Ministros de Deus na Catedral da Poesia

No Brasil, como em todo o mundo, Príncipes venerados da Igreja não limitaram seus vôos de águias intelectuais ao céu abençoado da Religião. Estenderam-nos aos países maravilhosos do sonho.
Foram muitos os que honraram o sólio episcopal, como combates do Exército do Senhor e, ao mesmo tempo, como lanceiros da Poesia. 
Alguns se revelaram polemistas ou oradores sacros, fazendo ressoar, a exemplo de João Crisóstomo, Bossuet, Vieira e Mont'Alre, a sonoridade marcante de seu verbo pelas abóbadas dos elos, no afã de revigorar a alma dos crentes, ou de trazer para o rebanho de Cristo os ateus e os transviados. Outros dignitários igreja manifestaram-se, inclusive no Brasil, venturosos eleitos Musas, entre os quais o Cardeal D. Augusto Álvaro da Silva, os Arcebispos D. Antônio de Macedo Costa, D. Francisco de Aquino Corrêa e D. Marcolino de Souza Dantas.

E, para glória da Poesia, também inúmeros sacerdotes, mais modestos, sem báculo e sem mitra, foram e são, igualmente, protegidos pela inspiração poética, como: Bastos Baraúna, Diogo Antônio Feijó, Antônio Tomás, Correia de Almeida, Matias Freire, Primo Vieira, Victor de Almeida, Raimundo Nonato Pinheiro, José Landim, Pedro Luís, Aires de Montalbo, João de Deus Mindelo da Cruz,  Balduino Barbosa, Manuel Albuquerque, e muitos outros. Bons poetas e excelentes sonetistas.

Poderíamos até concluir que os sacerdotes, pela sua tendência afeita à contemplação, deveriam ser, todos, poetas. Porque a poesia pede recolhimento, e requer identificação com a Natureza e com o próprio Criador. Porque a poesia é espírito puro, espírito despetalado em ritmos, recoberto de emoções. Porque a poesia é a união da alma com Deus e, também, da alma com o mundo.

Escreveu Mello Nóbrega:
—"Novalis, ao recordar que, nos tempos primitivos,  poetas e sacerdotes formavam uma só classe, indagou se, no futuro, a religião e a poesia não voltariam a confundir-se. E Thierry Maulnier reconhecia, na linguagem poética, certo poder taumatúrgico".

Note-se que, na hierarquia da Igreja, grandes e pequenos, como poetas, não se circunscrevem a esgrimir, apenas, os assuntos, e motivos religiosos. Sua inspiração invade, também, indiferentemente, o território ideal do lirismo, do humorismo, da filosofia.

A poesia não tem limites diante da imaginação, e um poeta, seja ou não eclesiástico, eleva sempre o seu pensamento até Deus.
A própria oração é um momento de poesia.
A poesia está nos livros sagrados; por isso, o sacerdote fica muito perto dela. Deus é o Poeta mais perfeito e, dessa maneira, cada ministro religioso traz em seu coração a chama e o destino da Poesia.
A inspiração do sacerdote-poeta voa do infinito de Deus para o infinito da Poesia. Ao mesmo tempo em que celebra a onipotência do Criador no Céu, está glorificando, em poemas, em versos, a beleza de tudo quanto existe na terra.

Não podemos transcrever, aqui, os sonetos de todas essas criaturas felizes que tanto honraram o Evangelho, como honraram a Poesia. Temos de deixar, lamentavelmente, à margem, pelo menos nesta oportunidade, muitos outros sonetos que desejaríamos transmitir aos nossos leitores.
Mas... abramos as portas desta catedral de arte, para que entrem, com os paramentos mais luxuosos, os sacerdotes que escolhemos para rezarem, cantando, o ofício da Poesia.


Sacerdotes-Poetas

D. Augusto Álvaro da Silva (Cardeal)  (pseudônimo "Carlos Neto") —"O mais doce olhar de Jesus"

D. Antônio de Macedo Costa (Arcebispo) — "A existência de Deus"

D. Francisco de Aquino Corrêa (Arcebispo)  "Madrugadas cuiabanas"

D. Marcolino de Souza Dantas (Arcebispo) — "A criança abandonada"

Padre Domingos Simões da Cunha "A meus olhos em sonhos se apresenta..."

Padre Diogo Antônio Feijó — "Refugium pecatorum"

Frei Francisco Xavier de Santa Rita Bastos Baraúna  —"Se um tal homem houver, homem tão forte"...

Padre José Joaquim Corrêa de Almeida —"Degeneração”

Cônego José Tomás de Aquino Menezes "Salutaris Hóstia"

Padre Júlio Maria "Grandezas da Virgem"

Padre Antônio Tomás "A minha mãe"

Padre Antônio Tomás — "Voltando à casa"

Padre Matias Freire — "Novo soneto"

Padre Mátias Freire — "Romaria"

Padre Manuel Valêncio de Alencar — "O urubu"

Padre Pedro Luís —"O neopresbítero"

Cônego João de Deus Mindelo da Cruz —  "Pirilampos"

Padre Victor Coelho de Almeida — "O dia da vida"

Monsenhor José Landim — "O mês de Maio"

Cônego Pedro Paulino Duarte da Silva — "Anjo triste"

Padre Raimundo Nonato Pinheiro — "Palmeira indiana"

Padre Héber Salvador Condé Lima — "Testamento"

Padre Balduino Barbosa de Deus —"Sonhos mortos"

Padre Aloísio Furtado ("Aires de Montalbo") — "Mães de outrora"

Padre Aloísio Furtado ("Aires de Montalbo") —"Presente de um filho pobre"

Monsenhor Primo N. da Mota Vieira —"Sancta Maria"

Padre Manuel Albuquerque — "A lenda do Guarari"

Padre Manuel Albuquerque — "Resumo"





DOM ALGUSTO ÁLVARO DA SILVA — Cardeal (1876-1968)
(pseudônimo: "Carlos Neto")

O MAIS DOCE OLHAR DE JESUS

Quando Jesus ouviu, depois de haver predito
que alguém O trairia, alguém que estava à mesa
e comia com Ele, alguém que, com certeza,
trazia já consigo o cálculo maldito,

quando Jesus ouviu — cinicamente aflito
Judas interrogar com hipócrita surpresa:
— Mestre, acaso sou eu?"— olhou-o com tristeza,
mas com imenso amor solícito, infinito.

Doce olhar de Jesus! Jamais em toda a vida
teve expressões assim, tão fortes, tão serenas,
para quantos amou com alma enternecida!!

Nunca dera um olhar tão terno às açucenas!
Nunca um olhar tão meigo à pátria estremecida!
Nunca tão doce olhar às pobres Madalenas!



DOM ANTÔNIO DE MACEDO COSTA —   Arcebispo
(1830-1891)

A EXISTÊNCIA DE DEUS

Se nas vastas campinas lá dos ares
o cortejo imenso de áureos mundos;
na terra e nos mares tão profundos
ordem descubro e motos regulares;

se contingentes seres aos milhares
rompem do nada os seios infecundos;
e se não podes dar entes segundos
sem um Ente primeiro lhes marcares;

se até por entre a escuridão funesta,
que do selvagem cerca a alma ferina,
a crença do Alto Ser se manifesta;

logo, é verdade o que nossa alma ensina:
— Existe o Deus que a Natureza atesta,
e que aos mais seres o princípio assina!

  

DOM FRANCISCO DE AQUINO CORRÊA  Arcebispo
(1885-1956)

MADRUGADAS CUIABANAS

Que linda a madrugada em minha terra,
quando, como o retábulo de uma ara,
todo de nácar e ouro, se descerra
o oriente rosicler, que os céus aclara!

E desde o vale até a longínqua serra
a orquestra de mil galos, vasta e clara,
estronda em ondas, e nos ares erra,
qual se festivos quíries salmodiara.

E eis que — por entre o bimbalhar dos sinos
de sete igrejas; e os mais belos hinos
da criação, a esse frêmito profundo,

que faz cantar os pássaros e as fontes —
desponta o sol, no altar dos horizontes,
como Hóstia, que se eleva sobre o mundo!


DOM MARCOLINO DE SOUZA DANTAS — Arcebispo
(1889-1967)

A CRIANÇA ABANDONADA

Cresceu, sem ver os pais uma só vez,
vivendo, como planta sem canteiro,
sem lar, sem fé, sem roupa, sem dinheiro,
e vítima — (quem sabe?)  — do xadrez...

Vendo-se, um dia, no último, talvez
morta de fome, à-toa, sem roteiro,
sem ter, sequer, a sombra de um telheiro,
não resistiu, e em prantos se desfez...

Um vulto de mulher de meia-idade,
passando, apanha a mísera do chão...
— "Quem sois, que me votais tanta bondade,

que me dais o agasalho, a luz e o pão?
Quem sois? Dizei-me!" — "Eu sou a Caridade!"
— "Pois bem: Eu quero ser a Gratidão!..."



PADRE DOMINGOS SIMÕES DA CUNHA (1755-1824)

SONETO

A meus olhos em sonho se apresenta
(não era espectro, porém gente viva)
decrépita mulher, que, pensativa,
aos pés do leito, junto a mim se assenta!

Sórdida, atropelada, macilenta,
inculcando uma submissão nativa,
no rosto encosta a mão e, reflexiva,
lacrimosa soluça e se lamenta.

Em presença do vulto miserando,
eis que assustado acordo, e então lhe digo:
— "Quem és, triste mulher?" (lhe perguntando). 

— “Sou a Pobreza que procura abrigo".
Desgostoso fiquei; mas, resmungando,
à força a recolhi... Mora comigo.



PADRE DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ (1784-1843)

REFUGIUM PECATORUM

O coração que chora resignado,
tendo perdido as ilusões da vida,
oro pássaro em busca de guarida
acolhesse ao teu seio imaculado.

És como um rio azul, rio sagrado,
e em cuja transparência adormecida
se transforma a existência pervertida
e se lavam as manchas do pecado.

Bendita sejas tu, cuja bondade
tem sorrisos de paz e redenção
para os tristes que choram na orfandade,

para a dor que não tem consolação!
Bendita sejas tu, que és a Piedade
conduzindo a Miséria pela mão!


  
FREI FRANCISCO XAVIER DE SANTA RITA BASTOS
BARAÚNA (1785-1846)

SONETO

Se um tal homem houver, homem tão forte,
que possa ver, em sua casa entrando,
malfeitores cruéis, assassinando
a cara filha, a cândida consorte;

se um tal homem houver, que, sem transporte,
veja o céu rubros raios vomitando,
o mar pelos rochedos atrepando,
a terra inteira a bracejar com a morte;

apareça esse herói, assim disposto,
que lhe quero mostrar por dentro o peito,
e quero lhe não mude a cor do rosto!

Há de cair em lágrimas desfeito,
vendo o meu coração pelo desgosto
em mil roturas e pedaços feito...



PADRE JOSÉ JOAQUIM CORRÊA DE ALMEIDA
(1820-1905)

DEGENERAÇÃO

Dos homens de civismo a pura raça
no torrão brasileiro degenera;
a uberdade tornou-se tão escassa,
que o terreno parece que não gera.

Por mais irrigação que se lhe faça,
os frutos já não há, como os houvera;
a lavoura de outrora hoje é fumaça,
cultivada fazenda hoje é tapera.

A indústria nacional é quase nula,
e é só de "cavalheiro" a que regula,
consistindo nas trocas e baldrocas.

A terra: enfim, não é como era dantes:
depois de produzir muitos gigantes,
produz agora lesmas e minhocas.




CÔNEGO JOSÉ TOMÁS DE AQUINO MENEZES
(Sergipe, 1889)

SALUTARIS HÓSTIA

Hóstia branca, da cor de um lírio aberto,
menor do que uma estrela pequenina,
tens dentro de ti mesma a Luz Divina,
assim perto de nós... assim tão perto...

Perfeito como está nos Céus, é certo,
sob essa forma e cor, a fé me ensina,
está quem fez os montes, a campina,
o Céu, a Terra, os Mares, o Deserto...

Hóstia Divina, essencialmente pura,
Hóstia Branca, da mesma cor do lírio,
és tudo!... És Deus, Eterna Formosura!

És o alimento da alma, que, em delírio
do mais ardente amor, o Céu procura,
cândida, limpa como a luz de um círio!...



PADRE JÚLIO MARIA (1850-1916)
(pseudônimo: "Júlio Cesar de Morais Carneiro")

GRANDEZAS DA VIRGEM

O gracioso quadro das campinas
em plena primavera; os deslumbrantes
oceanos de luz que, coruscantes,
derramam mil estrelas purpurinas;

o prado tapizado de boninas,
a montanha envolvida em fulgurantes
vivos raios de sol, os diamantes
mais preciosos de opulentas minas;

as invisíveis atrações da terra
e todo o ímã de luz e de alegria
que o amor dos anjos lá no céu encerra,

não são belos, não têm tanta magia,
tanto poder não têm que nos aterra
como a humilde beleza de Maria.


  
PADRE ANTÔNIO TOMÁS (1868-1941)

À MINHA MÃE

Quer viva alegre, quer me punjam dores,
jamais esqueço minha mãe querida,
pois trago dentro em mim, como esculpida,
a imagem dela ornada de fulgores.

E de contínuo, em místicos ardores,
se eleva aos céus minha alma estremecida,
pedindo a Deus que lhe prolongue a vida
e lhe conceda sempre seus favores.

E quando eu vou rezar à Virgem Pura
sucede que seu nome se mistura
às minhas preces com freqüência tanta,

que eu temo às vezes, não se manifeste
enciumada a minha mãe celeste
do grande amor que eu tenho àquela santa.



PADRE ANTÔNIO TOMÁS (1868-1941)

VOLTANDO À CASA

Passei um mês, um mês inteiro fora
do meu lar, sem ouvir os passarinhos,
sem ver o louro bando de amiguinhos
que aí deixei; triste e cruel demora.

Mas, afinal, eis-me de volta agora;
e na ânsia de ver os coitadinhos
que suspiram talvez por meus carinhos,
fustigo o meu corcel que o chão devora.

Avisto a casa além, dobra a tortura
que dela me separa... Ó que ventura
eu sinto nalma ao ir-me aproximando.

Chego ao portal, puxo o ferrolho e entro
e me recebem pela sala a dentro
crianças rindo e pássaros cantando...


  
PADRE MATIAS FREIRE (1882-1947)

NOVO SONETO

Quero o soneto escrito na medida
Mais ajustada e certa e rigorosa,
como se fosse o todo de uma rosa,
cheia de aroma. de beleza ungida...

Como se fosse uma canção nascida
na fonte mais perene e suspirosa,
canção de paz e fé e luz radiosa,
fonte de puro amor e terna vida.

Quero o soneto feito de tal modo
que nos pareça um favo de doçura,
sabendo ao paladar do mundo todo.

Quero o soneto uma cantiga mansa,
como um simples poema de ternura,
como um claro sorriso de criança.

  
PADRE MATIAS FREIRE (1882-1947)

ROMARIA

Virgem das Virgens, eu de longe venho,
ao sol ardente e à poeira aborrecida,
buscando a sombra azul da tua ermida,
e ponho nisto o mais sagrado empenho.

Dentro em minha alma tua imagem tenho,
branca, rezando, meiga, aparecida,
:orno aurora de amor em minha vida,
como a estrela polar do meu engenho.

Padre e Poeta — Arcanjo e Passarinho,
quero eu viver, sonhar, dormir sozinho
nesses degraus de luz do teu altar...

Abre o teu nicho e guarda-me contigo,
e, como ao sol beijando o louro trigo,
mostra os teus pés e deixa-mos beijar!


  
PADRE MANUEL VALÊNCIO DE ALENCAR (1886-1924)

O URUBU

Pobre animal! Que triste sina, a tua!
De toda parte correm-te às pedradas;
o açougueiro te enxota às cutiladas;
aos pontapés te levam pela rua!

Mas tu, como te ris da sorte crua,
quando, instantes depois, sobre as camadas,
do ar mais puro, de asas espalmadas,
escreves espirais vizinho à Lua!

Pobre animal nojento e repugnante!
És a imagem do homem, na verdade,
na luta pela vida a cada instante:

— Se agora o oprime a vil necessidade,
voa, depois. dominador, triunfante,
banhando-se no Azul da Imensidade!...


  
PADRE PEDRO LUÍS (Rio Grande do Sul)

O NEOPRESBÍTERO

Partiu risonho, no verdor dos anos,
dizendo adeus ao carinhoso lar,
deixando longe o pai, a mãe, os manos,
— os melhores afetos — sem chorar.

Romeiro — foi-se com radiosos planos:
Na mente, ideais; cintilações no olhar,
fitando, sobre cumes soberanos,
a Missa Nova num risonho altar!

E, por doze anos, firme e persistente,
galgando esses estranhos Pirineus,
rasgando os pés no pedregal pungente,

ei-lo, enfim, no maior dos apogeus:
— Na Hóstia branca, palpitante e quente,
levanta para o Céu o próprio Deus!...

  

CÔNEGO JOÃO DE DEUS MINDELO DA CRUZ (1885-1952)

PIRILAMPOS

Gosto de ver os pirilampos quando
em zigue-zagues, pelo espaço em fora,
pasam ligeiros; julgo ver a Aurora,
em suas asas, a fugir, passando...

Astros descidos lá dos céus, brilhando
Mais junto à terra, que de luz se enflora.
Fulvas centelhas onde o dia mora,
gotas de pranto do luar, chorando!

Quando contemplo esses gentis cardumes
de luz, eu penso que sois áureos nastros
medindo a terra, ledos vagalumes!

Gotas mimosas!... Pequeninos astros!...
Qual foi a estrela que perdeu seus lumes,
e sobre a terra veio andar de rastros''?!...



PADRE VICTOR COELHO DE ALMEIDA (1899)

O DIA DA VIDA

Formosa — a AURORA é como o albor da Vida;
Suave MANHÃ — é como a criança insonte:
— Alegre é o prado, resplendente o monte,
À luz do sol tão branda e comedida!

NOVE HORAS: — nave panda, enfunecida,
deixando a praia, escolhe outro horizonte:
— É a Mocidade no alto-mar! ... Defronte
a senda incerta vê, desconhecidal...


MEIO-DIA: — é o calor da atividade!
TRÊS HORAS: — uma pausa na Esperança!
SEIS HORAS: — foge a luz na imensidade!

Retorna à casa um velho e, alfim, descansa:
— É o REPOUSO FATAL, ao fim da idade,
do prolongado sonho de criança!...



 MONSENHOR JOSÉ LANDIM (1887-1968)

O MÊS DE MAIO

E Maio, enfim, voltou, trazendo o doce encanto.
nas almas derramando eflúvios de alegria!
Desabrocham-se em flor os campinais, enquanto
sobe de toda parte ao Céu doce harmonia!

Maio semelha, ao certo, um poema augusto e santo,
composto desse amor que a todos inebria!
Cada aurora que surge é como um novo canto,
sempre cheio de nova e original poesia!

De nossos corações se evola e se irradia
um perene louvor ao trono de Maria,
em cujo manto azul a gente se acoberta.

E a Virgem singular — sem mancha e toda bela —
parece nos olhar na luz de cada estrela,
parece nos sorrir em cada rosa aberta!



CÔNEGO PEDRO PAULINO DUARTE DA SILVA
(1877-1953)

ANJO TRISTE

Mundo! — Vale de lágrimas e agruras!...
Se o anjo tem vislumbres de saudade,
a alma ingênua também sente amarguras,
entre os brinquedos da risonha idade...

Zaíra, tão jovial, tão sem maldade,
pilhara um passarinho nas alturas...
Prendera-o cheia de felicidade,
sem divulgar do preso as amarguras.

Certo dia — entristeço ao recordar!
Célere a aflita, veio a mim contar
como era fundo o sofrimento seu.

Ouvi (que acerba dor, mágoa cruciante!):
— "Padre, me escuta; ouve-me padre, um instante:
meu passarinho, de cantar, morreu!...“

  

PADRE RAIMUNDO NONATO PINHEIRO (1922)

PALMEIRA INDIANA

Há na Índia lendária uma palmeira
de singular beleza e fidalguia,
que, em vez de sugerir melancolia,
rebenta em flor na hora derradeira...

Esbelta, majestosa, sobranceira,
nunca exibe a triunfal policromia...
Mas, ao sentir-se perto da agonia,
enche de flores toda a cabeleira...

Lembra o cisne de pluma alvinitente,
que ao concluir os nados soberanos,
solta, ao morrer, um cântico atraente...

Ó formosa "palmeira dos cem anos",
quem me dera imitar-te, em meu poente,
abrindo rosas sobre os desenganos!...



PADRE HÉBER SALVADOR CONDE LIMA (1920)

TESTAMENTO

Que a minha vida seja esplêndida poesia
vazada, com primor, em verso alexandrino,
cujo ritmo me lembre a suave melodia
em que se sonoriza o meu nobre destino.

Os arpejos do pranto, as notas de alegria,
meu gemido humano e o meu canto divino,
tudo há de convergir, em celeste harmonia,
a estrofe sonora e artística de um hino.

Que a rima ora retrate ondas encapeladas,
ora o épico tinir de bélicas espadas,
simbolizando a luta em que viveu meu peito...

Meu último suspiro — o meu verso final —
quero, porém, que seja suave e natural
como a chave feliz de um soneto bem feito!


  
PADRE BALDUINO BARBOSA DE DEUS (1926)

SONHOS MORTOS

Sagrado escrínio foi meu coração,
onde guardei mil sonhos de esperança,
e onde ergui, nos bons tempos de criança,
castelos e castelos de ilusão...

Em minha vida cheia de bonança
cantava a primavera... E essa canção
embalava de amor meu coração,
e de sonhos minha alma pura e mansa...

Depois, os anos se passaram, lentos,
levando as minhas ilusões consigo...
... E hoje, em meu peito, cheio de tormentos,

canta a Saudade funerais tristonhos,
qual voz gemente de cipreste amigo
à beira do sepulcro de meus sonhos...


  
PADRE ALOISIO FURTADO (1915)
(pseudônimo: "Aires de Montalbo")

MÃES DE OUTRORA

Roma pagã... A multidão fremente,
— alma de lama a se cevar no vício,
ébria de sangue e de volúpia ardente
segue um cristão, que vai para o suplício.

Ei-lo na arena — impávido patrício —
anjo no olhar de súplica inocente,
fitando o povo, em lúgubre comício,
e a fera brava, que lhe rosna em frente...

Nisto, a mãe chega... E ao vê-lo, em ânsia, aflita,
rompendo a turba, ao próprio filho dita
materno aviso, que alentá-lo vai:

— "Filho, coragem! Para o Céu, meu filho!
Foi este o mesmo e luminoso trilho
que à Eterna Pátria conduziu teu pai!"

  

PADRE ALOISIO FURTADO (1915)
(pseudônimo: "Aires de Montalbo")

PRESENTE DE UM FILHO POBRE

Hoje, Mamãe, que é o dia dos teus anos,
para te dar, só tive o pensamento:
— Que esta pobreza, meu tesouro e alento,
me frustra, sempre, os mais radiosos planos.

És boa: eu pobre! E vamos (um tormento!)
desta vida a sofrer-lhe os desenganos.
Sabes, no entanto, quais os meus arcanos,
e que é só tua a flor do meu talento.

É pobre o lar de onde, cantando, eu venho!
Amo-o! A riqueza nunca deu engenho,
nem puro amor... Só mesmo falso brilho...

Quem sabe, ó Mãe, se pobre e humilde assim,
não vais viver por séculos sem fim,
palpitando na estrofe do teu filho!



MONSENHOR PRIMO N. DA MOTA VIEIRA (1918)

SANCTA MARIA

Santa Maria!... E o lábio se perfuma
sempre que invoca em prece a Imaculada!
Ah! Deveria ser sem névoa ou bruma
o céu que rutilasse em sua estrada.

Tão bela, que a Arte a viu maravilhada!
— Mas que imagem lhe espalha a glória suma?
“MADONA", de Fra Angélico sonhada?
"PIETÁ", de Miguel Angelo? — Nenhuma!...

A perspectiva, o claro-escuro, as cores,
o mármore, o marfim dos escultores
fazem-na viva, misteriosa, pura...

Todo o humano esplendor a Arte o revela,
mas não pode beber dos olhos delá
a Beleza Interior que A transfigura!



PADRE MANUEL ALBUQUERQUE (1906-1977)

A LENDA DO GUARARI

Nos capinzais dos rios brasileiros
existe um passarinho original,
o mais belo que eu vi pelos balseiros,
chamado "Guarari ou "Cardeal".

Consta que nos momentos derradeiros
de Jesus, no martírio crucial,
o Guararí — primeiro entre os primeiros
quis de Jesus aliviar o mal...

E ferindo o pescoço, heroicamente,
procurou retirar da fronte amada
a coroa de espinhos tão pungente...

E Jesus, tão sensível ao carinho,
fez do Seu Sangue a púrpura sagrada
e sagrou CARDEAL um passarinho!...



PADRE MANUEL ALBUQUERQUE (1906-1977)

RESUMO

Na imensidão de Si, Deus estendeu o Espaço;
— no Espaço polvilhou, dentro do Ar, a Luz;
— dentro da Luz, criou — quais filhos no regaço
Mundos que a Lei Eterna, intérmina, conduz!...

— Dos Mundos preferiu, qual o melhor pedaço,
a Terra, a nossa Terra, onde nasceu Jesus,
e nela semeou, no arrojo do seu braço,
a Humanidade sã, que ao Céu fizesse jus!...

— Depois, da Humanidade Ele escolheu, sorrindo,
o que achou de melhor, mais carinhoso e lindo,
mais próprio a enaltecer a Glória do Senhor!...

— Da MULHER fez A MÃE   — divinamente bela —
e colocou, feliz — por sob os seios dela —,
no Peito — O CORAÇÃO; no CORAÇÃO — O AMOR!...







(Das páginas 861 a 878 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto", de Vasco de Castro Lima)

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