A
Alma Errante do Soneto
ESPANHA
A exemplo do que
aconteceu na Itália e na França, nasceram do latim popular, na península
ibérica, muitos dialetos, destacando-se, entre eles, o catalão, o leonês, o
aragonês, o castelhano e o galego. Até o século XIII, o galego imperou, mesmo
no reino de Castela. O catalão era a língua mais usual no reino de Aragão. Mas,
daquela luta entre os diversos dialetos, surgiu, finalmente, o predomínio do
castelhano, que, no mesmo século XIII, foi oficializado por Fernando III, o
Santo, substituindo o latim. E seu neto Afonso X, o Sábio (1221-1284), rei de
Castela, acabou por preferir mesmo o castelhano, transformando-o em idioma
nacional.
*
A literatura
espanhola pode ser dividida em três grandes ciclos:
— o ciclo medieval, que se prolongou por
vários séculos e que se caracterizou por uma grande espontaneidade;
— o ciclo designado
por "Século de Ouro", que durou, na realidade, mais de um século, do
início do Renascimento ao final do barroco, e que valeu pela sua consciência
histórico-cultural;
— e, depois de um
intervalo bastante longo, o ciclo da literatura moderna, iniciada com a chamada
"geração de “98" (1898), o "novo Século de Ouro", e que se
distingue pelo seu lirismo.
*
O "Cantar de
Mio Cid", escrito, até prova em contrário, por um jogral anônimo, em 1140,
é o maior monumento da literatura medieval espanhola. É um relato das façanhas
de D. Rodrigo Diaz de Bivar, "El Cid" ou "El Campeador",
nas lutas travadas contra os muçulmanos pela conquista da península. (Cid, em
árabe, quer dizer "senhor").
O poema é composto
de 3.730 versos irregulares, predominando o ritmo de 14 sílabas.
Segundo José Maria
Valverde, em sua "História da Literatura Espanhola", este poema
chegou até nós extraído de um caderno (cópia manuscrita) pertencente ao jogral Per Abad. A cópia foi "estudada e
publicada em edição crítica por Menendez Pidal".
Depois (séculos XII
e XIII), acentuou-se um influxo provençal, através de poemas breves,
narrativos.
Ainda no século
XIII, atingiu a Espanha uma outra influência francesa, esta mais nórdica.
A ela mostrou-se
muito sensível o primeiro poeta espanhol de quem se sabe o nome: Gonçalo
de Berceo (1180-1246), que foi monge de São Millán de Cogolla, e morreu
em meados daquele século. Sua melhor obra é "Los Milagros de Nuestra Señora",
com a produção poética estimada em doze mil versos.
Nesta altura,
podemos lembrar que, como sucedeu na maior parte dos países europeus, as letras
espanholas, antes dominadas pela arte provençal, foram intensamente influenciadas
pelo Renascimento cultural, surgido na Itália. Dante e Petrarca vieram a ser os
modelos mais antigos e mais constantes.
Afonso
X,
o Sábio, liderou uma literatura
jurídica, científica e histórica. Foi ele quem primeiro escreveu, na Espanha,
sobre direito: "O Código das Sete Partidas". Escreveu, também,
"Libros del saber de Astronomia", e na oportunidade teria dito que,
"por mais admiráveis que fossem as esferas celestes, criadas por Deus, se
tivesse sido ele encarregado de as fazer, teria realizado coisa mais
perfeita". Como historiador apaixonado, exclamou, ao concluir os louvores
às riquezas de seu país: — "Ai, Espanha, não há língua nem engenho que
possa contar os teus bens".
Em
galaico-português escreveu, aproximadamente, 30 cantigas, incluídas nos cancioneiros
da Vaticana e da Biblioteca Nacional. Afonso X, como poeta lírico, não se
limitou à prática do gênero das cantigas-de-amigo, pois escreveu um cancioneiro
religioso: as "Cantigas de Santa Maria", em português, com 420 poemas
musicados.
*
Na história da
literatura espanhola, o século XIV se constituiu num período de renovação, no
qual se destacou o "Libro de Buen Amor", do arcipreste de Hita, Juan
Ruiz (1285-1350), a obra máxima da época. Esse livro foi chamado a
"Comédia Humana da Idade Média".
*
No século XV se
consolidou o gênero das baladas narrativas e líricas. É o Romanceiro, fenômeno característico da
literatura espanhola e que, aliás, chegou até os nossos dias, na memória do
povo espanhol, através de fragmentos, dos cantares de gesta. O Romanceiro
espanhol não contém apenas gestas espanholas, mas, também, francesas e,
raramente, italianas.
José Maria
Valverde, ao se referir ao século XV na literatura daquele país, escreve: —
"Essa centúria — recordemo-lo — porá fim à Idade Média e à Reconquista.
com a expulsão dos muçulmanos, apenas alguns meses antes de se iniciar, por
virtude do descobrimento de Colombo, a conquista da América. É como se a
tendência bélica dos Espanhóis não pudesse refrear-se por força do impulso
adquirido e necessitasse de transferir, imediatamente, para outro continente, a
cruzada, até então, apenas de âmbito doméstico".
Aliás, o
"canto de cisne" da Idade Média na poesia espa-nhola foram as
"Coplas" ("Coplas por la muerte de su padre Maese Don
Rodrigo"), de Jorge Manrique (1440-1479), elegia universalmente conhecida e
considerada entre as melhores obras da poesia espanhola de todos os tempos.
Contém cerca de 500 versos, em sextilhas.
A partir dessa
época, a vida da poesia adquiriu uma força ainda não igualada no país.
Em relação à
imitação dos temas, a influência italiana, embora desordenada, se fez sentir
muito cedo, mas, apenas, veio a se firmar no século seguinte, quando, com
grande atraso, os poetas espanhóis iniciaram sua convivência com Dante e
Petrarca.
Quanto à forma da
poesia, apenas o Marquês de Santillana conseguia, então, assimilá-la e, mesmo
assim, sem grande êxito. O rei D. João II foi um protetor de poetas, criando,
em seu redor, um ambiente comparável àqueles que haviam existido nas cortes da
Provença e da Itália. João de Mena e o Marquês de Santillana
se distinguiram naquela oportunidade.
O Marquês de Santillana — Don Iñigo
López de Mendoza (1398-1458), guerreiro e escritor, foi, na Península Ibérica,
um dos primeiros "modernos" a sentir os novos ventos que sopravam da
Itália, através de Petrarca. Introduziu, inclusive, o soneto na Espanha.
Compôs os
"Quarenta e dois sonetos feitos ao modo itálico", cronologicamente os
primeiros da Península, obra, naturalmente, cheia de vacilações quanto à
melodia e à métrica italianas, que para ele constituíam novidades.
No último ano do
século XV apareceu "La Celestina" (comédia), cuja autoria é atribuída
ao bacharel Fernando de Rojas (1465-1541). É um drama em prosa, extensíssimo,
pois tem 24 atos, quase impossível de ser representado.
*
Chegou, suntuoso, o
século XVI, o denominado "Século de Ouro" da literatura espanhola,
marcado, principalmente, pela expansão no sentido da América.
A Juan
Boscán de Almogáver (1495-1542) o Renascimento literário espanhol
ficou devendo os seus primeiros passos. Aliás, coube-lhe introduzir, na
Espanha, a poesia italiana renascentista, como, também, lhe coube a honra de não
deixar morrer o soneto naquelas plagas, uma vez que os sonetos de Santillana
não tiveram grande ressonância. Passado um ano da morte de Boscán, foram
publicados, dele, três livros de poemas inéditos, entre os quais muitos
sonetos.
Garcilaso de La Vega
(1503-1536), em relação ao Renascimento literário espanhol, foi um continuador
da obra de Juan Boscán, de quem era amigo. Escreveu 48 poesias, das quais 38
são sonetos de boa feitura, harmoniosamente construídos. Sonetos belíssimos.
Foi Garcilaso quem,
pelo seu maior valor, conseguiu, realmente, "nacionalizar o soneto",
segundo José Maria Valverde, que acrescenta: — "O soneto é semelhante a
uma estátua, de que os quartetos formassem a figura e os tercetos o pedestal
com a inscrição. Desde esta época o soneto passou a ser forma necessária para
todo o poeta espanhol; até mesmo, nos nossos tempos, incluindo as escolas
revolucionárias, partidárias do hermetismo, o não proscrevem".
Cervantes e Lope de
Vega "o consideravam o maior poeta espanhol de sua época", segundo
Ary de Mesquita.
Ostentou o título
de "Príncipe dos Poetas Castelhanos", e ainda hoje é considerado
lírico dos mais perfeitos da poesia de Espanha.
Nasceu numa das
famílias mais nobres do país (Garcia Suárez de Figueroa de la Vega). Casado,
sua paixão poética foi, entretanto, a portuguesa Isabel Freire de Andrade, dama
da Imperatriz. Isabel foi, também, paixão poética de Sá de Miranda. E, fato
curioso, era parenta de ambos.
Garcilaso,
aristocrata e guerreiro, morreu na Itália, no assalto de uma fortaleza em
Nizza, na presença do imperador Carlos V, em cuja corte era benquisto.
Frei Luís Ponce de Leon
(1527-1591) significa, também, um momento alto da poesia renascentista
espanhola. Traduziu diretamente do hebraico para o espanhol o "Cântico dos
Cânticos" e o "Livro de Job". Ainda traduziu as odes de Horácio.
Suas poesias foram
publicadas por Quevedo, em 1631. "Grande lírico de inspiração horaciana,
quanto à forma, e platônica quanto ao fundo", segundo Manuel Bandeira.
Fernando de Herrera
(1534-1597), chamado "El Divino", não foi, apenas, poeta, mas,
também, crítico de grande talento, tendo escrito um trabalho sério sobre a
lírica de Garcilaso de La Vega. Bom sonetista, o tema principal de seus sonetos
era a condessa de Gelves (Leonor de Milan), sua ama e alvo de um ardoroso amor
platônico. Mais tarde, em 1582, os reuniu sob o título "Versos de Herrera".
Escreveu mais de
300 sonetos.
Baltasar del Alcázar
(1530-1606) participou, com Juan Boscán de Almogáver, Garcilaso de La Vega,
Diego Hurtado de Mendoza, Gutierre de Cetina, Hernando de Acuña, Frei Luís
Ponce de Leon, Francisco de La Torre, Fernando de Herrera e Francisco de Aldana
— entre outros — da renovação italianizante inaugurada em Espanha por Boscán.
*
Ainda nos meados do
século XVI, floresceu ativamente a literatura religiosa da Espanha. Os grandes
místicos foram Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz, ambos da Ordem do
Carmelo. Sem dúvida, além de sua contribuição para a poesia, foram os maiores
prosadores espanhóis, antes de Miguel de Cervantes.
Santa Teresa de Jesus
(1515-1582), batizada Teresa de Cépeda y Ahumada, ingressou no Carmelo, onde
professou em 1534, influenciada pela leitura de "As Confissões", de
Santo Agostinho. No período de vinte anos, fundou 32 conventos (carmelitas
descalças), inspirada na Contra-Reforma católica. Embora de cultura limitada,
não sabendo latim, era dotada de grande inteligência organizadora. Escreveu
interessante autobiografia ("Libro de su vida"), contendo,
principalmente, relatos de seus trabalhos referentes à reforma do Carmelo, e
escritos em espanhol. Era de uma humildade comovedora.
Suas produções são
consideradas verdadeiros monumentos da literatura religiosa espanhola. Deixou
várias obras. No setor da poesia, escreveu: "Exclamações da alma a
Deus" e "Que muero porque muero".
Recebeu o título de
"Doutora da Igreja" e foi canonizada em 1632.
Não podemos
esquecer o célebre soneto "Al Crucificado", geralmente atribuído a
ela, embora existam divergências quanto à autoria deste pequeno e, ao mesmo
tempo, imenso poemeto, que é um dos mais divulgados e traduzidos da literatura
universal. Acreditamos que Santa Teresa de Jesus seja, mesmo, a autora desta
jóia incomparável, pelo estilo e pela idéia, que se identificam perfeitamente
com o estilo peculiar e a idéia fixa que esmaltam outras composições da santa
poetisa.
Deste soneto,
estampamos, mais adiante, uma bela tradução de Manuel Bandeira, que,
entretanto, ao publicá-la, salientou que o original é "de autor espanhol
não identificado".
Bandeira,
naturalmente, se baseou na coleção "Las cien mejores poesias (líricas) de
la lengua castellana", organizada por Menéndez y Pelayo, editada na
Inglaterra e onde aparece, como anônimo, o autor do soneto.
Também
transcreveremos, por um dever de honestidade, logo em seguida a essa tradução,
outra versão portuguesa, publicada na 1ª edição da "História da Vida do
Pe. Francisco de Xavier" e dada como "Soneto de S. Fco. Xavier a
Cristo Crucificado" (V. Antol. Port., Lucena, I, pág. XXI).
É o seguinte o
soneto original que figura na antologia de Menéndez e Pelayo. É deveras
perfeito no seu gênero e para o seu tempo:
No me mueve, mi
Dios, para quererte
el cielo que me
tienes prometido,
ni me mueve el
infierno tan temido
para dejar por eso
de ofenderte.
Tu me mueves, Señor;
muéveme el verte
clavado en una cruz
y escarnecido;
muéveme ver tu
cuerpo tan herido;
muéveme tus
afrentas y tu muerte.
Muéveme, al fin, tu
amor, y en tal manera,
que aunque no
hubiera cielo, yo te amara
y aunque no hubiera
infierno, te temiera.
No me tienes que
dar porque te quiera,
pues aunque lo que
espero no esperara,
lo mismo que te quiero
te quisiera.
São João da Cruz
(1542-1591), teólogo, confessor e amigo de Santa Teresa, foi, por ela, apesar
de muito mais moço, animado a executar a reforma da Ordem do Carmelo, na parte
masculina.
Altamente sedutora
a poesia lírica de São João da Cruz. Escreveu dois excelentes poemas,
"Noite escura" e "Cântico Espiritual", além de outros
poemas menores. Criou imagens de inefável beleza. — "Conseguiu em sua obra
poética — comenta o escritor português Alfredo Queirós um realismo tão
palpável, concreto e sugestivo, como nunca autor algum espiritual talvez tenha
conseguido, o que contrasta admiravelmente com o abstrato do assunto".
*
Entre os séculos
XVI e XVII, o "Don Quijote de la Mancha", de Miguel de Cervantes Saavedra
(1547-1616) surgiu avassaladoramente (1605), alcançando o pináculo da
literatura espanhola. É uma sátira contra o romance de cavalaria, e obra-prima
do humor universal. O próprio autor declarou, ao final da obra, que seu
objetivo foi "expor ao ridículo as tolas histórias da cavalaria
andante".
Cervantes foi,
também, poeta e sonetista de méritos.
Veio Lope
de Vega (Lope Felix de Vega Carpio) (1562-1635), que levou ao apogeu o
teatro espanhol. Penetrando o século XVII, foi, sem dúvida, o escritor mais
fecundo já produzido pela humanidade. Afrânio Peixoto dizia que "Lope de
Vega, só, é toda uma literatura". Escreveu prodigamente, em prosa e verso,
com a força de uma grande personalidade. Admirado e temido, de vida quase
lendária, destacou-se como escritor de gênio e poeta de criações realmente
bonitas e variadas. Deu-nos cerca de 1.800 comédias e mais 400 autos.
Também cultivou a
poesia épica, a lírica sacra e a lírica profana. Deve ter escrito mais de um
milhão de versos. E foi, também, excelente sonetista.
Depois de ter sido
um grande amoroso, transformou-se, na velhice, num monge franciscano de vida
exemplar.
A Espanha se
orgulha de ter sido seu berço. Cervantes lhe deu a classificação de
"monstro da natureza".
Serviu na
"Invencível Armada". John Macy
escreveu, a respeito: "A supremacia política da Espanha estava
predestinada a entrar em ocaso em 1588, quando a “Invencível Armada" foi
dispersa antes de atingir as costas britânicas. Um dos jovens tripulantes, Lope
de Vega, iria ser o fundador do teatro espanhol e o autocrata quase absoluto da
literatura espanhola do século".
Corria, na sua
época, uma paródia da oração religiosa "O Credo", que começava assim:
— "Creio em Lope de Vega, o Onipotente, poeta do céu e da terra..." A
Inquisição de Toledo proibiu a circulação dessa paródia.
Tirso de Molina
(1584-1648) era o pseudônimo usado pelo Frei Gabriel Tellez, da Ordem das
Mercês, célebre autor dramático e poeta. Autor de "El condenado por
desconfiado", o maior drama teológico da época e obra muito considerada do
teatro espanhol. Criou o tipo lendário de "Don Juan" na peça "El
Burlador de Sevilla ". Também escreveu "uma peça de intrigas" ,
chamada "Dom Gil das calças verdes ".
Produziu mais de
300 peças. Tido como o maior dramaturgo da Espanha, depois de Lope de Vega.
Escreveu excelentes
sonetos.
Juan Ruiz de Alarcón y Mendoza
(1581-1639) , dramaturgo nascido no México, de família nobre espanhola, foi,
sempre, um homem amargurado, talvez complexado pelo seu físico disforme, e não
contou com a simpatia de Lope de Vega. Sua obra "El tejedor de
Segóvia" ("O tecelão de Segóvia") chegou a ser apontada como
remotíssima precursora do pré-romantismo.
Acusou Corneille de
haver plagiado uma de suas comédias.
Luís de Góngora (D. Luís
de Góngora y Argote) — 1561-1627 e Francisco de Quevedo ( D. Francisco
Gómez de Quevedo y Villegas) — 1580-1645 — eis, aí, os dois maiores poetas do
barroquismo espanhol.
Luís de Góngora é, hoje,
considerado um dos maiores poetas espanhóis. Nos últimos decênios, seu nome
alcançou expressiva ressonância em todo o mundo. Tornou-se uma bandeira, desde
que os simbolistas Verlaine e Mallarmé consagraram o mito de Góngora.
Quando já obtivera
renome na poesia, ordenou-se padre, aos 56 anos de idade (1617), para
desfrutar, até o ano em que faleceu, as vantagens de um cargo de capelão do rei
Felipe III. Foi cônego da Catedral de Córdova.
Em seu tempo, como
já frisamos, era criticado pela afetação do estilo, que gerou o
"gongorismo" , mas no século XX foi reabilitado. Publicou duas
obras-primas da Poesia: "Fábula de Polifemo y Galatea” (1612), e "Soledades"
(1613). Também escreveu sonetos muito bons, mais de 200, de grande beleza
pictórica, e soube ser simples em seus versos sentimentais ou maliciosos.
Admirador das
atrações materiais do mundo, despertou a inveja de Lope de Vega e as iras do
moralista Francisco de Quevedo.
Quevedo, nascido de
família nobre, estreou como poeta em 1605, datando daí sua longa inimizade com
Luís de Góngora.
Contra este,
escreveu quinze poemas considerados verdadeiras obras-primas. Escritor
polêmico, satírico e filosófico, foi dos maiores valores da literatura
espanhola. Como satírico, é o melhor da língua de seu país. Também escreveu
bons sonetos.
Morreu no cárcere,
com o coração magoado, depois de preso, durante quatro anos, pela Inquisição.
Fez jus ao nome de
"o Juvenal espanhol''.
As duas escolas
barrocas, fundadas na Espanha por Góngora e Quevedo, tiveram grande
repercussão, alcançando o ponto mais alto na obra do dramaturgo D. Pedro Calderon
de La Barca (1600-1681), que deixou mais de mil peças escritas.
Ele encerrou o
barroco e, também, a continuação do "Século de Ouro" espanhol, já em
pleno século XVII. Além disso, foi, talvez, "um precursor do que se poderá
chamar a evolução moderna do pensamento filosófico", segundo José Maria Valverde.
O ponto culminante
da arte de Calderon , e talvez de todo o teatro espanhol, é o drama filosófico
"La vida es sueño".
Klabund diz que o
seu "Mago milagroso" indubitavelmente exerceu influência no
"Fausto" ; e que "quando Goethe lia o "Príncipe
constante" tinha que fazer uma pausa e na emoção o livro lhe caía das mãos
".
Depois de Góngora,
foi o maior poeta do barroco espanhol e da contra-reforma. Sonetista traduzido
por Bilac.
*
O ilustre
historiador José Maria Valverde diz: — "Através destes dois grandes
séculos, a literatura espanhola adquiriu uma fisionomia definitiva, válida
também para os tempos modernos".
Veio um período
literário pobre, ficando marcado o século XVIII como a época de menor realce de
sua poesia. Já nesse século XVIII as novas idéias anunciadoras da escola
romântica começaram a se manifestar na Alemanha e na Inglaterra, mas só depois
de 1830 é que o verdadeiro romantismo dominou na Espanha.
Tomás de Iriarte
(1750-1791) nasceu em Orotava, Tenerife (a maior das ilhas Canárias) e morreu
em Madri. Afeiçoado ao classicismo, exerceu muita influência nos meios
literários madrilenos. Escreveu, em 1782, as engenhosas "Fábulas
Literárias". Introduziu o "melodrama" na Espanha, com “Guzmán el
Bueno". Também compôs sinfonias e, em 1779, um grande "poema musical
", a que deu o nome de "La Música" . Sonetista de mavioso
lirismo.
Juan Nicásio Galego
(1777-1853), notório literato, crítico, poeta. Sonetista.
*
Figura ímpar de
poeta romântico foi José de Espronceda y Delgado (1808-1842), que apresentava
influências byroniana e hugoana. Verdadeiro poeta — poeta nato — escreveu
excelentes sonetos, sendo o expoente da primeira geração dos românticos
espanhóis. Tinha alma aventureira e índole revolucionária. Esteve exilado,
porém voltou à Espanha em 1833, anistiado.
Outro poeta
romântico foi Antonio Garcia Gutiérrez (1813-1884), autor do "Trovador",
que, inclusive, inspirou a ópera de Verdi (1836). Dramaturgo, sua obra teatral
é inspirada no romantismo francês.
Um dos maiores
poetas românticos da Espanha foi, entretanto, pela época em que apareceu, mais
um pós-romântico: Gustavo Adolfo Bécquer (1836-1870). Segundo José Maria
Valverde, Bécquer "pôde ser o mestre de quase todos os poetas espanhóis do
século XX, desde os seus conterrâneos Antonio Machado e o próprio Unamuno, até
Rafael Alberti, Luís Cernuda e Dámaso Alonso". Inspirado sonetista.
José Zorrilla y Moral
(1817-1893), poeta e dramaturgo, é a figura principal da segunda geração do
romantismo espanhol.
No século XIX foi o
poeta mais popular da Espanha. Na época, eclipsou a fama de Bécquer, preferido
pela crítica de nossos dias. Autor de belíssimos sonetos.
Autor, também, de
notáveis peças teatrais, destacando-se "Don Juan Tenório" (1844).
Outro poeta de
relevo foi Ramon de Campoamor y Campoosorio (1817-1901), simples no
pensamento e na forma, o mais popular dos poetas espanhóis modernos. Dono de um
grande público, mesmo após sua morte, e além-fronteiras. Criador de um gênero
em que se tornou incomparável: uma genial mistura de realismo, de ironia, de
pessimismo e, ao mesmo tempo, de propensão lírica. Também, sonetista.
Carolina Coronado
(1823-1911), poetisa, umas vezes erótica, outras mística, elogiada por
Espronceda nos primeiros tempos de sua bela carreira. Seus versos podem ser
apontados como dos melhores do romantismo espanhol. Excelente sonetista.
Na segunda metade
do século XIX imperaram, ainda, elementos de uma geração valorosa, integrada
pelo historiador Marcelino Menéndez y Pelayo (1856-1912), criador da moderna
historiografia espanhola; e pelos ficcionistas Benito Pérez Galdós
(1843-1920), chamado "o Balzac espanhol"; Leopoldo Alas
(1852-1901), conhecido pelo pseudônimo de "Clarim"; Pedro
Antonio de Alarcon (1833-1891); José Maria de Pereda (1833-1905); e Vicente
Blasco Ibañez (1867-1928), escritor impetuoso, autor de notáveis
romances, entre os quais "Sangue e Areia" (1908) e "Os Quatro
Cavaleiros do Apocalipse" (1916), grandes sucessos internacionais.
Salvador Rueda (1857-1933),
poeta exuberante e dos mais populares da Espanha. Com muito talento e peregrina
inspiração, antecipou o modernismo espanhol e hispano-americano. Influenciou
Rubén Darío e Juan Ramon Jimenez. Notável sonetista.
Francisco Villaespesa
(1879-1936), poeta e dramaturgo. Deixou mais de mil sonetos, muitos dos quais
verdadeiras prendas literárias.
*
Veio, então,
modernamente, a chamada "geração de 98" (1898), constituída por
valores importantes, como Miguel de Unamuno (1864-1937),
poeta, filólogo, ensaísta, filósofo e panfletário; os irmãos Machado (Antonio
Machado (1875-1939) e Manuel Machado (1874-1946), poetas
essencialmente líricos); Azorin (1874-1967), pseudônimo de José
Martinez Ruiz, notável pela sua simplicidade; Pio Baroja (1872-1956), renovador
da prosa espanhola; Ramon del Valle-Inclan (1869-1936) e Ramiro de Maeztu
(1875-1936). Bons sonetistas: Unamuno e os irmãos Machado.
Para Unamuno, que
cultivou, como se sabe, com êxito, outras formas literárias, a poesia foi
benéfica, porque, com ela, superou os dilemas terríveis de suas inquietações.
Ao lado da
"geração de 98", na área poética, não podemos deixar de citar o
nicaragüense Rubén Darío (1867-1916) que, apesar de sua estima pela poesia
francesa, foi, no dizer de José Maria Valverde, "o ponto de partida de
duas novas eras poéticas, simultâneas, da língua espanhola, dos dois lados do
Oceano".
E acrescenta Valverde:
— "Na América, a literatura ganha interesse e personalidade com a sua
obra. Em Espanha, dele descendem, direta ou indiretamente, todos os poetas, com
exceção de Unamuno, armados com a sua língua rica e com a sua imaginação e
técnica profunda".
O papel de Rubén,
na poesia espanhola, é comparado pelo historiador Valbuena Prat ao de Garcilaso
de la Vega, "introdutor do mundo das formas poéticas italianas no momento
renascentista".
Tendo Rubén Darío
nascido na Nicarágua, preferimos deixar para transcrever produções suas em
outro capítulo, adiante, entre os sonetistas hispano-americanos.
*
Depois da
"geração de 98", surgiu, na literatura espanhola contemporânea, um
grupo brilhante de escritores e poetas. Os pensadores José Ortega y Gasset
(1883-1955) e Eugênio D'Ors (1882-1954) são as
figuras intelectuais de maior relevo. Também se destacaram Gabriel Miró (1879-1930)
e Salvador
de Madariaga y Rojo (1886-1978).
Na poesia, emerge o
nome aureolado de Juan Ramón Jimenez (1881-1958). Os poemas de seus primeiros
livros, de 1901 a 1909, demonstraram a influência do simbolismo francês. Também
foi influenciado por Rubén Darío. Mas, a tradição lírica espanhola do Século de
Ouro (XVI) voltou a imperar nos seus belíssimos "Sonetos
Espirituales" (1914-1915).
As fases seguintes
se caracterizaram por uma poesia íntima, sem atavios, cheia de pureza (de 1916
a 1936).
Não tendo querido
participar da guerra civil espanhola, foi exilado. Todavia, continuou
escrevendo. Conseguiu apurar ainda mais sua poesia, atingindo o misticismo.
Faleceu em Porto Rico.
O poeta exerceu
notável influência, não só na Espanha, como nos países hispano-americanos.
Pela sua poesia
lírica, perfumada de espiritualidade e pureza, obteve o Prêmio Nobel de
Literatura, em 1956. Jiménez escreveu cerca de 50 volumes, sempre o mesmo
grande lírico, conforme sua própria expressão: "Amor e poesia, todos os
dias".
Entre os poetas
contemporâneos da Espanha que não se alhearam do parnasianismo e do simbolismo,
podemos citar, ainda, J. Fernández de Vilar (1888-1941), José
Maria Carajaville (1892-1932; e Francisco Rodriguez Marin
(1855-1943), todos excelentes sonetistas. Marin, entre outros livros, escreveu
"Cento y un Sonetos".
De 1920 para cá,
tem aparecido um grupo de poetas realmente grandes, destacando-se Federico
Garcia Lorca (1898-1936), cuja fama é, hoje, universal, e cujo livro
"Romancero gitano" (1928) prevalece sobre todos os outros que
escreveu. É uma síntese poética da alma espanhola. Foi, outrossim, ótimo
sonetista.
No seu teatro,
também de grande riqueza lírica, revela-se um dramaturgo de imensos recursos.
Na opinião de José Maria Valverde, é ele "a figura mais importante do
teatro espanhol depois de Calderón". A peça "Bodas de Sangue"
(1933) é bastante co-nhecida e apreciada no Brasil.
Preso em Granada
(1936) e "fuzilado por elementos de direita, não identificados".
Desse período de
"poesia de vanguarda", devemos, igualmente, mencionar Rafael
Alberti (1902), de evidente afinidade com Garcia Lorca; Jorge
Guillén (1893), poeta metafísico; Gerardo Diego (1896), cuja obra
surpreende pela "simultaneidade com que nela aparecem classicismo e
vanguardismo". Rafael Alberti, pintor e poeta, escreveu sonetos de alta
categoria. Gerardo Diego, nos sonetos de "Alondra de verdad", oferece
uma lírica de forma quase perfeita.
É copiosa a safra
de poetas espanhóis das últimas décadas. Além dos já citados, podemos,
finalmente, registrar mais os nomes de Pedro Salinas (1892-1951), Vicente
Aleixandre (1900), Dámaso Alonso (1898), Luís
Cernuda (1902), Miguel Hernández (1910-1942), Dionísio
Ridruejo (1912), Rafael Duyos (1906-1983) e Ricardo
León (1877-1943), que formam, na verdade, um grupo de poetas
neo-românticos.
Todos sonetistas,
especialmente Miguel Hernández, Rafael Duyos e Ricardo León.
Na formosa língua
espanhola, o soneto se adaptou muito bem, e foi sempre apresentado com mestria
por inúmeros poetas, no decorrer dos tempos e através de todos os movimentos
literários.
Oferecemos, a
seguir, alguns deles:
GARCILASO DE LA
VEGA (1503-1536)
(Trad. de Delson
Tarlé)
Minha terra,
além-mar, quanto lamento
tê-la deixado, e
tudo o que possuía!
Indo sempre mais
longe cada dia,
gentes, costumes,
línguas, tudo enfrento.
Esperança em voltar
não alimento,
que toda solução é
fantasia.
Mais certo de
esperar é aquele dia
que há de levar-me
a vida e o sofrimento.
De todo mal pudera
ter socorro
só de vos ver,
senhora. Mas, enfim,
esperar é perder-vos,
eu bem sei.
Porque não posso
ter-vos é que morro.
Nem morrer é
remédio para mim,
pois, morrendo,
jamais eu vos terei.
SANTA TERESA DE
JESUS (1515-1582)
"A Cristo
Crucificado"
(Trad. de Manuel
Bandeira)
Não me move, meu
Deus, para querer-te,
o céu que me hás um
dia prometido:
e nem me move o
inferno tão temido
para deixar, por
isso, de ofender-te.
Tu me moves,
Senhor, move-me o ver-te
cravado nessa cruz
e escarnecido.
Move-me no teu
corpo tão ferido
ver o suor de
agonia que ele verte.
Moves-me ao teu
amor de tal maneira,
que a não haver o
céu ainda te amara
e a não haver o
inferno te temera.
Nada me tens que
dar porque te queira;
que, se o que ouso
esperar não esperara,
o mesmo que te
quero te quisera.
_________
NOTA: Há quem ache
ser este soneto de autoria anônima, como Menéndez y Pelayo, cuja opinião,
aliás, é aceita por Bandeira. Também transcrevemos, a seguir, conforme
prometemos folhas atrás, uma outra versão portuguesa do mesmo soneto, cuja
autoria, desta vez, é atribuída a São Francisco Xavier . A versão está
publicada na 1a. edição da "História da Vida do Pe. Francisco de
Xavier" e tem o título de "Soneto
de S. Fco. Xavier a Cristo Crucificado", não figurando o nome do
tradutor:
Não me move,
Senhor, para querer-vos,
a Glória que me
tendes prometido;
nem me move o
Inferno, tão temido,
para deixar, por
isso, de ofender-vos.
Moveis-me vós,
Senhor, move-me o ver-vos
pregado nessa cruz e escarnecido;
move-me o vosso
corpo tão ferido
e essa morte que
vejo padecer-vos.
Minha alma em vos
amar tanto se esmera,
que inda a faltar o
Céu eu vos amara,
e, não havendo
Inferno, vos temera;
nada, por vos amar,
de vós, espera;
pois, se o que
espero em vós não esperara,
o mesmo que vos
quero vos quisera.
FERNANDO. DE
HERRERA (1534-1597)
(Trad. de Delson
Tarlé)
Eu vi uns belos
olhos que renderam,
com doce flecha, um
coração coitado
e que, para
incender novo cuidado,
contra mim toda a
força arremeteram.
Eu vi que muitas
vezes prometeram
remédio ao mal que
sofro, não cansado,
e que, quando
esperei vê-lo acabado,
de pouco as
esperanças me valeram.
Eu vejo que se
embaça a minha vista
e cresce a minha
dor, e levo, ausente,
neste rendido
peito, o sangue em jorro.
Eu vejo que não há
como resista
toda a recordação
do bem presente
e, em cego engano,
de esperanças morro.
MIGUEL DE CERVANTES
SAAVEDRA (1547-1616)
Soneto extraído do "Dom Quixote de La Mancha"
(Trad. dos Viscondes de Castilho e de Azevedo)
Da umbrosa noite no
silêncio, quando
meigo sono refaz os
mais viventes,
só eu vou meus
martírios inclementes
aos céus e à minha
Chloris numerando.
Quando o dia os
seus raios vem mostrando
dentre as rosas da
aurora, auriesplendentes,
com suspiros e
lástimas ferventes
vou as teimosas
queixas renovando.
Se doira o sol a
prumo o térreo assento,
não me dissipa as
trevas da agonia;
dobra-me o pranto,
aumenta-me os gemidos.
Volve a noite, e eu
com ela ao meu lamento.
Ai! que sorte!
Implorar de noite e dia,
ao céu piedade, e à
minha ingrata ouvidos.
LOPE DE VEGA
(1562-1635)
... "Que tanto
pode uma mulher que chora!"
(Trad. de Raimundo
Correia)
Lucinda, a loira,
quando a uma ave abria,
certa vez, a
gaiola, a prisioneira,
da gaiola
escapando-se ligeira,
deixou confusa a
moça... E esta dizia:
—"Ave, por que
me foges e erradia
voas? Talvez nos
bosques, forasteira,
laço, armadilha ou
bala traiçoeira
de falaz caçador te
aguarde um dia!
Por que ao risco e ao perigo dás a vida?
Por quê?..."— Mas nisto, de queixosa, em pranto
desfez-se toda a pálida senhora...
E a ave à gaiola
volta comovida,
comovida por vê-la
chorar tanto,
que tanto pode uma
mulher que chora!
LOPE DE VEGA
(1562-1635)
"Repentinamente"
ou
"Soneto de
Violante"
(Trad. de Carlos
Maranhão)
Que eu fizesse um
soneto quis Violante,
e logo ao seu
comando me submeto;
quatorze versos
dizem que é soneto,
e enganados os
três, vamos adiante.
Jmais pensei achar
uma consoante
e na metade estou
de outro quarteto;
mas, se caminho já
para um terceto,
nas quadras nada
vejo que me espante.
No primeiro terceto
vou entrando,
e parece que entrei
com o pé direito,
porque fim, com
este verso, lhe vou dando.
Já no segundo
estou, e até suspeito
que vou os treze
versos acabando:
conta se são
quatorze, e... ei-lo, está feito!
LOPE DE VEGA
(1562-1635)
“O Bom Pastor"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Pastor, que, com
teus silvos amorosos,
me ergues do fundo
sono de onde venho,
que fizeste cajado
desse lenho
em que estendes os
braços poderosos;
volve os olhos à
minha fé, piedosos,
que és o amado
senhor de quanto eu tenho,
pois a palavra de
seguir empenho
teus brandos silvos
e teus pés formosos.
Se, morrendo de
amor, por mim Te feres,
não Te espante o
rigor de meus pecados,
pois tanto bem a
quem se rende queres.
Espera, pois, e
escuta os meus cuidados.
Mas, como hei de
dizer-Te que me esperes,
se estás, para
esperar, de pés cravados?
LOPE DE VEGA
(1562-1635)
(Paráfrase de
Atílio Milano)
Eu disse e direi
sempre como digo
que ainda a amizade
é o maior bem humano.
Mas que espanhol,
que grego ou que troiano
nos há de ser esse
perfeito amigo?
Porta do céu, que
se abre no perigo,
ilha que acolhe o
náufrago no oceano,
basta um amigo
honesto, justo, lhano,
para enfrentar o
exército inimigo!
Um amigo! que bem,
que bom, que belo!
Ali está um homem:
vamos obrigá-lo
a estimar-nos em
paga de estimá-lo?
Mas não! Quero
viver sem conhecê-lo,
porque não quero a
glória de ganhá-lo
para sofrer o medo
de perdê-lo...
LOPE DE VEGA
(1562-1635)
"O amor dentro
da selva perfumada...
(Trad. de Guimarães
Passos)
O amor dentro da
selva perfumada
canta o pássaro
amante, canta, alheio
ao caçador
traiçoeiro que no meio
da selva está de
pontaria armada.
Atira-lhe, erra,
voa... E a perturbada
Voz — agora mais
carme que gorjeio,
volve, e de ramo em
ramo, com receio
pára, por não
deixar a prenda amada.
Da mesma sorte o
amor canta no ninho;
mas quando, um dia,
ao seu ouvido ecoa
a voz do ciúme,
como o passarinho,
teme, foge,
suspeita, inquire, à-toa...
E, até sumir-se o
caçador daninho
de pensamento em pensamento
voa.
LUÍS DE GÔNGORA
(1561-1627)
"Mientras por
competir com tu cabello”
(Trad. de Delson
Tarlé)
Enquanto, a
competir com teu cabelo,
o ouro brunido ao
Sol reluz em vão
e, pálido de
inveja, quedo ao chão,
perde-se a
contemplar-se o lírio belo,
e o rubro de teus
lábios deixa em zelo
mais olhos do que o
cravo temporão,
e o colo altivo
traz um ar loução
como o cristal
luzente aspira tê-lo;
goza lábios,
cabelo, colo albente,
antes que tudo, em
tua idade alada
— ouro, lírio,
cristal, cravo rubente
não só se acabe em
prata e flor crestada,
mas tu e a tua
vida, juntamente,
em terra, em fumo,
em pó, em sombra, em nada.
D. FRANCISCO DE
QUEVEDO (1580-1645)
"A morte"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Por entre minhas
mãos como resvalas,
minha idade,
enganosa, fugidia!
Que mudos passos
tens, ó Morte fria,
pois com pé
silencioso tudo igualas!
Irada, o muro de
ilusões escalas
a que, risonho, o
jovem se confia;
já pressentes,
minha alma, o último dia:
se asas não tens,
não poderás alçá-las.
É duro ser mortal,
certo do fim!
Já não posso viver
meu amanhã
sem a sombra da
Morte sobre mim!
Cada instante que
vivo, neste afã,
é nova execução,
que mostra, assim,
quanto é mísera a
Vida, quanto é vã!
TIRSO DE MOLINA
(1584-1648)
"Solilóquio de
Martha, la piadosa"
(Trad. de Guimarães
Passos)
A robusta cerviz
que o suor inunda,
quando expira o
trabalho o boi levanta,
e o que tem o
cutelo na garganta
em alguma esperança
a vida funda.
Bonança espera,
quanto mais se afunda,
o navio que o mar
bate e quebranta...
Somente o inferno
causa pena tanta,
porque dele a
esperança não redunda.
É comum este bem
entre os humanos,
porque aquele que
alcança mais espera,
e, às vezes, o que
espera sempre alcança.
Mas a aspereza dos
meus desenganos
de tal modo me
aflige e desespera
que não posso
esperar nem a esperança.
CALDERÓN DE LA
BARCA (1600-1681)
Soneto
(Trad. de Olavo
Bilac)
Laura! dizes que
Fábio anda ofendido
e, apesar de
ofendido, enamorado,
buscando a extinta
chama do passado
nas cinzas frias
avivar do olvido.
Vá que o faça, e
que o faça por perdido
de amor... Creio
que o faz por despeitado:
porque o amor, uma
vez abandonado,
não torna a ser o
que já tinha sido.
Não lhe creias nos
olhos nem na boca,
inda mesmo que os
vejas, como pensas,
mentir carícias,
desmentir tristezas...
Porque finezas
sobre arrufos, louca,
finezas podem ser;
mas, sobre ofensas,
mais parecem
vinganças que finezas.
TOMÁS DE IRIARTE
(1750-1791)
"A uma dama
muito abrigada"
(Trad. de J. G. de
Araújo Jorge)
Enquanto, suave, a
primavera passa,
teu decote é
zeloso, na abertura,
mas ao verão
ardente, sem censura,
ele entremostra
toda a tua graça!
Depois o outono
chega e tudo embaça...
Então, vai se
fechando, te enclausura,
e ao vir o duro
inverno, com usura
ciumento, ao teu
pescoço ele se enlaça.
Renego este
tempinho madrilenho
de longo inverno e
de tão longos xales...
(Sou ilhéu! meu
protesto não contenho!)
Mas socorrer-me
está em tua mão:
mesmo em novembro,
espero, me regales
com o presente de
um dia de verão!
JUAN NICASIO GALEGO
(1777-1853)
"A Judas"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Quando o horror de
traição tão baixa e fria
do apóstolo falaz
turbou a mente
e, da árvore
fatídica pendente,
com rudes
contorções estremecia,
comprazido na
mísera agonia,
o Demônio mirava-o,
frente a frente,
até que, já do
término impaciente,
feroz, de ambos os
pés se suspendia.
Ao perceber, enfim,
no rosto mesto,
que a convulsão
cessara e a morte viera,
na certeza do
término funesto,
com gargalhada
tresloucada e fera,
seus lábios pôs
naquele horrível gesto
e o beijo lhe
voltou que a Cristo dera.
JOSÉ DE ESPRONCEDA
(1808-1842)
Soneto
(Trad. de Carlos
Maranhão)
Fresca, louçã,
viçosa e delicada,
— adorno e orgulho
da mansão florida —
uma rosa — arte e
mimo — ali nascida,
perfuma os ares
pela madrugada.
Mas, quando o sol,
na rútila jornada,
surge, radiante,
iluminando a vida,
tonta de luz, sem
força, emurchecida,
ela tomba, por fim,
despetalada...
Também na asa do
amor, um só momento,
floriu minha ventura;
em pensamento,
sonhei viver na paz
das coisas mansas!
Mas, ai! o bem
tornou-se-me amargura!
E, desfolhada pela
desventura,
morreu a flor das
minhas esperanças!...
JOSÉ DE ESPRONCEDA
(1808-1842)
Soneto
(Trad. de Mello
Nóbrega)
Canta de noite,
canta de manhã,
rouxinol, na
floresta, teus amores;
canta, que há de
chorar, quando tu chores,
a madrugada, sobre
a flor louçã.
Tinto o céu, de
amaranto e de romã,
a brisa vesperal, por entre as flores,
suspirará também
por tuas dores,
de triste amor,
essa esperança vã.
E na noite serena,
aos raios frios
da lua silenciosa,
teus cantares
pelo bosque sombrio
ecoarão,
e vertendo os seus
doces amavios,
como bálsamo suave,
em meus penares,
teus cantos minha
dor adoçarão.
JOSÉ DE ESPRONCEDA
(1808-1842)
Soneto
(Trad. de Carlos
Maranhão)
Quisera ser a luz
do teu polido espelho
e a perfumada flor
que trazes presa à boca;
o zéfiro sutil que
esses teus risos touca,
a aurora que te
envolve em seu clarão vermelho;
o livro amigo ao
qual tu pedes um conselho,
a espuma que a teus
pés em pérolas espoca,
o sol que vem
beijar teu corpo em ânsia louca,
o mendigo a quem
dás, esfarrapado e velho:
Ser Deus e ter na
mão todo o poder divino
para tudo te dar e,
enfim, feliz fazer-te!
Ser o árbitro fiel
do meu e teu destino!
Volver à juventude e, de alegria, em pranto,
sentir que me quisesses muito e, então, querer-te,
como quero que te
ame a quem tu queres tanto!...
_____
Verso 13 — O tradutor,
aliás excelente, descuidou-se nesse verso, em relação à cesura necessária para
formar os dois hemistíquios.
GUSTAVO ADOLFO BÉCQUER
(1836-1870)
"Ao
zéfiro"
(Trad. de Mello
Nóbrega)
Zéfiro doce que,
vagando alado,
por entre as
frescas, purpurinas flores,
com suave beijo
furta seus odores
para espalhá-los pelo
verde prado;
queixas de meu amor
e meu cuidado
leva à que, só de
olhar, mata de amores,
pede-lhe que alivie
as minhas dores
e me console o
coração magoado.
Não! Não vás, não...
Porque, se acaso a achares,
e o de seus lábios
cálido perfume
pelo de um cravo
enganador tomares,
provando-o, como é
bem de teu costume,
embora pondo fim
aos meus penares,
eu iria de ti
sentir ciúme.
JOSÉ ZORRILLA Y
MORAL (1817-1893)
Soneto
(Trad. de Raimundo
Correia)
Mulher! Leva essa
taça; outra que venha
maior; que dessa o
vinho as bordas passa...
Leva-a, e traze
outra já; venha uma taça
grande, e que todo
esse licor contenha!
Lá fora o vento as
árvores desgrenha,
estala o raio, o
temporal esvoaça...
Anda! se à porta o
viajor que passa
se detiver, deixa
que se detenha!
Deixa que espere ou
desespere fora!
Deixa, enfim, que
ele siga o seu caminho,
que em torrentes a
chuva inunda agora!
Que com água viaje
ele, o mesquinho,
eu quero o vinho,
dá-mo sem demora,
porque eu não posso
viajar sem vinho.
CAMPOAMOR
(1817-1901)
(Trad. de Aristêo
Seixas)
Prazer e dor com
que a existência elejo,
quero crer-te e a
minha alma desconfia.
E o teu amor, tão
claro como o dia,
de nuvens some em
lúgubre cortejo.
Quando a suspeita
nos teus olhos vejo,
afirmo que, por
mim, te mataria.
Que desespero sinto
na alegria,
se o bem que adoro
aborrecer desejo.
Santa virtude,
animador olvido,
dai-me a graça de
ver, como ente honrado,
que honradamente
sou correspondido!
E extingue, Amor, a dúvida em que eu nado,
porque, mais que
não crer, sendo querido,
eu quisera ter fé, sendo enganado...
CAMPOAMOR
(1817-1901)
(Trad. de Aristêo
Seixas)
Mais do que a luz
da inteligência humana,
adoro a escuridão
do meu desejo;
sobre a verdade,
pois, do quanto vejo,
quero o erro da esperança
que me engana.
Tendes razão,
formosa Soberana,
que em duvidar e
crer muito sobejo:
se hoje da crença o
vasto império rejo,
amanhã sofro a
dúvida tirana.
Entre crer e não
crer, passo, indeciso,
pela vida, perpétua
no quebranto,
que anda a ceifar e
foge de improviso.
O duvidar e o crer
confundo-os tanto,
que umas vezes meu
pranto acaba em riso,
e outras vezes meu
riso acaba em pranto...
CAROLINA CORONADO
(1823-1911)
"Ó como te
amo! Como à luz do dia!"
(Trad. de J. G. de
Araújo Jorge)
Ó como te amo! Como
à luz do dia!
Teu nome invoco,
apaixonada e triste,
e quando a noite
veio, e tu partiste,
minha alma em
ânsias ainda te pedia!
És para mim o tempo
que me guia,
a idéia que ao meu
pensamento assiste,
porque em ti se
concentra quanto existe:
a esperança, a
paixão, minha poesia.
Não há canto que
iguale em pensamento
o teu amor, se
sonhas e deliras
num doce instante
de arrebatamento...
Tremo ao te ouvir.
Se me olhas tu me inspiras!
E quisera exalar o
último alento
abrasada ao calor
do ar que respiras.
SALVADOR RUEDA
(1857-1933)
"O sino"
(Trad. de Humberto
de Campos)
Quisera ser um sino
ressonante
para dizer, quando
rompesse o Dia:
ao que vive entre
lágrimas: — "Confia!"
e ao sorridente e
valoroso: — "Adiante!"
Para lançar meu
cântico vibrante,
que desperta
venturas e energia,
e afugentar a
lúgubre agonia
que entenebrece o
coração do amante:
Para à Mulher ir
segredar: — "Redime!
ao Pecador: — "Vai
reparar teu crime!"
ao Velho: — "Pensa
na passada história!"
Para, afinal,
reconfortar o Atleta,
e, ébrio de sons,
quando morresse um Poeta,
rachar meu bronze
repicando à Glória!
SALVADOR RUEDA
(1857-1933)
"O rosário de
minha mãe"
(Trad. de Carlos
Maranhão)
Do nada que a tua
herança se reveste
só quis, ó mãe
querida, o teu rosário:
suas contas
parecem-me o Calvário
que em tua vida
amarga recorreste,
onde os teus dedos,
ao rezar, puseste,
como quem reza a
Deus, ante o sacrário,
e em meus dias de
errante solitário
ponho, um por um,
os beijos que me deste.
Os seus cristais, prismáticos
e escuros,
colar de contas e
de beijos puros
inundam-me, ao
dormir, de um suave brilho!
E no meu leito,
entre os lençóis de linho,
julgo ver-te,
comigo, a orar baixinho,
pela felicidade de
teu filho!
SALVADOR RUEDA
(1857-1933)
"Grito"
(Trad. de Humberto
de Campos)
Ao sondar minha
Dor, qual se chorara,
pedi: —
"Cristãos, vede meu mal traiçoeiro!"
Mas os homens sem
fé, no mundo inteiro,
ver não quiseram
minha sorte amara.
Cheio de nojo,
procurei uma ara,
e implorei: —
"Homens de honra, a mim, primeiro!"
E, de tanto fingido cavaleiro,
nenhum, para me
ouvir, volveu a cara.
— "Filantropos
— clamei — predicadores,
moralistas, filósofos, doutores,
consolai o meu
íntimo desgosto!"
Não se ouviu meu
gemido suplicante...
Gritei: —
"Canalhas!" e, no mesmo instante,
todo mundo me
olhou, voltando o rosto!
VILLAESPESA
(1879-1936)
"O cisne"
(Trad. de Osório
Dutra)
O cisne
aproximou-se... Álgida, Leda
põe a mão sobre a
neve da plumagem,
e adormece
envolvida na paisagem
de um violáceo
crepúsculo de seda.
A onda azul, ao
morrer, suspira queda;
gorjeia um rouxinol
entre a ramagem,
e um touro, ébrio
de amor, muge selvagem
na sombra
merencória da alameda.
Contempla o cisne a
alvura do seu colo,
e, desdobrando as
asas, impudico,
beija-lhe o seio,
alcatifando o solo.
Leda assusta-se... Esconde-se,
extasiada!
E o cisne ergue,
afinal, vermelho, o bico,
como triunfal
insígnia ensangüentada.
VILLAESPESA
(1879-1936)
"O poema do
deserto"
(Trad. de José
Augusto Cesar Salgado)
— Dá-me a beber,
que a sede me agonia —
pedi ajoelhado e
balbuciante...
E deixei em tua
ânfora vazia
saciado o meu
desejo alucinante.
E seguiste... No
teu olhar havia
da luz que morre, o
lucilar cambiante...
Cantavas ao partir...
Tua voz trazia
um líquido frescor
de água distante.
Nunca mais eu te vi...
E em qual estrada,
de tuas mãos
beberei, ó minha amada?
Do meu lábio
febril, o ardor mataste;
mas agora, ao redor
de que cisterna,
conseguirei saciar
esta ânsia eterna,
que no fundo do
peito me deixaste?
GARCIA LORCA (1898-1936)
"A Mercedes em
seu Vôo"
(Trad. de Oscar
Mendes)
Uma viola de luz,
hirta e gelada
já eras pelas
rochas lá da altura.
Uma voz sem
garganta, voz escura
que soa em tudo sem
soar em nada.
Teu pensamento é
neve resvalada
na infindável
glória da brancura.
Teu perfil é perene
queimadura,
teu coração é pomba
desatada.
Canta já pelo ar,
livre e serena,
a matinal flagrante
melodia,
monte de luz e
chaga de açucena.
Que nós outros aqui
de noite e dia
teceremos no ângulo
da pena
uma grinalda de
melancolia.
MIGUEL DE UNAMUNO
(1864-1937)
"A união com
Deus"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Queria, ó Deus,
querer o que não quero,
fundir-me em Ti,
perder minha pessoa;
este Eu vil, pelo
qual me desespero,
que meu mundo, ao
redor, todo enodoa.
Se me deixa tua mão
divina e boa,
qual será minha
sorte? Serei mero
servo do próprio
Eu. Não me perdoa
o nada de onde vim,
e nada espero.
"Cumpra-se o
teu desejo, Pai!" repito
ao levantar-se e ao
recolher-se o dia,
buscando
conformar-me a teu mandato.
Mas dentro em mim
ressoa aquele grito
do implacável
Luzbel, que pretendia
ser, na verdade,
fero desacato!
MANUEL MACHADO
(1874-1946)
"Alfa e
Omega"
(Trad. de Delson
Tarlé)
A vida inteira cabe
num soneto
começado com verso
distraído
e que imita, no
espaço de um gemido,
a infância, tão
fugaz como um quarteto.
A juventude chega
com secreto
ar de vida, que
passa inadvertido,
que vai também, já
foi, sonho vivido,
antes de entrar no
próximo terceto.
Já maduros, pelo
ontem suspiramos
e, curtindo a
incerteza do amanhã,
este breve terceto
malgastamos.
E, quando no
terceto último entramos,
é para ver, com
experiência vã,
que se acaba o
soneto... e que nos vamos.
JUAN RAMÓN IIMÉNEZ
(1881-1958)
"Outubro"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Deitei-me a
descansar na terra, em frente
dos infinitos
campos de Castela,
que o outono
revestia da amarela
suavidade do seu
claro sol-poente.
Moroso, o arado,
paralelamente,
abria a terra
escurá, e a mão singela
escondia a semente
dentro dela,
em sua entranha
aberta honradamente.
Quis arrancar o
coração, deixá-lo
pleno do meu
sentir, alto e profundo,
ao sulco amplo do
chão bondoso e terno;
a ver se, com
rompê-lo e com semeá-lo,
a primavera, então,
mostrava ao mundo
a árvore pura de um
amor eterno.
JUAN RAMÓN JIMÉNEZ
(1881-1958)
"A minha alma"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Sempre tens uma
rama preparada,
aguardando o
frescor da rosa certa.
À porta do teu
corpo, o ouvido alerta,
cálido, ausculta a
flecha inesperada.
Não passa onda
sutil, não passa um nada,
sem que leve de tua
sombra aberta
a luz melhor. De
noite, estás desperta,
em tua estrela, à
vida desvelada.
Signo indelével
pões nas coisas. Gozas
a Glória em ti.
Reviverás, um dia,
nas coisas, por
assim tanto vivê-las.
Tua rosa será norma
das rosas;
da Luz, teu
pensamento; da Harmonia,
teu ouvido; teus
olhos, das estrelas.
J. FERNÁNDEZ DEL
VILLAR (1888-1941)
"Sonho
galante"
(Trad. de J. G. de
Araújo Jorge)
Quisera ser teu
pajem favorito
para estreitar-te
as mãos espirituais,
e converter em flor
de madrigais
teu coração tão duro,
de granito.
Em meu escudo eu
levaria escrito
teu nome, para a
inveja dos rivais,
e teus lábios em
flor, rubros, sensuais,
seriam mel, para o
meu beijo aflito.
Em tua honra eu
terçaria lanças
para alcançar
favores e esperanças,
vencendo prélios,
superando escolhos,
e tendo o teu
orgulho dominado,
quisera ver-me
sempre retratado
nessas claras
safiras dos teus olhos.
JOSÉ MARIA
CARAJAVILLE (1892-1932)
"Pombas
mensageiras"
(Trad. de Carlos
Maranhão)
Essa paz campesina
em que me abismo,
tem tal doçura,
generosa e estranha,
que nessa calma o
espírito se banha
qual num Jordão
sereno de mutismo.
Dormem as
inquietudes do lirismo
e uma suave
indolência me acompanha.
Meu pensamento —
caprichosa aranha —
vai tecendo outros
fios de idealismo!
Recordando passadas
desventuras
— cativas dos
encantos desta calma
e ao sonho redivivo
das ternuras —
voam estas estrofes
prisioneiras
sobre as líricas
asas da minha alma,
como um bando de
pombas mensageiras...
FRANCISCO RODRIGUEZ
MARIN (1855-1943)
"Anseios"
(Adaptado por J. G.
de Araújo Jorge)
Água eu quisera ser
— pela alegria
de te dar a beber
meu próprio Ser,
por tua sede, que
eu não mataria,
para molhar teus
lábios, por prazer...
Vento eu quisera
ser — e à noite, iria
adormecida, te
surpreender
ressonando em teu
leito, e então seria
o ar que precisas
pra poder viver!
Fogo eu quisera ser
— e em rubras chamas
num delírio de
amor, toda, abrasar-te,
para ter a certeza
de que me amas...
Depois, para
possuir-te, de verdade,
— terra eu quisera
ser! E disputar-te
ciumento, à morte,
pela eternidade!
______
NOTA: J . G. de Araújo
Jorge lembra que o tema do soneto ("Anhelos") se baseia na
"velha concepção de Empédocles, filósofo grego da Escola de Mileto, que
afirmava ser o Universo constituído de quatro elementos fundamentais: a água, o
ar, o fogo e a terra".
FRANCISCO RODRIGUEZ
MARIN (1855-1943)
"A um bem
efêmero"
(Trad. de J. G. de
Araújo Jorge)
Ó, inesperado bem
que a mim chegaste
como em meu coração
te recolheste,
e em eflúvios
celestes o inundaste
e num mar de
delícias o envolveste?
Pois
que ao teu fogo o meu amor ardeste
por
que ao partir, ardendo, o abandonaste?
Para
durar tão pouco por que vieste?
E
se quiseste vir, por que o deixaste?
Relâmpago
fugaz, ó bem — meteoro
que
no céu cintilou! Nem sei se vi
na
noite, a tua luz. Mal pude ver-te!
Mas
a sorte bendigo e não deploro,
pois
perdendo-te assim, enfim perdi
essa
angústia e esse medo de perder-te.
GERARDO DIEGO
(1896)
"Insônia"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Desnudo sonho, o
teu. Suspiros suaves.
Sem mim teu sonho e
em ti o meu desvelo.
E dormes, incapaz
de percebê-lo,
tu em teu sonho e
pelo mar as naves.
Em cárceres de
espaço, aéreas chaves
separam-te de mim.
Lá fora, o gelo,
cristal de ar em
mil folhas. Sinto o apelo
de voar a ti com
asas de mil aves.
Não posso. E
dormes, calma como o céu,
tão perto de meus
braços manietados,
tão perto... e tão
segura, anjo risonho.
Que pavorosa
escravidão de ilhéu!
Eu, louco, insone,
preso a meus cuidados,
as naves pelo mar,
tu em teu sonho.
RAFAEL ALBERTI
(1902)
"À paleta"
(Trad. de Xavier
Placer)
A ti, infinita
face, chão semeado
onde ceifa o
pincel, resume, amassa
e onde entre cor,
luzes e sombras, passa
de mar radioso a um
tempo então nublado.
A ti, poço e
coberta, onde assomado
medita, vem e vai,
mede, compassa;
fronte na mão
pousada que ultrapassa
teu ver de Polifemo
enamorado.
A ti, asa redonda,
leque, escudo,
espelho que ao
vestir queda desnudo
a superfície
novamente pura.
Em ti a visão se
apura assim que nasce.
Teu firmamento o
arco-íris pasce.
A ti, leito e cadinho
da Pintura.
MIGUEL HERNÁNDEZ
(1910-1942)
"O touro"
(Trad. de Delson
Tarlé)
Como o touro,
nascido para o luto
e a dor, eu, como o
touro, estou marcado
por um ferro
infernal em meu costado,
a alma em fogo, no
ardor de um corpo bruto.
Como o do touro,
fica diminuto
todo o meu coração
desmesurado,
e, do teu beijo
sempre enamorado,
eu, como o touro,
teu amor disputo.
Avulto, como o
touro, ante o castigo.
No coração, na boca
ensangüentada,
na cerviz, há
trovões reboando em coro.
Como o touro, te sigo
e te persigo,
e deixas meu desejo
numa espada,
e eu, trôpego,
agonizo, como o touro.
RAFAEL DUYOS (1906-1983)
"Soneto
II"
(Trad. de J. G. de
Araújo Jorge)
Que hei de fazer,
amor, sem teu cuidado
quando novembro
chegue às minhas veias?
Já não trarei as mãos,
como hoje, cheias
de açucenas, do teu
jardim velado.
Porém, desse jardim
por mim guardado
entre estas folhas
de sonetos cheias,
restará a saudade —
e em suas peias
um perfume de amor,
de amor calado.
E quando
perguntarem: e isto, que era?
Por que uma tal
lembrança murcha e rota
no teu velho
caderno de poesias?
Eu lhes direi que
foi a primavera!
O sumo dos teus
lábios, gota a gota,
semeando as ilusões
mais fugidias.
RICARDO LEÓN
(1877-1943)
(Trad. de J. G. de
Araújo Jorge)
Do instante em que
vos vi, minha Senhora,
fiquei cativo à
vossa formosura,
e nas entranhas
dessa noite escura
que é à minha vida —
amanheceu a aurora!
Piedade! pois minha
alma vos adora
prisioneira em
dulcíssima loucura,
e amor eterno
nestes versos jura
com essa ternura que
em meu peito chora!
Não vos ofenda,
pois, o meu carinho,
que os vossos
claros olhos, possa tê-los
como luz a guiar o
meu caminho...
Foi minha doce
perdição mirá-los
pois se a amá-los
cheguei, tão só por vê-los
certo, Senhora, hei
de morrer, de amá-los!
(Das
páginas 313 a 346 de “O Mundo Maravilhoso
do
Soneto, de Vasco de Castro Lima)
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