A NUVEM
Humberto Soares Santa
Sei
não ter energia pra ser estrela
Mas
tenho o meu lugar no infinito
Qual
branca nuvem no azul bonito,
Alvo
espelho de luz, que o Sol revela.
Essa
nuvem, no céu vós ireis vê-la
De
contorno indefinido, meio esquisito,
A
parte do meu ser em que acredito,
Volátil,
orgulhosa, informe e bela !
A
nuvem... alma minha, ilusão !
Verá
que o ser humano não melhora :
Só
os poetas e os loucos sonharão.
A
nuvem, correrá p’lo mundo fora
E
as lágrimas que em chuva cairão
Serão
da alma-nuvem que em mim chora !
A
TÚNICA
Humberto
Soares Santa
Levei
o meu silêncio à catedral.
Ajoelhei
entre os bancos alinhados
Sentindo
em mim, o peso dos pecados,
Quedei-me
ali, na nave principal.
O
Sol abria cor num só vitral
Com
Cristo e dois ladrões dependurados.
Guardas
romanos que jogavam dados
Davam
a cor do sangue àquele local.
Era
jogado o espólio do inocente,
A
túnica do próprio Redentor.
Senti-me
a testemunha ali presente
E
olhei a opulência ao meu redor.
Se
nada fiz, nem quis mudar tal gente,
Fui
eu que te matei... ó meu Senhor !
ABRAÇO
Humberto
Soares Santa
Junta
o teu coração ao meu e agora
Os
dois seremos um na caminhada,
Alma
com alma, ambos de mão dada,
Serenos
pela vida... vida fora.
Sempre
que um estiver triste, o outro chora.
Se
um rir, o outro solta a gargalhada.
A
estrada dum, será do outro a estrada,
Quando
um está perto, o outro não demora.
O
nosso abraço, abraça a vida agora,
Protegendo
na arena o nosso espaço,
Um
dia um vai partir e ao ir-se embora
Levará
deste amor algum pedaço.
Se
for eu o primeiro... nessa hora,
No
céu, fico esperando o teu regaço !
BARDOS
E TROVADORES
Humberto
Soares Santa
O
que cantam os bardos nesta hora
Em
que os grandes heróis já se finaram,
As
gárgulas das fontes se secaram
E
aumentam os romeiros, estrada fora ?!...
O
homem do realejo ?!... onde mora ?!...
Os
menestréis, de fome soçobraram.
As
virgens estão sós ou professaram.
Poetas
!.... O que cantais pra nós, agora ?
Não
há princesas belas pelos montes
Nem
príncipes, nem sapos encantados.
Foram-se
as cantarinhas junto às fontes
Dos
tímidos casais de namorados !...
-
Canta !... Ó poeta !... Quero que me contes
Quantos
poemas, de ti foram roubados !
CRONOS
Humberto
Soares Santa
Na
procura galáctica da vida
Em
busca do princípio inteligente,
Se
prendermos o tempo na nascente,
Haverá
para o evo, uma saída.
Cronos
deu-nos o tempo que à partida
Se
dilui no instante do presente.
Um
momento passado é de repente
Uma
parte de nós já consumida.
O
tempo corre tal como um cavalo
Sempre
a fugir de nós... ai que revolta !
Não
quero que se vá... tento agarrá-lo
Mas
vai com o freio nos dentes... rédea solta !
Não
adianta mais ir procurá-lo
Porque
esse meu cavalo... já não volta !...
ESTRELAS
CADENTES
Humberto
Soares Santa
Há
estrelas a cair no meu quintal,
Riscos
de luz divina... são pedradas
De
fogo que do céu são atiradas
E
queimam... quando sinto o seu sinal.
Na
solidão da noite... é fatal !...
Sinto
a angústia e a dor dessas picadas,
Brasas
prò coração arremessadas,
Sinais
de correcção do que fiz mal.
Esta
hora... é a hora das estrelas.
Caem
para queimar o que é ruim.
Olha
bem para o céu !... Estás a vê-las ?!
São
milhares !... Parecem não ter fim !....
Luminosas
!... fugazes !... muitas delas...
São
os olhos de Deus postos em mim !...
LÂNGUIDA
PAIXÃO
Humberto
Soares Santa
Ó
dona da paixão cândida e pura!
Ó
linda anfitriã dos meus abraços !
Transporta-me
contigo aos amplos espaços
Aonde
mora o amor e a paz perdura !...
Ó
bela!... Ó divina formosura !...
Ó
lânguida paixão dos embaraços
Criados
p’las carícias desses braços
Que
inebriam e levam à loucura !
Que
me importa mulher, se eu morrer
E
o teu regaço for minha mortalha
Onde
sucumbirei feito prazer
No
calor desse corpo que agasalha.
Ó
divina !... Assim quero morrer!...
Vencido
p’lo amor, nessa batalha!
LIBERDADE
Humberto
Soares Santa
Leio
em ti as palavras escondidas
Nas
bocas que se fecham aos algozes.
Mensagens
que nos chamam, meio perdidas,
Nas
palavras contidas noutras vozes.
Vejo-te
presa aos olhos dos ferozes
Déspotas,
ditadores e homicidas,
Senhores
dos discursos e das poses,
Cinzentos
nos percursos e nas vidas.
És
dona da razão e da verdade,
Símbolo
da amizade e da união,.
Ergue
bem alto o facho, ó Liberdade !
Nunca
o deixes cair em suja mão.
Que
nele se ateie o fogo da igualdade,
Que
dele só brote a chama da razão !...
MAGNA
MATER
Humberto
Soares Santa
Gaia,
a magna mater angustiada,
Deusa,
mãe de Cronos, mulher de Uranos,
Sofrida
com a dor dos desenganos,
Adormeceu
no céu, triste e cansada.
No
Hades sulfuroso, à gargalhada,
Demónios
revoltados, traçam planos
Pra
que a Terra estoure em poucos anos
E
seja por humanos, mal amada.
Gaia*,
adormecida, em pesadelo,
Abraça
o mundo e freme de vergonha
Por
plantar em si, joio e bacelo
Da
vinha da mentira e da peçonha !....
Daí
nasceu a guerra e o atropelo
E
Gaia, já não dorme... já não sonha !
*GAIA,
GE, GEA ou GEIA
Deusa
greco-romana que personificava a Terra.
Mãe
Universal da vida.
NOVA
LINHAGEM
Humberto
Soares Santa
Olhei
o meu jardim !... Ai quem me dera
Vê-lo
florir de novo em muitas cores,
Respirar
o perfume de mil flores !...
Sentir
que nasceu nele a primavera.
Ficar
perto do lago à tua espera
Sonhando
com a ilha dos amores,
Com
uma rosa na mão, para tu pores
Junto
ao teu coração que se acelera.
Voltar
à juventude e como amantes,
Ter
tua boca arfando, junto à minha,
Vivermos
novamente o que era dantes
Criando
na nobreza, nova linha :
Eu,
como rei dos prados verdejantes
E
tu, das minhas flores, sua rainha !...
O ARLEQUIM
Humberto
Soares Santa
Lembras-te
?... Eu era o teu Arlequim.
Tu
!... com gestos de amor e de menina,
Dançavas
deslizante, ó Columbina,
Ao
som do meu errante bandolim.
Saltavas
estrela a estrela, só pra mim,
Sorrindo
a um bandolim que desafina,
Fresca,
etérea, meiga e ladina
E
eu cantava, no meu traje carmim.
Muito
ao longe, tangeu um alaúde.
Era
a Vida que entrava na comédia.
Peguei
em ti , fugindo quanto pude
No
cavalo do Tempo... mas sem rédea.
Hoje
a comédia é farsa... não me ilude.
A
farsa, quando um for, será tragédia !
O
CANTO DO CISNE
Humberto
Soares Santa
Quem
é poeta canta em sofrimento,
Qual
cisne que na hora pressagia
A
morte e cantando, anuncia
O
doloroso e fatal momento.
Que
canto é esse se te falta alento ?!...
Poeta
triste... cisne em agonia !...
Porquê
esse exaltar, essa fobia
Que
rege o teu cantar no teu tormento ?...
No
meu jardim, eu sofro e no meu canto
Rabisco
um papel que me sobrou
Molhado
pelas lágrimas do pranto
Que
um poeta em mim, só por mim chorou.
O
sol vai-me fugindo e entretanto,
Um
cisne, bateu asas e cantou !...
O
DESCANSO DO GUERREIRO
Humberto
Soares Santa
O
guerreiro descansa , já parou.
Ao
lado está a lança enferrujada.
A
cota já não serve, está rasgada,
O
elmo envelheceu... nem reparou.
Saudoso,
lembra o tempo que passou,
Andarilho
de longa caminhada,
Lutando
pela vida, contra o nada,
Senhor
de sonhos, servo do que amou.
Fraco
e velho, p’la luta fatigado,
Vivendo
da saudade, meio vencido,
Procura
no repouso descansado
Esse
amor que na Terra foi perdido,
Amor
que só na morte é encontrado
Porque
Amor será ele... se renascido !
PAPEL
AMARROTADO
Humberto
Soares Santa
Um
passo em frente e é tempo de futuro.
Dou
mais um passo e saio do presente
Saltando
do passado para a frente,
Seguindo
passo a passo rumo ao escuro.
Sigo
pra um final que não procuro.
Não
quero mas avanço lentamente
Como
a sombra... que acaba de repente
Logo
que o Sol se esconde atrás do muro.
Vou
perdendo a memória das memórias
Que
reencontro a pairar por todo o lado !...
Alegrias!...
pesares !... Muitas histórias
São
sonhos !... Ilusões do meu passado.
Algumas
tão pequenas !... são as glórias
Que
guardo num papel amarrotado !
PEREGRINO
DO TEMPO
Humberto
Soares Santa
Por
que locais Sem-Fim andei perdido ?
Que
terras de Israel já visitei ?
Que
rios e desertos já amei ?
Que
Palestina vi, ao ter nascido ?
Por
que negreiro outrora fui vendido ?
Que
"jihades" e cruzadas aturei ?
Que
lugares ditos Santos, visitei ?
Em
que túmulos de lama fui metido ?
Fui
apóstolo de quem ?... Diz-me Senhor !
Com
quem vivi nos tempos ancestrais ?
Fui
seguidor do ódio ou do amor ?
Que
homem sou ?... Pra onde me levais ?
Pra
retornar ao mundo sofredor,
Por
favor, não me deixes nascer mais !
QUEIXUME
Humberto
Soares Santa
Ouço
vozes... sussurros... nostalgias,
Prantos
d’alma !... murmúrios de uma vida,
Sopros
desta saudade indefinida
Que
acompanha e devora os meus dias.
Meu
corpo arrefeceu, as mãos estão frias.
No
espelho tenho a face mais sofrida.
O
rosto perdeu cor... barba crescida.
A
alma vai chorando em agonias.
Lá
fora chove. Em mim entra a tristeza !...
Nesta
melancolia, o mundo esqueço.
Deus
!... retirai de mim esta incerteza.
Se
me afasto de mim... reapareço !
A
alma que voou, hoje está presa.
Quando
fujo de mim, em mim tropeço !
SILÊNCIOS
Humberto
Soares Santa
Regressam
os silêncios já passados!...
Catacumbas
romanas!... teologia !...
Preces
!... odor da morte!... agonia
De
véus cobrindo rostos já velados.
Os
césares vão voltando, esses malvados
Filhos
de falsos deuses!... vilania!
Os
homens viram monstros !... Quem diria
Ver,
Nero e Calígula, regressados.
Nas
arenas do ódio, os gladiadores,
Derramam
o seu sangue inocente
Por
um regresso ao sangue de outras eras.
Espártaco
!... Vês ?!... Voltaram os teus senhores !...
Cristo
!... Olha !... Teu mundo está doente :
Há
gritos de crianças junto às feras !
O
VELHO RETRATO
Humberto
Soares Santa
O
Sol entrou, iluminando o chão.
Uma
sombra de mim cresceu ao lado.
Fechei
a caixa onde tinha estado
O
retrato que tenho aqui na mão
As
figuras da foto… ó ilusão!...
Tomam
forma de gente e num bailado
Trazem
para o presente o meu passado
Num
acto de crescente confusão.
Porque
dançam assim à minha frente?
Pra
quê o reavivar de toda a dança?
Porquê
este fruir tão docemente
Dum
passado só vivo na lembrança?
Eu
sei, pelo real aqui presente,
Que
entrei na minha mente e fui criança!...
O
TRONO
Humberto
Soares Santa
O
trono era mais alto do que um monte.
Estarei
aqui ? – pensei. - Fui à procura,
Ficando
nesse instante de loucura
A
olhar-me, sentado ali defronte.
Bem
alto, em contraluz, no horizonte,
Perdido
entre as nuvens, na altura,
Olhando
o mundo e a sua desventura,
Tinha
uma coroa a ornar a minha fronte.
Um
trovão ribombou e fez-se voz :
-
Poeta !... Porque te vês aqui sentado ?...
...E
como ousas pensar-te junto a Nós
Sem
nunca de delírios estares cansado ?
-
Senhor, se sou assim, devo-o a Vós.
Quiseste-me
a sonhar... sigo o meu fado !
O
SANTO
Humberto
Soares Santa
No
meu caminho encontrei um santo,
De
porte humilde e de fala mansa,
Um
homem meio divino, meio criança,
Nu
de glória, enxugador de pranto.
No
gesto espelha a alma! ... A voz é encanto
Que
traz a calma e incute a esperança
Sem
laivos de rancor ou de vingança,
Serena
no dizer, doce no canto!
Exemplo
de ternura e de bondade,
Senhor
da própria dor, dono do querer,
Perfeito
no amor e na verdade,
Mostrou
qual o caminho a percorrer.
Já
sei como se alcança a santidade.
Só
sei como se faz… falta fazer!
O
MENINO
Humberto
Soares Santa
Recordo
um menino meio farsante,
Que
corria prò sol, entre os trigais,
Afugentando
os bandos de pardais,
Gritando
e gargalhando a cada instante.
A
seara !... dançarina ondulante,
Bailava
com o vento, em espirais,
Criando
à sua volta mil sinais
Dum
amarelo vivo e cintilante.
Olhando
os pardais que vão voltando
Às
paisagens de agora, tão iguais,
Eu
fico, com tristeza, meditando :
-
O Sol e a cor regressam aos locais
E
tudo volta e vai-se renovando !...
Mas
a infância!... essa, nunca mais !
O
CAMINHO...
Humberto
Soares Santa
(Eu sou o caminho,
a verdade e a vida…
João 14-6)
Após
o caminhar de toda a vida,
Chegou
ao fim da estrada, o ancião.
O
coração parou. Com emoção,
Hesitou,
por não ver qual a saída.
E
agora?! – exclamou com voz dorida
-
Os anjos e os arcanjos, onde estão?!
Será
que o meu percurso foi em vão
E
a alma que em mim foi, está perdida?
Sentou-se
a descansar da caminhada
E
sentiu que não estava ali sozinho.
Olhou
prò infinito, para o nada,
Quando
uma mão se ergueu devagarinho
E
uma placa de luz foi levantada :
“Fim
da estrada, início do CAMINHO.”
NAVE
TERRA
Humberto
Soares Santa
Ó
nave interstelar onde navego
Com
rumo a um lugar que desconheço,
Já
que aqui vou, a ti me vergo e peço :
Leva-me
ao Capitão, porque estou cego !...
Nauta
errante que sou, nem sei se nego
O
que antes vi !... Aquilo em que tropeço
Não
é viver!... é a pena que mereço
Por
não pesar a infâmia que carrego !
Na
nave peregrina da lonjura,
Berço
da vida humana, que o Divino
Criou
com a razão de quem procura
Perfeição
na criação e no destino.
Perdi-me
por cegar nesta aventura !...
Morri
!... quando deixei de ser menino !...
LOUCOS
Humberto
Soares Santa
Os
loucos deambulam p’la cidade
E
clamam : - É agora !... é agora !...
Venham,
juntem-se a nós !... Chegou a hora
De
respirar ar puro e liberdade !
Os
velhos riem. Ri-se a mocidade.
-
São tolos !.... Não nos macem !... Vão-se embora !...
A
cidade traída já não chora,
Só
ri, quando lhe falam da VERDADE.
A
rejeição é feita contra os loucos
E
eu também me perco na aventura
Mas
os loucos ainda são tão poucos
Que
andam, de outros loucos, à procura
E
vão gritando até ficarem roucos :
-Ser
louco por amor não é loucura!
ILUSÃO
Humberto
Soares Santa
Como
sopro de vento sibilino,
Hoje
fugi!... De mim fiquei ausente!...
No
espaço virtual da minha mente
Corri,
saltei, brinquei e fui menino.
Na
tela do meu espanto em desatino
O
passado voltou e foi presente
No
colorido ímpar, remanente,
Da
gente que formou o meu destino.
Quando
voltei a mim senti na mão
A
água que os meus olhos e a saudade
Sugavam
do meu velho coração.
Ausente
da razão e da idade,
Envolto
nesse halo de ilusão
Em
êxtase, eu fui felicidade.
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