-se a cidade e este cenário
Faz palpitar o coração da gente.

Mas se segue um cortejo mortuário
O sino bate dolorosamente
Seu planger é a música de um fadário
Que dói em nosso peito amargamente.

Também dentro de nós bimbalha um sino!
É o coração que canta alegre hino
Quando a vida nos traz felicidade.

Mas se a dor nos crucia a alma ferida
Plange o sino em canção triste, dorida
Nos aflorando um pranto de saudade.



DIÁLOGO DAS FLORES
Bernardina Vilar

Num jardim onde havia muitas flores
Atraentes e lindas, perfumosas,
Sobressaía-se entre as várias cores
Uma vermelha e exuberante rosa.

E ela falou pras outras : meus amores,
De todas sou rainha, a mais formosa
Minha vaidade sobrepõe-se às dores...
E por ser bela tornei-me orgulhosa.

Todas ouviram: o lírio, a verbena,
O cravo e o jasmim, meiga açucena
E o bugari que então falou sozinho:

É justo o teu valor, tua vaidade...
Mas esqueces talvez esta verdade:
Que há em nós aromas, não contendo espinho.



LUAR DE AGOSTO
Bernardina Vilar

Nos confins da distância eis que aparece
Diáfano fulgor de luz tão pura
Que sutilmente sobre a terra desce
Desfazendo o negror da noite escura.

Oh lua angelical que desconhece
Daqui da terra a torturante agrura;
Divinal palidez que se esmaece
Com teu ósculo de esplêndida doçura.

Luar de agosto. Etérea luz, divina,
Que iluminando o céu de azul tão raro
Estendes sobre a terra um branco véu...

Luar de agosto. Lua cristalina
Se o céu tu mudas neste mar tão claro
A terra inteira vais mudando em céu.

  

POBRE
Bernardina Vilar

Pelas ruas da vida vai seguindo
A pobreza nos ombros carregando;
Mas não fraqueja sempre prosseguindo
Com coragem, outros pobres ajudando.

Reparte o pão que ganha, assim sentindo
Não ser tão pobre. Mas se está faltando
O necessário, vai admitindo
Que outro amanhã melhor lhe vai chegando.

Guarda escondido dentro de su'alma
De um tesouro de amor a rica palma
E a nobreza de um grande coração.

Nem se compara àquele rico nobre
Que realmente é o verdadeiro pobre:
Pobre de espírito e pobre de ação.

  

MEUS POBRES SONHOS
Bernardina Vilar

Eles se foram como a flor pendida
Que esmaecida se desprende ao chão;
Ou como a lágrima que a rolar sentida
Desliza lenta sobre o coração

Eles se foram como a voz perdida
Das arapongas que, chorando em vão,
Entoam cantos de uma despedida
Dizendo adeus às plagas do sertão.

Meus pobres sonhos, esperanças minhas,
Eles se foram como as andorinhas
Que longe esperam achar outros beirais;

E penetrando pelos céus profundos
Como a buscar refúgio noutros mundos
Eles se foram. E não voltaram mais.



DE LEMBRANÇA EM LEMBRANÇA
Bernardina Vilar

Recordo os belos tempos já passados
Da minha vida, na ridente aurora.
O convívio com os meus antepassados...
... Tudo quanto de bom eu tive outrora!

Meus sonhos que dormiram abandonados;
A casa onde vivi, que lembra agora
Minhas tias e avó, meu bem amado
Padrinho. Como eu me lembro a toda hora!...

Mas a vida passou, tudo mudando!
E o tempo os seus caminhos percorrendo
Tudo levou. E eu triste, meditando.

De lembrança em lembrança vou vivendo;
De tristeza em tristeza vou penando...
... De saudade em saudade eu vou morrendo!
  


O BEIJA-FLOR
Bernardina Vilar

Volúvel, irrequieto, peregrino,
Rápido e breve como é breve a aurora
Esvoaças de leve, pequenino,
Beija uma flor e outra e vai embora.

Assim, com traquinices de menino
Que não pode parar nem se demora
Rodopia ao calor do sol a pino,
Nas tardes ou manhãs, a qualquer hora.

Qual leve pluma que no espaço adeja
Numa doce carícia eis que voeja
Aspirando a delícia dos olores.

Na beleza da tua profissão
Como és feliz cumprindo esta missão
De beijar sem cessar todas as flores!

  

O CAMINHO
Bernardina Vilar

Era um caminho estreito e sinuoso,
Fatigante no acesso da subida;
Cortava um solo incerto e pedregoso,
Tal e qual os caminhos desta vida.

Penetrava silente um bosque umbroso,
Tristonho qual adeus de despedida,
Como se, prosseguindo vagaroso,
Tente cumprir missão indefinida.

Assim, seguindo à risca seu fadário
Estendia-se mudo, solitário,
Como alguém que no íntimo algo esconde.

Comparei-o às incógnitas de um futuro
Misterioso, indecifrável, escuro,
Que a gente segue, sem saber pra onde.

  

MISTERIOSO OLHAR
Bernardina Vilar

Misterioso olhar que me seduz,
Que me atrai, me fascina, que me encanta.
Misterioso olhar feito de luz
Como se fosse um doce olhar de santa.

Oh, penetrante olhar que amor traduz,
Que desabrocha o riso e a dor suplanta;
Culto secreto que a ventura induz,
Meigo olhar de ternura e graça tanta.

Misterioso olhar quase divino
Que me doou num mundo pequenino
Sonhos bons onde a dor não faz morada.

Tua luz refletida nos meus olhos
É o farol que elimina meus escolhos
E ilumina o céu da minha estrada.



DUAS LEMBRANÇAS
Bernardina Vilar

Tudo quanto decorre em nossa vida,
Em face o desdobrar do itinerário,
Deixa algumas lembranças refletidas,
Que desfilam quais contas de um rosário,

Algumas dentro em nós acham guarida
E permanecem em natural fadário.
Outras se apagam na incessante lida
Desprezadas em leito mortuário.

Em minha vida, no cruel degredo,
De que me arranquem, eu só tenho medo,
Do pobre peito, no escrínio amigo,

Duas lembranças: meu maior segredo!
De uma esperança que morreu bem cedo
E uma saudade que ficou comigo!



MEU CEARÁ
Bernardina Vilar

Terra da luz! Onde a jandaia canta
Nos coqueiros, saudando o verde mar;
E onde a onda bravia se levanta
E carinhosa a praia vai beijar.

Terra do sol! Onde o roceiro planta
Crente que a chuva não lhe vai faltar;
Porém se falta ele não desencanta
E bravo e forte luta a esperar.

Terra do amor! Onde a mulher rendeira
Com mãos de fada, meiga, hospitaleira,
Dignifica a sua profissão.

Meu Ceará! Onde ao cair do sol
Como um delírio canta o rouxinol
Poetisando as plagas do sertão.


Fonte: Livro "Bom dia, Saudade!", Coleção Itaytera, Volume 19, Instituto Cultural do Cariri, Crato, Ceará, 1995



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