Humberto Soares Santa

Atalaia, Portugal, 1940



A NUVEM
Humberto Soares Santa

Sei não ter energia pra ser estrela
Mas tenho o meu lugar no infinito
Qual branca nuvem no azul bonito,
Alvo espelho de luz, que o Sol revela.

Essa nuvem, no céu vós ireis vê-la
De contorno indefinido, meio esquisito,
A parte do meu ser em que acredito,
Volátil, orgulhosa, informe e bela !

A nuvem... alma minha, ilusão !
Verá que o ser humano não melhora :
Só os poetas e os loucos sonharão.

A nuvem, correrá p’lo mundo fora
E as lágrimas que em chuva cairão
Serão da alma-nuvem que em mim chora !



A TÚNICA
Humberto Soares Santa

Levei o meu silêncio à catedral.
Ajoelhei entre os bancos alinhados
Sentindo em mim, o peso dos pecados,
Quedei-me ali, na nave principal.

O Sol abria cor num só vitral
Com Cristo e dois ladrões dependurados.
Guardas romanos que jogavam dados
Davam a cor do sangue àquele local.

Era jogado o espólio do inocente,
A túnica do próprio Redentor.
Senti-me a testemunha ali presente

E olhei a opulência ao meu redor.
Se nada fiz, nem quis mudar tal gente,
Fui eu que te matei... ó meu Senhor !



ABRAÇO
Humberto Soares Santa

Junta o teu coração ao meu e agora
Os dois seremos um na caminhada,
Alma com alma, ambos de mão dada,
Serenos pela vida... vida fora.

Sempre que um estiver triste, o outro chora.
Se um rir, o outro solta a gargalhada.
A estrada dum, será do outro a estrada,
Quando um está perto, o outro não demora.

O nosso abraço, abraça a vida agora,
Protegendo na arena o nosso espaço,
Um dia um vai partir e ao ir-se embora

Levará deste amor algum pedaço.
Se for eu o primeiro... nessa hora,
No céu, fico esperando o teu regaço !



BARDOS E TROVADORES
Humberto Soares Santa

O que cantam os bardos nesta hora
Em que os grandes heróis já se finaram,
As gárgulas das fontes se secaram
E aumentam os romeiros, estrada fora ?!...

O homem do realejo ?!... onde mora ?!...
Os menestréis, de fome soçobraram.
As virgens estão sós ou professaram.
Poetas !.... O que cantais pra nós, agora ?

Não há princesas belas pelos montes
Nem príncipes, nem sapos encantados.
Foram-se as cantarinhas junto às fontes

Dos tímidos casais de namorados !...
- Canta !... Ó poeta !... Quero que me contes
Quantos poemas, de ti foram roubados !



CRONOS
Humberto Soares Santa

Na procura galáctica da vida
Em busca do princípio inteligente,
Se prendermos o tempo na nascente,
Haverá para o evo, uma saída.

Cronos deu-nos o tempo que à partida
Se dilui no instante do presente.
Um momento passado é de repente
Uma parte de nós já consumida.

O tempo corre tal como um cavalo
Sempre a fugir de nós... ai que revolta !
Não quero que se vá... tento agarrá-lo

Mas vai com o freio nos dentes... rédea solta !
Não adianta mais ir procurá-lo
Porque esse meu cavalo... já não volta !...



ESTRELAS CADENTES
Humberto Soares Santa

Há estrelas a cair no meu quintal,
Riscos de luz divina... são pedradas
De fogo que do céu são atiradas
E queimam... quando sinto o seu sinal.

Na solidão da noite... é fatal !...
Sinto a angústia e a dor dessas picadas,
Brasas prò coração arremessadas,
Sinais de correcção do que fiz mal.

Esta hora... é a hora das estrelas.
Caem para queimar o que é ruim.
Olha bem para o céu !... Estás a vê-las ?!

São milhares !... Parecem não ter fim !....
Luminosas !... fugazes !... muitas delas...
São os olhos de Deus postos em mim !...



LÂNGUIDA PAIXÃO
Humberto Soares Santa

Ó dona da paixão cândida e pura!
Ó linda anfitriã dos meus abraços !
Transporta-me contigo aos amplos espaços
Aonde mora o amor e a paz perdura !...

Ó bela!... Ó divina formosura !...
Ó lânguida paixão dos embaraços
Criados p’las carícias desses braços
Que inebriam e levam à loucura !

Que me importa mulher, se eu morrer
E o teu regaço for minha mortalha
Onde sucumbirei feito prazer

No calor desse corpo que agasalha.
Ó divina !... Assim quero morrer!...
Vencido p’lo amor, nessa batalha!



LIBERDADE
Humberto Soares Santa

Leio em ti as palavras escondidas
Nas bocas que se fecham aos algozes.
Mensagens que nos chamam, meio perdidas,
Nas palavras contidas noutras vozes.

Vejo-te presa aos olhos dos ferozes
Déspotas, ditadores e homicidas,
Senhores dos discursos e das poses,
Cinzentos nos percursos e nas vidas.

És dona da razão e da verdade,
Símbolo da amizade e da união,.
Ergue bem alto o facho, ó Liberdade !

Nunca o deixes cair em suja mão.
Que nele se ateie o fogo da igualdade,
Que dele só brote a chama da razão !...



MAGNA MATER
Humberto Soares Santa

Gaia, a magna mater angustiada,
Deusa, mãe de Cronos, mulher de Uranos,
Sofrida com a dor dos desenganos,
Adormeceu no céu, triste e cansada.

No Hades sulfuroso, à gargalhada,
Demónios revoltados, traçam planos
Pra que a Terra estoure em poucos anos
E seja por humanos, mal amada.

Gaia*, adormecida, em pesadelo,
Abraça o mundo e freme de vergonha
Por plantar em si, joio e bacelo

Da vinha da mentira e da peçonha !....
Daí nasceu a guerra e o atropelo
E Gaia, já não dorme... já não sonha !


*GAIA, GE, GEA ou GEIA
Deusa greco-romana que personificava a Terra.
Mãe Universal da vida.



NOVA LINHAGEM
Humberto Soares Santa

Olhei o meu jardim !... Ai quem me dera
Vê-lo florir de novo em muitas cores,
Respirar o perfume de mil flores !...
Sentir que nasceu nele a primavera.

Ficar perto do lago à tua espera
Sonhando com a ilha dos amores,
Com uma rosa na mão, para tu pores
Junto ao teu coração que se acelera.

Voltar à juventude e como amantes,
Ter tua boca arfando, junto à minha,
Vivermos novamente o que era dantes

Criando na nobreza, nova linha :
Eu, como rei dos prados verdejantes
E tu, das minhas flores, sua rainha !...



O ARLEQUIM
Humberto Soares Santa

Lembras-te ?... Eu era o teu Arlequim.
Tu !... com gestos de amor e de menina,
Dançavas deslizante, ó Columbina,
Ao som do meu errante bandolim.

Saltavas estrela a estrela, só pra mim,
Sorrindo a um bandolim que desafina,
Fresca, etérea, meiga e ladina
E eu cantava, no meu traje carmim.

Muito ao longe, tangeu um alaúde.
Era a Vida que entrava na comédia.
Peguei em ti , fugindo quanto pude

No cavalo do Tempo... mas sem rédea.
Hoje a comédia é farsa... não me ilude.
A farsa, quando um for, será tragédia !



O CANTO DO CISNE
Humberto Soares Santa

Quem é poeta canta em sofrimento,
Qual cisne que na hora pressagia
A morte e cantando, anuncia
O doloroso e fatal momento.

Que canto é esse se te falta alento ?!...
Poeta triste... cisne em agonia !...
Porquê esse exaltar, essa fobia
Que rege o teu cantar no teu tormento ?...

No meu jardim, eu sofro e no meu canto
Rabisco um papel que me sobrou
Molhado pelas lágrimas do pranto

Que um poeta em mim, só por mim chorou.
O sol vai-me fugindo e entretanto,
Um cisne, bateu asas e cantou !...



O DESCANSO DO GUERREIRO
Humberto Soares Santa

O guerreiro descansa , já parou.
Ao lado está a lança enferrujada.
A cota já não serve, está rasgada,
O elmo envelheceu... nem reparou.

Saudoso, lembra o tempo que passou,
Andarilho de longa caminhada,
Lutando pela vida, contra o nada,
Senhor de sonhos, servo do que amou.

Fraco e velho, p’la luta fatigado,
Vivendo da saudade, meio vencido,
Procura no repouso descansado

Esse amor que na Terra foi perdido,
Amor que só na morte é encontrado
Porque Amor será ele... se renascido !



PAPEL AMARROTADO
Humberto Soares Santa

Um passo em frente e é tempo de futuro.
Dou mais um passo e saio do presente
Saltando do passado para a frente,
Seguindo passo a passo rumo ao escuro.

Sigo pra um final que não procuro.
Não quero mas avanço lentamente
Como a sombra... que acaba de repente
Logo que o Sol se esconde atrás do muro.

Vou perdendo a memória das memórias
Que reencontro a pairar por todo o lado !...
Alegrias!... pesares !... Muitas histórias

São sonhos !... Ilusões do meu passado.
Algumas tão pequenas !... são as glórias
Que guardo num papel amarrotado !



PEREGRINO DO TEMPO
Humberto Soares Santa

Por que locais Sem-Fim andei perdido ?
Que terras de Israel já visitei ?
Que rios e desertos já amei ?
Que Palestina vi, ao ter nascido ?

Por que negreiro outrora fui vendido ?
Que "jihades" e cruzadas aturei ?
Que lugares ditos Santos, visitei ?
Em que túmulos de lama fui metido ?

Fui apóstolo de quem ?... Diz-me Senhor !
Com quem vivi nos tempos ancestrais ?
Fui seguidor do ódio ou do amor ?

Que homem sou ?... Pra onde me levais ?
Pra retornar ao mundo sofredor,
Por favor, não me deixes nascer mais !



QUEIXUME
Humberto Soares Santa

Ouço vozes... sussurros... nostalgias,
Prantos d’alma !... murmúrios de uma vida,
Sopros desta saudade indefinida
Que acompanha e devora os meus dias.

Meu corpo arrefeceu, as mãos estão frias.
No espelho tenho a face mais sofrida.
O rosto perdeu cor... barba crescida.
A alma vai chorando em agonias.

Lá fora chove. Em mim entra a tristeza !...
Nesta melancolia, o mundo esqueço.
Deus !... retirai de mim esta incerteza.

Se me afasto de mim... reapareço !
A alma que voou, hoje está presa.
Quando fujo de mim, em mim tropeço !



SILÊNCIOS
Humberto Soares Santa

Regressam os silêncios já passados!...
Catacumbas romanas!... teologia !...
Preces !... odor da morte!... agonia
De véus cobrindo rostos já velados.

Os césares vão voltando, esses malvados
Filhos de falsos deuses!... vilania!
Os homens viram monstros !... Quem diria
Ver, Nero e Calígula, regressados.

Nas arenas do ódio, os gladiadores,
Derramam o seu sangue inocente
Por um regresso ao sangue de outras eras.

Espártaco !... Vês ?!... Voltaram os teus senhores !...
Cristo !... Olha !... Teu mundo está doente :
Há gritos de crianças junto às feras !



O VELHO RETRATO
Humberto Soares Santa 

O Sol entrou, iluminando o chão.
Uma sombra de mim cresceu ao lado.
Fechei a caixa onde tinha estado
O retrato que tenho aqui na mão

As figuras da foto… ó ilusão!...
Tomam forma de gente e num bailado
Trazem para o presente o meu passado
Num acto de crescente confusão.

Porque dançam assim à minha frente?
Pra quê o reavivar de toda a dança?
Porquê este fruir tão docemente

Dum passado só vivo na lembrança?
Eu sei, pelo real aqui presente,
Que entrei na minha mente e fui criança!...



O TRONO
Humberto Soares Santa

 O trono era mais alto do que um monte.
Estarei aqui ? – pensei. - Fui à procura,
Ficando nesse instante de loucura
A olhar-me, sentado ali defronte.

Bem alto, em contraluz, no horizonte,
Perdido entre as nuvens, na altura,
Olhando o mundo e a sua desventura,
Tinha uma coroa a ornar a minha fronte.

Um trovão ribombou e fez-se voz :
- Poeta !... Porque te vês aqui sentado ?...
...E como ousas pensar-te junto a Nós

Sem nunca de delírios estares cansado ?
- Senhor, se sou assim, devo-o a Vós.
Quiseste-me a sonhar... sigo o meu fado !



O SANTO
Humberto Soares Santa

No meu caminho encontrei um santo,
De porte humilde e de fala mansa,
Um homem meio divino, meio criança,
Nu de glória, enxugador de pranto.

No gesto espelha a alma! ... A voz é encanto
Que traz a calma e incute a esperança
Sem laivos de rancor ou de vingança,
Serena no dizer, doce no canto!

Exemplo de ternura e de bondade,
Senhor da própria dor, dono do querer,
Perfeito no amor e na verdade,

Mostrou qual o caminho a percorrer.
Já sei como se alcança a santidade.
Só sei como se faz… falta fazer!



O MENINO
Humberto Soares Santa

Recordo um menino meio farsante,
Que corria prò sol, entre os trigais,
Afugentando os bandos de pardais,
Gritando e gargalhando a cada instante.

A seara !... dançarina ondulante,
Bailava com o vento, em espirais,
Criando à sua volta mil sinais
Dum amarelo vivo e cintilante.

Olhando os pardais que vão voltando
Às paisagens de agora, tão iguais,
Eu fico, com tristeza, meditando :

- O Sol e a cor regressam aos locais
E tudo volta e vai-se renovando !...
Mas a infância!... essa, nunca mais !



O CAMINHO...
Humberto Soares Santa

(Eu sou o caminho, a verdade e a vida…
João 14-6)

Após o caminhar de toda a vida,
Chegou ao fim da estrada, o ancião.
O coração parou. Com emoção,
Hesitou, por não ver qual a saída.

E agora?! – exclamou com voz dorida
- Os anjos e os arcanjos, onde estão?!
Será que o meu percurso foi em vão
E a alma que em mim foi, está perdida?

Sentou-se a descansar da caminhada
E sentiu que não estava ali sozinho.
Olhou prò infinito, para o nada,

Quando uma mão se ergueu devagarinho
E uma placa de luz foi levantada :
“Fim da estrada, início do CAMINHO.”



NAVE TERRA
Humberto Soares Santa

Ó nave interstelar onde navego
Com rumo a um lugar que desconheço,
Já que aqui vou, a ti me vergo e peço :
Leva-me ao Capitão, porque estou cego !...

Nauta errante que sou, nem sei se nego
O que antes vi !... Aquilo em que tropeço
Não é viver!... é a pena que mereço
Por não pesar a infâmia que carrego !

Na nave peregrina da lonjura,
Berço da vida humana, que o Divino
Criou com a razão de quem procura

Perfeição na criação e no destino.
Perdi-me por cegar nesta aventura !...
Morri !... quando deixei de ser menino !...



LOUCOS
Humberto Soares Santa

Os loucos deambulam p’la cidade
E clamam : - É agora !... é agora !...
Venham, juntem-se a nós !... Chegou a hora
De respirar ar puro e liberdade !

Os velhos riem. Ri-se a mocidade.
- São tolos !.... Não nos macem !... Vão-se embora !...
A cidade traída já não chora,
Só ri, quando lhe falam da VERDADE.

A rejeição é feita contra os loucos
E eu também me perco na aventura
Mas os loucos ainda são tão poucos

Que andam, de outros loucos, à procura
E vão gritando até ficarem roucos :
-Ser louco por amor não é loucura!



ILUSÃO
Humberto Soares Santa

Como sopro de vento sibilino,
Hoje fugi!... De mim fiquei ausente!...
No espaço virtual da minha mente
Corri, saltei, brinquei e fui menino.

Na tela do meu espanto em desatino
O passado voltou e foi presente
No colorido ímpar, remanente,
Da gente que formou o meu destino.

Quando voltei a mim senti na mão
A água que os meus olhos e a saudade
Sugavam do meu velho coração.

Ausente da razão e da idade,
Envolto nesse halo de ilusão
Em êxtase, eu fui felicidade. 



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