Vogais - Alma das Sílabas



Não deixam de ter grande importância, no verso, os valores das letras do alfabeto. Principalmente as vogais, que são a alma das sílabas.

Tanto as vogais, como as consoantes, são evocativas e, nessa condição, podem ser bem exploradas na confecção inteligente de um verso com perspicácia e sensibilidade, os poetas, nesse terreno, conseguem obter bons resultados.

Se as consoantes — munidas de expressões apropriadas, poder de percussão, efeito acústico, sons imitativos, maior ou menor energia, graduação de aspereza ou brandura — têm força para marcar presença dentro de um verso, muito mais importante é a eficácia das vogais, desde que jogadas com talento e distribuídas com habilidade.

Segundo Castilho, o "A" é brilhante e arrojado; o "E" é tênue e incerto; o "I" é sutil e triste; o "O" é animoso e forte; o "U" é carrancudo e turvo.

O valor das vogais é irrefutável. Mas, há poetas que querem ir bem mais longe, envolvidos nas asas da fantasia: querem comparar as vogais com as cores, dando-lhes "valores correspondentes".

Arthur Rimbaud, o oráculo do Simbolismo, é o autor daquele famoso soneto em que procurou criar correlações de vogais e cores.
O "A" seria negro; o "E" branco; o "I" vermelho; o "O" azul; e o "U" verde.
Desse soneto há muitas traduções, dentre as quais as de Gondin da Fonseca, Brant Horta e Celso Vieira. É deste último a tradução que se segue:

"A", negro; "E", branco; "I", rubro; "U", verde; "O", turquesino,
vossa origem latente hei de cantar em breve.
O enxame que a zumbir de um pântano se eleve,
"A", teu negro veludo esmalta de ouro fino;

"E", brancura ideal das tendas cor de neve,
umbelas de alvos reis, lanças de gelo alpino;
"I", sangue em jorros, "I", púrpura em chamas, hino
de cólera que, a rir, num lábio em flor se atreve;

"U", círculos do mar nos glaucos horizontes,
verdes pastos sem fim, rugas sulcando as frontes
dos que buscam da ciência os íntimos refolhos;

"O", fanfarras, clarins, trons de vitória, brados,
"O", silêncios azuis de anjos e sóis povoados,
"O", clarão vesperal, violáceo, dos seus olhos!


O poeta cearense Silveira Filho também escreveu um soneto fazendo comparação entre vogais e cores. Não é uma tradução de Rimbaud; e note-se que, em seu trabalho, pinta as letras com impressões próprias.

Ê a sua "Canção das Vogais":

"A", branco; "E", verde; "I", azul; "O", cinzento; "U", lilás,
almas feitas de sons tecidos na amplidão...
"A'' — neblinas de luz nos jardins outonais,
onde há sombras sutis em lírica emoção...

canção dos Heróis; harmonias irreais.
lábios a tremer em mística oração;
mãos mirradas ao ar para os céus infernais,
pedindo um canto ao sol e um pedaço de pão.

luz crepuscular sobre os lagos silentes;
murmúrios de chorões ouvindo os sons dolentes
que erram no coração da tarde indefinida...

reflexo lilás de outro mundo, outra esfera,
onde o Sonho sorriu em poemas de quimera
e minha alma ficou para sempre perdida...


Mas, os outros poetas, de que modo sentirão os valores sonoros?
O timbre musical dos vocábulos é vibrado pelo som das vogais, mas nem seria possível haver uma interpretação igual e unânime desses valores.
Murilo Araujo, por exemplo, contesta, em crítica interessante, a opinião de Rimbaud e acha que o "garoto de gênio" quis simplesmente brincar.

Levando em consideração que o preto não é cor e que não existe cor branca; e considerando, ainda, que há três cores primárias (amarelo, azul e vermelho) e também três vogais fundamentais (o "a", o "i" e o "u") — o grande poeta de "Carrilhões" faz uma série curiosa de raciocínios e chega à seguinte conclusão, a respeito das cores das cinco vogais:

"a" seria vermelho; "e" laranja; "i" amarelo; "o" roxo; "u" azul.
E como são sete as cores do espectro solar, o poeta não se dá por vencido. Para as duas cores que faltam, ele tem duas vogais derivadas:
o " u " francês (fusão do "o" com o " u "), que seria verde;
o "ô" (vogal situada entre o "o" e o "u"; "ô" rima com "ou"), que seria anil, cor derivada, situada entre o roxo e o azul.

E aproveitando o impulso, Murilo Araujo lembra que também há sete notas musicais.
Fazendo as correlações, o poeta organiza o seguinte arranjo, na ordem inversa da escala, atento à ordem também inversa das cores do arco-íris:

"a" .................. vermelho ..... si
“e” .................. laranja ........ lá
"i" ................... amarelo ...... sol
"u" francês ....... verde .........  fá
“u” ...................azul ...........  mi
"ô" ................   anil ............  ré
"ó" ................   roxo ........... dó

As miraculosas notas musicais cuja invenção é atribuída ao primeiro Guittone d'Arezzo (995-1050),  também chamado Guido d'Arezzo, ou Aretino — talvez possam, mesmo, fazer mais este milagre: o de ajustar sua melodia à melodia das vogais.







(Das páginas 155 a 157 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto", de Vasco de Castro Lima)

Um comentário:

  1. Poetas haverá que engendram estas analogias para enriquecimento do poema, outros, porém, entre os quais me conto, são sinestetas e, para esses, tanto as vogais quanto as consoantes, quando visualizadas ou apenas evocadas, surgem invariavelmente associadas a cores.

    Para o verdadeiro sinesteta, essas cores serão sempre as mesmas para os mesmos signos e durante toda a sua vida.

    Por curiosidade, apenas; para mim o A é fortemente branco, o E é de uma côr beige ligeiramente rosada, o I é vermelho, o O é amarelo e o U é vibrantemente negro. Sempre assim os vi, não tendo havido a mais pequena mudança nas suas cores ao longo de toda a minha vida.

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