Maria da Encarnação Alexandre e Maria João Brito de Sousa (Portugal)



CONSOADA ESPECIAL
Maria da Encarnação Alexandre

Havia pela tarde uma magia
No preparo da noite desejada
Lenha seca arrumada com mestria
Massa que se queria levedada

Noite fora a família em harmonia
Junta à volta do lume, atarefada
Esticando os coscorões logo os frigia
Numa alegria simples e animada

Havia brincadeira, festa, riso
Um misto de loucura e paraíso
Na noite desenhada de surpresa

Fumegante no púcaro, café
Amigo fiel, vai da chaminé
Acompanhar a nossa sobremesa

(MEA
13/12/2016)


A VELHA BRASEIRA DE COBRE
Maria João Brito de Sousa 

Diluídos no tempo, ecoam, vagos,
Vestígios de uma antiga Consoada;
Sorrio, cá por dentro, e são afagos
Que a memória me dá, não dando nada.

Os meus olhos, agora, são dois lagos
Onde se espelha o tempo e, consolada,
Nem vejo quanto o tempo fez de estragos
Ao longo desta longa caminhada. 

Não sei dizer porquê, mas, de repente,
Impõe-se-me, da ceia, o morno, o quente
Da braseira de cobre, sob a mesa

E, ainda sem saber se outrém o sente,
Acendo-me eu, inteira, internamente,
Num brasido de humana natureza. 

(Maria João Brito de Sousa - 13.12.2016 - 14.52h)




A CHEGADA DO INVERNO
Maria da Encarnação Alexandre

Ele fez-se anunciar. E veio rude
Das nuvens caiu choro de tristeza
E as lágrimas da chuva em altitude
Foram pérolas brancas de beleza

Pelas serras cobrindo a negritude
Imposta pelo fogo à natureza
Há cândidos lençóis em plenitude
Simbolizando manto de pureza

Arvoredos já nus gemem lamentos
Quando os sopros gentios desses ventos
Lhes arrancam os troncos ressequidos

Enquanto lá por fora ainda neva
Nas lareiras há chama que se eleva
Deixando assim os lares aquecidos
  
(MEA
25/11/2016)


SOBREVIVENDO...
Maria João Brito de Sousa

"Ele fez-se anunciar. E veio rude"
Nas vergastadas de Éolo, em protesto
Contra quem lhe resiste e desilude
A prepotência do tirano gesto.

"Pelas serras, cobrindo a negritude",
Sobra um resto de verde. Ainda um resto,
Como se nos bastasse essa atitude
De um verde resistente, firme, honesto.

"Arvoredo já nus gemem lamentos"
Sobre os terrenos pardos, lamacentos,
E sobre os tiritantes caminheiros;

"Enquanto lá por fora ainda neva",
Cá por dentro, rebelde, enfrento a treva
Nas glosas e na cinza dos cinzeiros...

(Maria João Brito de Sousa - 26.11.2016 - 11.55h)





OS PESCADORES
Maria da Encarnação Alexandre

Saem para alto mar, os pescadores
Nos barcos levam redes pro pescado.
Esquecem alegrias e até dores
E enfrentam o mar bravo, revoltado

Fazem daquela noite os cobertores.
Pla aurora com o barco carregado
vendo já o horizonte doutras cores
Voltam ao areal tão almejado

Descarregado, o peixe vai pra lota
E de voo rasante uma gaivota
Junta-se à cerimónia num bailado

- Venha cá ver freguês, peixe fresquinho
De boa qualidade. Baratinho!
Chamam quem quer comprar; neste cantado

 (MEA
19/11/2016)


FAINA INCERTA
Maria João Brito de Sousa

"Saem para alto mar os pescadores"
Que a faina é dura, mas a fome aperta
E há que alimentar filhos menores
Que aguardam, dessa faina, a volta incerta.

"Fazem daquela noite os cobertores"
E, do luar, lençóis, quando o alerta
Das vagas a crescer, sempre maiores,
Lhes chicoteia o bote e os desperta.

"Descarregado o peixe vai pr`a lota",
Sonhava um pescador, mas a derrota
Do sonho morre ao som do mar revolto;

"- Venha cá ver, freguês, peixe fresquinho!"
Evoca o pescador, mas foi baixinho
Que apenas murmurou; - "Desta, não volto..."



(Maria João Brito de Sousa 28.11.2016 - 12.50h)





QUERO UM POEMA DE AMOR
Maria Encarnação Alexandre

Hoje quero um poema só de amor
Que me fale de beijos e carícias 
Que me dê seus prazeres sem pudor
Que satisfaça em mim suas malícias 

Que faça de mim escrava com ardor
Que me torture inteira de delícias 
Que me dê seu agrado protector
Sem tortura, castigos nem sevícias 

Quero apenas sentir nele a emoção 
De quem se dá completo de paixão 
Quero sorver venturas e alegria 

Hoje quero um poema pra espalhar
Toda a felicidade que é amar
Conjugada de afecto e harmonia

 (MEA (Maria Encarnação Alexandre)
24/11/2016)

  
PALAVRA E CONCEITOS
Maria João Brito de Sousa

"Hoje quero um poema só de amor",
Um poema de beijos, de paixões,
De projectos a dois, desse furor
Repleto de desejo e transgressões,

"Que faça de mim escrava com ardor"
- de mim, que hoje abomino escravidões... -,
Tão dócil quanto ovelha de pastor,
Tão frágil que sucumba às tentações...

"Quero apenas sentir nele emoção",
Esquecer a mais premente compulsão
Da palavra poética abrangente;

"Hoje quero um poema pra espalhar"
Urgências que me esqueço de lembrar
Porque a paixão da escrita é mais urgente...
  
(Maria João Brito de Sousa - 24.11.2016 - 11.07h)


  

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