Africanos (irmãos portugueses): "Angola" e "Moçambique"



J. G. de Araújo Jorge está certo quando diz que "quase nada sabemos de nossos irmãos portugueses da África". Em termos de poesia, naturalmente.

Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme começaram, mas apenas começaram, a preparar uma "Antologia Poética Angolana".

E, infelizmente, não se encontra nenhum soneto nesse trabalho inicial, como que para caracterizar seu desinteresse pelas composições clássicas, inclusive pelo soneto, "feito" — segundo J. G. — para os momentos felizes, tranqüilos, para os brindes de amor". O canto novo dos poetas africanos é "impregnado de ânsias nativistas, expressão, muitas vezes, de suas angústias e revoltas, dando preferência às formas livres, aos poemas longos".

O mesmo pode-se dizer de Moçambique.

Gratos, porém, ao esforço de Araújo Jorge, apresentamos, a seguir, três sonetos de Helena Verdugo Afonso (Angola); um de Tomaz Vieira da Cruz (nascido em Portugal, mas "angolano de poesia e de coração"); e um do poeta negro , Rui de Noronha (Moçambique).

Helena Verdugo Afonso, sonetista de talento, que colaborou na imprensa de Angola entre os anos de 1947 a 1949, revelou-se por sua poesia ardente, sentimental, não tendo publicado livro.

Tomaz Vieira da Cruz (1900-1960), português de nascimento, poeta e jornalista. Foi, segundo Marco Antonio, em artigo publicado, em 1966‹ no "ABC" — Diário de Angola, "o caso poético melhor dimensionado de quantos surgiram em Angola, quiçá no Ultramar Português, nos últimos trinta anos".

Foi recebido pela Academia Brasileira de Letras, quando esteve no Brasil, em 1950. Em 1938, a Emissora Nacional, de Lisboa, lhe conferiu o título de "Príncipe dos poetas portugueses".
Faleceu em Lisboa, sendo o corpo, de acordo com sua vontade, trasladado para Angola.

Rui de Noronha (1909-1943), de Moçambique. Embora sonetista, "a crítica" — conforme escreveu J. G. de Araújo Jorge — "o considera um dos precursores da moderna poesia em sua pátria". Publicou apenas um livro, a que deu o simples nome de "Sonetos".


*


INSATISFEITA
Helena Verdugo Afonso (Angola)

Enfim, posso morrer! Já te beijei
a linda boca perfumada e quente,
num beijo longo, divinal, fremente,
um beijo aonde toda me entreguei...

Não me conheço agora. Já nem sei
se fiz bem, se fiz mal. Minha alma ardente
sofria por um bem que tinha ausente,
e morro na ventura em que fiquei...

É assim, o meu amor: eu, que vivera,
na crença de esperança já perdida,
tenho de ti o bem que apetecera!

Por esse beijo, vivo tão dorida,
que, para ser feliz, antes valera
ficar a desejá-lo toda a vida!...



ANSEIO
Helena Verdugo Afonso (Angola)

Amor, vivo tão só, nesta tristeza,
onde minha alma se desfaz em pranto,
longe do teu olhar cheio de encanto,
em que fiquei eternamente presa.

Tão longe ando de ti, numa incerteza
de ter-te, minha vida! No entretanto,
vá crescendo este amor, mas, tanto e tanto, 
 místico fervor, como quem reza!...

Ando faminta, cheia de desejo
dessas carícias tão de mim ausentes,
que me enlouquecem, e que em ti prevejo.

E morro na paixão que mal pressentes,
e perdem-se pelo ar, cheios de pejo,
os beijos que te dou e tu não sentes...



MENTIRA
Helena Verdugo Afonso (Angola)

Acreditei na vida, e foi assim
que, cheia de alegria e de esperança,
deixei alimentar dentro de mim
um amor puro e ledo, de criança.

Pensei ter alcançado então, o fim
por mim tão desejado, e, sem tardança,
senti-me venturosa, escrava enfim,
julgando meu o que ninguém alcança.

Mas, ai! Tu só mentiste, e foi em vão
que tentei afogar no coração
o pranto desta mágoa que delira...

O teu amor, que tanto ambicionei
e a que tão loucamente me entreguei,
não passava, afinal, de uma mentira!...



SELVAGEM
Tomaz Vieira da Cruz (Angola)

Ninguém, ninguém, ninguém me queira mais:
 podem trazer-me tudo quanto existe:
as pérolas de Ofir e as irreais
ilusões que contentam quem é triste.

Podem trazer-me, em doidos vendavais,
a luz da f'licidade que sentiste,
mulher ditosa que em cortejo vais
seguida de quem ama  — de quem riste.

Podem passar, ó loucas multidões
que eu bem o sinto, em tétrica miragem,
o labirinto em vossos corações...

Podeis passar, ó luz do sol fecundo,
porque eu não troco o amor desta selvagem
por todas as grandezas deste mundo!



GRITO DE ALMA
Rui de Noronha (Moçambique)

Vem de séculos, alma, essa orgulhosa casta,
repudiando a dor, tripudiando a lei.
Num gesto de altivez que em onda leva e arrasta 
inteiras gerações de amaldiçoada grei.

Ir procurar, Amor, nessa altivez madrasta,
ou gesto de carinho ou de brandura, eu sei?
Ao tigre dos juncais, de uma crueza vasta,
quem há que roube a presa? Aponta-me e eu irei!

Cruel destino o meu, que ao meu caminho trouxe, 
na fulgurante luz do teu olhar tão doce,
a mágoa minha, eterna, a minha eterna dor.

Vai, segue o teu destino! A onda quer-te e passa. 
Vai com ela cantar o orgulho de tua raça,
que eu ficarei cantando o nossa eterno amor... 




 (Das páginas 425 a 428 de “O Mundo Maravilhoso do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)
 





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