Samuel Freitas de Oliveira (Sá de Freitas)

Avaré, SP (1937-2018)


A CASA ONDE MOREI
Sá de Freitas

(1º colocado no 8º Festival de Sonetos da Academia Jacarehiense
 de Letras, SP, ano de 2014)

Casa vazia, cheiro de lembrança...
Abri a porta e ela rangeu saudade,
Então supus que, apesar da idade,
Me tornaria aos tempos de criança.

Tola suposição, pois a mudança
Que o tempo faz transforma a realidade
Em névoa apenas, que avança e invade
A nossa mente onde a ilusão medrança.

Antes voltado lá eu não tivesse,
Para sentir o nada que foi tudo,
Num tempo bom que a gente não esquece.

A saudade, ao sair, lá deixei presa,
Para não sofrer tanto, mas, contudo,
Fechei a porta... Ela rangeu tristeza.



NOS BRAÇOS DA SAUDADE
Sá de Freitas

Olhando pelas frestas dos meus dias,
Que já se foram pela vida afora,
Apenas vejo a luz daquela aurora
Da juventude, em sobras fugidias.

E agora a enfrentar as noites frias,
Neste vazio em que minha alma chora,
Busco os momentos que já foram embora,
Mergulhando a memória em fantasias.

Ah! Tempo que se foi! Por que deixaste
Essas recordações, por que guardaste
Tantas coisas da minha mocidade?

Resta-me agora, após lindas andanças,
Adormecer no leito das lembranças
E acordar nos braços da saudade.




ETERNO APRENDIZADO
Sá de Freitas

Escrevo os versos meus, de alma liberta...
Liberta como é livre o vento errante,
Pois minha mente ansiosa, a cada instante,
Deseja a paz que só o amor desperta.

Ando na Terra e vago no Infinito;
Ganho distâncias nos confins da vida,
Curo, em meu coração, qualquer ferida
Com o perdão... e o ódio, em mim, evito.

Esqueço as dores que por mim passaram,
Mas fico com as lições que elas deixaram,
Porque o sofrimento é um grande mestre.

Pois novamente para cá viemos,
Para aprender o que não aprendemos,
Em outras vidas, neste Lar terrestre.



CÁLIDA MANHÃ
Sá de Freitas

Oh! Cálida manhã que vem surgindo,
Filha do sol que chega deslumbrante,
E forte, portentoso, assaz brilhante,
Traz luz... E o meu Rincão fica mais lindo.

Na mata a passarada pressentindo
Um dia alegre, canta altissonante...
Então minha mente foge... Vai distante,
Para, nos versos, ir submergindo...

Mas qual Ninfa que a lenda fez perfeita,
Você acorda e, para mim, se enfeita,
Vem onde estou e aquece os lábios meus.

E aí, embora apenas presumindo,
Sinto que a luz do sol vai se extinguindo,
Ante o brilho do amor nos olhos seus.





SEM ELA
Sá de Freitas

À minha esposa no Dia dos Namorados

Quando o amor se vai, muda-se a vida...
Mesmo que o corpo viva, a alma é morta,
O ser vegeta e nada mais lhe importa,
Será qual ave ao vento, sucumbida.

Sem ele a esperança está perdida;
Sem esperança o ser nada suporta,
E à frente não encontra uma só porta,
Que possa lhe indicar qualquer saída.

Por isso eu amo com intensidade
Aquela que Deus pôs em meu caminho,
Desde o sorrir da minha mocidade.

Sem ela a vida não terá sentido,
Sem ela viverei sempre sozinho,
Sem ela apenas vagarei perdido.



O QUADRO NA PAREDE
Sá de Freitas

O silêncio é angustiante, a noite é fria...
Está meu coração magoado e triste,
Que nem mais sei se nele ainda existe,
Algo que possa me inspirar poesia.

Não há ninguém... A casa está vazia!
Somente a solidão ali persiste...
Nem mesmo a linda música transmite,
À minh'alma, uma nota de alegria.

Levanto-me... De um vinho necessito...
Mas de repente, na parede, fito,
No velho quadro um rosto iluminado,

Que parece dizer-me bem baixinho:
“Não sofra tanto! Não está sozinho,
Pois, sou Jesus e estou sempre ao seu lado.”



VELHO ROSTO
Sá de Freitas

Nas fundas marcas de um cansado rosto
Que o tempo fez, existem mil histórias,
De ganhos, riscos, perdas e vitórias,
De risos, prantos, sonhos e desgosto.

E há também um brilho bem exposto,
De outras lutas que não foram inglórias,
De paixões e tristezas transitórias,
De saudade de um tempo decomposto.

E se tais marcas (queira Deus) ganhares,
Será uma glória que há de conquistares,
Se nas faces trouxeres bem impressos:

O emblema do amor; e os fortes traços
Da coragem, diante dos fracassos;
Da humildade, diante dos sucessos.

(Do seu Ebook LUZES DE ESPERANÇA)



O PÁSSARO E O POETA
Sá de Freitas

Se pudesse eu voar com os passarinhos,
Da inspiração, em busca, eu sairia,
Para compor a mais linda poesia,
E ganhar, de você, doces carinhos.

Rente à janela sua eu cantaria
Tão logo amanhecesse, pra saudá-la;
Até que então pudesse eu conquistá-la,
Tal qual sempre a conquisto, em fantasia.

Vem, passarinho, e conta-me o segredo,
Do teu encanto, quando cantas ledo,
Saudando o dia quando o sol desperta.

Pois no seu canto eu sei que bem existe,
A deslumbrância a que ninguém resiste,
Nunca alcançado por nenhum poeta.




SOMENTE O AMOR
Sá de Freitas
       
O próprio mundo até, queda-se mudo...
Não há mais nada o que dizer da vida...
Toda a filosofia é vã... perdida,
Se não falar de amor que, em si, diz tudo.

Não adianta escrever frase elevada,
Falar de sonhos, paz, felicidade...
Se não falar de amor, nada é verdade,
E sem verdade o tudo é um simples nada.

O próprio amor por si, já impõe respeito...
Sem ele nada é bom, nada é perfeito...
Nada se diz do que se quer dizer.

Porque no amor há sempre um bem oculto,
E a gente, sem amar, é apenas vulto,
Que passa pela Terra sem viver.
 


 DORES E ENCANTOS DO POETA
Sá de Freitas

O poeta é um ser que ri e chora,
Como todos os seres deste mundo...
Mas quando sente um padecer profundo,
Escreve versos pela vida afora.

Se sente dor, sofre essa dor sorrindo;
Se sente encantos, logo se embevece;
É capaz de sofrer com quem padece;
É capaz de fazer tudo ser lindo.

Mas sempre tem uma dor, tem um encanto,
Dos quais não pode nunca se livrar,
Porque um traz-lhe a paz e o outro, o pranto.

Esse encanto maior que tem um bardo:
É quando sente-se amado para amar,
E a dor, é ver-se amando e não amado.
     


O TEMPO
I
Sá de Freitas

Vão-se minutos, horas... fogem dias;
Findam-se meses... mais um ano passa;
Acaba a infância... morrem fantasias,
E a realidade chega e nos enlaça.

Ficam bem longe as fúteis alegrias;
Da ilusão
o espelho a dor embaça;
Debandam-se, por fim, as energias
E a juventude esvai-se qual fumaça.

Vem a velhice e o tempo, sem piedade,
Nos faz no rosto marcas... e as lembranças,
Nos põem no olhar o brilho da saudade.

E se ao léu cruel da própria sorte,
Deixarmos fenecerem as esperanças:
Vamos morrer, antes que chegue a morte.





ALGO
Sá de Freitas

Algo forte a vibrar bem mais que a própria vida,
Cá no meu coração há muito já palpita...
É algo - assim de forma tão bem definida -
Que se agiganta, eu sinto, e tão febril se agita. 

Não pude, como devo, descrever ainda,
Este algo em meu ser, que vive submerso
Qual jóia preciosa, requintada e linda,
Rica demais pra expor-se num singelo verso. 

É algo impetuoso, indômito, incontido,
Que me mantém feliz, deixa-me embevecido,
Num mundo que somente a minha alma vê. 

É algo que extrapola o meu entendimento,
Porque Infinitamente é grande o sentimento,
Que existe nesse amor, que sinto por você.



O TEMPO
II
Sá de Freitas 
(Soneto escrito com apenas duas vogais: "e" e "o”)

Tens sempre medo e sentes o tormento
Bem de perto, com medo de perderes
O sossego... E sem mesmo perceberes,
Foges-me sempre, como foge o vento.

Medo tolo! Se tenho só o ensejo,
De percorrer-te o corpo portentoso,
Com encostos leves de extremo gozo,
Vencendo-te de vez, pelo desejo.

Pelo medo, no tempo nós perdemos
O bom do tempo... E logo sofreremos
No tempo, do desgosto o desconforto.

Vem! Os momentos morrem, nós morremos,
E se perdermos tempo nem teremos,
Tempo de recompor o tempo morto.



SE...
Sá de Freitas

Se... Eu já não quiser dar nem um passo,
Para chegar em algum lugar que almejo;
Se... Eu não mais sequer erguer um braço,
Para alcançar aquilo que desejo;

Se... Eu cair — e todos caem, um dia, —
E caído eu ficar... Perdido em pranto;
Se... Já não mais quiser compor poesia,
Por sentir minha vida sem encanto;

Se... Por fim eu me der por derrotado;
Sentir-me inútil, fraco e desolado;
Incapaz de sorrir, viver e amar:

Aí sim, sou um ser depauperando,
Com a alma — sem corpo — vegetando;
Com um corpo — sem alma — a vegetar.
 


MINHA DOR
Sá de Freitas

O que me faz ficar, às vezes, triste,
E mesmo até com a alma dolorida,
Não é a dor corpórea ou a dor que existe,
Nos dias que compõem a minha vida.

Não é tão-pouco a dor de um amor perdido,
Nem é a dor da ofensa ou da intriga,
E nem da mágoa atroz 
— quando esquecido 
Já não sinto o calor de u'alma amiga.

O que me faz ficar acabrunhado;
O que me deixa até desconsolado,
E chega a conduzir-me ao desalento:

É ver alguém sem fé, sem esperança;
É ver o idoso, é ver uma criança,
Esquecidos em meio ao sofrimento.



AOS QUE NÃO FAZEM SONETOS
Sá de Freitas

A quem seus versos faz com sentimento,
 Sem se importar com métrica, com rima,
A demonstrar que a alma está acima,
De qualquer regra, estilo ou acabamento;

A quem põe no papel seu pensamento,
E com doçura a nossa alma anima,
A nos mostrar que fez uma obra prima.
Sem se curvar ante o regulamento:

Digo: "Segue na tua liberdade,
Porque és um poeta de verdade,
Mesmo que nunca foste academista".

Pois seguir todas regras não é tudo,
Se a alma é fria e o coração é mudo...
E quem isso te diz é sonetista.




BELEZAS QUE O DIA NOS TRAZ
Sá de Freitas

Quando o brilho do sol nos traz o dia,
E o céu se cobre de azulado manto,
Vibra-se a Terra em ondas de harmonia,
E há vida e movimento em cada canto.

Em tudo há cores, sons e alegria!
Da Natureza inteira surge o encanto,
Que Deus compôs, qual divinal poesia,
Ao nosso coração que sofre tanto.

Mas quem se entrega à dor de alma vencida,
Não poderá sentir tanta grandeza,
Que flui ao derredor da própria vida.

É pena... pois quem vive entristecido,
Sem ver, no mundo, as cores da beleza,
Por certo há de morrer, sem ter vivido.





MEU HINO À MULHER
Sá de Freitas

Toda mulher merece ser querida,
Ninguém deve causar-lhe o amargo pranto,
Porque sem ela não haveria vida;
Se vida houvesse não haveria encanto.

Mulher é luz no caminhar do homem,
Que o guia sempre para onde for
E ameniza as dores que consomem,
Seu pobre coração ávido de amor.

Toda mulher merece ser amada,
Cercada de atenção e de ternura
E acima de tudo, respeitada.

Porque sem a mulher o homem então,
Seria condenado à desventura,
De vivo estar...  Morrendo em solidão.



UM ANJO NOS MEUS BRAÇOS 
Sá de Freitas

Invade o nosso quarto o clarão brando
Do plácido luar... E a janela
Que semiaberta está, também revela
Milhares de estrelas nos fitando.

E ali felizes vamo-nos amando,
Ouvindo ao longe os sinos da capela,
Que fazem a noite se tornar mais bela,
Enquanto eu vou feliz te acariciando.

O tempo vai fugindo e nem sentimos
Lá fora o mundo, pois somente ouvimos
O nosso respirar já sem compassos.

E aí a imensidão do céu abranjo,
Pois penso não ser gente e sim um anjo,
Por ter um anjo entregue nos meus braços.



MULHER, ESSA É A FORÇA DO AMOR 
Sá de Freitas
  
Amando eu reencontrei uma ilusão perdida,
Que um dia abandonou minh'alma de poeta;
Amando eu consegui dar brilho à própria vida,
Que havia se tornado tão escura e inquieta.

Amando eu construí um mundo diferente,
Onde a existência faz-se alegre e palpitante...
Senti o coração partido em dois... E a mente
Povoada de sonhos que vem de distante.

Amando eu consegui o muito em minha estrada
E mesmo que esse muito fosse um quase nada,
Desfez da minha vida aquele mundo triste.

E nos meus versos hoje a paz e o amor decanto,
Pois vejo em minha frente só beleza e encanto,
Porque tudo é possível onde o amor existe.



HEI DE ENCONTRAR
Sá de Freitas

Hei de encontrar ainda em meu caminho,
O amor que busco desde a mocidade,
Mesmo que seja no findar da tarde,
Que pressinto chegar-me de mansinho.

Não falo do gostoso "amor carinho",
Que traz ao nosso corpo a saciedade:
Falo do amor que falta à humanidade,
Sem o qual cada ser vive sozinho.

Falo daquele  amor que mata a fome,
Que agasalha a quem no frio dorme,
Que ao desolado vem trazer alento.

Falo do amor que no perdão se aplica,
Falo do amor que o coração pratica,
Quando lê o primeiro Mandamento.



SE EU FOR PRIMEIRO 
Sá de Freitas

Não sei se um dia o fim que está marcado,
Virá a mim ou a você primeiro...
Peço a Deus não ser eu o derradeiro,
Pois nada sou sem ter você ao meu lado.

E se antes eu for, ao ser lembrado,
Não quero que se entregue ao desespero,
Porque o nosso amor é verdadeiro
E nem com a morte ficará abalado.

Amarguras não quero no seu rosto...
Quero sua alma - de tristeza - nua
E o coração sem dor e sem desgosto.

Pois ao cruzar - da vida e a morte - as linhas,
Não quero lá sentir a mente sua,
Sofrendo aqui... Entre lembranças minhas.



QUAL É A MAIS BONITA? 
Sá de Freitas
                           
Se acaso um dia, em meu jardim chegares,
(Onde há glicínias, desabrocham rosas),
E sem receio algum me perguntares:
"Qual é a mais bonita entre as formosas?"

Ás rosas olharei - quantos Abrolhos!-
Que devo responder-te? Que farei?
Bem... Postarei meus olhos nos teus olhos,
E, a suspirar de amor, nada direi.

Então me envolverás num olhar de Santa,
A interrogar-me com doçura tanta,
E, ao mesmo tempo, em tom bem definido:

"Vamos! Responde! Pois te perguntei
Qual é  a mais bonita?" Eu mostrarei
O teu rosto no lago refletido.



COMO FOI CRIADA A MULHER
Sá de Freitas

Deus fez o mundo e ainda não contente,
Com todas as grandezas que criara...
Nem com as flores de beleza rara,
Nem com a luz do sol resplandecente...

Achou por bem criar algo divino,
Que trouxesse paixão, luz e beleza
Ao homem que perdia-se em tristeza,
Em solidão, em dor e desatino.

Tinha que ser  a criação mais pura
De um ser sublime e cheio de ternura,
Que fosse o "tudo" que o homem quer.

Então copiou de um Anjo 
 a formosura;
Das Ninfas celestiais  tirou a doçura 
E a essa criação chamou: MULHER.



MEU CARRINHO DE MÃO
Sá de Freitas

Menino ainda eu me lancei à luta
Vendendo frutas num carrinho usado
De uma roda só, meio quebrado,
Que pra empurrá-lo era a maior labuta.

Não me envergonho não... Porque agora
Tenho bem mais do que sonhei um dia...
Não é dinheiro não, é a primazia
De ir vencendo pelo mundo afora.

Do carrinho-de-mão sinto saudade,
Pois ele me mostrou que, na verdade,
O sofrimento veio me ensinar:

Que sem mover os pés ninguém caminha;
Que a gente pode ter o que não tinha,
Se for à luta... Sem desanimar.



MEU RECANTO
Sá de Freitas

Quem vê a velha casa não imagina
Quão bela foi em tempo já passado,
Com o seu terreiro todo ajardinado,
Encostada ao sopé de uma colina.

Embora fosse um tanto pequenina,
Seu interior bem limpo e perfumado,
Deixava o visitante extasiado
E envolvido numa paz divina.

Mas desde de que o seu dono a abandonou,
Em abrigo de insetos se tornou
E planta alguma hoje ali floresce. 

E assim também  com a nossa  alma ocorre:
Se abandonada for, nela o bem morre
E o mal então, com toda força cresce. 



É BOM LEMBRAR A JUVENTUDE 
Sá de Freitas

É bom lembrar a juventude ida,
Mesmo sabendo que ela já está morta,
Pois ela foi quem nos abriu a porta,
De nova etapa para ser vivida...

Nela demos início à nossa lida
Sem muita experiência, mas que importa,
Se revivê-la às vezes nos conforta
Nas horas da velhice já surgida?

Mas lastimar o "agora" não devemos,
Pois  é bênção de Deus que hoje temos,
Por ter vencido o tempo... E nessa idade:

Cada dia que surge é uma esperança;
Cada dia que vai deixa lembrança;
Cada lembrança traz uma saudade.



NÃO SE DEIXE ABATER, MULHER! 
Sá de Freitas 

Quando um dia sentir-se injustiçada,
Ofendida e humilhada extremamente;
Quando for, sem motivo, caluniada,
Tendo certeza de que é inocente.

Quando alguém macular sua conduta,
Deixando você triste e constrangida;
Quando a deixarem a sós, perante a luta,
Sem ter ao lado seu, qualquer amiga.

Mergulhe no seu "eu" e o examine...
E se nada tiver que a recrimine,
Não se entregue, jamais, à dor extrema.

Dê um basta à qualquer maledicência,
Pois o mais importante à consciência,
É o que possa pensar de você mesma.



COMO SINTO UM ADEUS
Sá de Freitas

O adeus é  prenúncio de ansiedade
Que surgirá nascida de uma ausência...
É princípio de angústia... É evidência
De prantos que virão com intensidade.

O adeus é um sentir de vacuidade,
É o interromper de uma convivência,
É um padecer com a triste permanência,
Da grande dor que traz uma saudade.

O adeus é esperança de um retorno;
É sensação terrível de abandono;
É temor do que inda não surgiu.

É apreensão que a alma mortifica;
Sonho também de ir, para quem fica;
Vontade de regresso a quem partiu.



AO SOM DA LIRA
Sá de Freitas

Ao som da lira eu fico embevecido,
Meio perdido até... se o amor decanto,
Porque o pranto flui-me tão sentido,
Quando envolvido estou por esse encanto.

Mas da lira não ouço o som doído,
Nem o gemido do meu peito, enquanto
Fujo de pronto, do meu tempo ido
E tão sofrido por desgosto tanto.

E as dores?... Busco eu sempre esquecê-las,
Pois prefiro ficar olhando estrelas
E nelas encontrar os versos meus.

Enquanto estrelas olho... a dor esqueço;
Quando esqueço da dor eu agradeço,
E quando eu agradeço... Sinto Deus.



MÃOS
Sá de Freitas

Benditas são as mãos que se estendem,
Sem distinção aos corações sofridos...
Mãos santas são aquelas que se prendem
Cheias de amor, às mãos dos combalidos.

Abençoadas as mãos que, com humildade,
Se erguem rumo aos Céus, fazendo prece,
Para que haja amor na humanidade;
Para que haja alívio à quem padece.

Sagradas são as mãos que sempre espalham
Gestos de amor num pão, num agasalho
E que, em auxílio aos outros, nunca falham.

Grandiosas são as mãos que sempre têm,
Em suas palmas, marcas do trabalho
Que realizam, construindo o bem.



O POBRE FELIZ 
Sá de Freitas 

De trás do monte o sol surgi dolente
E começa a sugar toda a neblina,
Formada pela fonte cristalina,
Que segue o seu caminho calmamente.

Põe-se em pé o caboclo... Está contente!
Toma café, começa-se a rotina
De ordenhar e ir pela campina
Atrás de algum animal que está doente.

Seu patrão na mansão, lá na cidade,
No mesmo dia se levanta tarde,
E chega lá com a alma amargurada.

E vendo o empregado seu sorrindo
Feliz da vida, aos poucos vai sentindo
Que a riqueza que tem não vale nada.



O IDOSO E O JOVEM
Sá de Freitas 

A idade avançada é bênção... e a vida,
Se bem vivida, é um período ledo...
E quem não a tiver é que, bem cedo,
Dará ao mundo a sua despedida. 

Mas mesmo assim, que o jovem tenha em mente,
Que deve dar ao idoso amor, carinho,
Pois, ás vezes, se sente ele sozinho,
E de atenção esteja tão carente. 

Porque o tempo, para todos, passa...
A juventude esvai-se qual fumaça,
E levará o vigor que era seu. 

E aí então, na faixa dos idosos,
Sedento de atenção dos que são novos,
Não poderá pedir o que não deu.



TER VIVIDO SEM VIVER
Sá de Freitas 

Pobre de quem se faz escravizado,
Do poder passageiro da riqueza,
Julgando nela estar toda a grandeza,
De quem pode mandar, sem ser mandado.

Sente-se protegido e alicerçado
No vil metal e apega-se à avareza,
Desprezando os que vivem na pobreza,
E o próprio Deus, por vez, deixa de lado.

Passa o tempo... Ele vê que nenhum dia
Viveu a vida como deveria,
E vai deixar seus bens aqui na Terra...

Bens que acenderão muitos rastilhos
De desavenças entre os próprios filhos,
Quando a herança lhes trouxer a guerra.



COMO SINTO A POESIA
Sá de Freitas

É a poesia a expressão mais pura,
De um coração que sonha, canta e ama,
Ou um grito do ser exposto à chama,
Do desprezo, da dor ou da amargura.

Poesia é ressonância de brandura,
À mente inquieta que de amor se inflama,
É a paixão febril que se esparrama,
Em versos carregados de ternura.

Poesia é o desabafo do poeta,
É o lenitivo à uma dor secreta,
Que alguém carrega n'alma atormentada.

Poesia é o derramar de riso e pranto;
É o mostrar de encanto e desencanto;
Poesia é o tudo onde existe o nada.



MARCAS DO TEMPO NA MULHER
Sá de Freitas

Marcas que o tempo deixa-lhe no rosto,
São provas da mulher (que é MULHER)
De que venceu, sem titubear sequer,
A dor, o pranto, a mágoa e o desgosto.

E cada marca, em si, bem nos revela,
Que o tempo vai, mas deixa-lhe beleza
No coração, na alma e traz nobreza
Que a faz, na vida, cada vez mais bela.

Marcas do tempo na mulher demonstram,
Graciosas linhas que atraem e encantam,
E mostram-nos grandezas infinitas.

Não lhe desfaz o tempo a formosura
E, se da pele lhe roubar frescura,
Deixa marcas de amor, bem mais bonitas.



A DOR MAIOR
Sá de Freitas

A dor maior não vem de uma saudade,
Nem das preocupações por alguém ausente,
Nem com o cansaço que se faz presente
Em nosso corpo com o chegar da idade.

A dor maior não nasce da ansiedade
Que nos atinge inesperadamente,
Nem da desilusão com algum parente,
Nem do triste findar de uma amizade.

A dor maior não surge de uma ofensa,
Nem aparece com a angústia intensa,
Quando a gente se sente abandonado...

A dor maior é algo bem mais forte
Do que talvez a dor da própria morte:
A dor maior é amar sem ser amado.



AOS MEUS ALGOZES
Sá de Freitas

Por muitas vezes já tentei debalde,
Flores plantar às margens do caminho,
Por onde ando às vezes tão sozinho,
Somente em busca da felicidade.

Mas sempre alguns, apenas por maldade,
Vem e semeiam espinho por espinho,
Até que não mais reste um só cantinho,
Para eu plantar minha tranquilidade.

Mas não faz mal, tudo isso me conduz
À vitória, pois sei que a própria luz,
Somente tem valor na escuridão.

E os que o mal me fazem, no mal caem,
Porque o que desejam a si atraem...
Mas fiquem em paz... Pois dou-lhes meu perdão. 



(02-09-1937 / 31-12-2017)



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