Tito Olívio

Vila Cova do Covelo, Portugal, 1931


APARIÇÃO
Tito Olívio

Como uma aparição foi que surgiste
na rota que o Destino quis traçada.
Vestida cor do Sol da madrugada
Trouxeste luz à minha noite triste.

Foi sempre assim!... Minha alma não resiste
Ao 'splendor da beleza inigualada,
À dor duma ternura amordaçada.
O brilho em meu olhar... será que viste?

Vestida de cor rubra, eras mais bela!
As cores do arco-íris da procela
Que me foi companhia até aqui.

Sou um faquir andando sobre brasas
Ave que o medo põe tremor nas asas,
No anelo de estar sempre junto a ti.

Faro, 30/10/94

1ºs Jogos Florais Modernos
da Cidade de Faro - 1995
MENÇÃO HONROSA




MULHER DE FOGO
Tito Olívio

Eu via só vermelho, aquele fogo.
Incandescente Sol, como luzerna,
Mostrando a sedução da fina perna,
Como num atrevido e doce jogo.

Também do braço se tirava logo
Promessa de carícia meiga e terna,
Feita concha, farol de chama eterna
Ou ondas de mar largo, onde me afogo.

O resto não se via. A vastidão
Da rubra cor tapava quase tudo,
Forçando a minha mente a adivinhar…

Senti-me, assim, levado em turbilhão,
Atrás da cor de lume, cego e mudo,
Numa fúria incontida de a agarrar.

Faro, 28-07-2002




O SOL VIRÁ
Tito Olívio

Um dia o Sol virá, num carro de ouro,
Sublime, esplendoroso, fascinante!
Ao ver a luz no teu cabelo louro,
Há-de afagá-lo assim como um amante!

Vaidoso, do seu alto miradouro,
Há-de beijar teus lábios um instante,
Abraçará teu corpo, como um mouro,
Osculará teus olhos, ofegante!

E tu, toda a tremer de comoção,
Sentindo pelo corpo um tal calor,
Vais ser deusa e ser Vénus de marfim.

E nessa suave, doce confusão
Ficarás a saber o que é o amor
E então vais renascer só para mim...




SONHEI-TE
Tito Olívio

Sonhei-te de uma forma bem diversa
Da graça e do encanto que em ti vejo.
Se tens calor ardente na conversa,
És fria na recusa do meu beijo.

Felina, reclinada em leito persa,
É nua que eu te sonho e te desejo,
Mas, ó desdita minha, a sorte adversa
De ser sonho real não dá ensejo.

Atrás de cada noite uma outra vem
E vagueio a cantar, qual rouxinol,
Num gorjeio tristonho, terno e mole,

Que mais ninguém entende... Mais ninguém...
E porque é mais que em sonho que te quero,
Vivo nesta ilusão, mas desespero.

Faro, 4-5-00




NÃO FOI
Tito olívio

Não foi o Sol que eu quis. Só o luar,
Para me dar o frio de platina,
Pois calor tenho já no palpitar
Do coração que chora e desanima.

Não foi o mar que eu quis. Só adejar
Sobre os areais do mundo, à bolina,
Que a vela tenho rota e navegar
É a sina que a sorte me destina.

Não quis coisa nenhuma, pois quis tudo.
Na ânsia de abarcar o mundo todo,
Perdi-me de mim mesmo e da razão.

Queria era teus olhos de veludo
Pra me guiarem no meio deste lodo,
Me tirarem do cais da solidão.

01-07-01




JACARANDÁS
Tito Olívio

Pintaram minha rua de lilás,
Em pinceladas fortes, curvilíneas,
Para ofuscar as pétalas sanguíneas
Dos loendros e hibiscos, lá atrás.

São os jacarandás, bocas floríneas.
Em cada ano, Maio sempre traz
Campainhas de perfume pertinaz,
Trepando pelas ramas longuilíneas.

Tendo vivido juntos, tão diversos
Foram nossos destinos! Floram versos,
Que, a quem por aqui passa, enchem de encanto

E pintam minha rua de beleza;
Os meus pobres poemas, sem grandeza,
Só espalham saudades no seu canto.

Faro, 23-05-03




TEMA: "Perguntaste-me outro dia
se eu sabia o que era o fado..."
        (Aníbal Nazaré)

O FADO
Tito Olívio

No fado se alivia a nossa dor
Com palavras molhadas na garganta.
A paixão, o ciúme, o amargor
Afastam-se de nós, quando se canta.

Tivesse o teu carinho, o teu amor,
Mais esse belo corpo que me encanta
Se fosse eu o teu rei, o teu senhor...
Eras minha Princesa, minha Infanta.

Sorrindo, perguntaste-me outro dia
Para veres, talvez se eu não sabia
O que era essa canção chamada o fado.

Quisera não saber... porque te quero
O teu desdém no fado desespero,
Pois meu fado é por ti ser desprezado.

Faro, Setembro de 1995

3º Prémio
JOGOS FLORAIS DE ALMEIRIM – 1995




A MENINA DO CÃO
Tito Olívio

A menina trouxe à rua o cãozinho,
Um minorca animal, sempre a ladrar.
Puxava pela trela pra o calar,
Mas prosseguia o seu latir fininho.

Da janela, eu sorria de mansinho,
Divertido coa cena. Ela a puxar
A trela e o pobre cão a ir ao ar,
Sem deixar de ladrar pelo caminho.

- Tu apanhas! - E dava-lhe coa mão,
Tão de leve, que mais era uma festa.
- Está calado ou levas uma rasa!

E eu a rir e a pensar que a educação,
Seja de cão ou filho, nunca presta
Se não for dada a tempo... e lá em casa.

Faro, 29-06-02




UM ANO VAI, OUTRO VEM
Tito Olívio

Se a lupa do tempo mostrasse o futuro
E a luz do presente movesse as estrelas,
Cada ano, que entrasse, viria seguro,
E aquele, que fosse, partia sem velas.

Na sombra dos passos, qual é mais maduro?
Que rumo me evita o rigor das procelas?
Quero algo brilhante, que rasgue o escuro,
Num mundo de auroras bem mais amarelas.

Mas temo que venha, do lado do norte,
Um medo que atraia, pra mim, a má sorte
E ao sol da alegria prepare um mau fim.

Pedir, nesta idade, bem pouco há de ser:
Saúde e dinheiro, no meu bom viver,
E, ainda, que as parcas se esqueçam de mim!

Faro, 30 dez. 2012




NÉVOA MATINAL
Tito Olívio

Sete horas da manhã. Rua deserta.
A névoa desce e poisa na calçada.
É húmido o calor que nos aperta
E inda está dormindo a passarada.

Pesado é o silêncio e só acerta
Nas árvores, nas casas e mais nada.
Também nenhum cão se põe alerta
Nem ladra pra assustar a madrugada.

Janela aberta, aqui fico pensando
Que a névoa da memória vai tapando
Aquilo que a cabeça mais despreza

E sabe bem o sol, a luz, o dia,
As forças que nos fazem companhia
E ajudam a afastar qualquer tristeza.

Faro, 22-08-2015       00:33




CAVALGADA
Tito Olívio

Cavalgo na noite fugindo pró nada
Com fogo na ideia, de cor pardacenta,
E a alma, sem força que dome a tormenta,
Parece mais febre que má cavalgada.

Sem norte e sem rota, a espada afiada
Não tem faiscar nem parece sangrenta.
Pendente da cinta qual pobre parenta,
Badala no trote, com sono deixada.

Se a vida se queixa que tratos lhe dou,
Que posso eu dizer, esquecido onde vou
E sem encontrar algum astro a fulgir?

Se pára o cavalo, querendo frescura,
Por certo que abranda tamanha loucura,
Mas fico perdido sem ter para onde ir.

Faro, 12-08-2015            01:18




SALADA
Tito Olívio

Não quero pôr saudades na salada
E vou mexê-la em louca fantasia.
O azeite será risos de alegria
E o pouco sal a cor da madrugada.

Direis: salada assim não tem sabor,
Pois falta-lhe o picante da emoção.
Eu digo que o futuro tem razão
E vou comê-la em dias de calor.

Preciso pôr-lhe o gelo do desprezo
Que minhas obras sofrem de quem prezo
E a mesa terá rosas de jardim.

Se não possuo amigos nem amores,
E menos a quem vá pedir favores,
Então a salada é só para mim.

Faro, 09-07-2015        04:56




MINHAS IDEIAS
Tito Olívio

É sempre do céu que me vêm as ideias,
Envoltas em fumo e em pautas sonoras
E é sempre de noite, que o medo das horas
Coloca esta alma no enredo das teias.

Suave ao começo, pra dormir plateias,
Nas cordas do palco são vozes canoras,
Que rodam, que sobem, que roubam demoras
E cantam os dramas das minhas mãos cheias.

Por mais que me esforce, deitado na alcova,
A mente só deita os versos mais tristes,
As mágoas mais fundas, que nunca sentistes.

Talvez alguém chore, talvez se comova,
Mas todos aqueles, que buscam frescura,
Se riem e troçam da minha loucura.

Faro, 24-09-2015              23:45




UMA COMPANHIA
Titi Olívio

Não tenho a quem contar as minhas penas,
Falar dos medos, à noite plo escuro,
Daquelas decisões, mesmo pequenas,
Que trazem a incerteza do futuro.

Sozinho, sem um ombro pra chorar
Agruras e desgostos, em descarga,
Amiga voz capaz de acalentar
Minha alma quando sofre dor amarga.

É triste viver só, cada momento,
E para me embalar só ter o vento,
Pra ouvir-me nada mais que a luz do dia.

Então, falo comigo a cada instante,
Fingindo que sou meu acompanhante
E tenho em minha casa companhia.

Faro, 09-07-2015        00:37



NOITE LENTA
Tito Olívio  

Dentro da solidão, na noite lenta,
Sinto falta de apoio feminino:
Um ombro, onde chorar o meu destino,
Aquele colo doce, que acalenta. 

Quando romper o dia, em cor magenta,
Cama vazia, a roupa em desatino,
Quem me acorda com beijo peregrino,
Me sacode a preguiça pardacenta? 

Fez-se a vida madrasta, nesta sorte,
Bate à minha janela o vento norte
E ri na minha cara com desdém. 

Nada em tristeza a luz da madrugada,
Ao ver minha existência amargurada
E o meu futuro, que é não ter ninguém.



A CARTA
Tito Olívio

Ontem, escrevi uma carta enorme,
Pedindo de joelhos teu regresso.
Preciso que meu peito se conforme,
Pois tua liberdade não tem preço.

Mas, nesta solidão negra, disforme,
Uma pinga de amor é o que peço.
Se voltares, talvez que se transforme
A nossa relação, tenha sucesso...

Esquece o que passou e me perdoa!
Todos dizem que sou boa pessoa
E só sabes dizer que estás já farta.

Porque acabou o amor nascido eterno,
Se o peito permanece doce e terno?
Não demores, responde à minha carta!



MULHER ENGUIA
Tito Olívio

Se gostas de me ouvir que te acho linda,
Porque te fazes sempre tão distante?
Sofrida brasa neste peito amante,
Que tanto queima e não passou ainda.

Mulher enguia, nessa fuga infinda,
Qual serpente dourada e anelante,
Descansa da corrida um instante,
Que tudo em mim espera a tua vinda!

Se pensas que te sigo, estás errada.
Passei a minha vida nesta estrada
E aqui faço o meu ninho de andorinha.

Estou cansado. Já me falta o ar.
Se não queres comigo descansar,
Seguirás teu caminho, mas sozinha.



O CASTELO
Tito Olívio

Se, quando penso em ti, de cada vez,
Me entrasse uma nota na algibeira,
Não tardaria muito mais que um mês
Comprava-te um castelo na Madeira.

O chão teria flores a teus pés
E o tecto parecia uma parreira,
O nosso quarto, então, de lés a lés,
Havia de cheirar como a roseira.

Ergueria o castelo lá no alto
Pra veres terra e mar sem sobressalto
E à calma do lugar dares valor.

De dia o sol entrava plas janelas
E de noite acendíamos estrelas
Para a Lua invejar o nosso amor.



ESQUECEMOS
Tito Olívio

Andei com ela, sim, andei com ela.
Agora, há tempos já que não a vejo.
Que vida terá tido... não invejo,
Pois uma fada má se esqueceu dela.

A nossa relação foi só querela
E decorreu em guerras, que revejo,
E pazes que acendiam o desejo
E davam ao amor nova farpela.

Foi paixão, que tivemos, cega e louca.
Pouco durou. Assim, foi coisa pouca
O amor, que não passou da pequenez.

Ambos cansámos, ambos esquecemos.
As feridas fecharam, as lambemos,
E nenhum quer abri-las outra vez.



SEXTA-FEIRA
Tito Olívio 

Estamos outra vez na sexta-feira.
E mais uma semana está no fim.
As horas correm breves, sem canseira,
E o tempo vai passando sobre mim...

Quando eu era menino, a brincadeira,
Fosse em casa, na rua ou no jardim,
Durava eternamente, de maneira
Que a minha vida, então, era um festim.

Agora o tempo foge, galopando,
E o resto do caminho se encurtando,
Sem que haja força alguma que o impeça.

É bom viver. Eu gosto. Só é pena
Que seja a nossa vida tão pequena
E o tempo tenha, assim, tamanha pressa...



COMPROMISSO
Tito Olívio

Fosse a luz da existência mais comprida,
Mais anos eu teria para amar-te
E, já que teu amor me dá guarida,
Só digo bem de ti por toda a parte.

Haja ou que houver, eu nunca vou deixar-te,
Nem direi mal de ti por toda a vida.
Se acaso te perder, terei de achar-te,
Que a planta sem raiz morre tolhida.

Um dia há-de vir, só não sei quando,
Numa ridente aurora irei voando,
Caminho das estrelas, da harmonia.

Mesmo assim, lá do alto, podes crer,
Vou afastar as nuvens pra te ver,
E esperar pela tua companhia.

  

O LIVRO
Tito Olívio

Trouxe o correio um livro de presente
E senti a visão dos verdes ramos,
Que a Primavera traz. Fiquei contente,
De ter presentes todos nós gostamos.

Um livro é riqueza, que se sente
Aumentar a cultura que anelamos.
Deseja ter dinheiro toda a gente,
E nós, por aprender, tudo trocamos.

Eu não conheço o nome do ofertante,
Mas é de alguém que está muito distante
E quis mostrar a obra publicada.

Tem bom aspecto o livro, capa e tudo,
Com laudas de palavras, mas é mudo,
Porque tem letras mil, mas não diz nada.

  

UM NÃO SEI QUÊ 
Tito Olívio  

Havia um não sei quê na manhã clara.
Talvez fosse uma luz de rubra cor,
Que me tocara o rosto e me acordara
E me puxara à força do torpor. 

Havia um não sei quê, que me tocara,
Nas radiosas cores do alvor,
Como amoroso amante, que declara
Dar a uma mulher o seu amor. 

O que haveria então de tão perfeito,
De tão harmonioso e virginal,
Na pureza do culto matinal? 

Por certo era o Sol que, satisfeito,
Com flores enfeitava a madrugada
Para encantar a Lua, sua amada.


  
A GRIPE “A”
Tito Olívio 

Agora não te beijo. Tenho medo
Dessa gripe mortal que anda pra aí,
Mas, pra me compensar do que perdi,
Hei-de dar-te mais beijos, tarde ou cedo. 

Nem posso dar-te a mão. É um enredo
Duma triste novela que, sem ti,
É monótona, como nunca vi.
Tudo isto me parece ter bruxedo. 

É triste desejar-te e ter-te longe,
Ser forçado a levar vida de monge,
Sem ter água que mate estes desejos. 

Dizem que vai passar, que já tem cura,
Por isso, conto os dias de amargura
Até matar a fome dos teus beijos.



CARTAS DE AMOR
Tito Olívio  

Ninguém escreve já cartas de amor,
Com frases esmaltadas de ternura,
Falando da saudade, da lonjura
Ou das eternas juras com fervor; 

Falando de carinho e do calor
Dos beijos à socapa, em noite escura,
Pequenos pecadilhos de doçura,
Trocados, no presente, sem pudor. 

Por vezes, folha seca entre o papel
Ou uma flor campestre do vergel,
A doirar a memória do sentido. 

Existe agora a Net das mensagens,
Que voam para mundos e paragens,
Deixando o amor das cartas esquecido. 

   

NINGUÉM ME QUER
Tito Olívio

Antigamente, em tempos de menino,
Tinha uma adoração por brincadeira.
Vivia a fantasia em cada asneira,
Que meu pai castigava, em desatino.

Depois, o namoro foi meu destino,
E a moça mais bonita foi herdeira
Do meu primeiro beijo, sem fronteira,
Mas puro, como um lago cristalino.

Ou bem fadado fosse da beleza,
Ou amador me quis a Natureza,
Certo é que enchi de amor cada mulher.

Acho que fui feliz na minha vida,
Mas se a tantos amores dei guarida,
Agora, que estou só, ninguém me quer.



A POESIA
Tito Olívio

Não fora o vento, que soprava forte,
Não fora a chuva que molhava o rosto,
Não fora a nuvem, que tapava o norte
E não teria de mudar meu posto.

Se os versos fossem feitos ao meu gosto,
Em rendilhados, curvos, só recorte,
Saíam livres, tal como é suposto
Ser o poema, solto, sem suporte.

Mal da poesia, que não tem beleza,
Nem o lirismo doce de encantar,
Pois será fria, feia e sem rimar.

Mas os modernos pensam, com certeza,
Que o feio é que é bonito e diferente,
Levando neste embuste muita gente. 



À VARANDA
Tito Olívio

Não me vou debruçar sobre o passado,
Não quero relembrar o que passou.
O tempo é possessivo e já levou
Prá sombra o que era bom deste meu fado.

Foi-se o que era bom. Fiquei sossegado,
Então, em seu cantinho, o que sangrou
Meu peito, que, dorido, tanto amou
E sofreu, e chorou, sem ser amado!

Tive infância feliz. Muito brinquei.
Dos amores que tive... já não sei.
Ficaram num desvão dentro do escuro.

Agora, tenho o sol à minha frente,
Que conduz o meu corpo e a minha mente,
Da varanda, a olhar só o futuro.


Um comentário:

  1. Sonetos reveladores de um verdadeiro talento de poeta.
    João Bragança Santos

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