Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado)

Ponta-Porã, MS (1948-...)


GRAFISMO INDÍGENA
Edir Pina de Barros

(1º lugar no III Festival de Sonetos da Academia Jacarehiense de Letras, Jacareí, SP, 2009)

Essa tua pele mais parece tela
toda pintada em tons da natureza,
Materializa mito que desvela
antiga história, tanta profundeza!

Em delicados traços, com cautela,
Nessas pinturas, feitas com firmeza,
uma cultura ímpar se revela,
em seu silêncio encerra grã beleza.

Morena tez, trazendo ao cotidiano,
sagradas leis do cósmico, do humano
toda memória, enfim, dos tempos idos!

Em cada traço, prenhe de sentidos,
Uma epopéia! Tempos bem vividos
em território livre, soberano!



SE TU ME AMAS...
Edir Pina de Barros

Se tu me amas entra bem silente,
Sem despertar-me deste sono leve...
Na minha pele tua marca inscreve,
Qual tatuagem, com teu beijo ardente...

Se tu me amas neste instante breve,
Desliza sobre mim tal qual serpente,
Sem preocupar em ser cordial... Decente...
Oh! Sê aquele que se dar se atreve!

Se me amas mesmo sem pudor, tolice,
Que vás embora junto com a lua,
E deixa-me sonhar um novo dia...

E deixa que de longe eu te cobice,
E queira-te de novo, ébria e nua...
Mantendo em mim, do amor, doce utopia!



SOBRE A INVEJA
Edir Pina de Barros

Nociva é sempre a inveja corrosiva,
 o sentimento infausto da cobiça
que cresce feito praga, e medra e viça
na mente de quem dela não se esquiva.

Os sentimentos bons em si derriça
 aquele que a alimenta, que a cultiva
na essência d'alma — sempre negativa
e alheia à luz do amor e da justiça.

A inveja traz em si mortal peçonha
 àquele que na vida sempre sonha
com algo que pertence a outra pessoa.

Oh! Tu que tens inveja! Eu te asseguro
que eu não te invejo. Busco luz e ar puro
para adejar feliz, sorrindo à toa.



PÁSSARO FERIDO
Edir Pina de Barros

Sou pássaro ferido — voo lento —
a vida me atirou calhau na asa,
enquanto eu voo o sangue aos poucos vasa
mesmo assim eu vou cortando o vento.

Voar mais alto muitas vezes tento,
porém a minha força é curta e rasa,
doí-me tanto quando o sol se abrasa,
mas mesmo em dor um novo sonho invento.

Um pássaro ferido e persistente,
que plana em pleno céu e segue em frente,
sempre a buscar além nova quimera.

voo, e voo, sempre em rumo certo
hei de encontrar oásis no deserto:
a luz do amor, que cura e regenera



ESTRELA
Edir Pina de Barros

A vida é transitória, impermanente,
e não se leva nada desta terra,
pois quando caí o pano e tudo encerra,
 a gente sai de cena de repente.

Porém há de ficar em toda a gente,
em todo canto, em cada pé de serra,
uma saudade que no espaço erra
daquele que se foi, tornou-se ausente.

A alma ascende aos céus, se torna estrela
e todos, cá da terra, podem vê-la
a rutilar, serena, no infinito.

Cumpramos, pois, em paz nossa jornada
que a vida é eterna noite estrelejada,
viver é sonho, nada mais que um rito.



SAUDADES
Edir Pina de Barros

Saudades da casinha à beira rio,
coberta de sapé, de chão batido,
do povo Bakairi, demais querido,
do pátio e em sua volta o casario;

saudades do riacho corredio,
do urucuzeiro em flor, tão colorido,
de cheiro de urucum no meu vestido,
do amável trato, próprio do gentio.

Saudades dos amigos verdadeiros,
 da intimidade morna dos terreiros
de suas casas, sempre aconchegantes.

Um povo amável e amigo, que quer terra,
o seu torrão natal, no pé da Serra
e a doce paz, que ali reinava antes.



CONSTRUTOR DE SONHOS
Edir Pina de Barros

O sábio construtor de etéreos sonhos
entregue aos devaneios e delírios,
transmuta em versos todos os martírios,
os densos pesadelos, dos medonhos;

e afasta os pensamentos mais tristonhos,
as lágrimas transforma em bons colírios,
para limpar os olhos, ver os lírios,
 arquitetando tempos mais risonhos.

Projeta o novo sobre o chão cansado,
sem desprezar, jamais, o seu passado,
recuperando a luz dos dias belos.

Com pó de exuberantes primaveras
e areia movediça das quimeras,
constrói o belo, ergue mil castelos.



SAUDADE
Edir Pina de Barros

Canto a saudade que me habita o peito,
e sem pedir licença em mim se aninha,
que se agiganta quando estou sozinha
pensando em ti, no sonho meu desfeito;

que deixa o meu olhar opaco, estreito,
e torna a minha vida tão mesquinha,
sem ver um novo amor que se avizinha,
e que me inunda os olhos quando deito;

saudade que me esmaga toda, inteira,
como se fora a grande mestra oleira
a modelar meu pobre ser tristonho.

Saudade! Ai! Saudade que me invade,
demais tu me machucas, ó, saudade,
que sangro sobre os véus do etéreo sonho.



REFLEXÕES
Edir Pina de Barros

Por que será que o tempo não tem pena
de nada e de ninguém? Consome tudo,
intrépido, insensível, tão sanhudo,
voraz, bem mais voraz do que uma hiena.

Nada perdoa. Nada! É duro, rudo...
A tudo e a todos - por igual — condena
à finitude. Mas não sai de cena,
não envelhece, passa firme e mudo.

Por que será? Senhor da vida e morte,
diverso em sua essência, sua sorte,
por tudo passa e vive em cada mito...

Oh! Tempo! Tempo! Impávido e faminto,
primeiro nos dá mel, depois absinto,
executando sempre o infindo rito.



CICLOS
Edir Pina de Barros

As horas passam rápidas, austeras,
e tudo levam sem qualquer piedade,
sem respeitar a dor que nos invade
quando se vão, com elas, as quimeras.

Ninguém espera — tu jamais esperas —
que o tempo perca um dia a majestade,
que a vida nunca finde ou se degrade
o encanto e a luz das breves primaveras.

As horas passam céleres e a gente
Pensa que tudo passa e, de repente,
nada mais resta além da poesia

da Vida, que na morte se renova
como a semente que esgarçando a cova
o encanto do viver em si recria.



PERMANÊNCIAS
Edir Pina de Barros

Quando em remotos tempos eu vivia
 entre medievos templos e castelos,
cercados por vergéis imensos, belos,
eu conheci a essência da estesia.

Eu era escriba e em tudo e em todos cria,
cantava o amor em versos tão singelos,
mas conheci da dor os mil flagelos
e a força do penar e da entropia.

Agora estou aqui e ainda escrevo
o que na impermanência tem relevo
porque resiste ao tempo, que é voraz.

É o dom de amar, que sempre se renova,
que vence tudo e a toda e qualquer prova,
que em meio à guerra traz a luz e a paz.



ÊXODO
Edir Pina de Barros

Oh! Mar! O tempo passa e permanece
 pois tudo muda, mas não muda tanto,
às tuas águas se mistura o pranto
de dor. que nunca acaba ou se arrefece.

Do tráfico negreiro não se esquece
o banzo, a morte em vida e o desencanto
cantados por poetas — e hoje eu canto
o lado humano que é mais vil, refece.

Agora, mar, és palco de esperança,
de quem se atira em ti, e além avança
em busca de um futuro bom, hilário.

Mais uma vez és tumba e és sudário
dos imigrantes, que são tantos, vário,
que deixam atrás de si ódio e vingança.



BERÇÁRIOS EM POESIA
Edir Pina de Barros

No rio de minh'ahna há mil cardumes
de versos, que a brincar buscam berçários
da poesia, envolta em véus, sudários,
mais bela do que tudo que presumes.

E cortam as correntezas, solidários,
brilhando mais que a luz dos vaga-lumes,
silentes — como os pássaros implumes —
a buscar, a montante, outros cenários.

No rio de minh'alma, murmurante,
prosseguem tão alegres, vão adiante
sempre em cardumes, juntos, não dispersos.

Nos berçários eternos da poesia
— relicários de vida em travessia —
reside o belo, fonte de meus versos.



A VIDA É UM SONHO
Edir Pina de Barros

Mas como não sonhar se a vida é sonho
um mundo etéreo, feito de quimera,
nunca o que se quer, o que se espera,
às vezes triste e às vezes tão risonho.

Por isso nesses versos que eu componho
à luz do sonho eu canto a primavera
que o encanto de viver nos assevera,
não o inverno gélido, enfadonho.

Sonhei! E dos meus sonhos de poeta,
— que nunca serão sonhos de um asceta —
desentranhei os versos que ora escrevo.

Sonhemos, pois, que o sonho alegra o triste,
torna bem melhor quem não desiste
de ver a vida com meiguice e enlevo.



VOZ DO VENTO
Edir Pina de Barros

É noite! A voz do vento que murmura
teu nome, diz também que em mim persiste
algo de ti, embora vago e triste,
a réstia de um sorriso, alguma jura.

O vento vai e vem na noite escura,
cortando o tempo com navalha em riste
minha memória invade e grita, insiste
trazer à tona as horas de ternura.

E vai e vem, murmura, ri, farfalha
as folhas das lembranças e a mortalha
que veste o grande amor que se desfez.

Ó! Noite! Ó! Vento! Que saudades sinto
 das horas de prazer, do vinho tinto,
dos lábios que beijaram minha tez.



COLHEITA
Edir Pina de Barros

Se a vida te parece vil madrasta
que só te causa dor e te maltrata
e a brisa te parece urna chibata
ao afagar a relva verde e vasta;

e pensas que a má sorte a ti te arrasta
para o portal do inferno e te arrebata,
e enfim, te faz pensar que a vida é ingrata
que torna o humano ser iconoclasta; 

se acaso pensas mesmo assim te digo
que em meio a todo joio existe trigo
que enxerga só aquele que o procura;

que cada qual recolhe o que semeia
— e há de colher os frutos e à mancheia —
inferno ou luz, amor, ódio e amargura.


Fonte: http://www.recantodasletras.com.br/autores/edirpina


  

Um comentário:

  1. Sou grata pela minha ionclusão neste importante Mundo maravilhoso do soneto. Edir Pina de Barros

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